Tavinho enrolou o máximo que pode para ir para casa. Não queria enfrentar o pai.
Ao sair da casa de Murilo, ergueu a cabeça fingindo ignorar os olhares curiosos.
Alguns garotos riam e apontavam o dedo. Pela janela, Murilo observava e sorria vendo Tavinho se sentir humilhado.
Miranda aguardava sentado no sofá. Com a mão no queixo. Estava desacreditado que o próprio filho foi capaz de roubá-lo. Para o pastor, o roubo até poderia ser perdoado. Bastava o rapaz devolver o dinheiro e estava tudo certo.
Mas, nunca , em hipótese alguma aceitaria a vergonha de ter um filho gay. O seu único filho jogando o nome da família na lama por causa de um veado! Isso era inadmissível!
Apesar de apreensivo, Tavinho disfarçou bem. Pôs a máscara da soberba e chegou em casa de cabeça erguida.
Paula chorava no quarto. Ela queria falar com o filho, mas o marido a proibiu, alegando que ela era muito sentimental e estragaria a conversa.
Miranda não poupou palavras para humilhar a mulher. A culpando pelo o que ele nomeava de desvio de comportamento de Tavinho.
_ Pensei que tinha se esquecido que tinha casa.
Tavinho não respondeu e foi andando em direção às escadas, com a intenção de fugir do assunto.
_ Pensei que tivesse ido embora com o dinheiro que me roubou.
No mesmo instante, Tavinho parou os movimentos, arregalando os olhos. Esperava que Miranda saberia do seu caso com Murilo, afinal os boatos são ligeiros na cidade, mas não imaginava que o pai descobrisse a sua fraucatua.
_ Eu pensei que tivesse um homem de bem como filho. Mas eu estava enganado, não é de bem e muito menos homem.
Tavinho virou -se em direção ao pai. Sentia-se muito nervoso.
_ O que você tem a me dizer, seu pilantra de merda?
Tavinho permaneceu em silêncio.
_ Como teve coragem de roubar a mim, que sou o seu próprio pai? Por acaso está te faltando alguma coisa?
_ Eu ia devolver.
Miranda balançou a cabeça, num sinal negativo.
_ Você é um lixo! Uma vergonha! Como pode me roubar para dar dinheiro aquela bicha de merda?! Você é um traidor! Um Judas! Um Judas!
Tavinho abaixou os olhos.
_ Eu não criei filho para ser um ladrão e muito menos para ser veado! Você é um homem! Um homem!
'Você tinha uma noiva linda. Tinha tudo para ter uma bela carreira na política e também na igreja! Era o meu único herdeiro e jogou tudo isso fora por causa de uma bosta de bicha!
_ Não fala assim do Murilo!
_Ah! Ainda o defende! Você é... você é o maior erro que eu cometi na vida. Sua mãe deveria ter te abortado. Eu deveria ter mandado ela fazer isso.
Paula ouvia a briga aos prantos. Mas sabia que desobedecer o marido só pioraria a situação.
Tavinho sentiu uma onda de raiva.
A revolta por ter se oprimido durante todos esses anos o deixou ainda mais incomodado. E viu na situação uma oportunidade perfeita para se libertar.
_ Quer saber de uma coisa? Eu sou um veado, uma bicha, um boila e o que você quiser chamar. Eu não sou uma das suas empresas que você dirige a vida.
'Eu sou um ser humano e sou dono da minha própria vida.'
_ Você é um ladrão, isso sim.
Tavinho pegou o celular e transferiu o dinheiro de volta para a conta de Miranda.
_ O seu dinheiro já está na sua conta. Já não precisa mais me chamar de ladrão. Mas vai continuar me chamando de veado, porque eu não vou me esconder no armário para manter as aparências para o seu gado tão preconceituoso quanto você. Já chega, pai! Cansei de hipocrisia. Eu vou viver a minha vida do jeito que eu quero e com o homem que eu amo.
Miranda sentiu-se furioso. Mas tentou se controlar. Lembrou -se que havia ganhado muito dinheiro enganando pessoas, fazendo rituais para que elas se transformassem em heterossexuais. Se Tavinho se revelasse colocaria tudo a perder.
_ Eu sou um homem de Deus. E o perdão é uma das dádivas que Jesus nos ensinou. Estou disposto a te perdoar e esquecer tudo o que aconteceu. Você pode fazer uma viagem para Nova York até as coisas esfriarem e esse tal de Murilo ir embora. Tudo pode voltar ao normal, filho. Ou ,eu posso pagar um bom tratamento psicológico para você resolver essa questão. Te arranjar lindas prostitutas. Tudo vai ficar bem.
Tavinho queria dizer muitas coisas, mas não conseguia se expressar.
_ Eu não vou mais viver no armário.
Miranda perdeu o controle e começou a chutar os objetos da sala.
_ Você está louco? Quer me foder? Quer foder com o nome da família?
Ao ouvir os gritos e quebra-quebra , Paula saiu correndo e foi até a sala.
_Calma, Silas! Calma!
_ Calma é o caralho! Eu não vou aceitar filho veado aqui dentro de casa! Não vou ! Fora, desgraçado! Fora!
Paula tentou argumentar. Pedir para que o filho ficasse, mas de nada adiantou.
Tavinho fez as malas rapidamente. Não queria ficar nem mais um minuto naquela casa.
Murilo abriu a porta e Tavinho entrou nervoso. Tentava conter as lágrimas nos olhos.
A expressão de Murilo não era agradável como de costume. Estava sério e com a cabeça erguida.
Observou as malas de Tavinho e ao presumir o que aconteceu, conteve a vontade de sorrir.
_ O que aconteceu? O seu pai descobriu ?
_ Sim. Foi horrível! Ele me disse coisas … coisas que dói sabe? Como se eu não fosse um ser humano. Como se eu fosse uma escória só por ser o que sou.
_ E você se sentiu um lixo, não é? Se sentiu como se fosse inferior as outras pessoas? Como se não tivesse nenhum valor?
_ Sim. Foi exatamente assim que eu me senti. Foi humilhante .
_ Ele te pôs para fora?
_ Sim. Ele até tentou negociar, mas eu não aceitei e ele me pôs para fora de casa.
Tavinho suspirou.
_ Ainda bem que eu tenho você. Acho que não suportaria se não tivesse o seu apoio.
Tavinho foi beijar Murilo, mas o ruivo se esquivou.
_ A minha casa não é lixão dos Miranda.
_ O quê?
_ É isso mesmo. Eu não vou aceitar um ladrão aqui dentro.
_ O que você está dizendo, Murilo?
_ Eu não vou aceitar um ladrãozinho de merda aqui dentro da minha casa. Se você roubou o seu pai, com certeza não é de confiança.
_ O quê?
_ Você é surdo ou idiota? Creio que os dois.
_ O que você está dizendo? Foi você que me mandou pegar o dinheiro do meu pai!
_ Sim. Eu dei a ideia e você executou porque quis. E além disso eu contei para o Miranda sobre o filho ladrão que ele tem. Mandei um e-mail avisando .
_ Como assim? Que brincadeira é essa?
_ Brincadeira nenhuma, Otávio Miranda. O mijão aqui não é o idiota que você imagina.
Murilo gargalhava. Tavinho estava espantado. Se perguntando quem era aquela criatura que estava diante dele.
Murilo ria tanto, que sentou no sofá para se equilibrar.
_ "Que brincadeira é essa?" _ disse tentando imitar a voz de Tavinho.
_ Você é um merda! Um merda! Não faz ideia do quanto eu esperei para te ver assim, na lama, no esgoto da decadência . O que é você agora, Tavinho? Um nada. Um filho rejeitado, uma piada na cidade, conhecido como ladrão e gay! Conhecido como um mentiroso.
_ Você... você... Eu não estou entendendo.
_ Não se faça de besta! Você sabe muito bem o que fez comigo. Você me humilhou, seu desgraçado! Você me tratava como se eu fosse um lixo… _ Murilo não conteve as lágrimas.
_ Você me fez passar a pior humilhação da minha vida, na noite da morte da minha mãe. _ O choro ficava cada vez mais intenso. Sentiu raiva por demonstrar essa fraqueza.
_ A única coisa que eu queria era o ser o seu amigo. Ter o seu respeito e você só queria se divertir comigo, me humilhando para se entreter com os seus amiguinhos merdas.
'E mesmo depois da morte da minha mãe, não teve a humildade de me pedir desculpas! Você foi frio e cruel!'
_ Então, você me fez de bobo durante todo esse tempo? Na verdade você queria destruir a minha vida, só para se vingar? Você é muito baixo, Murilo! Você é um...
Murilo saca a arma e aponta para Tavinho.
_ Você não vai me humilhar novamente. Aliás, você nunca mais vai fazer isso.
_ Calma… abaixa essa arma. Eu sei que você está com raiva de mim, mas abaixa essa arma e vamos conversar.
_ Eu não quero conversar contigo. Quero que vai embora da minha casa e que nunca mais volte a falar comigo.
_ Eu te disse que estava arrependido pelo o que fiz. Eu te pedi perdão e você foi falso durante todo esse tempo. Eu otário, só te amei.
_ Amou é o caralho! Você não ama ninguém! Não tem capacidade de amar. Você é um ser cruel , Otávio. Você não tem alma! Não passa de uma carcaça podre que fica vagando por aí. Você é feito de soberda.
_ Sim. Eu sou feito de soberda e você de ódio, de rancores e mágoas. É seco, mau, como uma praga devastou a minha vida. Por sua causa eu perdi tudo. Perdi minha namorada , que me amava de verdade, perdi minha família, minha dignidade, a minha vida de conforto. Tudo isso porque fui burro e cego de amor por um demônio como você.
'Parabéns, Murilo! Parabéns! Você conseguiu a sua vingança. Se a sua intenção era quebrar o meu coração, você conseguiu. Posso ir embora? Ou você pretende me matar? '
_ Vai embora! Some daqui!
Tavinho pegou as malas e saiu às pressas.
Murilo se jogou no chão e pôs-se a chorar. Sentia uma agonia enorme ao ver Tavinho partir.
Queria sentir-se feliz por ter realizado a sua vingança. Sempre imaginou que comemoraria esse momento com champanhe e sorrisos, mas só conseguiu deitar na cama em posição fetal e chorar até pegar no sono.