— Gente! A Letícia! — gritou Eduardo enquanto eu e Carlos largamos nossos talheres na mesa do susto que ele nos deu
— Ai que coisa Eduardo, susto da bexiga! — eu respondi nervoso
— Também me assustei — disse Carlos
— Desculpa, mas acabei de lembrar que ela estava comigo ontem — continuou se levantando da nossa linda mesa de café da manhã — Eu vou ligar para ela
—Ok — respondi e continuei comendo
— Ele é desesperado assim mesmo? — perguntou Carlos
— Só quando acha que alguma coisa é muito séria
— E é?
— Se a Letícia estava aqui ontem e hoje não está mais, provavelmente é… — eu disse meio duvidoso mas sabia que ela conseguiria se virar
Eduardo voltou tranquilo e se sentou novamente ao meu lado na mesa
— E então… — eu disse
— Ela foi para casa — ele respondeu meio abatido
— Mas por que essa cara? — perguntou Carlos
— Ela foi para casa com o MEU carro!
Demos risada e depois daquele momento terminamos de arrumar a casa, que era nosso objetivo principal naquele dia.
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Já era tarde, bem daquelas que você em filmes onde o céu está alaranjado e eu decidi que iria embora só de noite da casa do Carlos. Ele, como sempre, estava streamando no quarto com os amigos virtuais. Ou seja, nada de Cadu por algumas horas. Só tínhamos eu e Eduardo, dois pombinhos, sozinhos, de novo.
— Coloca um filme de suspense aí nessa TV, vai — mandão como sempre
— Não! Eu não gosto de filme de suspense
— Por que?
— É muito lento para acontecer as coisas
— É igual você, lento para fazer as coisas acontecerem!
— A ti lascar, abusado
— É sério! Eu quero muito ver um suspense
— Não!
— Taquipariu!
— Ó!
— Ó nada! Me respeita!
— Tsc!
— Tá bom então, você quer assistir o que então?! — perguntou parecendo que tinha 6 anos ao invés de 20, com braços cruzados e direito a buchechão
— Oh meu Deus! Tá bravinho ele — eu apertei sua bochecha e o abracei — Fica bravo não
— Vai se lascar Felipe! — ele se levantou e foi para o outro sofá
— Ishh, tá bravo de verdade!
— Claro que eu tô, você não quer assistir o gênero que eu gosto e nem sabe o que quer ver
— Eu nem disse nada
— Por isso mesmo!
— Tá bom, meu amor — eu fui para o lado dele de novo — E se a gente assistisse um filme... gay?
— Que isso, Felipe?! — ele ficou espantado com o que eu disse e me olhou com um desprezo que eu nunca tinha sentido na vida.
— O que eu fiz? — perguntei
— A gente tá na casa do seu amigo, cê tá doido!
— Ué, o que que tem?
— Eu não vou assistir pornô na sala dele
Eu dei muita risada.
— Tá rindo do que seu abestado? — ele continuou seríssimo
— Edu, eu não tô falando de filme pornô, tô falando de filme gay!
— Osh, e não é a mesma merda?!
— Claro que não seu tonto! — eu disse sorrindo para ele — Claro, tem alguns que são bem estranhos, mas tem uns que são filmes mesmo, oras!
— Não sei, não…
— É só filme, meu amor, relaxa
— E você conhece algum?
— Eu tô com vontade de assistir “God’s Own Country”
— Ah não! Filme em inglês?! Nem pensar!
— Meu amor, tá legendado!
— Ah dá licença!
— Eu aposto que você vai adorar, vai até chorar
— Eu não choro — teimoso como sempre
— Duvido!
— Ah é? Então coloca, vai, quero ver agora esse filme das poc
— Opa, já tá usando gíria agora?
— Coloca essa porra logo! — respondeu dando risada
Eu procurei o filme na internet e não muito difícil de achar. Logo estávamos eu e ele agarradinhos vendo o filme. A luz do dia foi desaparecendo e noite chegando, ficava mais frio mas os braços do Eduardo me aqueciam. Seu peito virou meu travesseiro para olhar a Tv e suas mãos eram as melhores massageadoras de cabelo que tinha naquele momento. Sua respiração gostosa bagunçava meu cabelo abaixo do seu rosto e seus olhos perfeitamente vidrados no filme, para tentar ler a legenda.
A melhor coisa é ver os comentário dele no filme, simplesmente implacáveis. Pensa numa pessoa que presta atenção nos detalhes mais aleatórios possíveis, tipo a posição estranha dos objetos em cenas. No final do filme, eu estava certo ao dizer que ele iria chorar e ele me deu um tapa na cabeça por eu estar correto sobre isso.
— Você é um bobão sabia? — ele disse
— Ué, por que? — eu respondi com um sorriso bem maroto
— Esse filme é igualzinho a gente
— Sim! Você percebeu?! — eu achei fofo ele notar que eu tinha escolhido esse filme justamente por causa dele
— Uau, eu realmente gostei
— Viu, eu sabia que você ia amar!
Ele sorriu se relance e saiu para ir no banheiro. Me aproveitei e subi para ver o zumbi do Carlos, que nessas duas horas não apareceu nem para dar um “oi” para gente. A porta do quarto estava entreaberta e eu fui invadindo mesmo. E lá estava ele, conversando pelo fone, sei lá como que isso funciona, para mim parecia que estava falando sozinho.
— Peraí meu lindo, tô acabando a partida! — ele disse quando me viu entrar
— Tô perando…
Ele finalmente terminou de jogar e virou a cadeira na minha direção e ficou me olhando na espera de algum assunto
— Bom, eu só ia dizer que vou embora — disse calmamente — Eu deixei alguma coisa aqui? Não lembro de ter trazido nada…
— Você só trouxe sua mochila, eu acho
— Ah sim! — saí para juntar minhas coisas que eu havia esquecido da existência e voltei no quarto dele — Tá tudo bem?
— Sim… — respondeu num tom de voz que eu não consegui deixar de perceber como era estranho
— Sério mesmo? Se tiver algum problema, pode falar, tenho tempo ainda…
— Relaxa, tá tudo bem…
— Mas… — intriguei
— ...eu conversei com o Eduardo…
— Sobre? — perguntei com certa curiosidade — Bom, pelo menos você conversa com ele depois de espancá-lo
— Conversamos sobre você
— Sobre mim? Uau! Vocês realmente não tem assunto!
— Para de ser besta!
— Tá bom...mas qual o motivo para estar com essa cara
— Nada, eu só sinto que estamos prestes a ficar distantes
— Distantes? Ué! Por que?
— Bom, se o Eduardo voltou, então eu vou ficar em segundo plano…
— Sério?! — eu disse espantado e confesso que achei que era brincadeira — Você tá brincando né?
— Claro que não!
Eu debochei com minha risada irônica
— Tá vendo, por isso que eu não converso sério com você, sempre acha que eu sou um idiota que não fala sobre essas coisas
— Calma, eu só não tô acreditando que você está com ciúmes de mim!
— Eu não tenho ciúmes de você!
— Então, o que é isso tudo que você está me falando agora?
— Eu tô dizendo que eu tô bolado até agora por você ter encontrado alguém mais importante, nunca ter me falado isso, e agora está prestes a ter uma vida com esse alguém!
Minhas sobrancelhas arregalaram porque não conseguia acreditar em nada do que estava acontecendo.
— Tudo bem...eu...eu...uau...eu nem sei o que falar… — soltei minha mochila e sentei na cadeira do lado da cama — Então você só está chateado?
— Eu só estou bolado
— Então está chateado!
— Chame do que quiser...só quero saber por que não me contou nada…
— Porque eu achei que iria me rejeitar, sei lá...não é fácil dizer pro seu melhor amigo que agora está apaixonado por outro homem
— Eu queria que parasse de falar isso, só prova cada vez mais que eu sou a pior pessoa do mundo para você confiar
— Não é desse jeito
— Então como é?!
— Eu não sei, poxa! — me irritei e fiquei confuso — O que você quer que eu diga? Desculpa! Eu não te contei porque eu estava tão confuso que não pensei em nada disso
Ele sorriu com um olhar de desaprovação e balançou a cabeça
— Ok — ele disse — Tá tudo bem, não estou irritado, só queria saber se ainda sou importante para você
— Tá sendo grosseiro a forma que está me fazendo sentir, eu nunca deixaria de ser seu amigo por causa do Edu
— Beleza, vou parar de te irritar — ele se levantou e abriu os braços — Vai ficar me olhando ou vai me abraçar?
Eu fiz birra mas o abracei
— Desculpa te fazer passar por isso — ele disse
— Tá tudo bem, só está sentindo abandonado
— E estou?
— Não, seu boboca!
Nos soltamos e ele acompanhou Eduardo e eu até a saída. Senti que tínhamos deixado todas as dúvidas e dores para trás naquele dia. Nunca havia presenciado um momento em que Carlos fosse tão sincero e sentimental, não passou pela minha cabeça toda a dor e confusão que ele estava sentindo por tudo que estava acontecendo. Mas fazer o que, eu amo meu mineiro!