~continuando ~
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Não dormi quase nada durante a noite. Pareceu, para mim, que assim que eu fechara os olhos, Rapha entrara no meu quarto, me chamando baixinho e fazendo carinho nos meus cabelos. Quando ele me disse que André chegaria dali 45 minutos, fiz uma careta e enfiei a cara no travesseiro, ouvindo ele rir.
R: Não faz assim que você me deixa com pena de te acordar, meu anjo.
Virei o rosto, sorrindo para ele. Gostava quando ele me chamava assim. Rapha fez questão que eu tivesse ao menos sentado na cama antes que ele saísse do quarto ou, com certeza, eu teria voltado a dormir. Ri mais um pouco de suas instruções para que eu tomasse um banho frio e não ficasse me arrastando pela casa até que ele saiu e eu ouvi meu celular vibrar, avisando que uma mensagem tinha chegado e eu ainda não lera. Era de Higor e dizia: “Desculpe pela forma como agi agora a pouco. Eu realmente só te desejo felicidade. Te amo para sempre. Higor.” Minha vontade de ir àquela festa acabou naquele segundo. Levantei, sem a menor vontade, e me arrastei até o chuveiro, onde tomei um banho rápido e depois fui para a cozinha. Comi pouco, e Rapha ficou me olhando, mas deve ter interpretado minhas ações como mau humor matinal. André chegou pouco tempo depois, animado como sempre.
A: Bom dia! Prontos pra melhor festa das suas vidas?
Rapha riu e eu dei um sorriso forçado, até para mim.
A: Que cara é essa, moleque?
R: Ele ficou assim depois que acordou.
K: Não é nada... só estou com sono. Fui dormir muito tarde.
A: Então aproveita e vai dormindo durante o caminho, porque quando chegarmos lá, não vai dar tempo de descansar, não!
E foi o que eu fiz. Assim que sentei no banco de trás do carro, apaguei. Só abri os olhos novamente quando senti o carro parar. Rapha abriu a porta para mim e me sorriu de forma carinhosa ao ver minha cara amassada. Fez um carinho no meu rosto e pegou minha mochila, descendo os degraus que levavam até a casa sem nem mesmo me deixar protestar. A casa, na verdade, era dos pais de André, mas ele era o único que ia lá com frequência, por causa dos amigos que tinha no condomínio. Era uma casa grande, de três quartos, toda de madeira, e tinha um jardim bastante grande, que dava numa grande descida, forrada por grama, até o portão. Lá embaixo, era possível ver o clube, com duas piscinas, quadra de tênis, vôlei e futebol. O lugar era realmente lindo, mas eu não estava com muita vontade de apreciar. André pediu que colocássemos nossas coisas no quarto maior, onde havia uma beliche e uma cama de solteiro, pois os três dormiríamos lá. Ele explicou que deixaria o quarto trancado, pois era muito provável que todos os outros cômodos da casa fossem ocupados por casais procurando um pouco de privacidade e por pessoas bêbadas demais para irem embora. O quarto tinha um leve cheiro de poeira, então a primeira coisa que fiz ao entrar foi abrir toda a janela, e a segunda foi me jogar em umas das camas.
A: Ei! Deixa de ser preguiçoso, moleque! Levanta daí. Nós vamos ao mercado, comprar as coisas pra festa.
Olhei para ele, desanimado, mas, sabendo que ele não me deixaria em paz, comecei a me levantar.
R: Não. Deixa o Kim descansar, André. Não tá vendo que ele não está legal? Vamos só nós dois, enquanto ele fica e dorme mais um pouco.
A: Tudo bem. Mas eu não quero ver essa cara de morto-vivo na festa, não, hein! Acho bom descansar tudo o que tiver que descansar agora.
K: Tudo bem.
André bagunçou meus cabelos e saiu, e Rapha chegou mais perto e abaixou em frente a mim.
R: Está só cansado mesmo, Kim? Você não está com uma cara boa.
K: Tá tudo bem, Rapha. Não se preocupa, tá? Quando vocês chegarem eu ajudo a arrumar as coisas. Obrigado por ter convencido o André a me deixar ficar.
R: Descansa, viu?
Ele me deu um beijo no rosto e saiu também. Voltei a dormir assim que escutei o barulho do motor do carro e do portão sendo aberto e depois fechado. Acordei sentindo cheiro alguma coisa assando. Olhei para o relógio e me espantei, já passava das três da tarde. Levantei, lavei o rosto e fui até a cozinha, onde encontrei Rapha e André rodeados por sacos de biscoitos salgados, amendoins e outros petiscos e muitas, muitas garrafas de cerveja e vodca. Olhei para o forno.
K: Nós vamos almoçar pizza?
R: Eu falei pro André que você não gosta de comer essas coisas no almoço.
A: Ah, garoto, não reclama, não. Não tínhamos você pra fazer o nosso almoço e não queríamos te acordar. Fomos na melhor escolha: pizza!
Ri dele e concordei. Comi um pedaço da pizza e fui ajudá-los a colocar os petiscos em potes e a preparar as bebidas. Passamos um bom tempo dissolvendo sucos e misturando com vodca, e casa vez que eu preparava um, provava para ver se o gosto estava bom. Consequentemente, quando a festa começou, eu já sentia minha cabeça leve e o chão que eu pisava não me parecia muito firme.
As pessoas foram chegando e eu estava achando a todos muito simpáticos. Engatava em conversas longas com pessoas desconhecidas, o que não era do meu feitio, e aceitava todas as vezes que alguém me trazia um copo de bebida. Rapha sempre passava perto de mim, perguntando se eu estava bem, sugerindo que eu deveria parar de beber, mas eu apenas sorria debilmente e dizia que eu estava bem, que estava me divertindo muito. Acho que por eu dizer que estava gostando tanto da festa e das pessoas, ele foi deixando que as coisas corressem. As pessoas na festa logo começaram a dar trabalho, já bêbadas demais, algumas vomitavam pelos cantos, enquanto outras praticamente destruíam a casa, fazendo as coisas mais impensáveis. Teve um cara que começou a atirar garrafas vazias contra o muro, do lado de fora da casa. Rapha e André também tinham bebido bastante, mas ainda estavam sóbrios o suficiente para colocar ordem nas coisas. Nesse meio tempo, em que eles estavam ocupados tentando organizar a confusão, Rapha não pode vir me ver, e eu continuei a beber, até que comecei a me sentir mal.
Fui para o jardim, com a intenção de tomar um pouco de ar e ver se o enjôo que me acometia melhorava e se o mundo parava de girar ao meu redor. Tentei me afastar o máximo que consegui da casa e de todo o barulho feito nela, mas, bêbado como estava, não reparei quando o chão plano acabara e a ladeira começara, perdendo o equilíbrio e caindo. A grama estava úmida aquela hora da noite, e meu corpo desceu de lado escorregando por ela. Quando cheguei ao fim da descida, sentia minha coxa e meu braço que me deram apoio arderem e ouvi alguém gritando que uma pessoa tinha caído. A próxima coisa que vi foi o rosto preocupado de André na minha frente.
A: Kim, você tá bem? Como é que você conseguiu cair lá de cima, garoto?
K: Não vi que o chão tinha acabado.
A: Você está bêbado. Se machucou?
Mostrei o braço avermelhado para ele e levantei a bermuda, mostrando a parte da minha coxa que descera arrastando na grama. Ela estava toda arranhada e suja de terra. Olhei para cima, vendo que não caíra de uma altura tão grande quanto parecera, e comecei a rir de mim, da minha situação. Não sei bem quando foi que aconteceu, mas de uma hora pra outra o riso virou choro. As lágrimas começaram a cair e eu não consegui contê-las. André me pegou no colo como se fosse a coisa mais fácil do mundo e me levou de volta para a casa. Lá dentro, quando Rapha nos viu entrando, largou tudo o que estava fazendo e se aproximou, quase correndo.
R: O que aconteceu?
A: Ele caiu naquela descida do jardim.
Rapha segurou meu rosto com as mãos, preocupado.
R: Você se machucou muito? Está doendo?
Fiz que não com a cabeça.
R: Então porque você está chorando?
A: Rapha, calma, cara. Eu vou levar o Kim ao banheiro e cuidar dele, depois vocês conversam.
Rapha ainda tentou nos acompanhar, mas André não deixou. Ele fechou a porta do banheiro e levantou a tampa do vaso sanitário. Foi como se aquilo me atraísse, comecei a passar mal segundos depois. Depois de colocar tudo o que tinha no estômago para fora, deixei que André me ajudasse a levantar e tirasse minha camisa e minha bermuda e me colocasse debaixo do chuveiro.
K: Está frio, André!!!
Fiz força pra sair, mas ele me segurou debaixo da água por um tempo e só quando eu já batia o queixo de frio, colocou-a numa temperatura mais morna. Saí do chuveiro e me deixei enrolar numa toalha. André passava a mãos com força sobre meus braços sob a toalha, na intenção de me esquentar, enquanto me olhava. Suspirei e me encostei na parede, escorregando até estar sentado no chão. André se sentou ao meu lado.
A: Vai me dizer o que é que está acontecendo, agora?
K: Ah, André... eu e o Higor... acabou tudo...
A: Ué, eu sei! Já faz meses que vocês terminaram.
K: Não... ele ainda estava esperando eu tomar uma decisão, sabe?
A: Ih, Kim... quanta complicação. Achei que você e o Rapha estavam se entendendo e você ainda tinha coisa com o Higor?
Olhei para ele espantado, mas o álcool ajudou a fazer com que a nova informação fosse logo aceita.
K: É verdade. Sabia que eu não fiquei com o Rapha porque queria conversar com o Higor antes?
Ri com amargura e André fez uma careta.
K: E quando fomos conversar ele vem me contar que tem ficado com um cara... um cara que corria atrás dele desde que nós começamos a sair.
A: Ah! Já entendi tudo...
K: Daí eu disse pra ele que já tinha tomado a minha decisão, que ia ficar com Rapha. Foi horrível ouvir o tom de voz que ele falou comigo. E mesmo assim depois ele me mandou uma mensagem dizendo que vai sempre me amar. Eu fiz tudo do jeito errado, magoei ele, e nem sei se Rapha ainda me quer...
A: Calma aí, moleque! Se ele te quer ou não já é informação demais pra mim.
Dei um sorriso fraco por causa da brincadeira.
A: Olha só, Kim, o que você fez está feito. Para de se lamentar pelo que já passou e vai atrás do que você quer. Você já tem 18 anos e Rapha tem 24, ninguém aqui é mais criança. Eu entendo que você esteja mal pelo que aconteceu com Higor, mas agora é a hora de você se acertar com Rapha. Encara as coisas como homem, conversem como dois adultos e se entendam de uma vez! Já estamos em dezembro, cara, vai fazer um ano que vocês estão morando juntos e estão nesse “vai, não vai”. Tá na hora de se mexer.
Ele sorriu para mim e me abraçou. Retribui o abraço e quando me afastei dele já me sentia bem melhor e mais determinado.
K: Obrigado, André. Você tem sido um irmãozão.
Ele riu com gosto.
A: Pode contar comigo, irmãozinho. Mas nada de ficar me contando os detalhes da primeira transa de você nem nada, hein?
Senti meu rosto esquentar e ouvi André rir mais ainda, enquanto me levantava meio desengonçado. André me ajudou a andar até o quarto, onde Rapha me esperava com um conjunto de moletom separado para que eu vestisse. Eles saíram do quarto para que eu me arrumasse e depois apenas Rapha voltou.
R: Você está melhor?
K: Sim, obrigado Rapha.
R: Quer conversar?
K: Pode ser amanhã?
R: Claro. Eu vou ajudar o André a arrumar tudo e daqui a pouco venho para o quarto também. Dorme bem.
Ele se aproximou para beijar meu rosto e eu o abracei com força. Rapha retribui, e quando tentou se soltar e eu não deixei, riu. Ele foi abaixando o corpo, fazendo com que eu me deitasse, e só quando eu já estava com a cabeça no travesseiro nos soltamos. Ele foi até a porta do quarto e apagou a luz, me desejando boa noite. Enquanto eu fechava os olhos, sem pensar no que estava fazendo, envolvido pelo efeito da bebida e pelo cansaço, acabei murmurando palavras que não saiam da minha boca há muito tempo.
K: Te amo, Rapha...
Uma pena o quarto estar escuro e eu ter logo dormido. Nunca fiquei sabendo qual foi a reação de Rapha, nem se ele me respondeu.
A primeira coisa que senti quando acordei no dia seguinte foi um horrível dor de cabeça e meu corpo todo dolorido. Virei de barriga para cima, observando o teto enquanto me lembrava dos acontecimentos da noite passada e me sentia encher de vergonha pelo papelão que eu fizera. Voltei a virar de lado e senti minha coxa doer demais, não consegui conter um gemido de dor. Ao mesmo tempo que minha voz saiu, ouvi um barulho vindo do outro lado do quarto, onde ficava a beliche, e passos vindo em minha direção.
R: Kim, tudo bem?
Rapha tinha o rosto marcado e vermelho e os cabelos todos despenteados. Sorri, até assim ele era lindo pra mim. Sua expressão preocupada suavizou um pouco ao me ver sorrir.
R: Está com dor?
K: Sim, nessa perna.
R: Posso dar uma olhada?
Fiz que sim com a cabeça e deixei que Rapha abaixasse com cuidado o elástico da calça. Suas mãos estavam frias, assim como o tempo e eu estremeci por não ter mais a pele coberta. A lateral da minha coxa estava toda roxa, não era nenhuma surpresa que estivesse doendo tanto. Rapha passou uma pomada em toda a área sob meus protestos de dor. Nesse meio tempo, André acordou e também deu uma olhada em minha perna.
A: Nossa! A coisa ficou feia, hein? É isso o que dá tentar beber todo o álcool da festa, moleque!
R: Deixa ele em paz, André. Você tá com fome, Kim?
K: Sim.
R: Ótimo. Vamos tomar café, então.
Eu estava realmente com fome, tomei um bom café da manhã, sendo sempre observado por Rapha, mas depois quis voltar para a cama. Eu ainda não me sentia muito bem. Deitei e algum tempo depois Rapha entrou no quarto e encostou a porta.
R: Tem um espaço aí pra mim?
K: Claro.
Me encolhi um pouco e deixei que Rapha sentasse na cabeceira da cama e depois encostei a cabeça em sua coxa. Ele começou a fazer um carinho devagar em meus cabelos, mas não disse nada.
K: Desculpe por ter te preocupado ontem...
R: Não tem problema, Kim. Acontece com todo mundo. Quero saber é se você está bem...
K: Eu estou. Rapha, eu conversei com Higor... Não tem mais nada entre nós. Nenhuma promessa, nenhuma possibilidade.
Sua mão parou de mexer em meus cabelos e ele ficou quieto por um tempo.
R: Então era por isso que você estava tão mal ontem.
K: Era. Eu fiquei mal, mas agora eu estou aliviado por não ter mais nada pendente na minha vida. Quer dizer... quase nada.
Respondi e virei de barriga para cima, olhando eu seus olhos, tenho que admitir, com uma expressão esperançosa. Rapha retribuiu o olhar com um pequeno sorriso, um pouco divertido até, e depois se inclinou, levantando um pouco os joelhos e minha cabeça, e me beijou... na testa.
R: Kim, tem certeza que você tá bem? Sua pele tá queimando!
Franzi o cenho e levei a mão à testa, realmente estava mais quente que o normal. Dei de ombros.
K: Eu estou com um pouco de dor de cabeça e meio indisposto, mas isso é normal depois de ter bebido tanto ontem, né?
R: É, mas essa febre está alta demais pra ser consequência de uma ressaca. Vou buscar um termômetro e um remédio pra baixar a febre.
Ele saiu e depois voltou, com os braços cheios de coisas e o rosto preocupado. A febre estava mesmo alta e eu aceitei o remédio com prazer e depois voltei a dormir. Acordei apenas na hora do almoço, quando Rapha me chamou para comer. Levantei me sentindo bem pior e quase não consegui comer. Quis voltar a dormir, mas Rapha achou melhor que arrumássemos nossas coisas para voltar para casa, pois o tempo estava frio demais para alguém que parecia estar começando um resfriado. Dormi no carro durante toda a viagem e fiquei muito feliz quando finalmente reencontrei minha cama e meu travesseiro.
Daquele minuto em diante as coisas apenas pioraram, eu comecei a não comer quase nada, sentia uma moleza enorme no corpo, estava sempre enjoado. Passados dois dias dessa situação, Rapha me levou para a emergência de um hospital onde me colocaram no soro (depois de muita resistência da minha parte, claro, pois eu morro de medo de agulhas) e me diagnosticaram com uma virose. Passei mais de uma semana me tratando e tomando muito soro caseiro, e quando estava quase melhor, num dia, quando Rapha chegou em casa comentei com ele que minhas mãos estavam coçando. E foi só ele dar uma rápida olhada nas minhas mãos, que estavam vermelhas e inchadas, que eu me vi novamente no hospital, dessa vez com alergia a um dos medicamentos que tinha tomado. Me furaram novamente, para a mina infelicidade, e junto com o antialérgico me deram também um remédio para enjôo, o ultimo sintoma que sobrara da minha virose.
No dia seguinte já estava bem melhor, mas o que eu mal tinha percebido era que duas semanas tinham se passado durante todos esses problemas com a virose e seus efeitos. Naquela noite, depois que Rapha e eu jantamos e eu estava sentado no sofá, vendo TV, Rapha fez um comentário que me surpreendeu.
R: Kim, é melhor você começar a arrumar suas coisas para irmos a casa da minha mãe.
K: Casa da sua mãe? Por quê?
R: Como assim “por quê”? Kim, nós já estamos no dia 20! Daqui 5 dias é o Natal, E daqui e dias...
Ele se aproximou por trás de mim e abraçou meus ombros, encostando o rosto no meu.
R: … é seu aniversário.
Ri da animação em sua voz, e aproveitei cada segundo daquele contato.
K: Mas tem certeza que nós temos que ir tão cedo?
R: Kim, você ainda está chateado com a minha mãe?
K: Não é assim, Rapha... não sei explicar.
R: Pois eu sei. Vocês tem que se encontrar e se entender logo. Ela gosta muito de você, e eu sei que você também gosta dela. Não vejo momento melhor pra isso do que durante esses dias que vamos ficar preparando as coisas para o Natal. Dá uma chance pra ela, vai?
Como eu poderia dizer não a um pedido feito por ele, e principalmente daquela forma, com o rosto juntinho do meu, a boca tão perto da minha...
K: Tudo bem... Vou arrumar minhas coisas para irmos.
R: Ótimo!
Rapha me pareceu mais animada do que alguém ficaria para uma simples viagem à casa da mãe para o Natal, mas não fiquei pensando nisso. Dois dias depois, pela manhã, nós saímos de casa, em direção à casa da minha tia.
Chegamos à casa da minha tia pouco antes do almoço, e assim que saí do carro pude sentir o cheiro bom de comida que vinha lá de dentro. Tinha me esquecido de como a comida dela era boa, principalmente as sobremesas! Ela apareceu no portão antes mesmo que tivéssemos tirado nossas malas do porta-malas e abraçou Rapha, dando-lhe um beijo em cada bochecha. Depois ela olhou para mim, meio sem jeito, e se aproximou. Deixei que ela me abraçasse, correspondendo da melhor forma que pude. Eu não sentia raiva dela nem nada do tipo, era só uma tristeza por saber que por causa das decisões que ela tomara por mim e por Rapha, nós dois tínhamos perdido um tempo precioso.
T: Que bom que vocês chegaram. Acabei de fritas os bifes. Fiz arroz à Piamontese e bife à Milanesa, sei que são seus preferidos, Kim.
Sorri, sem graça, ela estava fazendo de tudo para me agradar, eu não podia negar isso.
R: Um monte de queijo com fritura, mãe? Depois ele vai ficar cheio de dor de estômago e eu que vou ter de cuidar!
Dei um soco no braço dele, em parte por estar fazendo desfeita à minha tia e em parte por estar dando a entender que cuidar de mim era um problema.
K: São meus favoritos sim, tia. Já faz tempo que eu não como arroz à Piamontese. Estou até sentindo minha barriga roncar, vamos entrar?
Ela deu um sorriso enorme, pegou uma das sacolas dentro do porta-malas e entrou na casa. Rapha chegou perto de mim, passando um braço por minha cintura e me trazendo para perto. Disse um “obrigado” baixinho e me deu um beijo no rosto. Nem preciso dizer que quando entrei na casa da minha tia eu estava com a maior cara de bobo, né?
Meu tio estava sentado no sofá, lendo o jornal e me cumprimentou com um aceno de cabeça, como se tivéssemos nos visto no dia anterior, e não há mais de seis anos atrás. Ele nunca ligou muito para a minha existência. Aliás, meu tio nunca ligou muito para a existência de ninguém. Ele e minha tia sempre davam churrascos para a família, mas ele gostava mesmo era de comer e beber e de conversar com Rapha, apenas. Seu filho era seu orgulho. (E o meu também.)
O almoço estava delicioso, enchi tanto o prato que no final já estava empurrando a comida goela abaixo. Comi sob o olhar atento da minha tia, que mostrava uma reação diferente a cada uma das minhas, como quando eu coloquei a primeira garfada de arroz na boca e soltei um gemido de felicidade baixo e ela sorriu de forma bondosa. Minha tia sempre foi uma pessoa muito boa, e aqueles poucos minutos perto dela já estavam me fazendo esquecer o motivo de um dia eu ter ficado chateado com ela. Afinal, ali estávamos nós, almoçando juntos, Rapha ao meu lado, se eu fizesse um pequeno esforço conseguiria acreditar que eu ainda estava com 12 anos e que nada tinha mudado. Se bem que era só eu dar uma olhadinha em Rapha, o cabelo bagunçado, a barba por fazer, os braços mais fortes do que nunca foram, que eu voltava para a realidade. Eu não tinha mais 12 anos, e isso era muito bom.
Depois que todos haviam terminado de comer, minha tia deu o golpe final (rs), um golpe de mestre: trouxe para a mesa um imenso pirex de pavê de bombom. Acho que aquele foi o dia que mais comi em toda a minha vida. Rapha ria toda vez que olhava para mim, devorando meu terceiro (ou seria quarto?) pote de pavê. Quando, finalmente, o almoço havia acabado, Rapha e eu nos oferecemos para arrumar a cozinha, e enquanto ele lavava e ele secava a louça, ficamos conversando.
R: Que moleza, hein, seu Kim?
K: Não sei do que você está falando...
R: É só emburrar um pouquinho com a minha mãe que ela já prepara um banquete pra você. Se fosse comigo eu teria levado uns bons tapas pra aprender a não fechar a cara para ela.
K: Deixa de ser bobo, Rapha. Sua mãe faz de tudo pra te agradar!
R: Eu sei, estou só brincando com você. Eu sei que comida não é o caminho pra se redimir, mas ela ganhou uns pontinhos com você não foi?
K: E com quem não ganharia? A comida estava mesmo deliciosa.
R: Hahaha. Sabia! Você não mudou nada.
Continuamos naquela conversa por algum tempo, o clima entre nós estava bom e tranquilo.
Um tempo depois fomos para o quarto, arrumar nossas coisas. Era um quarto espaçoso, com duas camas e um grande armário de madeira escura. Rapha me instruiu a colocar logo minhas coisas no armário e deixar alguma coisa sobre a cama para marcá-la, pois logo seus primos chegariam. A notícia não me animou muito, eu estava esperando passar aqueles dias tranquilamente com Rapha... Sozinhos.
K: Ai...
R: O que houve?
K: Minha barriga... está doendo.
R: Eu falei que se você misturasse aquilo tudo e ainda por cima comesse daquele jeito ia passar mal.
K: Mas estava tão gostoso!
Ele riu da minha cara de indignação e foi buscar um remédio para mim. Fiquei deitado esperando que ele voltasse, mas ele não veio só, minha tia vinha junto com uma xícara de chá quente, que me fez tomar inteira. Ter ela ali ao meu lado, cuidando de mim, me fez sentir algo bom. Era quase como ter uma mãe, um sentimento desconhecido para mim.
Mais tarde, naquele dia, os primos de Rapha chegaram. Os quatro dormiriam conosco no quarto, em colchões espalhados pelo chão. Tive de ouvir piadinhas do tipo “olha quem apareceu” e “não sabia que você ainda estava vivo”, mas não me dei o trabalho de responder, além do mais, Rapha parecia feliz em revê-los e eu não queria estragar o clima. Ficamos na sala até tarde conversando, ou melhor, Rapha ficou conversando com sua família, enquanto eu fiquei no meu canto, respondendo uma ou outra pergunta dirigida a mim. Dali um tempo escuta a voz de Rapha me chamando e percebo que já estava dormindo. Abri os olhos com preguiça e vi seu rosto sorridente.
R: Vamos pra cama?
Era tudo o que eu queria.
K: Vamos.
Me arrumei e ao deitar percebi que Rapha não ficaria na outra cama do quarto, mas sim no colchão que fora colocado logo ao lado da minha cama.
K: Mas Rapha, foi você mesmo quem disse que devíamos marcar logo nossas camas.
R: Eu disse que era pra você marcar logo a sua cama. Prefiro dormir aqui do seu lado.
K: Você acha que seus primos podem querer me sacanear?
Ele ficou pensativo por um tempo, depois sorriu.
R: Eu só quero ficar aqui perto. Não posso?
K: Claro que pode.
Os dias que se seguiram foram realmente proveitosos. Passamos os dias preparando tudo para o Natal. Montamos a árvore e colocamos luzinhas pela sala, ajudamos minha tia e as cunhadas dela a prepararem as comidas. Era engraçado ver aquele monte de homem na cozinha, sujos de farinha e fazendo um monte de besteiras. Parei para pensar que nossa família parecia só gerar homens, pelo menos no primeiro casamento. Meu pai me dissera, numa das vezes que nos comunicamos para falar sobre minha pensão, que sua nova mulher realmente estava grávida e que seria uma menina. Minha meia-irmã já devia ter nascido, mas fazia um bom tempo que eu não falava com meu pai, então não podia ter certeza. Estava sentado, pensando nessas coisas quando Rapha se sentou ao meu lado e passou um braço por meus ombros.
R: Um doce por seus pensamentos.
K: Só se for pavê.
R: Hahahaha.
K: Eu estava pensando nessa situação toda. É tudo muito diferente do que eu estou acostumado, o mais parecido com isso que tive foi há tanto tempo... Quando você ainda não tinha ido pra faculdade.
R: Vem cá, Kim.
Ele estava sério e me puxou pela mão de volta para o quarto, onde se sentou em minha cama, me trouxe para sentar entre suas pernas, com as costas encostadas em seu peito e me abraçou.
R: Me perdoa?
K: Quê isso, Rapha? Isso já passou...
R: Mas eu me sinto péssimo e fico com raiva toda vez que eu lembro que te deixei tantos anos sozinho.
Virei um pouco, só o suficiente para ver parte do seu rosto.
K: Você pretende me deixar só de novo?
R: É claro que não...
K: Então, é isso o que importa.
Rapha apertou mais o abraço e ficamos assim por um tempo, até que dois dos primos dele entraram no quarto.
P: Olha que gracinha o casalzinho agarradinho. Não vão dar beijinho não?
Rapha levantou calmamente, segurou seu primo pelo braço e o levou para fora do quarto. O outro primo foi atrás, já falando para ele que era só brincadeira. E eu não me dei o trabalho de me mover, deitei a cabeça no travesseiro e puxei a colcha para me cobrir. Durante o resto do tempo que passamos juntos na casa da minha tia, os primos dele não fizeram mais nenhum tipo de brincadeira que me envolvesse.
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~ olááá, minha gente, boa tarde! já começo dizendo que fiquei triste por perder leitores devido aos acontecimentos do conto. como não vim postar ontem (eu acabei indo sextar depois que saí do escritório kkkk), vim mais cedo hoje! <3 ~