Início de noite, o ônibus percorria pela BR-116 no estado do Paraná em direção à Santa Catarina. Eu pensava no Augusto, nossa relação esfriara desde o dia em que o deixei sozinho na balada da Cantareira, apagado e com o bolso cheio de cocaína. Em nosso encontro alguns dias depois do ocorrido, ele admitiu que ganhava uma boa grana revendendo para seus parceiros de balada e que era só para tirarem um barato e não era um traficante.
Era sim, mas tentava iludir a mim e a si mesmo. Mas não foi este o motivo principal do declínio do meu entusiasmo por ele, o novo Augusto que passei a enxergar não me atraía tanto quanto o do início.
Não aconteceu uma despedida entre nós, e isso foi até bom, pois com certeza a polícia iria ouvi-lo e o seu testemunho poderia reforçar a hipótese de que sumi contra a minha vontade.
Despertei dos meus pensamentos ao ouvir que o ônibus clandestino voltou a apresentar problemas. Rodamos somente alguns quilômetros depois que deixamos a cidade de Piraquara. Faríamos uma nova parada em um fim de mundo, pois a lata velha havia quebrado de vez. Nós, passageiros, teríamos que permanecer no local até o dia seguinte, era quando chegariam as peças necessárias para efetuar o conserto do busão.
Daisy ficou se culpando por não ter pego um ônibus de uma companhia regularizada, no entanto, só seria possível se embarcasse na rodoviária onde havia inúmeras câmeras de vigilância e ainda teria que apresentar documento e teria seu nome na lista de passageiros. Não acontecia o mesmo com aquele ônibus clandestino.
A garota desceu para relaxar. Enquanto caminhava pela pequena praça do vilarejo, foi abordada por um jovem casal no interior de um Santana que mal dava para ver a cor de tão empoeirado que estava. Eles vinham em sentido contrário, à caminho de São Paulo. Estavam de passagem pela cidade e pensaram que ela fosse moradora do local. Perguntaram onde poderiam comer e beber algo e se havia alguma diversão naquele lugar.
Depois que Daisy explicou que também estava de passagem, disse que havia visto um lugar legal a uns 500 metros atrás.
— Se não fosse o cabelo, todos diriam que vocês duas são gêmeas. — As duas garotas concordaram e sorriram com a observação do rapaz.
A semelhança entre elas era impressionante. A jovem de cabelo curto e negro se apresentou como Jessie e o rapaz como James. Ela 20 anos, ele 24.
O trio partiu para o “lugar legal” mencionado por Daisy, uma parada de caminhoneiros e viajantes. Lá chegando, eles comeram, beberam, conversaram banalidades e desconversaram quando a pergunta foi mais íntima. Ninguém queria revelar detalhes relevantes de sua origem. O casal disse que era do interior de São Paulo e ambos viviam na estrada a mais de dois anos, era uma vida cigana.
— Ninguém chorou quando partimos e ninguém deve estar à nossa espera ou desejando nossa volta — desabafou Jessie.
Daisy revelou que era nordestina, mas não de onde, e que veio para o Sudeste em busca de trabalho e de melhores oportunidades.
Os três jovens estavam cheios de más intenções, todos tinham algo a esconder e interesses distintos. A conversa amigável assemelhava-se a um jogo de poker em que se paga pra ver caso presuma que está de posse das melhores cartas.
O casal de relação aberta assediou a jovem que cedeu sem muita resistência. O trio abriu mão de procurar um motel, decidiram por um encontro a três às margens de uma represa localizada terreno adentro e que seguia ao longo da estrada. O local escolhido parecia uma praia deserta, propício à intenção deles de praticarem um ménage à trois.
Estávamos distante de olhares incriminatórios, foi quando a Jessie me abraçou dizendo que estava morrendo de tesão por mim. Beijou minha boca sem a menor cerimônia. Nós três estávamos ligeiramente embriagados e com a libido a mil. As preliminares avançaram com o cara me despindo o tronco, roçou seu tórax nu em minhas costas e suas mãos amassaram carinhosamente os meus peitos. A garota grudou em meus lábios novamente, fizeram de mim recheio de sanduíche em um abraço triplo.
James puxou-me de lado, descolei da Jessie para beijá-lo. Após devorar minha língua ele desceu até meu seio e o sugou como se estivesse faminto. Nesse meio tempo eu já estava pelada, pois a Jessie havia me despido inteirinha e se enfiou entre minhas pernas. A garota me ganhou de vez ao brincar com meu sexo em sua boca.
Tudo acontecia rápido demais e eles trabalhavam em conjunto como se houvessem ensaiado ou praticado o lance várias vezes. Desde o bar eu desconfiei daqueles dois, suspeitava que poderia estar caindo em um golpe, mas eles tinham algo que me interessava muito, então resolvi correr o risco e entrar nesse jogo perigoso.
O cara me deitou na areia e ajoelhou me deixando entre suas pernas para que eu recebesse seu pau garganta adentro. Fiquei receosa e com raiva de mim mesma; deixei que me colocassem indefesa estendida embaixo dele. Contudo, a posição de submissão teve o seu lado bom, a garota abriu minhas pernas as levantando e teria arrancado meus gritos de tesão com sua chupada caso eu não estivesse de boca cheia fazendo um boquete no James.
O momento a seguir foi de dúvida e hesitação, ele veio de pau em riste pronto para me possuir… E sem preservativo. Eu estava morrendo de tesão e doida para transar gostoso com ele. Em outra situação eu teria dado um foda-se e me entregado, porém, havia algo mais em jogo e não era somente sexo.
Demonstrei receio e disse que gostaria de assistir os dois se pegando primeiro, ainda não estava completamente à vontade com aquela novidade única em minha vida. Eles trocaram um olhar… Sabe aquele instante de percepção em que conseguimos ler até pensamentos? Foi o que aconteceu comigo, sabia que estavam se comunicando por código. Eu tinha que tomar uma decisão rápida executando o meu plano, antes que fosse tarde demais e me transformasse em vítima.
Falei que ia procurar uma camisinha na minha mochila, enquanto isso ele deitou sobre ela, percebi que a penetrou, pois o gemido profundo da garota refletiu em mim como se fosse eu a penetrada.
Nos minutos a seguir o casal se amou intensamente como se o fizessem pela última vez.
***
Acordei horas mais tarde ouvindo a cantoria dos pássaros, começava a raiar o dia. Estava deitada na relva, um pouco mais acima de onde acontecera nossa transa a três. Estava sozinha naquela beira de represa, o lugar ainda permanecia deserto. Estava exausta, nua e imunda. Olhei assustada procurando por minhas coisas, fiquei aliviada vendo que tudo ainda estava como deixei. Tomei um banho na água fria e turva antes de me vestir e voltar para o ônibus. Fiquei preocupada que antecipassem o conserto e o motorista saísse antes que eu chegasse.
Já era dia de sol intenso quando cheguei e pedi minha mala para o responsável pelo transporte, a maior parte dos meus 600 mil dólares estavam guardados dentro dela. O homem disse que a lata velha ficaria pronta em uma hora e seguiríamos viagem. Falei que tinha conseguido uma carona e me fui. Caminhei alguns quarteirões e peguei o Santana onde deixara estacionado. Depois acelerei estrada afora.
Ao passar pela “prainha deserta” Daisy acenou dando um tchau, um muito obrigado e sorriu com frieza. Foi naquele mesmo local onde ocorreu a orgia da noite anterior que ela sepultou os corpos do casal Jessie e James.
Os dois jovens haviam rodado por quase todo o país nos últimos dois anos vivendo um dia após o outro com o fruto dos pequenos golpes que aplicavam. A tática era atrair homens e mulheres para diversão sexual a três ou a quatro para depois roubá-los e fugirem para outra cidade. Quando o dinheiro acabava após farras e noitadas, eles partiam em busca de uma nova vítima. No entanto, dessa vez os caçadores viraram caça. Enquanto estavam com os corpos colados ao chegarem ao momento mágico daquela transa, Jessie teve um orgasmo múltiplo ao ouvir o urro demoníaco do seu parceiro. Ela imaginou que a manifestação fosse de tesão quando ele deu seu último gemido de dor ao sentir a lâmina de uma faca atravessando o seu coração. Isso a fez gemer e remexer ainda mais com a intensidade do seu clímax.
Jessie estava de olhos cerrados quando sentiu o primeiro golpe em seu pescoço. Horrorizada abriu os olhos e, sangrando em abundância e quase sem vida, ainda viu a sua algoz dando-lhe o golpe de misericórdia.
O momento mágico, último na vida do casal, se transformou em momento trágico.
Os dois corpos foram enterrados juntos onde a vegetação manteria os transeuntes afastados do local e da cova.
***
Em São Paulo o negócio havia dado ruim pro Edgar, ele foi preso, pois era o principal suspeito de ter assassinado a pessoa encontrada carbonizada em seu carro. O grau de carbonização, somado à ausência das partes mutiladas, impediram a identificação do corpo.
Outro agravante contra o homem: centrais telefônicas da região confirmaram que os celulares da Giulia e da Daisy estiveram conectados ao wi-fi da casa dele até 01h08 da madrugada de sábado. Ambos perderam o sinal ao mesmo tempo e não houve novos registros. Os aparelhos não foram localizados.
Além disso, foram encontrados vestígios de sangue na residência. Após a perícia o homem se complicou ainda mais.
O investigador Freitas havia sido designado para o caso do corpo carbonizado e sumiço das duas moças. Ele tentava estabelecer uma relação com o caso Luana.
Durante a investigação na casa do Edgar foram recuperados dados apagados do HD do seu Laptop. O policial fez uma expressão de questionamento ao visualizar o material, havia várias fotos e pequenos vídeos da Daisy. Na maioria deles ela estava nua ou em trajes menores. Aparentemente foi o patrão Edgar quem registrou as cenas produzidas em sua residência, na casa de praia em Maresias e também na casa da garota. Em quase todas as imagens ela aparece contrariada, esconde o rosto, mostra o dedo e ameaça jogar objetos.
Em um dos vídeos a jovem está na cozinha de sua casa mexendo em uma panela no fogão. Suas nádegas e restante da retaguarda estão descobertas, pois ela veste somente um aventalzinho que cobre parcialmente suas partes frontais. Ela se vira Irritada e ordena que ele pare de filmá-la.
O policial conjectura que a irritação, na verdade, seja um jogo de provocação e sedução que a menina astuta faz com o homem, ou com os homens. Ele pensou na cena da última vez em que esteve na casa da garota para pegar informações do caso Luana. Era quase meio-dia de uma segunda-feira e ela estava com este mesmo pequeno avental do vídeo quando o atendeu após suas batidas na porta:
— Já vai, Léo, um minuto.
Ela escancarou a porta. Estava com um sorriso largo no rosto e ajeitando os cabelos, porém, sua expressão ficou séria ao ver-me, fechou um pouco a porta ficando com o corpo parcialmente coberto.
— Desculpe-me por não ser o Léo.
— Magina, não tem de quê — o Léo é um dos rapazes que está trabalhando na casa debaixo, ele à pouco disse que vinha pegar o almoço. Pensei que fosse ele.
“Essa malandrinha se justifica demais para quem não tem nada a esconder.” Pensou o homem e, não, o investigador.
— Eu estava passando e aproveitei para lhe fazer mais umas perguntas… — O celular dele tocou e era urgente, tinha que ir para uma cena de crime. Disse para a moça que a procuraria outro dia.
“Só hoje me dei conta de que não vi nada mais em seu corpo além do aventalzinho que cobria seios e quadris. Ela provavelmente estava com a bundinha de fora e o felizardo do pedreiro é quem se deliciou com a cena da menina exibida. Droga de telefone, não poderia ter esperado quinze minutos antes de tocar?” Lamentou-se o policial em pensamento.
Freitas continuou examinando os vídeos. No próximo ela aparentava embriaguez, contudo estava calma e amorosa dessa vez. Cheia de malícia e com gestos de sensualidade diz que faria um strip-tease e masturbaria a si e a ele também. Permitiria que a filmasse, em troca queria parte do pé de meia dele. Ela fez sinal de aspas com as mãos ao dizer “pé de meia”, sem largar o copo de vinho. O vídeo foi pausado e ao continuar mostra a jovem caminhando rápido em direção à pia. Está completamente nua novamente e desta vez parecia ser real a sua fúria. A moça pegou uma faca de cozinha e o ameaçou:
— Para caralho! Você sabe do que sou capaz, faço o mesmo com você se continuar me emputecendo — o homem a chama de boca suja e encerra o vídeo.
Freitas balança negativamente a cabeça, sorri e se recusa a acreditar na teoria que acabara de formular: que aquele anjo sedutor não fosse uma vítima e, sim, uma assassina fria e calculista.
Horas mais tarde, em uma cidade do estado de Santa Catarina, Daisy admirou-se no espelho de uma pousada. Ela cortara seus cabelos longos e castanhos e os tingira de negro. Comparou com a foto da identidade da Jessie e sorriu satisfeita. A jovem criminosa ganhou um visual diferente e documentos que certificavam sua atual aparência. Com dinheiro suficiente para não precisar trabalhar por anos, ela só teria a preocupação de nunca ser presa ou sua vida de vilanias chegaria ao fim.
Fim
Quero agradecer a todos que tornaram esta obra possível, especialmente ao meu amigo Caio Renato Gadelha que disponibilizou seu tempo me ajudando com a minha dificuldade em desenvolver cenas de crime. Também foi fundamental na construção do perfil criminoso da minha protagonista (Daisy).