(PARTE 7/7: UM PEÃO PARA JORGE SE OCUPAR)
FAZIA UMA boa meia hora que tudo o que Jorge ouvia eram os gemidos da mulher lá no quarto com Jean. Gemidos escandalosos, prazerosos. Parecia até que ela o fazia de propósito, para que Jorge ouvisse, para irritá-lo. E conseguiu. O homem levantou de um pulo, atirou o jornal sobre a mesinha e saiu. Se aquele era o preço a pagar, então, merda, era bastante caro! E o seu orgulho de marido, ficava como? Mas ele sabia o seu lugar agora. Não subiria lá para flagrar o que nunca foi novidade. E assim foi andando pela varanda, o passo e a mente atordoada. A noite era calma, quase uma poesia. Havia uma luz no dormitório dos peões, lá distante. Uma luz da janela de um quarto.
O fazendeiro foi até lá espiar. Talvez fosse o Gustavo. E se fosse mesmo, bem, então teria com quem conversar um pouco. Já tinham feito as pazes, não havia mais contenda. Seria bom conversar com alguém. Seria bom reafirmar que o que acontecera no passado não debilitaria a relação futura deles.
Quando Jorge entrou no pequeno quarto, encontrou Gustavo sentado na beira da cama jogando xadrez sozinho. Sem camisa, só de calção e chinelo. Estava relaxado. Com certeza não esperava receber alguém. Ele se adiantou para Jorge em tom de desculpa. Quis botar uma camisa, arrastar uma cadeira. Mas Jorge não queria incomodar. O peão não tinha culpa de estar à vontade no seu quarto. Aqueles seus braços não precisavam de roupa, suas pernas não precisavam de calça. Podia ficar até pelado, se quisesse. Era seu direito. Jorge então voltou um pouco no tempo — era impossível não voltar. Pintos grandes, maricas. Ele abanou a cabeça, tentando afastar esses pensamentos insistentes. Mas o calção que Gustavo usava era tão fino que Jorge podia até mesmo ver o desenho do seu pênis balançando sob o tecido. Pênis grande. Grande como o de Jean, o de Joabe, o de André. Grande como um braço. Grande como a inveja.
O fazendeiro se sentou na cadeira que Gustavo ofereceu, apoiou as costas no seu espaldar. Logo a mente voltou lá para o seu quarto, sua cama, para Jean e Janete gemendo o seu sexo proibido e feliz. Jorge sempre soube que ele era bom com as mulheres. Não podia ser diferente, afinal. O homem era como um touro, como um cavalo! Mas e Gustavo, como seria? Seria também um brutamontes, ou seria carinhoso? Seria tímido ou desinibido? Como seria, afinal?
— Vou ver o quanto tu é bom, peão — Jorge falou, de repente, indicando o tabuleiro de xadrez. — Vou jogar essa mais tu.
E então despejou umas moedas na cama, ao lado do tabuleiro. Gustavo olhava, ressabiado. Desde o episódio no curral, ainda não tinha total confiança naquela simpatia do patrão. Sempre pensou que seria demitido, mas, por algum motivo, o patrão o poupou. E agora, olhando bem para ele, Jorge também não parecia estar totalmente à vontade ali. Parecia fingir para agradar, forçar uma coisa que não existia. Era natural que ele ainda tivesse raiva, afinal de contas o seu único filho era o mesmo que saía por aí segurando pintos, mas por que nutrir aquele rancor, estender aquela falsidade? Gustavo não gostava disso. De jeito nenhum. Preferia que o jogo fosse limpo e direto: se não o queria mais na estância, que o mandasse embora então. Ao invés disso, ali estava Jorge, tentando se reaproximar. Como se quisesse se redimir, pedir perdão pela sua desforra de pai traído. Sem o entender, o peão apenas desviou os olhos.
— Quero te pedir uma coisa, meu bom — Jorge disse, mas Gustavo não se mexeu. Ficou esperando o patrão prosseguir, os olhos ainda baixos. O velho então meteu a mão no bolso da camisa e tirou de lá umas notas amassadas de cruzeiro. Deixou-as sobre a coxa nua de Gustavo com uns tapinhas. — Eu quero apenas entender uma coisa que tá me acontecendo faz um tempo... — Jorge parecia perto de explodir. De vergonha, de remorso, de humilhação. Todo o seu orgulho latejando contra o desejo desenterrado do peito. — Acho que hoje eu vou dormir... Eu vou dormir aqui.
Gustavo, claro, não pensou duas vezes: mostrou-se solícito, ofereceu a sua cama, que o patrão podia ficar à vontade, que não tinha problema se não estivesse bem com a patroa e não quisesse dormir em casa, que ele, Gustavo, se arranjaria noutro lugar.
— Não, peão. Não é isso — Jorge falou, sua voz era morna como num pedido de desculpas. — Tu não precisa sair, não. Pode ficar. Eu até prefiro. Dormir aqui... com tu do lado.
E então, tendo sacado do bolso outro punhado de cruzeiros, o fazendeiro tornou a deixá-lo sobre a coxa do peão. O gesto dizia o que a aflição calava. Gustavo também mudou a expressão. O que significava a mão de Jorge na sua perna, aquele carinho silencioso que os seus dedos faziam nela, quase nupcial? Será que falava sério? Olhou de novo o dinheiro ali, ao alcance da mão. Estava numa encruzilhada consigo mesmo. Era quantia boa. Muito boa mesmo, e dinheiro a mais é sempre bom. E olhou Jorge. Ainda custava a acreditar, mas era aquilo mesmo. O subordinado entrava em oferta e o patrão o arrematava. Nada mais justo.
Gustavo, assim sendo, com um meneio de cabeça, indicou que Jorge chegasse mais perto. Ainda não tinha bem certeza de que o patrão o atenderia, mas ele atendeu. O peão então indicou que Jorge se ajoelhasse à sua frente. De novo, o outro obedeceu. Agora o fazendeiro estava de joelhos bem aos seus pés, nervoso como um adolescente, submisso como uma boa esposa. Gustavo agarrou o dinheiro e respirou fundo. Não havia mesmo jeito de ser diferente. Ergueu-se de pé na frente do patrão e baixou o calção nos tornozelos.
— A gente vai começar com jeitinho, seu Jorge — ele disse baixinho, balançando a própria ereção. — Não é difícil, não. É só fingir que é um pirulito...
E Jorge fingiu assim. Pela noite toda.
FIM
Jesús Blasco — escrito em março de 2015 e rescrito em março de 2019
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Ainda tô postando por lá. Inclusive, coisa inédita. ;)