— Não precisa explicar nada, filho! O Pedro é um bom garoto e eu apoio vocês! - suavizou meu pai, antes que eu pudesse pensar em dizer algo.
— Mas, nós não temos nada! Foi só um beijo... - digo apreensivo. Apesar de já ter conversado com ele sobre minha sexualidade, não queria que ninguém soubesse do Pedro, ao menos por enquanto.
— Está tudo bem! Não precisa me dar satisfações sobre isso! Bem... estava indo para cozinha, então... deixa eu ir lá... - completou meu progenitor, se retirando em seguida. Suspiro profundamente, mas eu confiava em meu pai, acho que ele não contaria nada a ninguém. Subo as escadas para o andar de cima e ao entrar no meu quarto a Júlia já estava vestida, mexendo em minhas coisas.
— Amigo, onde está seu carregador? - pergunta enquanto vasculha a primeira gaveta do minha cabeceira.
— Está aí, na segunda gaveta! - digo me jogando em cima da minha cama. Fecho os olhos, tentando não pensar em nada. Parece que essas viagens de férias só serviram para me trazer mais problemas, em vez de me fazer relaxar. Mas, aos poucos tudo estava voltando ao normal. Quanto a minha relação com o Pedro, eu não sabia como seria daqui para frente, mas viveria tudo de cada vez, sem pressa.
— Cadê o Pedro? - perguntou a Ju, cortando meus pensamentos.
— Foi embora! - respondo, ela se deita ao meu lado e joga sua perna por cima da minha.
— Mas já? Por que? - questiona-me.
— Por causa da mãe dele! Ele chegou de viagem e não tinha ido vê-la ainda.
— Ah, sim! Ele tinha vindo direto para cá, no caso?
— Sim! - minha amiga me olhou meio de canto, mas depois fitou o teto.
— Que bom que vocês conversaram e se entenderam, pelo o que eu vi mais cedo! Você só não me contou o que realmente aconteceu. - comenta ela.
— Não foi nada demais! Tanto é que já está tudo resolvido de novo!
— Hmm! Então tá! - disse tentando parecer que estava satisfeita com a resposta, mas a conhecendo como conheço, ela devia estar se roendo de curiosidade. — E o Marcos?
— O que tem ele?
— Acabou mesmo? De vez?
— Sim! Para valer! - digo lembrando do dia anterior — Você leu os últimos noticiários? - pergunto estranhando o fato de ela não ter comentado sobre a prisão do pai dele.
— Não! Por quê? - como imaginei. A Júlia sempre foi desligada para tecnologia, até redes sociais ela tinha poucas, e as que tinham, eram apenas para família e amigos. Na verdade, nós três éramos assim, sempre valorizamos mais as conexões físicas, a virtuais.
— O pai dele foi preso! Ele me ligou transtornado ontem e eu fui lá vê-lo. - noticio-a triste pelo ocorrido.
— Caramba, amigo! Sério? - diz minha amiga surpresa. — O pai dele não é aquele senador lá? Mano, que barra!
— Sim! Não só ele como a mãe dele e a irmã, estavam muito abalados. A polícia invadiu a casa deles, fizeram a maior bagunça, tinham repórteres por todos os lados, enfim... destrataram todo mundo.
— Nossa, amigo! Eu nem imagino como está a cabeça deles nesse momento. Talvez mais tarde, eu ligue para ele! - solidarizou-se minha amiga.
— Liga mesmo! Ele tá mal - incetivo-a — Tem outra coisa também, a gente transou!
— Mentira? O circo pegando fogo e vocês apagando o de vocês? Safados... - a Júlia sorri e eu sorrio junto.
— Não foi nada disso! Quer dizer, foi mais uma despedida... de namoro! Ele foi muito especial para mim, você sabe?! Só espero que ele seja muito feliz. - respondo. Sempre que eu lembrar de nós, será com muito carinho, disso não tenho dúvidas! Após esse breve diálogo, apenas restou um confortável silêncio. A tarde até que estava fresquinha, e a brisa que entrava por entre as janelas, só faziam minha sonolência aumentar. Até que, sem nos darmos conta, eu e minha amiga adormecemos.
Quase duas horas depois despertei, minha amiga ainda estava ao meu lado. Olho meu celular e já se passavam das cinco da tardes, logo mais o sol se poria. Porém, uma chamada perdida me chamou atenção, o ddd era de outro estado. Levanto-me da cama deixando a minha amiga dormindo no meu quarto e vou para o terraço de casa, aperto o botão de retornar chamada e espero chamar. Segundos depois uma voz masculina atender.
— Oli? Que bom que retornou! Como você está? - eu reconheço essa voz, era o Alex.
— Alex? Caramba! Eu vou bem e você? - estranhamente fiquei feliz em ouvir a voz dele. Nós havíamos nos conectados de uma maneira especial, e com certeza eu queria mantê-lo em minha vida.
— Vou também! Eu te liguei porque depois da última semana nem conseguimos nos falar! Fiquei muito preocupado contigo e o Pedro também! - ele diz. E o fato de saber que ele havia se preocupado comigo me alegrou.
— Estou melhor agora! Fico feliz por ter me ligado, de verdade! Ainda está na fazenda? - pergunto.
— Não, não! Meu primo de deixou em casa, depois daquilo todo mundo perdeu o clima da viagem! - me dou conta do quanto minha decisão afetou todos.
— Eu sinto muito por ter estrago nossas férias, de verdade... - lamento me sentindo culpado.
— Tudo bem! Não foi culpa sua! E as férias ainda não acabaram, temos até Janeiro! Quem sabe eu não vá aí na sua cidade...
— É verdade! - sorrio besta — Ia ser ótimo se viesse, aqui tem cada lugar maravilhoso que você vai adorar conhecer! - sento-me no parapeito da sacada e me encosto na parede. A conversa com o Alex fluía e quando dei por mim, já tinha se passado quase uma hora de bate-papo. Ele era um amigo e tanto. Falamos sobre tudo, de aleatoriedades a coisas pessoais, até que chegamos no assunto do meu término.
— Poxa! Eu lamento! O Marcos pareceu ser gente boa! - e realmente, não tinha o que reclamar dele como ser humano. — Mas olha pelo lado bom, agora você pode aproveitar um pouco mais as solteirice, e quem sabe não encontra outro alguém legal. - conforta-me.
— É... talvez... mas enfim, muito obrigado pela ligação! Sério mesmo! Fiquei muito feliz! - digo mudando de assunto.
— Eu também! Então, a gente se fala! Boa noite para tu! Beijos! - despede-se.
— Boa noite também! Até mais, beijo! - deligo e sorrio bobo. Ele tinha um poder incrível de me fazer bem!
— Já tá de rolo novo sua puta? - perguntou a Júlia me assustando.
— O quê? Não!
— E por que essa cara de rapariga? - me questiona.
— Que cara? Eu estava falando com o Alex! Por acaso estava escutando minha conversa? - digo me levantando.
— Não, só ouvi o final! Estava te procurando! Fique sabendo, que não gostei dessa sua intimidade com o ele não viu? Daqui a pouco está me trocando por ele. - dramatiza.
— Deixa de ser doida! - passo por ela e entro novamente em casa. Ela me acompanha.
— O que tem para comer aqui? Estou morrendo de fome! - resmunga.
— Também estou com fome! Você dormiu demais, achei que ia hibernar! - comento rindo.
— Pois é menino! Boa noite, tia Carmen, tio Ricardo! - diz minha amiga ao passar pela sala. Meus pais estavam assistindo TV.
— Boa noite! - respondem os dois juntos.
— Nem sabia que você estava aqui, Júlia! Como vai? - diz minha mãe.
— Vou bem! E a senhora? - ela senta-se numa poltrona, próximo ao sofá onde meus pais estavam sentando. Quando aquelas duas puxavam conversa, já sabia que iria render, pois as fofocas eram muitas.
E foi assim mesmo que aconteceu. Na sala ficaram os três conversando, enquanto eu preparava a comida na cozinha. Vez ou outra eu ria com as coisas que elas falavam. Os tópicos sempre eram sobre a vida dos outros, até que em determinado momento, a Júlia começou a falar sobre seus relacionamentos amorosos, e por incrível que pareça, aquilo já havia se tornado comum, ela falar sobre macho com a minha mãe.
— Eita, que essa conversa está rendendo! - grito da cozinha entre gargalhada e as duas me respondem de volta.
— É o que? Fica na tua aí - gritou minha amiga.
— Cuida do teu serviço aí empregada. - gritou minha mãe, e eu me acabava de rir.
Por volta das seis da noite, o café estava pronto! Havia cozinhado quase uma lasanha, se não fosse pelo fato de eu usar apenas o que tinha na geladeira. Fritei umas batatas e passei café! Chamei minha amiga para comer, e até meus pais provaram um pouco. Mais tarde, minha mãe pediu comida chinesa, porém quem me conhece sabe que eu odeio, então eu pedi hambúrguer. Eram mais de oito horas quando minha amiga foi embora, e sem mais nada para fazer, eu fui dormir.
Acordei no outro dia disposto. Abri todas as janelas do quarto para que o sol iluminasse tudo, liguei o som bem alto e aproveitei para fazer uma arrumação. Revirei meu armário inteiro, achei roupas do tempo de adolescência, essas eu separei para doação. Além dos álbuns de fotos, parei para olhá-lo e bateu uma saudade tão boa da infância. Era tão incrível como as fotografias tinham poder de mexer com a gente e nos faz perceber como o tempo passa tão rápido.
Quando somos crianças tudo o que queremos é virarmos adultos e nem nos damos conta de que aquela brincadeira no final de tarde pode ter sido a última. Continuo passando as fotos até que eu acho uma minha com o Gustavo, irmão do Pedro. Na captura, estava eu vestido com o capacete dele, enquanto ele sorria, e aquilo me bateu uma tristeza e me fez refletir. A vida era tão curta e tão frágil. Um cara cheio de sonhos, que iluminava qualquer lugar que passasse, simplesmente partiu.
Sem perceber, deixo correr umas lágrimas. Se para mim que era amigo, era difícil entender sua partida, imagina para sua família. Coincidentemente, iria fazer três anos do aniversário de sua morte, no próximo mês, que repercutiu em todo o país devido a brutalidade e a estupidez do que motivou o seu assassinato. Embora os juízes tenham declarado como crime passional, todos nós sabíamos que foi por inveja.
Suspiro fundo e guardo as fotos de volta no álbum. Aquelas lembranças, ainda que belas, eram dolorosas. Olho ao redor do meu quarto e percebo que a bagunça ainda era muita, e eu iria tirar mais da metade do dia para terminar aquilo. Dou uma pausa e descido descer para o café, hoje é o dia em que a mamãe volta para o plantão, então provavelmente só estava meu pai lá embaixo.
— Bom dia, pai! - digo dando um beijo em seu rosto. Ele estava lavando algumas louças que tinha utilizado na pia.
— Bom dia, Oli! - responde. — Ainda que você já acordou! Eu vou precisar ir até o escritório filial da empresa aqui na cidade. Vai ter uma reunião de emergência por vídeo conferência! - ele diz.
— Tá certo! Pode ir tranquilo! - respondo enquanto começo a preparar meu café. Na mesa, vejo que há um jornal, e apesar de já ter se passado dois dias, o pai do Marcos continuava estampado na capa.
— Pai, será que você poderia deixar o carro? Eu vou precisar ir a um lugar - peço.
— Para quê? Não pode ir de aplicativo? - questiona.
— Pior que não! - insisto.
— Tudo bem! Mas você vai pagar a corrida para mim e encher o tanque! - impõe.
— Sem problemas! - meu pai já estava arrumado, de roupa formal. Assim como combinamos, eu pedi a carona para ele, que seguiu para o seu compromisso.
Subi de volta para o meu quarto e reparei na bagunça que estava. Eu não havia terminado nem metade da arrumação que eu tinha inventado, mas eu deixaria para outra hora. Já eram quase meio-dia. Tomei um banho me arrumei, e parti. Não antes esquecendo de pegar minha habilitação. A coitada finalmente sairia da gaveta depois de tanto tempo enfiada lá dentro. Não que eu não gostasse de dirigir, apenas tinha preguiça. Preferia ser o passageiro.
Fechei todas as portas e janelas de casa e saí ao carro do papai. Dentro dele, demoro um pouco tentando lembrar das minhas aulas de direção, graças a modernidade, o carro dele era automático e não ligava por chave, o que facilitava e muito. Ligo o GPS e coloco o nome do meu destino. Em pouco mais de uma hora estarei lá. Conecto meu celular ao multimídia e coloco minha playlist para tocar.
O dia estava lindo. O céu completamente aberto e azul, sem nenhum sinal de nuvens. Abaixo os vidros do carro e me permito sentir a brisa tocar-me o rosto. Por ora, só queria isso, aproveitar a natureza! O dia estava quente como de costume, porém hoje parecia estar mais. A cada minuto que se passava, mais eu me distanciava daquela imensidão de concreto, e melhor eu me sentia.
Minha música é interrompida pela voz da assistente virtual, avisando que eu tinha uma chamada. Pelo visor percebo ser o Pedro, recuso. Mais tarde retornaria para ele. Ativo o modo avião e deixo ativo apenas meus dados móveis para que continuasse a conseguir ouvir música. E tão pouco demorou, e eu já cheguei onde queria. A reserva estadual.
Esse reserva ecológica possuía umas montanhas rochosas que proporcionaram uma vista esplêndida. Inclusive, no meio de uma delas, havia uma cachoeira, e era justamente essa que eu iria escalar. Um fato interessante é que se podia chegar ao topo dessas rochas através de trilhas, caso não quisesse alpinar. Estaciono o carro do papai em um por entre a mata, e parto seguindo a trilha. Seriam mais ou menos 20 minutos até chegar lá em cima.
Já havia feito essa trilha outras vezes, mas com meus amigos. Dessa vez, resolvi fazer sozinho por um motivo. Caminhei durante algum tempo, até que já havia alcançado a cachoeira, o que indicava que eu já estava na metade do caminho. Paro sobre aquela queda d'água e me ajoelho para lavar meu rosto. Só mesmo a natureza para realizar este feito. Uma cachoeira no meio de uma montanha.
Continuo meu percurso e tão logo estou onde deveria, no topo. Eu poderia vir aqui todos os dias, e mesmo assim, a cada nova vez eu me apaixonaria por aquela vista. Fecho os olhos e sinto a paz daquele lugar. Sem barulho, sem poluição, apenas ar puro. Agora só faltava apenas uma coisa. Caminhei até um formação de pedras que havia ali no topo e procuro por uma coisa, que a tempos foi escondida.
— Acho que foi por aqui! Só não lembro onde! - penso, averiguando onde estaria o que eu procurava.
Esforço-me um pouco mais, e me remoto as lembranças antigas. O que eu queria encontrar, estava em um buraco, coberto por diversas outras pedras, escondido durante tempo, mas que para minha surpresa e felicidade, continuava lá. Uma pequena caixa de remédio, mas que guardava uma coisa de um garoto que eu já fui um dia, relíquias, que também não eram só minhas.
Há quatro anos atrás, quando eu vim a este monte pela primeira vez. Estávamos eu, o Pedro e o seu irmão, Gustavo. Éramos ainda, adolescentes. Cheios de sonhos, projetos e planos de futuro. O sol aos poucos começava a se pôr, e sentados contemplando sua magestade, conversávamos sobre a vida.
— Eu amo esse lugar! - disse o irmão do meu amigo, encarando o horizonte com um leve sorriso em seu rosto. — A vida é muito curta para se perder sendo escravo de coisas materiais. A felicidade está na simplicidade do mundo! - continua — Melhor que isso, só é amar...
— Você falando de amor? - comenta Pedro irônico. Digamos que seu irmão era um espírito livre, curtia a vida como bem entendesse e nunca namorava ninguém a sério. Independente disso, nunca deu falsas esperanças a mulher nenhuma e sempre foi gentil com elas e todos que conhecia.
— Pois é! O amor transforma! Cria novos mundos, novas possibilidades, novos pensamentos... - diz reflexivo. Seus olhos brilhavam de uma forma diferente.
— Você está apaixonado? - questiona meu amigo. Gustavo sorri. — Eu não acredito! É sério? - Pedro parecia surpreso, seu irmão o encara e demora uns segundos para responder.
— Acho que, finalmente, encontrei a mulher da minha vida! - concluiu. Nem eu poderia acreditar, conhecendo como o conhecia.
— Meio surreal, Gusta! Eu não te vejo como homem de família! - sorrio, lembrando do fato dele sempre passar a noite em festas, inúmeras vezes. Aos 23 anos de idade, ele era um típico jovem festeiro, qua amava correr e se divertir.
— Acreditem! Daqui para frente quero ser um novo homem. Já até me vejo numa casinha branca de frente para um lago, construindo uma família. - disse sincero, seu semblante parecia feliz.
— Um típico clichê! Quero saber quem é essa mulher que está mudando seus pensamentos. - pede Pedro meio desconfiado.
— Pior que até eu fiquei curioso - completo sorrindo.
— No tempo certo! - conclui ele. Ele suspira e abre mais seu sorriso. Ficando em silêncio por alguns segundos. O céu, parecia arder em fogo, o pôr do sol daquela tarde havia o deixado completamente laranja. Um espetáculo que eu nunca esquecerei. Agora, o único som que ouvíamos era o do vento. Fecho os olhos e deixo-me sentir a energia daquele momento.
— Por que a gente não faz uma cápsula do tempo? - propõe Gustavo, após um tempo, quebrando o silêncio.
— O quê? - pergunto confuso. Ele se levanta, vai até sua bolsa e de lá, tira um bloco de notas e uma caneta.
— Tipo, vamos fazer um pedido para o futuro! Escrevemos e depois enterramos! E daqui a cinco anos nós voltamos para ler o que escrevemos hoje. - explica, começando a escrever no papel. Olho para o meu amigo, que parecia estar um pouco confuso, como eu. — Pronto! Agora você, Oli - disse para mim, após destacar a nota e dobrá-la.
— Não sei o que colocar! - confesso.
— Escreva apenas algo que você quer muito! - incentiva-me ele. Havia muitas coisas que eu queria, terminar a faculdade que eu nem sei se iria começar era uma delas, por exemplo. Quando se é jovem, queremos tantas coisas, mas o tempo passa e vamos encarando a vida real, e nesse caminho vamos deixando muitos sonhos para trás. Penso por alguns instantes e então escrevo. Assim como ele fez, destaco a nota e dobro-a. — Agora, só falta você Pedro! - e da mesma forma que fizemos, meu amigo repetiu.
— E onde vamos colocar isso? Se enterrar direto vai estragar. - questiona Pedro.
— Deve ter alguma caixa por aqui, deixa eu ver... - diz Gustavo revirando sua mochila, até encontrar uma caixa de comprimidos. Ele tira o conteúdo de dentro, e pede para colocarmos nossos pedidos dentro.
— Por que não coloca essa foto também? - sugere Pedro ao apanhar do chão, uma fotografia de nós três tirado há um tempo atrás e que antes estava em sua bolsa.
— Boa ideia! - concorda o irmão do meu amigo. Ele coloca tudo dentro da caixa e fecha-a.
— Isso é de papelão, se chover vai estragar! - advirto. Gustavo olha ao redor e tenta pensar numa solução.
— Já sei! Vamos colocar ali debaixo daquelas Pedras! Elas vão servir de proteção. - ele se levanta e vai até o local. Com as mãos, começou a cavar. — Me vê uma sacola plástica aí na minha bolsa - pede, e eu vou até a sua mochila. Sem muita dificuldade acho uma, entrego para ele, que enrola ao redor da caixa e colocando depois sobre o buraco e tapando. Por fim, jogou outras pedras menores em cima. — Agora, vamos esperar! E se tudo der certo, quando voltarmos, já teremos realizado nossos pedidos.
— Aposto que você pediu um vibrador gigante! - zomba Pedro de mim, que retribuo-o com um soco em seu braço. Mas foi inevitável, nós três caímos na risada.
Eu só não imaginaria que esse gesto tão simples que nós três fizemos há quatro anos atrás, iria ganhar um significado tão grande nos dias de hoje.
Pego aquela caixa já tão desgastada pelo tempo e observo-a. Não cabia a mim, abrí-la sozinha, o Pedro tinha que fazer isso junto comigo. Se não fosse aquele álbum que eu tinha visto mais cedo, eu não teria me lembrado dela. Coloco-a dentro da minha bolsa e assim como sempre fazia, parei para contemplar aquela vista, e a nostalgia veio com força. Era como se eu conseguisse avistar, nós três sentados. Desde que ele morreu, nem eu, nem o Pedro voltamos aqui. Achávamos triste de mais, já que nunca vinhámos separados. Aquela era a primeira vez que eu pisava ali, após três anos. Respiro fundo e fecho meus olhos. Às vezes eu não entendia por quê certas coisas aconteciam. O universo as vezes brinca com o nosso destino de uma maneira, só para nos mostrar que não temos controle sobre absolutamente nada.
Por volta das cincos da tarde já estava de volta em casa. Passei mais algum tempo na reserva, mas decidi voltar cedo. Pego meu celular e percebo as inúmeras ligações do Pedro e do Alex, além de algumas mensagens. Retorno primeiro para o meu amigo, queria que ele viesse para abrirmos a caixa juntos. Alguns segundos chamando e ele atende.
— Oli, caramba! Onde você estava? Eu fui na sua casa, te liguei e nada de você! - disse meu amigo assim que atendeu.
— Eu fui fazer algo! Será que você podia vir aqui? - pergunto sem muita enrolação.
— Só você pra me fazer voltar até sua casa! Mas eu vou! Tem alguém que quer te ver também! Em uma hora chegamos aí! - responde, mas espera, quem queria me ver? Será que era a tia Isa? Mas antes que eu pudesse perguntar, ele desligou o telefone. Teria que esperar para ver. Subo para o meu quarto, ainda bagunçado, e tento diminuir um pouco da zona que estava, e acabo nem me dando conta do tempo. Eram mais de seis quando a campainha tocou, provavelmente era o Pedro. Saio do meu quarto e me encaminho para o andar de baixo, onde meu pai já atendia a porta, e ao ver quem acompanhava meu amigo eu quase não acreditei. Meu coração se encheu de alegria num segundo e eu corri para abraçá-lo.