— Oi, filho? - disse minha mãe assim que percebeu minha chegada de mais um dia cansativo da faculdade. Não estava no meu melhor estado, a aparência desgrenhada de um dia inteiro estudando, e a barba já a algum tempo a fazer, e o cabelo a um tempo sem cortar, começava a me incomodar.
— Oi, mãe! - com uma voz quase arrastada, respondo minha progenitora. Me aproximo até o sofá onde ela está sentada, e dou lhe um beijo em sua testa.
— Mais tarde estarei indo ao Garden House! Quer vir comigo? - pergunta se referindo a um popular restaurante da nossa cidade. Minha mãe adorava a comida que eles serviam, e sempre que estávamos de bobeira íamos jantar lá. Só que hoje, infelizmente eu não poderia acompanhá-la.
— Hoje não mãe! Combinei de ir para a casa do Pedro. Só passei aqui para me arrumar e pegar algumas coisas. - digo comentando sobre a minha decisão de ir passar o fim de semana com meu amigo, depois dele tanto insistir. — Mas bom apetite! Beijo! - concluo por fim, me dirigindo as escadas. Só queria tomar um longo banho para relaxar.
— Outro! Cuidado por lá!
Já no meu quarto, joguei minha bolsa em cima da cama e tirei minha roupa. Minha vontade era de apenas deitar e dormir. Estava me sentindo exausto, mas tinha que manter minha palavra, já que o Pedro me fez prometer que eu iria para casa dele. Caminho a passos curtos para o banheiro e ao me encarar no espelho, tive noção do quanto minha aparência estava desgastada. Abro a gaveta do balcão da pia e pego meu barbeador, minha máquina de cortar cabelo e uma tesoura. Começo a raspar todos os pelos do meu rosto e das laterais da cabeça, e aparando a parte superior logo depois, com uma tesoura. O alívio visual era indescritível. Nada como um rosto limpo e um cabelo bem cortado. Limpei a sujeira e segui para o box para terminar com meu banho.
Após devidamente limpo, me troquei e coloquei alguns pertences e peças de roupa na bolsa. Não era preciso muito, afinal, tinha algumas coisas minha por lá. Pego meu celular e vejo que havia algumas mensagens e ligações perdidas do Pedro, de uns minutos atrás.
"Cadê você? Tá pronto?", "Tô esperando!", "Atende, viado!", "Demorou, entrei! Tia Carmen falou que está se arrumando, tô aqui na sala com ela!" - diziam algumas delas. Ao menos não iria mais precisar esperá-lo chegar, pensei. Termino de colocar as coisas na bolsa e desço para encontrá-lo, e assim que piso na sala o encontro as risadas com minha mãe.
— Estão falando de mim? - pergunto em tom de brincadeira.
— Até parece que eu ia perder meu tempo falando de você. - comentou minha ela entre uma risada.
— Isso tia! Pisa nele! - zombou Pedro e eu de implicância puxei seu cabelo. — Aí! - reclamou ele.
— Vamos embora logo! - digo e o mesmo se levanta me acompanhando até a porta. — Tchau mãe! Te amo!
— Tchau tia Carmen! Te amo! - despede-se Pedro imitando minha última frase. Minha mãe sorri.
— Dois frescos! Tchau amo vocês! - responde e nós dois saímos.
Fazia aproximadamente um mês que o Pedro havia ganhado um carro do seu pai. Segundo o sr. Olavo, era o seu presente adiantado de aniversário, e atrasado por ele ter entrado na faculdade, já que quando ingressamos a família dele ainda estava em recuperação financeira.
— Estou adorando a ideia de você como meu motorista! - falo tirando sarro do fato dele me dar carona quase todo dia, para faculdade e para as nossas saídas.
— É mesmo? Só por conta disso, nunca mais vou te dar carona! - diz dando partida e saindo do gramado da minha casa.
— Tenta para ver se eu não conto para seus contatinhos que somos um casal gay! Nenhuma garota mais vai chegar em você! - ameaço-o e logo ele cai na risada — Ri agora, para não se arrepender depois.
— Então quer dizer que somos um casal gay? - pergunta com uma de suas mãos no volante, colocando a outra sobre o meu rosto e me alisando, sem tirar os olhos da estrada.
— Sai corno! - digo tirando sua mão e sorrindo.
— Já que somos um casal, vou te chamar de amor a partir de agora! - ele diz. E embora fosse tudo apenas uma simples brincadeira, meu coração apertou. Não sabia o por quê, mas ultimamente eu vinha me sentindo estranho em relação a ele. Ás vezes, me pegava admirando-o do nada. Seu corpo, sua voz, o jeito como suas covinhas ficavam marcadas quando ele sorria, seu cheiro... Não que eu estivesse apaixonado por ele, nem nada do tipo, afinal, éramos amigos e eu nunca tinha sentindo atração por garotos antes, então, devia ser apenas admiração. Não é mesmo?
— Sua bunda! - rio sem graça tentando sair daquela conversa. Ele sorri de volta e concentrar-se novamente em dirigir.
Mais alguns minutos na estrada e chegamos ao nosso destino. Seu bairro, ficava apenas a alguns poucos quilômetros do meu, em um condomínio fechado. Atualmente, morava apenas ele e a tia Isadora, sua mãe. Bem mais modesta que a que eles viviam anteriormente, a nova residência possuía traços da arquitetura minimalista, com muitos detalhes em madeira que lhe davam um ar moderno. Estacionamos o carro em frente a ela e entramos. A sala estava aparentemente vazia, o que indicava que provavelmente sua mãe não estava em casa. Subimos para o andar de cima em direção ao seu quarto e assim que passo pela porta me jogo em sua cama.
— Ah, que coisa boa! - não tinha nada melhor do que esticar as pernas depois de um dia exaustivo.
— Vou preparar algo para gente comer e mais tarde a gente sai. - propõe Pedro apanhando minha bolsa do chão e colocando em cima da poltrona, ligando o climatizador de ar em seguida. — Não preciso nem dizer que é pra ficar a vontade, não é? - diz me olhando deitado. A cama king-size dele estava muito confortável e eu parecia um gatinho me remexendo em cima dela para sentir os lençóis. Ele sorri. — Vou lá! - complementa, saindo logo depois.
Fecho meus olhos tentando relaxar um pouco, o friozinho junto ao barulho de baixa frequência do climatizador começava a fazer efeito, aos poucos sentia todo o cansaço cair sobre meus ombros. Estava tão bom eu ali deitado, que eu simplesmente apaguei.
— Oli... - me chamava Pedro baixinho tentando me acordar com cuidado. Preguiçosamente abro meus olhos, mas logo a lei da física tratou de fechá-los novamente — Soninho gostoso, hein? Vamos comer! - me convida. Mas sentia meu corpo tão pesado de sono que não consegui respondê-lo, nem tão pouco me mexer. — Oli, vamos! Vai esfriar! Eu fiz estrogonofe. - continua numa tentativa de me despertar. Ele se senta na beirada de sua cama e começa a me balançar devagar — Oli... - tenta mais uma vez, e depois mais outra, mas pela minha resistência, ele desiste. Sinto ele se levantar e segundos depois o silêncio imperar o quarto, me levando a acreditar que ele já não estava mais ali. Aos poucos fui perdendo a consciência de novo, até que ele entrou desesperadamente me dando um susto.
— ACORDA, PORRA! - gritou me deixando esperto em questão de segundos. Levanto-me atordoado e ao tentar sair da cama me enrolei em um dos lençóis, o que me fez cair e bater com a cabeça no chão. Ao me dar conta da realidade, percebo o quanto ele estava achando graça da minha reação e isso fez o meu pico de adrenalina cair e dar lugar a um pico de raiva. Corri para cima dele dando vários socos em seu braço, enquanto ele continuava a debochar de mim.
— Desgraçado do caralho. Acha engraçado? - pergunto enquanto continuo deferindo leves socos, agora no seu abdômen. Ele não conseguia deixar de gargalhar e apenas pedia para eu parar.
— Para... para... - dizia entre risadas. Até que ele subitamente ele me dá um contragolpe jogando seu peso contra o mim, o que nos fez cair e dar a ele vantagem da situação. — Gosta de bater, né? - pergunta, ele agora estava por cima de mim segurando meus braços com umas das mãos, e me socando com a outra. Agora quem não parava de rir era eu.
— Que frescura é essa de vocês dois? - falou tia Isadora da porta do quarto que estava aberta, assustando nós dois. — Sempre soube que vocês se pegavam, mas fechem a porta pra transar. - comentou a mãe do meu amigo sorrindo. Pedro dá um pulo saindo rapidamente de cima de mim.
— Mãe, deixa de ser inconveniente! Onde você estava? - pergunta ele indo em direção a tia Isadora. Sempre gostei do lado bem-humorado dela, mas não pude deixa de ficar envergonhado com aquilo.
— Não tente mudar o foco da conversa. Ainda espero até hoje vocês se assumirem para mim. - só queria um buraco para enfiar a cara.
— MÃE! - intervém Pedro e ela gargalha.
— Não precisa ficar com vergonha, querido! Estou só brincando, mas iria adorar ter o Oliver como genro. - Meu amigo ficou vermelho como um tomate e eu apenas ri pra disfarçar, mas fiquei estranhamente feliz, no fundo, por ela ter dito que me queria como seu genro.
— Chega, sai! - expulsou-a seu filho, a empurrando para o corredor e fechando a porta. Eu não sabia onde enfiar a cara, mas no final tinha levado na esportiva.
— Me desculpa, Oli! - pediu-me Pedro envergonhado. Seu rosto corado demonstrava que ele ficou mais constrangido do que eu.
— Relaxa! - tranquilizo-o me levantando — Vamos comer!
Na cozinha, nos servimos e nos sentamos no balcão. A comida até que estava saborosa e até a tia Isa provou. Começamos a conversar algumas amenidades e a falar sobre a faculdade, mas em determinado momento meu telefone começou a tocar, era a Júlia. Fazia pouco mais de um ano desde que terminamos e aos poucos estávamos voltando com a amizade de antes. Atendi.
— Oi, Jú?
— Oli, fazendo o quê? - pergunta ela do outro lado da linha.
— Tô na casa do Pedro! Por que? - questiono.
— Ia te chamar para lanchar, mas você já está em um programa pelo visto! Aliás, vocês nem para me chamar, né? - me cobra.
— Nem fique chateada, só vim porque o Pedro praticamente me obrigou! Fez chantagem emocional, acredita? E ainda colocou você no meio, disse que não estávamos dando atenção para ele. - Pedro que me observava, sorriu, e se meteu no meio da conversa.
— E não é verdade? Vocês ano passado mesmo me abandonaram. - diz ele se referindo, mesmo inocentemente, ao nosso processo de superação. A Júlia ouve e também sorri.
— Diz para ele que quem tem que dar atenção para ele, são as quengas que ele arruma. - responde. Repito para ele o que ela acabara de dizer. E ele apenas ri também. — Mas aproveitem aí bebês. Depois me liga para gente marcar para sair. Beijo para vocês. - conclui ela se despedindo.
— Ligo sim, beijo! - digo e desligo. — Era para termos chamado ela também. - comento.
— Amanhã ou depois eu ligo para ela vir. Quero passar mais tempo contigo. - diz Pedro. Era bom saber que ele gostava da minha companhia.
— Hmm, então quer dizer que você gosta de me ter por perto? - zombo.
— Mas é claro! Meu macho tem que ficar grudado em mim.
— Seu macho? Eu tenho dono agora? Nem pedido em namoro eu fui. - continuo, embarcando naquela brincadeira.
— E precisa? Todo mundo sabe que tu é minha vadiazinha. - rebate se levantando e levando nossos pratos, agora vazios, para pia.
— Se a tia Isa escutar isso vai dar mais lenha ainda para ela dizer que nós dois se pega - respondo me levantando também. — Vamos sair para onde? - pergunto me espreguiçando.
— Eu não sei, mas não queria ficar em casa! - Pedro diz — Mas se quiser ficar aqui tudo bem!
— Pra mim tanto faz! Só não quero ir para lugar agitado. - ele parece pensar.
— Faz o seguinte, se arruma que eu vou ver para onde a gente vai. - ele propõe e eu assinto.
Subo para o quarto dele e vou em direção ao seu closet. O bom de ter intimidade com alguém é o fato de poder compartilhar as coisas, inclusive espaços físicos. Ele vai para o banheiro tomar um banho e eu decido tirar a bermuda jeans que estava vestido e colocar um shorts folgado que encontrei dele. Cogitei em colocar sapatos, mas pensei no conforto e optei por uma sandália.
— Só não vá roubar minhas roupas agora. - diz ele ao sair do banho só de toalha.
— Se vacilar, pego mesmo!
— Vai de sandálias? - pergunta.
— Sim! O que tem?
— Nada! Só pega uma blusa de frio. - ele tira a toalha ficando nu, de costas para mim, e começa a se trocar. Vestindo também, bermuda e camiseta igual a mim. — Vou te levar para um lugar especial.
— Motel?
— Não é má ideia, mas não! - ele ri. — Nós vamos para a serra. - diz calçando suas sandálias e apanhando logo depois sua carteira e as chaves de seu carro, colocando no bolso. — Vamos!
A serra na verdade, era uma praia virgem da nossa cidade. Poucas pessoas frequentavam ali. Lá era bem tranquilo e muitos gostavam de ir para acampar ou para fazer luau. Além de lindo, aquele lugar tinha uma vibe indescritível e eu amava ir para lá repor as energias diante da natureza. O que mais chamava atenção eram suas grandes pedras e uma gruta. A viagem até lá durou cerca de uma hora, isso porque paramos eu um supermercado para comprarmos comidas e algumas bebidas.
Naquela noite, infelizmente não tinha lua, mas o céu estava limpo e por não ter muitas construções por perto, podíamos visualizar mais estrelas. O Pedro estacionou a poucos metros da areia e por ali ficamos. Descemos do carro e sentamos no capô. Agora nós dois admirávamos aquele mar, sentindo a brisa fria e a maresia, enquanto comíamos o que havíamos comprado. Pego uma latinha de uma bebida destilada qualquer, abro e tomo um gole.
— Estava precisando disso! Essa semana foi tensa na faculdade. - desabafo — Eu já imaginava que iria sofrer fazendo engenharia, mas não pensei que fosse para tanto. - Pedro ri.
— Deus me livre desse curso! Choro fazendo administração, imagine engenharia.
— Ah, como eu sinto saudades do ensino médio. - digo me sentindo nostálgico.
— Pois é! E pensar que quando estávamos lá, só queríamos sair. - ele ri de novo.
— Sabe, ás vezes eu penso que podemos estar vivendo algo pela última vez e nem sequer nos damos conta. E... não sei, mas... me dá uma tristeza saber que eu poderia ter aproveitado mais. - suspiro - Tantas coisas eu deixei de fazer por medo, por dúvida ou por receio do que iam pensar. Me arrependo amargamente de não ter me aberto mais para as pessoas, será que... quantos amores eu deixei passar? Quantas experiências eu devo ter perdido... - fito o chão sentindo uma angústia ao lembrar da minha adolescência.
Aquele período não foi tão fácil. Embora eu tivesse os meus amigos, eu fui um garoto muito retraído. Não que eu fosse introvertido, pelo contrário, eu socializa com todo mundo, mas quando se tratava de vínculos afetivos, eu não seguia adiante. Sempre tinha medo de me machucar, de partirem meu coração. Além da minha ter auto-estima muito baixa e ter problemas com meu corpo. Eu era muito magro e isso me envergonhava. Me sentia insuficiente e não bonito o bastante.
Acabei me tornando um garoto depressivo e reprimido sexualmente. Nessa época, quando eu percebi gostar da Júlia foi um baque, afinal, ela era minha amiga e na minha cabeça ela nunca me veria como nada além disso. Mas quando ela me disse que também gostava de mim, ela conseguiu resgatar-me de um poço de inseguranças. Ela me apoiou e me fez acreditar em mim mesmo. E por sua influência comecei a fazer terapia e procurei um nutricionista, decisão que que com certeza me ajudou. Se não fosse ela me encorajando e me apoiando de perto, eu não teria conseguido.
— Realmente! Você não devia ter se guardado tanto no ensino médio. Por isso que é virgem até hoje! - brinca meu amigo cortando o clima de seriedade da conversa.
— Hahaha - debochei — Engraçadinho você! - Mas realmente no fundo ele falava a verdade. Eu já tinha quase dezenove anos e nunca tinha transado, mesmo namorando a Júlia por quase dois anos, eu nunca consegui tocá-la, pois nós dois, apesar de tudo, ainda não nos sentíamos prontos.
— Desculpa! Mas é que... eu nunca vi você namorar, nem ficar com ninguém! - ele diz e por uns segundos dá uma pausa. — Você é gay? - meu coração gelou. Aquela pergunta havia me pego de surpresa. — Tudo bem se você for! Sempre vou ser seu amigo!
— N-não - respondo, mas no fundo havia ficado confuso. E se eu realmente fosse? Comecei a pensar e refazer minha vida inteira na minha cabeça tentando encontrar evidências que não, mas quanto mais eu pensava, mas eu embaralhado ficava. Sem perceber, já havia passado muito tempo em silêncio.
— Desculpa mesmo, Oli! Não devia ter perguntado. Não sabia que iria ficar chateado. - disse Pedro.
— Não! Não estou chateado! Só estou pensando. - digo e abaixo a cabeça, encarando meus pés atolados na areia. Sinto ele me observar.
— Quer experimentar uma coisa diferente? - ele propõe me deixando intrigado e curioso ao mesmo tempo.
— O quê? - pergunto.
— Vem comigo! - ele abre a porta do carro, pega alguma coisa no porta-luvas e fecha. Apanha as sacolas do supermercado e trava sua caminhonete. Ele começa a andar e eu o acompanho, até chegarmos em uma grande rocha que tinha na praia. Subimos até o topo e lá sentamos.
— Vai me jogar daqui? - pergunto e ele ri.
— Deixa de ser medroso! Olha... - ele diz me mostrando o que tinha pego no porta-luvas — Um amigo meu tem um pé, fez esse para mim e me deu. - o Pedro estava me mostrando um beck. Nunca tinha experimentado e também morria de medo.
— Isso não é ilegal? - questiono.
— A vida é ilegal! - ele sorri — Eu não vou te obrigar a nada! Só por favor, fica aqui do meu lado olhando o mar do alto! - ele pega uma caixinha de fósforo e acende o seu baseado. Ele me encara profundamente com um ar risonho e leve, e não sei por quais razões, eu me arrepiei, inexplicavelmente. Eu confiava no meu amigo e no fundo ele tinha razão. Há alguns momentos atrás lamentava coisas que não tinha vivido. A vida é feita de experiências, sejam elas boas ou ruins e eu nunca irei saber quais são boas se não me permitir vivê-las. Pego o cigarro da mão e dou um trago. Era a primeira vez que eu experimentava a maconha.
— Que se foda! Minha vida já é um droga! - digo e ele abre outro sorriso. Por falta de prática, tossi ao puxar inicialmente, mas ele com paciência me ensinou e no terceiro trago já comecei a sentir como era estar chapado. Era como se tudo tivesse desacelerado, fiquei calmo e em paz. Algo parecido quando estamos bêbados, mas de uma forma bem mais atenuada. Busquei não pensar em nada. Se aquilo era errado ou não, iria apenas aproveitar aquele momento, e aquela companhia.
Voltando ao agora...
— Oli... - chamava-me Marcos do lado de fora. Eu estava me sentindo enganado. Aquele sentimento de vazio e insuficiência que eu já conhecia tão bem, voltou a me dominar. Mas eu tinha que ser forte, eu não iria chorar. — Tá tudo bem, mesmo? Tem algo que eu possa fazer?
— Tá tudo bem! - amenizo, mas não! Não estava nada bem! Eu só queria ir para casa. Espero alguns segundos e então aperto a descarga para fazê-los acreditar que eu vomitei. Na pia, passo uma água no rosto e saio.
— Eu vou tomar um banho para gente ir dormir. - diz me dando um selinho. — O pessoal ficou preocupado, mas eu falei que iria cuidar de ti. - balanço a cabeça concordo com sua primeira fala.
— Eu também vou tomar banho! Vou só pegar minhas coisas. - digo e me encaminho para o quarto.
— Você vai tomar banho comigo? - pergunta ele me abraçando por trás, colocando a cabeça em meu ombro. Pude sentir seu perfume, aquele que eu tanto adorava e isso só fez minha consciência pesar ainda mais. Eu era uma pessoa horrível.
— Sim! - respondi, não conseguia dizer não para ele.
Eu estava com raiva de mim. Raiva por ter permitido minha mente se tornar uma bagunça, de um dia para outro. Raiva por ter beijado o Pedro estando com o Marcos, raiva por não o ter superado. Mas sobretudo, eu me sentia triste, pois, provavelmente, nem meu amigo eu teria mais.
— Amor? Não quer me falar o que está acontecendo? - diz Marcos e só então me dou conta de que sem querer, me desconectei da realidade. — Eu sei que você não tá bem! Seu beijo está dizendo isso e seu pau também. - ele aponta para meu pênis que agora estava em uma meia-ereção.
— Desculpa, amor! - que droga! Não devia tê-lo chamado assim. "Tudo bem, Oliver! Você só está emocionalmente, fraco!" - pensei. Mas automaticamente isso me fez me sentir ainda mais culpado, pois ele sorriu feliz. — Eu tô só exausto!
— Tudo bem! Não vou mais te encher. - responde e eu abaixo a cabeça. As lágrimas queriam descer a todo custo, mas eu me controlei.
— Só me abraça! - peço e ele prontamente atende. Não tinha clima para sexo, era só nós dois abraçados, deixando a água percorrer nossos corpos.
Terminamos o nosso banho, nos trocamos e fomos para a cama. Estava cansado, tanto fisicamente, como mentalmente, mas antes de deitar minha cabeça no travesseiro, tomei uma decisão. Para mim a viagem estava acaba. Conversei com o Marcos, que, a princípio estranhou, mas não me questionou. Argumentei que estava com saudade de casa, da minha mãe e que precisava voltar, e ele compreensivo me apoiou. Ainda naquela noite comprou as passagens pelo celular e nosso voo sairia às dez, mas não queria mais estar naquela casa, antes mesmo de todos acordarem. Por telefone, já longe, agradeceria e diria uma desculpa qualquer. Fechei os olhos e em segundos dormi, tentando esquecer que aquele dia existiu.
De manhã, o sol mal nascera e já estávamos de pé, prontos para partir. A única coisa que estudávamos, era como conseguiríamos carona até o aeroporto, já que todos estavam dormindo e motoristas de aplicativos e táxis não atenderiam a fazenda.
— Vamos descer! Lá embaixo pensamos no que fazer. - digo pegando minhas malas.
— Será que tem algum peão acordado? - pergunta Marcos.
— Acho que sim! Eles acordam bem cedo! - afirmo e para nossa sorte já haviam alguns trabalhadores acordados. Agradeci ao céus e então pedi para um deles nos levarem.
— Marcão vai levar "ocês" - disse um senhor, depois de falar com alguns homens. Minutos depois uma caminhonete para ao nosso lado. Era a nossa carona. No aeroporto deu tudo certo. Fizemos o check-in e embarcamos. Ás 10h15 o avião decolou num vôo quase vazio. Logo, logo estaríamos em casa.
— Sobre o que você queria conversar? - questiona-me Marcos.
— O quê?
— Ontem, mais cedo, antes de você passar mal, você disse que precisava conversar comigo a sós. - lembra-me e então eu respiro fundo. Era justo terminar com ele? Encaro-o.
— Sobre nós! - digo. Ele articula falar algo, mas se cala. Olha para frente e depois me encara de novo.
— Você quer terminar não é? - seus olhos brilharam e sua voz tremeu. Nunca o tinha visto emocionado, nem quando rompemos a primeira vez — Você se apaixonou pelo Alex, é isso? Pode falar?
— Não! Marcos, não...
— Pode dizer, Oli! Eu sei que ele é bonito, inteligente e um cara legal! E que você se sente mais vivo com ele do que comigo! - ele funga o nariz, seus olhos já se enchiam de lágrimas e isso me partiu o coração.
— Marcos... eu não estou apaixonado pelo Alex. E tudo que você falou dele, é o que eu acho de você. - seguro a mão dele e olho em seus olhos. Queria que ele visse que eu estava sendo sincero com ele. — O fato é que, eu sou um confusão total e eu não quero te machucar. - agora a minha voz começava a falhar. — Eu sou apaixonado por você, pela sua companhia, pelo seu beijo e pela nossa química. Mas... - dou uma pausa tentando buscar as melhores palavras. Mas ele me completou.
— Mas você não me ama! - ele diz e meu silêncio confirmou tudo. Ele soltou suas mãos da minha e desatou-se a chorar. Ver aquela cena me quebrou todo. — Foi necessário mais de um mês longe de você para eu perceber que te amava! Quando a gente terminou foi que eu percebi que meu coração já era completamente teu e eu me arrependia o tempo todo de termos terminado. - desabafou —Mas eu não queria dar o braço a torcer por orgulho. Não queria estar apaixonado por alguém de novo. Eu dizia para mim mesmo "isso vai passar! É só carência", tentei te deletar de tudo para te esquecer, mas não consegui! - ele soluçava — Você parou de ir para as aulas e foi aí que tudo foi ficando uma tortura. Até pensei que você tivesse mudado de faculdade, pois não te encontrava em lugar algum. Fui na sua casa, mas... - ele hesitou — Me sentia um idiota por ter te deixado ir. Naquele dia quando te encontrei na boate eu pensei "é o destino. Ele está me dando outra chance", mas agora, acho que destino não existe! - eu podia sentir cada palavra dele. Pois a dor que ele sentia no peito, era a mesma que eu também estava sentindo. Mais uma vez segurei o choro e tentei me manter firme. Me aproximo dele e dou-lhe um abraço. Eu não queria que aquilo tivesse acabado assim. Não daquele jeito.
Chegamos na nossa cidade pouco mais das onze horas. No aeroporto, nos despedimos sem dizer uma palavra. Minha mente estava um turbilhão. Peguei um táxi a destino de casa e fui a viagem inteira divagando. Foi um alívio quando avistei o lugar que crescera, parecia que tinha ficado anos fora dali. Não há nada melhor que o nosso lar. Pago a corrida e retiro minhas bagagens do porta malas. Percorro o gramado e antes de entrar, olho pela janela da sala, tão vazia, igual meu coração. Minha mãe não estava em casa - pensei. Decido entrar pelos fundos, pois a chave da porta da cozinha sempre ficava escondida em um dos vasos. Eu estava sentindo minhas pernas tremerem. Os últimos acontecimentos a todo momento me rodeavam e eu só queria desabar. Abro a porta e o barulho da panela de pressão me chamou atenção.
— Mãe? - chamo. Mas ao ver quem estava ali, foi como um gatilho que ativou uma avalanche de sentimentos em mim. A saudade que estava dele e tudo que tinha acontecido vieram a tona. Corri para os braços dele e comecei a chorar incontrolavelmente, como quando eu era criança e caia ralando o joelho e ele me afagava, sendo meu porto seguro — Pai...
"É que a gente quer crescer, e quando cresce quer voltar do início. Porque um joelho ralado, dói bem menos que um coração partido!" - Kell Smith