O Diário
Capítulo 21 – A tempestade.
Agora com as coisas mais calmas com o Leonardo, decidi que era o memento de incluir ele na minha vida social. O Henrique viajaria em breve e faríamos um rolê para nos despedirmos. Seria estranho apresentar o Leonardo aos meus amigos porque nas poucas vezes em que havia mencionado sobre ele sempre falei de como ele me fez mal. Só o Henrique sabia um pouco mais porque havíamos conversado mais profundamente sobre o assunto no passado. Nenhum deles sabia que eu estava namorando, nem mesmo Henrique.
Conforme os dias iam passando, me aproximava cada vez mais do Leonardo. Talvez mais até do quando éramos adolescentes. Era estranho a capacidade dele de ocupar minha cabeça e de preencher os pequenos espaços vazios que haviam em mim. Ao mesmo tempo, tentávamos dar espaço ao outro, principalmente quando um ou outro tinha que estudar/resolver alguma coisa do trabalho. Nem sempre nossos horários de treino batiam e isso também tornou-se um período de isolamento.
Eu não tenho muitos problemas em dividir espaço, mas o fato de ter morado sozinho tantos anos me deixou meio arisco a compartilhar os mesmos cômodos. Então preferia me isolar no quarto ou na varanda na hora de ler. O estágio da residência em que estava chegaria ao fim em breve e eu teria prova. Tentava aproveitar ao máximo os momentos livres para revisar a matéria e o Léo estava se dedicando ao máximo no trabalho porque ainda estava em período de experiência, então a gente tentava respeitar ao máximo nossos espaços.
Saíamos juntos sempre que possível, principalmente para comer ou ir à praia no comecinho da manhã. Todos os momentos que dividíamos eram extremamente prazerosos e nunca faltava assunto entre nós, embora às vezes ficávamos apenas em silêncio aproveitando a companhia um do outro.
Sempre nos dividíamos nas tarefas domésticas , apesar de eu adorar limpar as coisas quando estou estressado. Em um dessas limpezas, acabei mexendo nas coisas do Léo e encontrei um saquinho com um anel dentro. Quando percebi, não quis examiná-lo pois imaginava que ele queria me fazer uma surpresa. O Léo adora essas coisas de casal, outro dia queria comprar camisas que combinassem para nós dois, no final acabamos comprando pijamas parecidos porque eu achava meio piegas roupa de casal.
O dia que o Henrique viajaria estava chegando e decidimos que iríamos em um bar na noite da sexta-feira seguinte. Queríamos fazer uma coisa mais reservada, então chamamos apenas os amigos mais próximos e seus acompanhantes . Ao todo iríamos umas 13 pessoas. Pedi para que o Henrique escolhesse onde nos encontraríamos e ele optou por um pub alternativo recém inaugurado. O bar funcionava em um prédio antigo no centro da cidade e tinha música ao vivo nos fins de semana. Decidimos reservar uma mesa numa sala separada no fundo, de onde dava pra ouvir a banda.
Enfim chegamos no local e todos já estavam lá. Minhas amigas se assustaram quando me viram acompanhado e olhavam pra rindo com os olhos. Dificilmente eu aparecia com alguém, então dava pra ver a surpresa na cara delas, que só não foi maior do que a do Henrique que quase se engasgou quando reconheceu o Léo. Me sentei entre Henrique e Leonardo, ambos se cumprimentaram meio embaraçosamente e comecei a apresentá-lo ao grupo.
Todos ficaram chocados quando falei que ele era meu namorado, porque desde me conhecerem eu dizia que relacionamento sério não era coisa pra mim. Ficaram ainda mais chocados quando o Henrique comentou que eu e o Léo já éramos velhos conhecidos. Tentei a todo custo desviar das dúvidas sobree o passado durante aquela noite, o Leonardo também ficou meio desconfortável. A todo momento alguém fazia uma ou outra pergunta e eu desconversava, mudando de assunto ou tentando chamar a atenção de todo mundo para as histórias do Henrique, para quem deveriam estar acesos os holofotes naquela noite.
Leonardo parecia cada vez mais desconfortável com aquilo tudo, embora eu estivesse me esforçando ao máximo para fazer com que ele se sentisse incluído. De tempos em tempos eu chama a atenção dele dando batidinhas em sua perna e perguntando com os olhos se estava tudo bem? Ele parecia se esforçar ao máximo para fingir que estava se divertindo, mas eu podia ver que alguma coisa estava incomodando ele.
Ao longo da noite, fui forçado a beber porque meus amigos adoravam jogos com bebidas. Como não daria plantão naquele final de semana, acabei exagerando e me embriaguei. Acabou que me despedi porcamente do Henrique e do pessoal e fui levado carregado pra casa. O Léo estava sóbrio e dirigiu até lá. Só me lembro da hora de termos chegado na garagem e ele me ajudar a descer.
Eu estava fora de mim. Assim que chegamos, o Léo me levou até o banheiro e tomamos banho juntos. Não me lembro muita coisa a partir daí, mas sei que tentei transar e ele preferiu não fazermos porque eu estava alcoolizado. Me lembro de ter discutido alguma coisa com ele e de ele preferir dormir separado naquela noite. Na manhã seguinte acordei com ressaca e ele não estava em casa. Tentei ligar, mas ele havia deixado o celular em cima da cama. Como não sabia pra onde ele tinha ido, apenas decidi tomar algum café e tentar comer alguma coisa porque meu estômago doía.
Aos poucos as lembranças daquela noite começaram a surgir na minha mente, uma coisa puxando a outra. Em minutos percebi que nossa discussão não havia sido tão simples e que talvez eu tivesse dito coisa demais. Não sei do que tudo aquilo se tratou, as coisas vinham fragmentadas e não faziam sentido. Lembrei do Léo ter ficado agitado, será que eu havia tocado em algum assunto pesado? Agora um terror tomava conta de mim. Será que havíamos discutido alguma coisa sobre o passado? E se eu tivesse falado alguma coisa grave para ele?
Passei algumas horas em meio àquela angústia. O Léo não aparecia, embora as coisas dele ainda estivessem no quarto. Pelo menos aquilo me tranquilizou um pouco. Era manhã de sábado e o dia estava abafado, nuvens se formavam no horizonte. Ao meio dia nenhum sinal dele, comecei a me preocupar ainda mais com aquele desaparecimento súbito. O Léo não costumava fazer aquilo, muito menos sem me avisar ou se isolar.
Tentei estudar, mas não conseguia deixar de pensar nele. A minha cabeça doía e eu já não sabia se era por causa da bebedeira da noite passada ou por tudo aquilo que estava em minha mente. Lia e relia os livros e me pegava perdido em pensamentos páginas depois. As chaves do meu carro estavam no lugar, então decerto ele deveria ter saído a pé ou chamado um táxi.
Conforme a tarde passava, o céu escurecia lá fora e começou a ventar intensamente. Um quadro caiu da parede e me tirou do meu transe. Quando olhei lá fora uma tempestade se precipitava sobre a cidade, com nuvens negras que há muito tempo eu não via. Quem mora na praia sabe que chuvas são comuns, mas aquilo não se tratava de uma tempestade usual. Depois de poucos minutos a chuva açoitou minha janela. Primeiro choveu granizo, depois pingos grossos que forçavam a vidraça conforme o vento soprava de um lado para o outro. Estava preocupado com o Leonardo lá fora em meio àquele temporal.
Não me lembro muito bem de como as coisas se sucederam a partir daí. Em um momento estava eu atendendo ao celular do Leonardo feliz por pensar que finalmente receberia alguma notícia dele. Em seguida estava ouvindo o relato de uma moça grávida indignada por ser ignorada pelo pai de sua filha, o seu noivo que foi morar na capital e ignorava ela completamente. Quando desliguei o telefone ouvi um trovão, mas já não conseguia distinguir se era a tempestade lá fora ou a que desabava dentro de mim.
CONTINUA...