O Diário
Capítulo três – Passo por passo
“Acabei de sair do aeroporto... Como o ar da Itália me faz bem! Lembro-me da primeira vez que vim aqui, foi há quatro anos. Minha prima me convidou a conhecer a Toscana e eu adorei. Minha cidade favorita é Florença, como gosto daqui! Há alguns quilômetros daqui fica o chalé. Agora só me resta esperarFinalmente cheguei ao chalé! Vou tentar descrevê-lo: uma construção de pedra com dois séculos é onde fica a sede. No fundo, há uma modesta piscina e depois dela um pomar, de onde se tira ótimas uvas. Em frente a essa sede fica um lindo jardim, onde há uma fonte feita de mármore branco, com uma escultura de uma mulher carregando um pote de onde jorra água. Dizem que foi um presente para a primeira dona do lugar... Nesse jardim, muitas flores multicoloridas dão um ar nostálgico ao local, uma impressão de retorno ao passado. Há também, um pórtico de pedra que marca a entrada, cercado de árvores que desconheço o nome. O chalé fica de frente para uma espécie de vale, onde um pequenino riacho corre. Seguindo-o acima, um pequeno bosque preenche a paisagem terminando em duas colinas ao fundo. Tudo isso torna este lugar mágico, mas a paisagem é apenas um dos detalhes dele.
Os donos atuais são Dona Laura, uma mulher de coração imenso, e Seu Agostino, um senhor muito simpático e hilário. Eles têm alguns filhos, mas só Sofia vive com eles. Ela é uma das mulheres mais bonitas que eu conheço: ruiva como a mãe, com um corpo perfeito, olhos cinzentos e pele bem branquinha, um pouco rosada. Ela fala português fluentemente, o que é muito legal.
Enfim, acabei de chegar, o ar daqui me renova, sinto uma paz imensa! Por um tempo cheguei a esquecer do principal motivo de ter vindo pra cá. Mas ao menos terei tempo para pensar!
Estou no meu quarto... Descansarei um pouco. Nada de meditar agora, uma hora chegarei ao meu objetivo. As coisas devem ser feitas no momento certo. Uma ação de cada vez, passo por passo, e vencemos cada batalha.”
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Felipe sentia-se renovado, como se tivessem acendido uma chama dentro dele. Mas ela não o queimava, apenas o aquecia com um calor aconchegante. Ele finalmente estava beijando Léo! O outro, por sua vez, estava confuso. Achava aquilo errado, mas queria continuar e como gostava daquele beijo! Úmido, caloroso, tímido e ao mesmo tempo avassalador, daqueles beijos inesquecíveis! Suas línguas se tocavam, entrelaçavam-se sentindo o calor uma da outra. Não se sabe quanto tempo aquele beijo durou, mas ele seria lembrado eternamente.
Por fim, eles afastaram-se ainda com os olhares fixos um no outro. Felipe estava vermelho como um pimentão e tremia. Ele queria se desculpar, mas não conseguia. Estava hipnotizado e quando juntou forças pra falar, Leonardo o interrompeu.
— Não diz nada...
Eles se abraçaram, um abraço reconfortante. O mais velho abraçou Felipe com muita força, havia se esquecido dos machucados dele.
— Ai!
— Nossa... Me desculpa, esqueci completamente...
— Não tem problema. — Disse Felipe ainda envergonhado — Acho melhor continuarmos, já está ficando tarde...
— Você vai montado, seu pé está muito inchado. Eu levo sua bicicleta — Disse Leonardo — Não se preocupa, o cavalo é manso. Se segura nas rédeas e se curva um pouco pra num perder o equilíbrio.
O pé de Felipe não permitia que o rapaz montasse no cavalo. Leonardo prontificou-se a ajudá-lo a subir e suspendeu o mais novo sem muito esforço. Por fim, Felipe conseguiu montar e ambos seguiram de volta para casa, sem comentarem o ocorrido.
Leonardo estava pensativo, o que seria deles se alguém descobrisse? Ele tinha medo, principalmente, do que fizessem com Felipe, pois o amigo não sabia reagir e se defender. Felipe não sabia se ria ou se chorava. Ele queria estar sonhando, seria mais fácil de lidar. Não tinha coragem de olhar na cara do amado! Uma de suas maiores vontades havia se realizado!
Foram direto para casa do mais novo e chegando lá o mais velho o ajudou a desmontar. Ao tocar em Felipe, Leonardo sentiu um calor subir pelo seu corpo, mas estava no meio da rua e teve que se conter. Felipe continuava envergonhado e se despediu meio apressado. Léo queria ficar e conversar, mas ainda tinha que levar o cavalo na fazenda do pai. Talvez assim fosse melhor, ambos teriam tempo para pensar no ocorrido e clarear seus pensamentos.
Na segunda-feira, Felipe não foi para aula, não se sentia bem. Seu pai o levou ao médico e descobriram que a torção no seu pé era mais séria. Ele teria que passar dois dias em casa. Leonardo ficou preocupado, pois pensou que a falta do amigo tinha sido por causa do beijo do dia anterior. Ele não tinha feito por mal! Foi apenas desejo que ele sentira... Como ele odiava ser impulsivo!
Acabando a aula, Leonardo foi correndo para casa do amigo. Cumprimentou João que estava almoçando e correu para o quarto de Felipe, que já estava trancado.
—Fê, sou eu. Posso entrar?
— Espera um pouco...
— Ok
Felipe abriu a porta para seu amor. Léo entrou trancando a porta atrás de si, depois agarrou o mais novo e o beijou. Desta vez, era um beijo mais feroz, mas com a mesma ternura e doçura do primeiro. Ambos se entregavam àquele beijo apaixonado, não se importavam onde estavam ou se alguém notaria. Só se importavam em aproveitar cada segundo daquele gesto, cada sensação sentida... Dessa vez, Léo tinha seus braços enlaçados na cintura do amigo. Suas mãos percorriam as costas do outro, como se tentando trazê-lo mais para próximo de si, porém seus corpos já estavam colados. Felipe sentia-se leve, realizado... Como Léo beijava bem! Naquele momento, uma cortina cobriu o mundo e só existiam ele e seu amado no universo. A cada toque ele se arrepiava. Suas mãos, por cima da blusa do outro, podiam sentir cada músculo definido de suas costas e ombros. Felipe seria capaz de morrer por ele.
— Me desculpe... — Disse Léo
— Por ter me beijado? Não, você não sabe como eu precisava disso!
— Mas... Eu... Está tudo tão confuso...
— Léo, eu ia te dizer no seu aniversário...
— O que?!
— Que eu... Eu...
— Diz...
—Eu... Eu tô gostando de você! Eu te amo! Mas mais do que só como amigo ou irmão. É como companheiro, sabe? Estou apaixonado por você... — Felipe disse corado.
— Você... Tem certeza?
— Sim.
Leonardo estava confuso, não tinha certeza de seus sentimentos. Felipe esperava uma resposta, atônito. Por fim o mais velho disse pausadamente:
— Eu não sei o que está acontecendo e nem porque eu tenho muita vontade em te beijar. Sei que isso não é certo. Mas me sinto bem fazendo. — Disse lentamente e completou — Pensando bem, eu sinto o mesmo por você... Eu... Eu acho que TAMBÉM te amo.
Dito isso, eles se beijaram outra vez. Cada beijo parecia totalmente diferente do outro, mas sem perder a essência, a ternura. Por fim, ambos foram almoçar. Leonardo ligou para sua casa, informando que passaria o resto do dia ali.
Assim que João retornou para o trabalho, ambos retornaram para o quarto e reiniciaram a sequência de beijos. A paixão reinava nos dois e eles não queriam saber das consequências, nem de religião ou ideologia. O que sentiam era puro, algo acima da própria existência, algo inexplicável e indescritível: o amor na sua forma bruta.
Então, Leonardo levou Felipe para a cama cuidadosamente, deitou-se sobre ele e continuou a beijá-lo. Naquele momento ele era o cara mais feliz do mundo! Sentia o corpo frágil do mais novo em baixo de si e o calor que ele emanava. Sentia a pele de ambos em contato e o calor delas se encontrando. Tirou sua camisa e despiu a do parceiro e voltou a beijá-lo. Estava sedento por ele, queria possuí-lo... Ficou de cueca e estava tirando a calça do mais novo quando foi interrompido por ele:
— Léo, melhor não...
— Mas, Lipe...
— Por favor.
— Ok — Léo disse desapontado.
Quando percebeu a indignação do outro, Felipe se levantou e disse:
— Tudo está acontecendo rápido demais! Eu nunca fiz isto e não me sinto preparado, me desculpa.
— Tudo bem, eu não me importo. Só pensei que você quisesse...
— Não estou dizendo que não quero, só não estou pronto ainda. Na hora certa, caso tenha uma, a gente dá esse passo, ok? Uma coisa de cada vez.
— Então vem cá e me beija — O mais velho disse puxando Felipe para si.
Durante o restante do dia, eles continuaram se beijando até a hora que Leonardo foi para casa.
A manhã da terça foi angustiante. Felipe estava ansioso para ver seu amigo/amor (ainda não sabia como chamá-lo). Passou a manhã tocando violão e cantando uma música que ele adorava “Linger” do “The Cranberries”, que não tinha nada a ver com sua história, mas que tinha uma melodia legal. Durante aquela manhã, ele recebeu a visita de sua mãe e de uma amiga, Lívia. Depois de Leonardo, Lívia era sua melhor amiga. Ela uma menina inteligente, bem estilosa e nada fútil. Enquanto as outras garotas pensavam em maquiagens e cortes de cabelo, ela pintava quadros. Era muito talentosa, porém não tinha apoio da família. Ambos se davam muito bem e Felipe não escondeu seu romance dela. Ela ficou surpresa ao saber do amigo, mas aceitou sem problemas. Ambos conversaram bastante e ela foi embora.
Felipe almoçou e foi dormir enquanto Léo não chegava. Sonhou com ele pra variar. Era um sonho estranho... Ambos estavam em uma igreja, em um casamento. O casamento deles! Mas as pessoas em volta tinham pedras e jogavam neles! Felipe viu seu amado levar uma pedrada no rosto, ele sangrava. Que pesadelo era aquele? Léo vinha em sua direção o chamando:
— Felipe... Lipe... Fê, acorda!
Felipe acordou com Léo o chamando. Estava chorando.
— Que foi, Fê? Por que tá chorando?
— Um sonho... Um pesadelo, na verdade... Foi terrível!
O mais velho o abraçou e disse:
— Calma... Está tudo bem, foi só um pesadelo. Eu tô aqui agora.
Abraçaram-se e um beijo doce e protetor de Léo acalmou o mais novo. Passaram aquela tarde juntos, mas João estava em casa, então eles ficaram assistindo filmes e jogando vídeo game. Umas 20:00h, Léo foi embora. Já estava com saudade... Cada dia que se passava, sentia mais necessidade de estar com Felipe. Seu corpo e sua mente desejavam-no loucamente, mas ele sabia do perigo que corriam. Viver numa cidade tão pequena e estarem em famílias tão conhecidas complicava a situação. Eles tinham que ter muito cuidado, principalmente na escola, principalmente com Yan.
No dia seguinte, eles foram juntos para a escola, mas disfarçando o que sentiam. Foi assim durante umas duas semanas: iam estudar normalmente e se encontravam nas horas vagas. Às vezes Felipe ia para casa do mais velho e vice-versa e em um desses encontros Léo fez um convite:
— A fazenda vai ficar vazia nesse final de semana, que tal irmos passar o sábado e o domingo lá?
— Ah, Léo... Preciso falar com meu pai. Se ele deixar, irei com você.
— Ok!
Felipe pediu seu pai e ele permitiu.
Chegando o sábado, foram logo pela manhã para a fazenda, que era muito bonita. A sede era enorme, com um clima rústico, mas bem moderno e aconchegante. A fazenda não estava vazia, é claro, mas na sede só ficariam os dois rapazes. Leonardo beijou Felipe e ambos se atiraram na cama de um dos quartos. As carícias estavam ficando cada vez mais selvagens, mas nenhum dos dois forçava a barra, tudo acontecia naturalmente. Cada beijo e toque eram de uma sinfonia inexplicável. Cada abraço e afago eram muito cordiais, como se aquilo tudo fosse ensaiado. Felipe sentia uma alegria inexplicável. Já o parceiro, sentia um desejo arrebatador. Ambos se deliciavam simultaneamente com a presença do outro e assim foi durante todo o dia.
A noite, jantaram e tomaram banho, cada um em um banheiro. Depois recomeçaram a sequência de carinhos. O frio do final do outono já começava a dar sinal. Léo levou o mais novo para o quarto principal, atirou-o na cama e debruçou sobre seu corpo, beijando-o deliciosamente. Eles estavam de pijama, só que Felipe mais agasalhado, inclusive com meia e touca, pois sentia muito frio. O corpo quente do amado lhe confortava e as carícias eram inevitáveis. O menor fazia cafuné no outro, que se deliciava com os lábios doces e carnudos que beijava. A excitação de Leonardo era perceptível, mas ele sabia respeitar. Não forçaria o outro a nada, apenas deixaria rolar. Sabia da insegurança de Felipe.
Quando a coisa começou a fugir dos limites, Felipe decidiu parar. Já estava tarde e fariam um monte de coisas no dia seguinte:
— Vamos dormir? Eu vou para o meu quarto.
— Dorme aqui comigo, amor!
— Do que você me chamou?
Leonardo nem havia notado o que dissera, quando percebeu ficou um pouco envergonhado.
— Me desculpa, é que não sei como te chamar, foi mal — disse timidamente.
— Claro que não! Eu adorei!
— Ok, então vai dormir aqui ou não?
— Sim, mas cuidado com a mão boba kkkkkkkkkk
— Você é que tem que se preocupar kkkkkkkkk
Ambos deitaram na mesma cama, Leonardo abraçou o outro por trás, encostando sua face na nuca dele. Ao juntarem seus corpos, Léo pôde sentir as curvas do corpo do mais novo. Como aquilo era bom! Desejaram boa noite, deram um beijo doce e dormiram de “conchinha”.
Felipe acordou primeiro, decidiu ir fazer café da manhã. Até que levava jeito na cozinha! Fez café, buscou leite na ordenha e enquanto grelhava pães com manteiga foi abraçado por traz, quase derrubando a panela fumegante no chão.
— Ai, Léo! Que susto!
— Bom dia pra você também!
— Bom dia, meu amor!
Léo beijou a testa do outro.
— Bom dia, meu anjo.
— O café vai esfriar e eu tô com muita fome.
— Você nem imagina a minha...
Tomaram o café da manhã e Felipe não pôde deixar de notar que Léo comia feito um monstro.
— Huuum... Como você cozinha bem!... Cara tu é perfeito, hein?
— Pode crer que não hahaha.
Então, eles passaram o dia andando pela fazenda, pois Léo queria mostrar um lugar a Felipe. Depois de uma trilha íngreme, eles chegaram de frente a uma cachoeira, ao lado dela um pequeno gramado verdinho onde um ipê branco crescia. Era o lugar preferido do mais velho. O outro ficou extasiado com tanta beleza e, de repente, seu olhar encontrou o de Léo e eles ficaram se olhando por algum tempo.
— Que lindo esse lugar, Léo!
_ Vou te trazer aqui quando essa árvore florir. Você verá como é lindo!
—Sério? Eu quero vê-la mesmo! – Disse sorrindo para o mais velho.
— Felipe...
—Diz
— eu te trouxe aqui para pedir uma coisa...
— O que?
—Tu quer namorar comigo?
— C-CLARO! — Disse quase num grito.
Léo tirou duas correntes do bolso: a dele tinha uma lua minguante de metal como pingente e a de Felipe uma pequenina chave prateada. Disse que ambas serviriam como alianças e prova do amor deles. Felipe estranhou o porquê dos pingentes, mas estava tão feliz que não disse nada. Em seguida, eles se deitaram na grama, lado a lado, e admiraram o céu. Aquilo era um dos passatempos preferido dos dois: verem as formas das nuvens e o vento movimentando-as. Eles viraram-se um por outro e se beijaram durante um tempo. Ao término do dia, voltaram pra cidade.
Um mês se passou e ambos estavam cada vez mais apaixonados. Ainda não havia rolado sexo, mas Leonardo tinha paciência e compreensão. Felipe tinha medo de se machucar e tinha medo por não saber como fazer, então adiava. Nos últimos dias havia se inscrito no vestibular para uma universidade pública na capital, mas precisava se focar. Passar em medicina de cara era muito improvável e ele não tinha muita esperança. Além disso, estava preocupado com o namoro. Se ele fosse aprovado, teria que ir pra longe do amado. Não desejava isso, mas ainda teria tempo para pensar no que fazer caso acontecesse.
Naquela quarta feira de julho, Léo não iria para aula. Logo, Felipe foi sozinho. A aula correu normal até que Yan chegou próximo a ele e disse:
— Nossa, CDF! Num sabia que além de Boboca você era viadinho também... hehehehe
Naquele instante, o mundo de Felipe ruiu.
Continua...