~ continuação ~
-
A partir daquele dia, minha relação com Rapha foi ficando cada vez mais fácil e íntima. Nós começamos a fortalecer novamente a relação de primos que costumávamos ter. Os dias começaram a passar com rapidez, se transformando em semana e até meses. Nós criamos uma rotina tranquila, em que sempre procurávamos fazer companhia um ao outro durante o tempo que estávamos em casa, mesmo que soubéssemos nos afastar quando um de nós precisava ficar sozinho. Na verdade, quem sempre precisava ficar um tempo sozinho era eu, e Rapha sempre respeitava isso, se afastando discretamente. Apesar de estar muito feliz com o rumo que as coisas tomavam entre nós, eu ainda me sentia muito triste por estar separado de Higor.
Durante cerca de quatro meses, ficamos nessa, Rapha e eu saíamos, nos divertíamos e trabalhávamos em nossa relação, e a noite eu ligava para Higor, ou ele me ligava, e passávamos horas falando sobre o que fizéramos durante aquele dia. Meu namorado escutava com paciência enquanto eu falava sobre as matérias que estava estudando, sobre como Naná se comportava e o que eu e Rapha estávamos planejando para o próximo fim de semana. Nenhuma vez ele deixou transparecer algum sentimento em sua voz além de alegria e interesse. Cheguei a perguntar uma vez se ele não sentia ciúmes, e ele disse que sim, mas que mesmo assim ficava feliz. Essa resposta me deixou triste e ao mesmo tempo feliz. Triste porque não queria ficar causando ciúmes na pessoa que eu amava propositalmente, e feliz por saber que pra ele o que importava era eu estar bem, e isso me enchia com a certeza de que eu o amava demais.
Por outro lado, começava a renascer entre Rapha e eu aquele sentimento especial que eu achava que tinha morrido aos meus 12 anos. Cada gesto de carinho, cada palavra de preocupação, cada sorriso, enchiam meu corpo com um calor gostoso e eu começava a ficar mais uma vez dependente daquela sensação. Fui aos poucos me acostumando com os toques, passando a achá-los agradáveis e até a sentir falta deles. Já não conseguia imaginar como seria se Rapha não me desse mais um beijo no rosto antes de sair pro trabalho e antes de irmos dormir. Passei até a corresponder, dando-lhe um beijo também. Os abraços ficaram mais constantes e eu já não sentia mais aquele desconforto de antes, mas sim acolhido e seguro. Sempre que eu dizia algo que fazia com que ele risse, ou que ele achasse que pedisse um abraço, ele me puxava para seus braços, e tudo o que eu conseguia fazer era abraçá-lo de volta, apoiar o rosto em seu ombro e aproveitar o calor.
Um vez, Rapha chegou em casa de uma partida de futebol que eu não fora assistir. Eu estava distraído vendo TV e notei que ele passou por mim quieto demais. Antes que ele chegasse ao corredor eu já estava ao seu lado, reparando em seu estado. Estava sujo de lama dos pés à cabeça, o que era normal depois de uma partida de futebol com aqueles amigos dele que mais pareciam mirar nas pernas dos outros do que na bola. Ele me deu um sorriso sem graça, murmurando que precisava de um banho e tentando ir para seu quarto, mas foi então que eu notei que sua camisa não estava só machada de lama, mas também de algo avermelhado. Arregalei os olhos, aquilo era sangue. Eu nunca fui muito chegado em sangue, mas se Rapha estava machucado, eu precisava ajudar.
K: Cadê?
R: Cadê o que?
K: Não se faça de bobo, Rapha. Cadê o machucado? Você se cortou? Onde? Como foi que aconteceu?
R: Não foi nada demais, Kim. Eu apenas escorreguei e ralei o braço.
K: Como não foi nada demais? Você está todo sujo de sangue e lama!
R: Não precisa se preocupar...
K: Tarde demais. Vai tomar um banho e volte aqui para eu ver esse braço.
Ele apenas suspirou e foi para o quarto, onde tomou um banho, e cerca de 20 minutos depois estava de novo na sala. Percebi que ele tentava manter o braço o mais escondido possível. Cheguei perto dele e estendi a mão, esperando que ele a segurasse. Ele me parecia uma criança com vergonha por ter feito arte, não pude deixar de sorrir. Me aproximei mais ainda dando um beijinho em seu rosto para encorajá-lo e pedi.
K: Deixa eu ver o seu braço? Só quero ver se está tudo bem...
Ele respirou fundo e esticou o braço, pousando a mão na minha. Segurei-a e fiz com que ele virasse o braço, me deparando com um enorme corte, mas que não parecia muito fundo, a pele toda arranhada e ralado ao redor, e alguns hematomas começando a escurecer.
K: Rapha! Como é que você conseguiu fazer uma coisa dessas com seu braço!?
R: Kim... você acabou de dizer que só queria ver se estava tudo bem.
K: O que obviamente não está! Seu braço está praticamente sem pele!
R: Também não é pra tanto...
K: Vem aqui, vou passar um anti-séptico nesses machucados.
Sentamos no sofá e eu espirrei o spray anti-séptico por todo o seu braço, observando suas caretas de dor em alguns momentos.
K: Por que é que você não pode esperar a bola vir até você e ficar com ela apenas enquanto é seguro? Quando vir que alguém está correndo na sua direção e parece ter intenção de machucar, apenas deixe que tome a bola.
R: Isso não é futebol, Kim.
K: Mas é mais seguro, não tenho que ficar me preocupando que você chegue em casa com alguma parte do corpo faltando!
Rapha começou a rir com vontade e me puxou para perto, passando os braços ao meu redor. Correspondi ao abraço, apertando-o com força contra mim e agradecendo a Deus por ter sido apenas um corte e nada mais, e pedindo a Ele que mantivesse as coisas assim. Rapha se mexeu um pouco, sem separar nossos corpos e sussurrou em meu ouvido.
R: Obrigado por se preocupar comigo, meu anjo. Você não sabe como isso me faz feliz.
E dizendo isso me deu um beijo demorado no rosto, que acabou me deixando corado, mas que mesmo assim fiz questão de retribuir assim que ele se afastou um pouco de mim. Sorrimos um para o outro e fomos almoçar, enquanto eu ainda reclamava desses jogos brutais e Rapha ria de mim.
Algum tempo depois, em um dia de semana, Rapha chegou em casa e me encontrou sentado no chão da sala com todos os meus livros espalhados pela mesinha de centro. Aquela não era uma cena muito comum pra ele, já que sempre que ele chegava eu já tinha parado de estudar e estava preparando algo para jantarmos, ou apenas assistindo TV enquanto o esperava. Mas naquele dia eu tivera problemas com um determinado assunto em química. Por mais que eu tentasse entender e fazer os exercícios corretamente, não estava dando certo.
Eu estava nervoso por já estar ali a tanto tempo que minha cabeça começara a funcionar mal. Qualquer pequeno barulho ou movimento, que geralmente vinha de Naná, me distraía o suficiente para eu perder mais de 10 minutos a cada vez. E cada vez que voltava meus olhos para o livro, menos eu entendia. E foi assim que Rapha me encontrou, sentado com as pernas cruzadas, um dos cotovelos sobre a mesinha, com a mão agarrada em meus cabelos quase que forte demais e o lápis, já bastante mordido, entre meus dentes. Ele se aproximou devagar e se abaixou ao meu lado, gentilmente puxando o lápis de minha boca e beijando meu rosto.
R: Boa noite. Qual é o problema?
K: Eu não estou conseguindo entender essa matéria... Não consegui resolver nenhum dos exercícios corretamente até agora.
R: Você já jantou?
Olhei para o relógio e me surpreendi ao ver que já eram quase nove horas da noite.
K: Não. Nem vi a hora passar.
R: Certo, vamos fazer assim, levanta, vai ao banheiro lavar o rosto e volte para comermos alguma coisa. Depois eu vou sentar aqui com você e te ajudar com esses exercícios.
K: E por acaso você ainda lembra alguma coisa de química?
R: Claro que sim! Eu sempre fui bom em química. Você fala como se eu tivesse feito vestibular há séculos.
K: Bom... quase isso.
R: Acho melhor você correr daqui nesse segundo.
Ri de sua tentativa de parecer bravo e fui para o banheiro, fazer o que ele sugerira. Durante o jantar, Rapha não tocou no assunto estudos. Ficou me falando sobre como estavam as coisas no trabalho, e me contando sobre uma senhora que fazia fisioterapia com ele e sempre perguntava se podia levá-lo pra jantar no fim das sessões. Aquilo me distraiu completamente, e por um tempo eu esqueci dos livros e problemas a resolver.
R: É sério, ela fica dizendo que se ela fosse uns vinte anos mais jovem não me convidaria só pra jantar. Kim, ela tem 72 anos!
Eu ria tanto que mal conseguia me manter sentado na cadeira. Algum tempo depois, com a louça do jantar já lavada e guardada, voltamos para a sala. Rapha me fez levar todos os livros para a mesa e me sentar numa cadeira e depois deu uma olhada rápida na matéria e nos exercícios que eu tentava fazer. Pacientemente ele me explicou o que eu estava errando, e como fazer corretamente. Eu já estava saturado daquilo tudo depois de um dia inteiro de estudos e comecei a refazer os exercícios sem muito ânimo, muitas vezes nem prestando atenção direito no que estava escrevendo. Só percebi que Rapha se levantara e se encontrava atrás de mim, quando fui atacado por seus dedos em minhas costelas e comecei a rir, fazendo de tudo para fugir. Ele me manteve preso ali por algum tempo, até que lágrimas começassem a escorrer pelos meus olhos, então parou.
R: Você está errando aqui. Refaça.
Ele prestava atenção em tudo que eu fazia e me enchia de cócegas quando eu errava. Não levei muito tempo para notar que as cócegas só vinham quando eu cometia algum erro por falta de atenção. Toda as vezes que eu errava algo porque genuinamente não sabia, ele tranquilamente me chamava e mostrava o erro, corrigindo-o. Cerca de uma hora depois, eu terminava de resolver o último problema quando sinto as mão de Rapha em minha cintura. Retesei o corpo, já esperando pelas cócegas, mas tudo o que recebi foi um leve carinho e um aperto gentil. Ele deslizou as mãos por minha barriga, me abraçando o melhor possível, já que o encosto da cadeira atrapalhava bastante.
R: Muito bom. Você resolveu todos os problemas corretamente.
K: Obrigado pela ajuda, Rapha.
R: De nada, meu anjo. Quer ajuda pra guardar todo esse material também?
K: Não precisa, eu cuido disso. Pode ir tomar seu banho.
Ele bagunçou um pouco meus cabelos e foi. Recolhi todos os livros, cadernos e lápis espalhados pela mesa e levei para o meu quarto. Coloquei tudo com cuidado na estante e depois preparei minha cama para dormir. Apesar de não ter a obrigação de acordar cedo, eu estava acostumado a isso, e aproveitava para tomar café junto com Rapha e depois começar a estudar. Separei um pijama para vestir depois do banho, e antes que pudesse sair do quarto para ir ao banheiro, vi Rapha entrando.
R: Vim desejar uma boa noite. Vou deitar mais cedo hoje, estou cansado.
K: Por minha causa...
R: Foi muito divertido relembrar toda essa tensão de estudar pro vestibular... mas ainda bem que eu já me formei!
Rimos um pouco de seu comentário e então ele veio até mim, me dando um beijo carinhoso e um abraço leve.
R: Boa noite, Kim.
K: Boa noite, Rapha.
Certa noite, fui dormir bem tarde, depois de assistir a um filme que passava na TV. Adormeci rapidamente e tive um sono pesado, sem sonhos. Acordei, no dia seguinte, com a impressão de que alguém me chamava. Abri os olhos devagar e vi Rapha parado perto da porta, me chamando.
R: Kim, levanta.
K: Ah não, Rapha... hoje é sábado. Me deixa dormir mais um pouquinho, vai...
R: Levanta agora, Kim!
O tom impaciente me surpreendeu. Sentei na cama, olhando para ele de forma questionadora. Só percebi que segurava algo quando ele atirou a mochila em minha direção. Peguei-a pouco antes de atingir meu rosto e observei, em choque, minha mochila de viagem, depois o rosto de Rapha.
R: Arrume suas coisas.
K: O quê?
R: Vou ter que repetir?
K: Rapha, eu não estou te entendendo. Está chateado comigo? Foi alguma coisa que eu fiz?
R: Eu não preciso te dar explicações, Kim. Essa casa é minha, sou eu quem manda aqui. Ou você arruma as suas coisas agora ou vai embora sem nada.
Arregalei mais ainda os olhos, se é que aquilo era possível. Ele estava me expulsando de casa? Olhando novamente para seu rosto, percebi que era melhor eu levar tudo aquilo a sério, ou seria colocado na rua usando pijamas e mais nada. Levantei, sentindo como se estivesse anestesiado e fui colocando minhas coisas na mochila de qualquer jeito. Eu não reparava no que estava fazendo, estava mais preocupado em descobrir o que eu fizera para deixar Rapha tão bravo daquela forma. Só podia ter sido no dia anterior, porque me recordava bem que há dois dias seu humor não poderia estar melhor. Ele chegara todo animado com casa com uma massa de lasanha pré-cozida e preparara o jantar para nós. E no dia anterior... bom, a noite anterior tinha sido realmente estranha.
Eu estava terminando de arrumar meu material de estudo quando Rapha entrou em casa. Ele estava ao celular e parecia bastante irritado. Apenas me lançou um olhar e um aceno de cabeça e foi para seu quarto, onde ficou por um bom tempo discutindo com quem quer que falasse do outro lado da linha. Para falar a verdade, eu sabia quem era, ouvi o nome de Patricia diversas vezes. Eu estava apenas fingindo que não ouvia porque me incomodava o fato de eles ainda estarem se vendo, mas sabendo não ter direito nenhum de me sentir daquela forma, eu tentava ao máximo ignorar a situação. Após mais algum tempo de discussão em alto som, que não chegava realmente aos gritos, Rapha saiu do quarto, e acho que a única forma de descrevê-lo seria essa, bufando. Foi até o sofá e lá se sentou, com o rosto escondido nas mãos.
K: Quer que eu prepare algo para jantarmos?
R: Não estou com fome, Kim. Obrigado.
Ele suspirou e esfregou as mãos no rosto com força. Nunca gostei de me meter nos problemas dos outros, a não ser que viessem me procurar e pedissem minha opinião, mas já não estava aguentando aquilo. Andei devagar até ele, ainda pensando se aquilo era ou não uma boa ideia, e me ajoelhei a sua frente. Segurei em seus pulsos, fazendo com que ele afastasse as mãos do rosto e tentando a todo custo espantar de minha memória a cena semelhante pela qual passei aos meus 12 anos, quando Rapha dissera que ia embora. Ele apenas me olhou, um vinco marcando sua testa.
K: Está tudo bem?
R: Sim... Me desculpe se estou te deixando preocupado. É que...
Ele parou e me olhou. Continuei quieto, não queria pressioná-lo a me contar nada. Rapha parecia realmente considerar se era ou não uma boa ideia conversar comigo. Soltei seus pulsos, pegando suas mãos nas minhas e continuei esperando.
R: É que eu acho cometi um erro enorme com a Patricia. Eu nunca pretendi enganá-la, nem iludi-la, mas ela tratou de fazer isso sozinha. E agora o circo está armado. Eu nem sei porque fiquei com ela. Não tinha mais motivos desde que...
Então ele parou novamente. E agora eu estava realmente curioso, pois ele dissera aquilo olhando pra mim, e de uma forma nada comum. Não consegui me segurar.
K: Desde que...?
O aperto de suas mãos nas minhas, que até então era fraco, quase inexistente, de repente se tornou forte. Rapha me olhava de uma forma que me deixava extremamente sem graça, e eu já não sabia o que era mais difícil, manter o olhar ou desviar dele. Quando ele se aproximou mais um pouco de mim, minha decisão foi involuntária, baixei os olhos, mirando o chão, me sentindo constrangido com aquela situação. Rapha puxou o ar com força e bagunçou de leve meus cabelos.
R: Eu vou pra cama, Kim. Boa noite.
Encostou os lábios no meu rosto por uma fração de segundos, mas o suficiente para fazer com que ele parecesse mais quente do que já estava, e se levantou, me deixando só na sala.
Depois daquilo eu apenas comera alguma coisa e ficara assistindo TV até tarde da noite. E agora me encontrava naquela situação. Mochila pronta, já vestido, olhando para Rapha, que me esperava no começo corredor com os braços cruzados. Abaixei a cabeça e andei até ele. Parei a alguns passos de distância e ergui a cabeça para perguntar novamente o que estava acontecendo, mas a cena a minha frente impediu que qualquer som saísse da minha garganta. Atrás de Rapha, sentada no sofá da sala, estava minha mãe. Ela me olhava com um sorriso no rosto, mas definitivamente não era um sorriso de alegria. Forcei a voz.
K: O que ela está fazendo aqui, Rapha?
R: Ela veio te levar pra casa.
K: Mas eu achei que minha casa agora era aqui.
R: Não quero mais você na minha casa, Kim. Está atrapalhando minha vida.
K: O que foi que eu fiz?
R: Isso não é da sua conta. Agora saia logo.
M: Eu sabia que nem seu primo ia te querer, que você ia ter que voltar se arrastando pedindo meu perdão.
K: Eu não vou com você. Prefiro morar na rua.
Minha mãe se levantou e veio em minha direção. Rapha nada fez além de se afastar para que ela chegasse bem perto de mim e sussurrasse um “você é meu” antes de agarrar meus cabelos com força. Fechei os olhos, me segurando para não gritar ante a dor.
Voltei a abri-los bruscamente, mas minha mãe não estava mais na minha frente, eu já não via nada. Respirei um pouco, tentando me acalmar, e aos poucos meus olhos foram se acostumando com a escuridão e eu pude discernir os móveis de meu quarto. Relaxei os ombros, me dando conta de que fora apenas um pesadelo. Coloquei os pés no chão, pronto para me levantar, mas antes dei uma olhada no relógio, três horas da manhã. Eu não dormira muito, cerca de duas horas. Fui até o banheiro e me enfiei debaixo da água morna, pensando que a ultima coisa que queria agora era voltar pra cama. Depois que terminei de tomar o banho, parei no corredor, olhando para a porta aberta de meu quarto e para a porta fechada do quarto de Rapha. Talvez não tivesse problema se eu desse apenas uma olhadinha...
Andei devagar até a porta e toquei na maçaneta com cuidado, tentando não fazer barulho ao abrir a porta. Eu esperava encontrar apenas a escuridão, e conseguir ver somente a silhueta de Rapha deitado na cama, mas, para minha surpresa, meu primo estava sentado na cama, com o abajur aceso, lendo um livro. Não fui rápido o suficiente para fechar a porta antes que ele me notasse, e logo Rapha estava me olhando. Ele franziu o cenho e colocou o livro de lado.
R: Tudo bem, Kim?
K: Desculpe incomodar...
R: Do que você tá falando? Não tá incomodando nada. O que houve?
K: Eu... tive um pesadelo.
Ouvir aquilo sair da minha boca foi embaraçoso, afinal, eu já não tinha mais seis anos. A expressão de Rapha era entre espantada e divertida. Acho que ele se conteve muito pra não rir de mim. Observei-o se mover para o lado e bater com a mão no colchão, no espaço que liberara.
R: Senta aqui.
Morrendo de vergonha com toda aquela situação, andei até a cama e me sentei ao seu lado. Ele me olhou um pouco, depois levou uma mão até meus cabelos. Não pude evitar me encolher um pouco ao lembrar de como minha mãe agarrara meus cabelos no sonho. Ele pareceu notar, mas não se deteve, fazendo um carinho de leve.
R: Por que seus cabelos estão molhados?
K: Acabei de tomar um banho...
R: Como foi esse pesadelo?
Tomei coragem e contei tudo a ele, que, ao final do meu relato, me olhava entristecido.
R: Sabe que eu nunca vou te por pra fora. Essa casa aqui é sua também.
K: Obrigado, Rapha... acho que vou pra cama agora.
R: Você pode ficar aqui... se quiser.
K: Tem certeza? Achei que ainda estivesse chateado...
R: Aquilo são problemas meus com a Patricia, Kim. Nunca vou descontar em você.
Dei um sorrisinho fraco, mas acabei deitando ali mesmo. Eu estava com medo de dormir e voltar a ter o pesadelo. Mesmo com vergonha por estar deitado na mesma cama que Rapha, ter alguém ali comigo me acalmava. Fechei os olhos e passei muito tempo assim, sem conseguir pegar no sono. Senti Rapha se movendo e percebi que ele apagara a luz e se deitara, o que eu não esperava é que fosse passar um dos braços sobre mim e beijar minha testa antes de desejar boa noite. Como ele sabia que eu ainda estava acordado? Nunca cheguei a perguntar isso a ele, mas ter seu braço ao meu redor me relaxou e eu finalmente consegui dormir.
Chegaram as férias de meio de ano e eu estava ansioso pela visita que Higor dissera que me faria. Rapha ria da forma como eu pulava toda vez que o telefone tocava ou saía correndo para abrir a porta sempre que ouvia algum som parecido com batidas. Ao mesmo tempo, quando eu dizia que já não aguentava mais de saudades, que não via a hora de ter meu namorado comigo, ele ficava visivelmente desanimado, forçava sorrisos e palavras de encorajamento. E aquilo tudo me deixava confuso, afinal, nós estávamos mesmo cada dia mais íntimos, mas ele não deixara de sair com Patricia, apesar de as brigas terem ficado mais e mais constantes. No entanto, alguns dias depois, todas as perguntas que eu tinha deixaram de me preocupar quando fui acordado com o toque do meu celular.
K: Alô.
H: Bom dia! Te acordei? Desculpe.
K: Higor! Não tem problema. Aconteceu alguma coisa pra você estar me ligando tão cedo? São... Sete da manhã!?
H: Desculpe de novo. É que eu cheguei cedo, já até passei no hotel pra deixar minha mochila. Achei que seria legal se fossemos tomar café juntos.
K: Chegou? Você está aqui?
H: Sim. Chego daqui a pouco ai na sua casa, tudo bem?
K: Claro! Vou me arrumar.
Corri para o banheiro para tomar um banho e quando saí me encontrei com Rapha, que estava indo pro trabalho.
R: Nossa, que pressa toda é essa?
K: Higor chegou! Ele está vindo me buscar.
R: Ah... Higor... Ele não vai ficar aqui?
K: Parece que não. Disse que já tinha passado no hotel. Acho que eu é que vou ficar lá com ele
Enquanto conversávamos, a campainha tocou e eu corri para atendê-la, me jogando nos braços de Higor assim que o vi. Era tão bom poder sentir novamente o calor de seu corpo, o cheiro de seu perfume. Trocamos um beijo rápido e nos afastamos para que ele pudesse cumprimentar Rapha. Eles apenas trocaram algumas palavras educadamente, e então Higor se virou para mim.
H: Por que você não arruma uma mochila com uma muda de roupa pra já levarmos pro hotel. Acho que vai ser mais fácil assim.
K: Vou sim. Rapha, você já está indo?
R: Sim...
K: Você vai ficar bem? Eu arrumei a casa ontem e ainda tem macarrão na geladeira que você pode comer no jantar.
R: Eu vou ficar bem, Kim. Não precisa se preocupar. E você se cuide, e ligue caso vá ficar fora de casa muito tempo.
Ri do tom que ele usava, parecendo um irmão mais velho e me aproximei dando-lhe um abraço e um beijo de leve no rosto.
K: Sim senhor!
Rapha apenas sorriu, se despediu brevemente e saiu. Virei para Higor, ainda rindo da situação, mas ele não estava olhando para mim. Seu olhar parecia perdido e vagava pela sala sem realmente se deter em nada. Chamei-o uma vez, mas ele não me ouviu. Me aproximei devagar, o que ele também pareceu não notar e dei um selinho em sua boca, pelo qual não obtive reação. Meu namorado estava definitivamente estranho. Passei meus braços por seu pescoço dando-lhe mais um beijinho e outro, e mais outro. Finalmente ele me olhou, sorrindo divertido e abraçando minha cintura.
K: Está tudo bem, Higor? Você parece tão distraído.
H: Ah... desculpe por isso. Está tudo bem, sim. Não se preocupe.
Passei um tempo olhando para ele, tentando decifrar aqueles olhos azuis dos quais eu tanto gostava, mas acabei apenas sorrindo. O aperto em minha cintura se intensificou quando Higor voltou a olhar ao redor.
H: Parece que você já se adaptou bem. Posso te ver estampado nessa casa.
Ele apontou com a cabeça para o edredom sobre o sofá, junto com a bacia que continha apenas os milhos de pipoca que não estouraram.
K: Eu e Rapha assistimos um filme ontem a noite, mas como estávamos cansados, deixamos para arrumar tudo hoje. Muito esperto ele, deixou tudo aqui para mim.
Apesar do meu comentário divertido, Higor não riu, apenas passou o olhar para o porta-retratos na estante, que continha uma foto minha e de Rapha na praia com André e mais algumas pessoas do futevôlei dele. Na foto, Rapha e André estavam sentados na areia e eu estava ajoelhado atrás deles, com um braço em volta do pescoço de cada um, mas minha cabeça estava inclinada para o lado de Rapha, e todos nós ríamos divertidos. Higor não comentou nada sobre a foto, apenas se virou para mim com um sorriso fraco no rosto.
H: Você não ia preparar uma mochila?
K: Sim!
Arrumei minhas coisas e fomos para o hotel em que ele estava hospedado. Era um quarto pequeno, mas muito bem arrumado e com uma cama de casal. Setei-me nela e chamei Higor para perto, segurando em suas mãos e puxando-o para mim. Minha intenção era fazer com que ele deitasse seu corpo sobre o meu, mas ele não o fez. Apoiou um dos joelhos e ambas as mãos na cama, ficando sobre mim, mas mantendo certa distância entre nossos corpos. Beijos meus olhos, fazendo com que eu os fechasse e depois tomou minha boca com calma, impondo um ritmo lento e torturante que era o contrário do que eu queria no momento, mas que mesmo assim me arrancou todo o fôlego e parte da minha capacidade de pensar coerentemente. Abri os olhos quando sua boca deixou a minha e me deparei com os olhos dele, sérios e intensos. Estava prestes a perguntar o que estava havendo quando ele se antecipou.
H: É melhor nós descermos ou vamos perder o horário do café da manhã.
O café era simples, assim como o hotel, mas muito gostoso. Comemos torradas e frutas e bebemos suco enquanto falávamos das novidades. Higor falou um pouco da faculdade, mas logo voltou o assunto para mim. Comecei a contar a ele das coisas que andava fazendo, mas na maioria das vezes tinha de mencionar Rapha, o que percebi deixá-lo novamente com aquele olhar perdido, então mudei o assunto para meus estudos e assim passamos o resto do café da manhã.
Voltamos ao quarto apenas para usar o banheiro e saímos. Higor disse que estava por minha conta e que eu poderia levá-lo para onde quisesse. Fomos, então, fazer uma trilha tranquila, que subia um pequeno morro e no topo nos brindava com uma linda vista da cidade. Vimos vários miquinhos durante o percurso e nos divertimos dando-lhes pedaços de banana, que eles vinham buscar em nossas mãos. Durante a subida, estava distraído e acabei arranhando o rosto em uma das plantas e tive de ouvir Higor dizer que eu devia atrair esse tipo de coisa, pois sempre dava um jeito de me machucar. Chegamos ao topo e passamos um tempo apreciando a vista. Nossas mãos se encontravam as vezes, de forma discreta, pois havia outras pessoas no local. Algum tempo depois, Higor se virou para mim e acariciou minha bochecha arranhada.
H: O que deu em você parar querer fazer trilha? Nunca se deu bem com essas coisas, está sempre se machucando.
K: Ah, é que Rapha me trouxe aqui um dia e eu gostei demais. Estava querendo voltar faz tempo.
E mais uma vez aquele olhar perdido surgiu em seu rosto. Ele parecia preso em seus próprios pensamentos, mas quando notou que eu estava prestes a perguntar-lhe o que estava havendo mais uma vez, mudou de assunto. Passamos o resto do dia na rua, passeando e conversando sobre nada em especial, vimos até o por do sol na praia. Eu estava feliz por finalmente Higor estar ali comigo, mas ao mesmo tempo estava preocupado com o jeito dele. Não era normal ficar tão calado e pensativo e além do mais, estava de certa forma me evitando. Higor nunca foi muito de se importar com quem estava envolta, mas nesse dia estava sempre olhando para os lados antes de demonstrar algum carinho. Aquilo tudo estava me deixando mais do que confuso.
Voltamos para o hotel e assim que entramos Higor me perguntou se eu queria tomar banho antes dele. Estranhei, nós geralmente tomávamos banho juntos. Disse que ele poderia ir primeiro e sentei na cama para pensar sobre o que poderia ter acontecido para que ele ficasse daquele jeito. Não achando nenhuma explicação, resolvi que era hora de fazer alguma coisa. Tirei minhas roupas e fui até o banheiro, que não estava com a porta fechada, mas sim encostada, e entrei o mais silenciosamente possível. Higor estava com a cabeça sob a água do chuveiro, mãos apoiadas na parede. Afastei a cortina e entrei no box, abraçando-o por trás.
H: Nossa, Kim. Que susto!
K: Você está estranho, Higor. E não adianta me dizer que não é nada. Por que está tão pensativo? No que é que está pensando?
Higor não me respondeu. Pegou o sabonete e começou a me ensaboar. Resolvi ficar quieto por um tempo e deixei que ele me desse banho, me tirasse do chuveiro e começasse a me secar. Foi quando ele me abraçou para passar a toalha em minhas costas que não consegui mais me conter e comecei a falar novamente.
K: Quero saber o que está havendo... Podemos conversar?
H: Tem certeza que você quer conversar?
Higor perguntou em meu ouvido deixando a toalha cair no chão e descendo as pontas dos dedos por minhas costas, me fazendo arrepiar.
K: Você me evitou o dia todo, mal me tocou...
H: Eu estava guardando tudo pro momento certo.
Então ele me deu um sorriso enviesado, cheio de segunda intenções, que me fez esquecer por um tempo tudo o que eu estava pensando e todas as perguntas que eu queria que ele respondesse. Me deixei levar para a cama e ser deitado nela. Puxei Higor pelo pescoço, fazendo com que caísse sobre mim e, dessa vez, me tocasse com todo o seu corpo. Beijei-o com força e por um tempo ele correspondeu, mas depois de afastou rindo de leve. Na verdade, ele se afastou apenas o suficiente para poder falar, fazendo com que nossas bocas se tocassem enquanto a dele se movia.
H: Calma, Kim. Hoje sou eu quem vai ditar o ritmo...
E dizendo isso, voltou a me beijar, mas com calma, levando todo o tempo possível para tocar cada pedaço de minha boca com sua língua e, dessa vez, espantando completamente a minha coerência. Os beijos desceram para meu pescoço, demorados e quentes, seguidos de leves mordidas e chupadas. Levantei as mãos, querendo segurar seus cabelos, mas ele não deixou, pegando em meus pulsos e segurando-os contra o colchão. Voltou a explorar meu corpo com a boca, passando por meu peito e barriga, se demorando em meu umbigo. Soltou meus pulsos para segurar e levantar uma de minha pernas, beijando o interior de minha coxa e a parte detrás do joelho, até meu pé e fazendo o mesmo com a outra perna. Higor beijou cada uma de minha mãos e meus braços, até estar novamente em meu rosto. De olhos fechados, senti seus lábios deslizarem por meus queixo, passando por uma de minhas bochechas até a testa e descendo pela outra bochecha, até chegar novamente à boca, seu ponto de partida. Me beijou novamente, e dessa vez eu já nem pensava em tentar controlar o que estava acontecendo, apenas queria que ele não parasse com aquela doce tortura. Higor nunca fizera amor comigo com tanto cuidado e carinho. Foi indescritível a forma como ele me tocou e me preparou, para depois me tomar. Suas mãos não pararam de correr por meu corpo um minuto sequer, parecia que ele não queria que nenhum pedacinho da minha pele ficasse intocado. Depois que tudo terminou, ele me abraçou e nos cobriu com o lençol. A ultima coisa que lembro antes de cair no sono é de seus lábios tocando meus cabelos.
-
~ oiiii, meus bens! como estão? fico feliz que estejam gostando do conto. Higor e Rapha são maravilhosos do jeito deles, entre erros e acertos, eles só querem a felicidade do Kim... saudades orkut!!! :( hahaha até amanhã ~