//PRÓLOGO
NOS DIAS QUENTES de verão, na Cidade do México, Lionel gostava de andar descalço pelo areal cândido da praia. Prezava, no ócio da sua liberdade, sentir os grãos fisgando entre os dedos. Amava a praia. E foi justamente lá que conheceu Gustavo. Gustavo De Vitto. Aspirante a atleta, futebolista. Moço bonito, esguio, moreno, desses que faz sucesso com as escolares. Desses que quando chegam em nossas vidas, deixam a sua marca talhada no aço do peito.
Lionel saía de casa às sete costumeiramente solitário. Imerso nos seus fones de ouvido fugia da realidade. Andava duas quadras até a sua escola. Cabeça erguida, passos largos. Às vezes cruzava com De Vitto suado no campo jogando bola com os outros logo pela manhã. Nessas vezes, podia ser que estivessem sem as camisas e, nesse caso, Lionel até parava para admirar...
Talvez eu entre para o time de futebol ― ele pensava consigo. Mas era só isso: pensamento. E logo se esvanecia. Um dia desses, perto dali, comprando uma garrafa de suco, uma garota observava o nosso tímido protagonista enquanto consertava a franja atrás da orelha.
Quando a sirene ecoou avisando a hora do lanche, a garota que observava Lionel o seguiu pelas galerias atulhadas do colégio. O rapaz andava desatento, embalado das ondas de Thriller e The Fame Monster. Logo saiu num espaçoso corredor, quase vazio. Sentou-se numa das várias banquetas. A garota logo se abancou ao seu lado.
― Oi!
Lionel desencaixou um fone do ouvido. O papo era mesmo com ele.
― Laura? ― ele disse. ― Você era namorada do Gustavo, do time da escola, né?
― E daí? ― ela desdenhou enquanto corrigia novamente a franja na orelha.
― E daí que... sei lá. Nunca imaginei falar com você!...
Ambos permanecem assim, mudos por uns segundos, sob um silêncio de embaraço. Laura cansou-se, afinal:
― Namorei ele sim, o Gustavo. ― Baixando a voz: ― E quer saber de um segredo? Ele tem o pau mais lindo que eu já...!
Novamente, segundos de silêncio separaram uma fala da outra. Só que agora o silêncio não era de embaraço. Lionel abriu a boca:
― E... imagino até que se engasgou?! ― perguntou.
Laura respondeu com um sorriso, mas logo tomou o braço do garoto e o arrastou consigo.
― Vem cá ― ela disse ―, vou te apresentar uns amigos!
Os dois foram dar no campo de futebol onde estavam treinando os meninos da liga da escola, inclusive De Vitto. Laura alcançou o treinador do time, Tonito, numa lateral do campo com seu apito na boca e atenção nos olhos. “Este é o Lionel! Imagino que se treinado com disciplina, pode ser um ótimo substituto futuramente” ― disse Laura, com a sua lábia incrível, apresentando ao treinador o pálido Lionel.
Ambos, pouco depois, sentaram-se mudos na arquibancada quase vazia, e com um breve brilho nos olhos ficaram lá, sem notar a sirene de recolhimento, observando o jogo se estender, expectantes de cada movimento acrobático feito pelos seus atletas.
//O BANHEIRO
O VERÃO HAVIA ACABADO. Durante o outono, o clima oscilava. Ora quente, ora frio. Lionel, suportando todas as críticas, e mesmo sua própria autocrítica, infiltrou-se na liga masculina de futebol da escola. Treinou. Treinou mais. Formou-se fisicamente. Deu o suor. Manteve-se focado ― algumas vezes também nos rapazes... Talvez Lionel não aceitasse o que os outros pensassem, por isso ele se sacrificava daquela forma apenas para ser respeitado pelos garotos, por todos.
Numa friorenta manhã, após um rígido treino, Lionel e os demais meninos suados foram para o vestuário. Ali se despiram, exceto Lionel. Todos nus e risonhos seguiram para os chuveiros. Só Lionel permaneceu no vestiário, sentado num banco, intimidado e aborrecido com essa timidez. Não conseguia ficar pelado na frente deles. Sentia-se pequeno e idiota por isso. Imerso nos próprios pensamentos, o jovem rapaz não percebeu a entrada de De Vitto, que já se despia. Foi ele quem disse:
― Ei, Lion! Bora pro banho! A gente ainda tem aula hoje, te esqueceu?
Lionel, bastante nervoso enquanto tirava a roupa, fitava o corpo moreno do amigo, o seu dote balançando entre as pernas nuas, os seus pelos de rapaz, até que ele atou a toalha de banho na cintura, deixando apenas um vulto à mostra no tecido. Bora? ― reforçou De Vitto, se dirigindo para os chuveiros.
Pouco depois, Lionel entrava no campo de batalha: o banheiro! Os chuveiros estavam todos em uso, mas logo um deles foi desocupado por aquele belo rapaz... Este saiu e veio andando completamente nu, respingando água. Esticou o braço para a sua toalha e caminhou na direção do nosso nervoso protagonista. Seu pênis balançava no passar das pernas grossas, como que se adaptando ao seu andar lerdo e macio. As gotas de água desciam pelo corpo todo, como se desfilassem pelas curvas duras do rapagão. O pelos de seu peito, acentuado pelo treino duro, estavam todos penteados por essa mesma água. Ele, enxugando a cabeleira caracolada, sorriu para Lionel.
― Tá livre, Lion! Pode ir ― falou.
Ao atravessar o vão do banheiro, Lionel observou de viés os vultos dos demais. Concentrados, de olhos fechados para a água. Deslizando os sabonetes pelos seus peitos, pernas, bundas, axilas, ombros. Era um vaivém de todas as mãos, como numa dança pelos corpos.
Depois desse banho, Lionel deixou de temer o abominável campo da intimidade masculina. Aprendeu que o homem é uma casa aberta e habitável. Talvez em pouco tempo, gostaria de residir num.
//A PRAIA
GUSTAVO DE VITTO jogava uma partida de vôlei na praia com outros três amigos. A manhã estava mais fria que o normal. Quando Lionel deu as caras, o par de De Vitto e ele estavam perdendo a partida.
Lionel abancou-se longe, e de lá ficou espiando. Os jogadores suados brilhavam à luz opaca do sol. Ele então logo marcou torcida para De Vitto, vibrando.
― Bora lá ― incentivou. ― Bora recuperar isso aí!
Aos poucos a dupla em que De Vitto estava recuperou o placar, chegando a derrotar a dupla opositora. De Vitto vibrou-se, explosivo! Correu contra Lionel e o abraçou, mesmo que todo melado. O impulso da vitória, da alegria os jogou para o chão arenoso.
― Sua torcida foi decisiva, Lion! ― brincou De Vitto, com sorriso rasgado, a olhar no fundo do olhos daquele apaixonado Lionel que ali estava. Os seus lábios não selaram o que o desejo gritava porque a censura veio antes.
Ergueram-se. De Vitto corou. Mudou o assunto. Lionel perdeu toda a cor.
Ambos tornaram a se encarar por breve segundo, como velhos desconhecidos. Viraram-se envergonhados, censurados pelos seus próprios valores, e seguiram ambos as suas direções opostas. De Vitto regressou à euforia da vitória. Lionel fugiu para o conforto do quarto.
A noite caiu sobre a costa mexicana. Ambos, De Vitto e Lionel, em suas comodidades, não tiravam o quase-beijo da mente. E como tirariam? Era a primeira vez que tal coisa acontecia ao bonitão De Vitto. A masculinidade abalada. A possibilidade de gostar de homem. Isso tudo o deixava confuso. Como isso foi acontecer? ― indagava-se De Vitto, esticado na sua cama, com a foto de Lionel no iPhone.
Zangou-se. Atirou o celular no canto do quarto e saiu, perturbado.
De Vitto chamou uma amiga. Apanhou-a defronte a um bar. Lá beberam, dançaram, e ao final foram para um motel próximo. No fundo, De Vitto queria provar para si mesmo que nada havia mudado. Só que havia.
O rapaz, naquela noite, sequer teve uma ereção. Não sentia tesão pelo corpo desnudo da moça, mesmo que ela tentasse de tudo.
Lionel, em seu quarto, tomou uma cartolina, alguns pincéis e umas tintas. Traçou o rosto do amado que já sabia de cor no papel empoeirado. Coloriu-o com as tintas e as lágrimas, enquanto que na sua mente passava o filme da cena na praia.
//FIM?
PELA MANHÃ, O ROSTO de Lionel estava marcado pelo inchaço do choro. Sentado na beira da cama, olhava fixamente o retrato de De Vitto que havia pintado. Cada pincelada lhe havia custado uma lágrima, mas o resultado final era lindo. E foi com esse pensamento que se deixou estar ali, jogado na cama, o olhar apagado, sem nenhuma vontade ou expressão aparente.
De Vitto acordava naquele quarto de motel, sem mais a prostituta do lado. Coçou a cabeça e a barba. O relógio marcava onze horas e uns minutos. Ainda era de manhã. Despiu-se exuberante e foi para o banho. Só no chuveiro eu vou acordar. E ver que tudo foi só um pesadelo... Lavou bem a cabeça. Enquanto se lavava, pensava nos lábios de Lionel... Perturbou-se. Desligou o chuveiro, pagou a conta e foi para casa.
Ao entrar em seu quarto, busca celular ainda jogado no canto. Desbloqueia a tela. Envia uma mensagem a Lionel. Lionel a recebe. Estava escrito: “Espero você na praia ao pôr do sol. Preciso te falar um negócio De Vitto.”
Naquele crepúsculo, Lionel viu de longe a silhueta bonita de De Vitto sentado sobre uma rocha lá distante, buscando coragem para ir sentar-se ao seu lado. Respirou fundo. Suas pernas o impulsionaram, afinal. Logo alcançou o amado e abancou-se junto dele. De Vitto, ainda apreciando os feixes sanguíneos do crepúsculo, recostou finalmente sua cabeça no ombro de Lionel. Este, por fim, acomodou a sua na de De Vitto também.
Tudo o que tinham para dizer um ao outro, o silêncio e a paisagem o fizeram. E lindamente.
Uns poucos meses depois, a risonha Laura sentiu o celular vibrar e o desbloqueou. Era uma mensagem do amigo Lionel. Lia-se: “Você tinha razão, putiane. É mesmo o pau mais lindo que eu já...!”
FIM
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Fofo esse conto <3
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