Olá amigos, tudo legal com vocês?
Quantos comentários maravilhosos! MUITO OBRIGADO!!
Amo ler cada um de vocês, mesmo, mesmo! Espero que continuem acompanhando e curtindo.
Um abraço para todos e até amanhã!
UMA ÓTIMA LEITURA!
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Os paredões de som estouraram às alturas. Era impossível ouvir qualquer coisa, que dirá conversar. Súbito me vi separado de Robson por uma corrente humana, não consegui vê-lo. Mas como se fosse o mar vermelho se abrindo, por falta de exemplo melhor, havia um corredor humano, por onde um homem mais velho. Talvez na casa dos quarenta anos de idade, vestindo um colete jeans e no pescoço cheio de correntes de ouro. De onde eu estava podia ver o ouro reluzir. As pessoas o saudavam como a um rei, ele parado acenava para todos.
Conforme esse homem prosseguia em seu cortejo, às costas dele a abertura deixada por sua passagem ia se fechando. Perdido e com gente para todo lado. O amigo de Robson, já requebrava até ao chão ao meu lado, Fefito. O ritmo da música realmente era contagiante, mesmo eu me balançava um pouquinho, mas a letra da musica “...quinca novinha...”, “... chama sua amiga de nojenta...”, “...baile de favela...” desanimava, eu só me perguntava como as meninas podiam requebrar até ao chão com aquelas letras falando das partes intimas delas.
Senti uma mão no meu antebraço, era Fefito. Usando saltos com uma tatuagem linda floral em parte da coxa e com uma argola imensa no lóbulo direito, ele me puxou. Incrivelmente, ele foi conseguindo driblar a multidão de pessoas, e fomos nós afastando do barulho, com o som muito alto não dava para perguntar nada. Eu o segui, mas procurando por Robson no meio de toda aquela gente.
Ao sair da multidão o som mesmo alto, ensurdecedor, maneirava ali. Vinha mais brando.
- Você viu Robson?! – gritei para ele. Fefito negou com a cabeça e continuou me arrastando para longe – Onde estamos indo?! – gritei mais.
- A lugar nenhum – respondeu bem próximo ao meu ouvido – foi o Jogador que mandou te trazer aqui, - abriu um sorriso confidente - aquele que falou contigo... Só espera aqui – disse e já foi se afastando.
Ele estava falando de Emerson? Olhei a minha volta as pessoas todas estavam de olho nos paredões. O tum-tum-tum só fazia aumentar dando até uma tremedeira no chão, me aproximei do povão mais uma vez e vi lá no paredão as meninas com shortinhos curtos rebolando, e uns meninos bundudos também. Não consegui não sorri disso, como podiam dançar uma letra desta? Lá do paredão a voz de um homem o cantor, Mc, Dj, ou seja lá quem fosse gritou “Só as novinha que vai pro abate!” eu arregalei os olhos.
O que diabos é um abate? Perguntei a mim mesmo, chegando mais perto da multidão. Dali eu via as bocas dos fuzis e metralhadoras no meio do povo para o alto, meu coração estremecia. As armas do meu pai eram tão mais simples.
- Ei cara! – me virei para a voz e era a do rapaz do murinho. – Vem comigo... – esse era o Jogador? Eu me retesei permanecendo no meu lugar. – Oh de menor! Eu tenho mais o que fazer tá legal? Então entra e senta na merda desse carro caralho! – engoli em seco ainda hesitante com o que estava acontecendo ali. O carro a que ele se referia mais lembrava um buggy. Amarelo e sem qualquer cobertura ou porta. – Entra! – repetiu cerrando a mandíbula com força. De perto assim nem era tão gatinho... e com esse humor menos ainda, pensei.
- Mas você nem me conhece para quê quer que eu entre ai? – perguntei minha testa já estava suando frio – Olha cara... Eu vim com o Robson tá...
Ele segurou o fuzil que estava pendurado no pescoço e o colocou pra frente cobrindo parte do peito. Engoli em seco... Era aquela a sua resposta? Um ótimo argumento. Resoluto e com o nariz tremendo de medo, me sentei no banco ao lado do motorista. Ele sentou-se ao lado assumindo o volante e de algum jeito conseguiu continuar com o fuzil em uma das mãos. Seu cheiro era de suor, apenas.
Ele pisou no acelerador e foi avançando por ruas desertas, outras com um morador aqui e outro acolá, passou por mais dois caras com metralhadoras nos ombros. E estacionou o buggy em frente a um beco. No final do beco, a luz acessa deixava ver uma porta. Ele pulou do carro e fez um gesto com a cabeça, meu coração a mil por hora. Saí do carro também, e o segui, ele abriu o portão.
- Entra ai, e espera – eu fiquei parado sem me mover – tá vendo a porta não? Entra ai abre o caralho da porta e espera lá dentro. – Esbravejou ainda mais irritado.
Fiz como me disse, abri o portão sem saber o que me aguardava. Passei pelo beco e empurrei a porta. Se meu pai me visse agora... Pensei ao entrar no lugar todo escuro, avancei mais e as luzes foram se acendendo. Quem olhasse de fora nunca desconfiaria do luxo interno. O piso espelhado e negro dava aos moveis brancos da sala um ar de limpeza exuberante. Um abajur pescoçudo se insinuava ao lado do sofá, no centro uma mesinha toda em carvalho envernizado. O tapete felpudo também negro, igualzinho ao do meu quarto.
- Robson? – arrisquei chamando. Como ninguém respondeu, segui pela casa, por onde passava as luzes iam se acendendo e o som externo ali era nulo. Não se ouvia um ruído vindo do lado de fora. Como era possível? Caminhei mais pela casa, sem saber muito bem para onde.
Logo no corredor à esquerda, ficava a cozinha. Tudo limpo e organizado. Avancei mais pelo corredor, bati na primeira porta a direita. Ninguém. Girei a maçaneta, preparado para pedir desculpas se caso alguém reclamasse, mas não havia ninguém no quarto. Apenas uma cama de casal com a colcha muito bem esticada, um abajur igual ao da sala ao lado da cama e um guarda-roupa enorme à frente.
Ao longo do corredor eu conseguia contar mais três portas. Além de uma dentro desse primeiro quarto. Da sala, ouvi o barulho da porta sendo aberta, mas sem sinal de passos avancei para lá. Ele tirou da cintura a arma, e a colocou no sofá. Virou-se para mim e sorriu descalçando os sapatos.
Debaixo de seus olhos duas bolsas inchadas de olheiras como se não dormisse uma noite completa há muitas noites.
- Desculpe por não ter voltado lá – ele veio em minha direção, eu hesitei uns passos – Romeu é ignorante e rude mesmo com todo mundo...
Tirou o Rolex, corrente, pulseiras e voltas tudo muito dourado, não folheado a ouro, mas ouro maciço pelo jeito. As luzes refletiam e brilhavam no material, agora eu podia vê-lo melhor. Seus braços nus, a camiseta igual a dos jogadores de basquete. Ele a tirou e metade do seu peso foi embora porque estava com um colete por baixo. Não evitei sorri da minha estupidez.
- Fui burro, - disse enfim, ele arqueou as sobrancelhas – te encontrei pela primeira vez na frente de uma delegacia... Depois na entrada de um morro. Mas você foi tão educado que nunca pensei...
- Que eu fosse um bandido? – ele concluiu prosseguindo em minha direção, eu forcei minhas pernas a pararem por mais que na realidade eu quisesse abrir a porta do quarto e me esconder, desejando que tudo não passasse de um pesadelo. – Você é amigo intimo de um cara que por acaso é irmão do chefe de uma das facções mais poderosas do país. E eu, simples funcionário sou o problema? – sorriu cruzando os braços e suspirando.
Pode parecer loucura, irrealidade, mas na minha cabeça passava a foto dos garotos no perfil dele, será que todos aqueles moleques? Desviei nossos olhares, ele descruzou os braços e seguiu corredor adentro sem dizer mais nada. Eu corri para a porta e abri, continuava aberta, bem, preso não estou... Olhei para dentro, depois para fora de novo. Eu devia sair e pedir para descer o morro. Mas lá de dentro o barulho me fez voltar, curiosidade, loucura, excitação ou uma mistura de tudo isso, mais timidez.
Não tinha como não sentir o estômago apertar um pouco, porque esse cara me chamou aqui? A vá! Tem um monte de mulher lá fora... Ele é um tipo de chefe, porque ia querer... Ele é um bandido! Minha consciência como sempre estava gritando lá do fundo do poço. Não dei ouvidos à consciência, segui pelo corredor. Ele estava na cozinha olhando uma panela no fogo.
- Por que você me trouxe aqui? Só me responde isso, por favor. – Digo me encostando ao batente da entrada sem porta com as mãos nos bolsos da bermuda.
- Pra gente transar – sorriu sério - você teve coragem de vir em um morro, no dia de baile mais baixaria que existe – foi dizendo e se aproximando – qual era a sua intenção? Não era essa? Foder com alguém, ou deixar alguém te foder? – arqueou uma das sobrancelhas.
A panela no fogo estava borbulhando, o cheiro de baunilha do hálito dele batia direto na minha cara. Eu engoli em seco, a panela tremia em cima do fogão ele estava cara a cara comigo, quer dizer ele um pouco mais alto, mas nada demais. Veementemente neguei com a cabeça e até senti o pescoço reclamar, não tinha vindo ali para... Não com essa intenção mesmo, e tão sério quanto ele, respondi:
- Você está tirando conclusões precipitadas, eu vim dançar, me divertir ver gente e a convite de um amigo.
Ele gargalhou e pela primeira vez vi como seu pomo de adão era grande e sua voz grave. Emerson segurou o cabo da panela com água borbulhando, abaixou a velocidade do fogo, e se virou para mim:
- Então se não quer que tirem conclusões precipitadas de você pare de fazer isso com os outros – ele abriu o armário e pegou um pote de vidro com macarrão – eu me fiz de ladrão e te devolvi o celular não foi? Aquele babaca, seu tio, policia! Gritou contigo, sacana duas vezes maior que você... Depois deixei você pensar que eu fosse um motorista de uber, e tudo isso foi conclusão sua. Agora você está achando que eu sou um bandido...
Arqueei a sobrancelha, e não era? Ele mesmo tinha acabado de dizer. Veio em minha direção mais uma vez, esticou o braço e abriu a geladeira de lá tirou o óleo e colocou na agua do macarrão, depois jogou as varinhas de massa lá dentro. Ele sabe do meu tio policial? Como não ia saber... Podia ter me trazido aqui para alguma coisa... Minha consciência, foi subindo do poço de onde se encontrava gritando, corre enquanto há tempo!
- Como sabe... Do meu tio... Emerson, isso tudo é muito estranho pra mim. Eu... Eu pensei que você fosse sim um motorista de uber, um cara gay, normal! – era tão difícil isso? Achar um cara gay comum, sem... Sei lá... Tantos problemas.
- Quer me conhecer? Ou prefere ficar ai com essa cara de quem tá criando mil probabilidades? – disse apontando uma colher para mim. – Acredite esta é a única coisa que vou apontar para você hoje. Para de tremer e senta ai...
Ele puxa um dos bancos com pernas longas, vacilante e tremulo me sento nela. Emerson senta-se no banco/cadeira à frente. Ele está sem camisa e sem colete, mas com uma faixa preta cobrindo parte do peito. Apoio meus cotovelos no frio mármore da mesa, e com os dedos penteio meus cabelos secos e um pouco suados. Eu o encaro assim, braços cruzados com o rosto virado para o fogão ao nosso lado. Nariz pontudo, maçãs do rosto mais magro, até um pouco côncavo e cabelos bem pretos. Crescendo aos poucos... Nada de deus grego nem hercúleo.
- Tá... – Falo. – Isso tudo é muito doido...
- O que? Fazer macarrão? – ele sorri debochado. – Nada, tudo é muito simples. Você se mudou do seu tio? Conseguiu se livrar dele?
- Sim... – ainda estou tremulo. – Não vai colocar o molho? – ele nega me olhando – Perdi meu celular... Não tinha como mandar mensagem, nem nada do tipo.
- Que pena – ele sorri – passei na sua casa e me disseram que você havia se mudado. Como perdeu o celular? - Ele se ergue e vai para o fogão, tira um pouco da agua. – Tem que esperar um pouco, o óleo evita que a massa grude na panela... Então? Como você perdeu o seu celular? Isso para mim é bem importante.
Franzi as sobrancelhas. Muita informação... Ele foi mesmo atrás de mim. Senti minhas pernas tremelicarem um pouco.