Passadas umas semanas, as aulas já tinham começado e a rotina de faculdade para mais um período se fazia presente. Nos últimos dias de férias, no entanto, André, Lola e eu pesquisamos em diversos arquivos coisas relacionadas ao que investigávamos, e inclusive os pontos da minha lista que estavam quase todos resolvidos.
A questão das datas foi solucionada de forma bem simples, só checamos as datas dos fatos que foram se sucedendo. A morte do Getúlio Marques foi registrada 10 anos após a data do registro da ocorrência do desaparecimento da tal mulher, pelas nossas contas, ela sumiu com cinco anos de idade. Com isso, a cargo da burocracia do Brasil, durou cerca de quase 10 anos a mais pra liberarem todo o material que Getúlio havia recolhido.
A investigação tinha sido encaminhada, então, para as mãos do tio do Nicolas. Rodolfo precisou de muito tempo, questão de quase quatro anos pra entender todas as pistas, todos os caminhos que Getúlio tinha traçado até chegar naquele ponto. O trabalho foi bem árduo, e só depois desse tempo, de fato, Rodolfo prosseguiu com a investigação.
Depois de analisarmos todos esses fatos, a diferença das datas ficou clara, e ainda conseguimos mais informações sobre o caso. O tio do Nicolas ficou investigando por cerca de quase dois anos, quando foi justamente morta Roboalda. E outro ponto importante dessa história, é que ela foi morta dentro dos limites da propriedade dos Bragança, à época era uma chácara de alguns litros de terra, beirando uns dois hectares quase.
Por conta disso, ele foi incriminado, pois vivia numa casa dentro dessa chácara, apesar de toda a família ter a posse sobre o local, pois pertencia a família e não somente ao Rodolfo Bragança. O fato foi que, por ele morar na casa, não havia provas que contestassem que ele não tinha cometido o homicídio, ainda mais depois da análise da arma do crime, o tal machado era peça de colecionador, algo vindo da Europa, com registro em leilão e afins, adquirido pelo próprio Rodolfo, não havia escapatória.
Cada vez mais a gente chegava perto de um denominador comum, que poderia solucionar de vez o caso dessa rixa infundada entre a minha família e os Bragança. Mas, por hora, o que nos resta é terminar de assistir essa aula incrível de política e direitos sociais, a qual me deixou frustrado porque eu achei que fosse uma disciplina incrível, fui engando pelo nome.
Após o término da aula, eu segui para o cartório da cidade, onde eu e meus amigos iríamos continuar nossas pesquisas, nos tornamos tão assíduos naquele cartório, que poderiam nos contratar logo. Chegando lá, a tia de André nos recebeu e nos encaminhou direto para uma sala com uns computadores, onde a gente podia encontrar arquivos em escala nacional.
- Obrigado tia. - falou André recebendo um beijo da tia. - Quando nós acabarmos aqui, eu passo na sua sala pra avisar. - completou.
- Tudo bem, querido. Bom trabalho a vocês. - disse a tia de André saindo porta a fora logo em seguida.
- Bom pessoal, a gente tem que continuar pesquisando então as coisas. - falou Lola ao se sentar num dos computadores. - Eu vou confessar, eu fiquei meio louca com aquelas datas, na minha cabeça ainda é uma confusão, alguém pode me ajudar a entender melhor? - perguntou ela.
- Claro. O que aconteceu foi o seguinte. - começou André. - A gente viu aqueles arquivos há uns meses que datavam de 1950 a 1970, certo? A morte da Roboalda, porém, foi mais ou menos em 68. Nisso o que aconteceu uns 10 anos antes em 58, ou mais, foi a morte do marido Getúlio. - falou André percebendo que ela estava fazendo força pra entender.
- Então, quando meu pai falou da história pra mim, que era dos meus tataravós, na verdade eles só estavam vivos mesmo, não que a história toda se passou com eles jovens. - expliquei.
“Porque se a gente voltar no tempo, a conta fecha. Meus pais tem 45 anos, por volta. No final dos anos 70 meu pai e mãe nasceram. Meus avós tiveram meus pais com 20 e poucos anos, então isso joga a data pramais ou menos. - continuei a decifrar as datas. – Com isso, vem o plot twist, que na verdade não é bem um, mas explica, meus tataravós tiveram meus avós muito mais tarde, ambos com 60 anos, mais ou menos, fazendo deles contemporâneos a morte do Getúlio, e depois a morte da Roboalda.”
- Agora entendi, finalmente! - exclamou Lola. - Seus pais conheceram os avós deles, seus tataravós, porque eles foram contemporâneos aos fatos que sucederam. - continuou Lola. - Daí a morte do Getúlio foi em 50 e alguma coisa, levou-se 10 anos pra liberarem a investigação, o Rodolfo Bragança devia ser bem novo quando pegou o caso, deixa eu ver. - disse ela pesquisando algo.
- Provavelmente, ele devia ter uns 20 anos sei lá. - palpitei.
- Sim, aqui tá 20, ele foi bem precoce, aqui nos registros ele conseguiu se formar detetive aos 20, por causa da capacidade dele. E já jogaram esse caso na mão dele... Uau... - disse Lola surpresa.
- Isso, daí se a Roboalda morreu em 68, ele conseguiu investigar um ano, joga pra 67, menos os cinco anos que ele levou estudando o caso a gente chega em 62, fazendo da morte do Getúlio emfalou André. - Por fim, o tio do Nicolas ficou preso até 72, e hoje ele tem por volta de uns 70 anos? - perguntou André pra mim.
- Pelo visto sim, eu lembro do Nicolas comentando alguma coisa sobre o tio dele, esse Rodolfo, ser o mais velho de todos os irmãos, e na real, eu acredito mesmo que seja sim. - falei por fim.
Esclarecidas as dúvidas das datas, a gente continuou pesquisando diversos arquivos e sites de notícias sobre os acontecimentos relacionados à morte do casal idoso. Muita informação era repetida, e coisas que a gente já havia encontrado voltavam a aparecer, mas o que interessava mesmo era saber ou conseguir traçar uma relação com o pessoal do galpão.
- GENTE! - chamou André. - Olhem isso aqui. - apontou para a tela.
André tinha encontrado uma notícia de que um galpão madeireiro estava sendo inutilizado, e que iria a venda, pois a indústria de papel que usava o espaço para armazenar celulose estava encerrando as atividades. Até então não havia nada muito relevante, quando ele apontou pro endereço, o qual era exatamente o galpão que eu estive para libertar Nicolas.
- CARAMBA! - exclamou Lola. - Então isso pode ter alguma relação com aquele pessoal que tentou capturar o Nicolas... - disse Lola.
Começamos a pesquisar tudo relacionado àquela empresa, e os novos proprietários do espaço. Até que chegamos a uma família de empresários madeireiros, e que já passaram por algumas situações que envolviam a polícia e o poder público, alguns membros eram investigados sobre casos de extorsão e lavagem de dinheiro com comércio de madeira, entre outras coisas.
- Pessoal olhem essa notícia. - falei chamando-os.
“Empresa de madeira Cardoso LTDA é acusada sobre inadimplência pela ocupação do imóvel, onde mantém seu estoque de matéria prima. Diversos impostos e até contas de energia e água não foram pagas regularmente. Após o processo jurídico ser concluído, a empresa decidiu dar para leilão outro imóvel a fim de liquidar as dividas.”
- Olhem achei outro aqui. - disse André.
“Investigação sobre tráfico de drogas leva à prisão ex-gerente de relações públicas da empresa madeireira Cardoso LTDA. As investigações levaram ao local de armazenamento, um galpão que pertencia a uma antiga empresa de papel, hoje já encerrada suas atividades. O galpão foi adquirido pela Cardoso LTDA para estocagem de madeira bruta.”
- Gente, acho que encontrei uma informação extremamente importante. Prestem atenção. - disse Lola aparentando estar muito tensa.
“Possível caso de homicídio duplamente qualificado pode ser abandonado por falta de provas suficientes.”
- Eu joguei aqui os nomes do Rodolfo Bragança e dessa tal Cardoso LTDA, não veio nada, mas ai joguei o nome desse gerente ai, César Pereira de Oliveira, e então veio essa notícia. - disse Lola e prosseguiu com o relato.
“Conforme dispostos nos autos, esse crime foi cometido por Rodolfo Bragança, porém há indícios de que talvez não seja o autor da morte. Diversas pessoas foram ouvidas, os filhos da vítima, pessoas que tinham ligação direta e indireta com ela. Até mesmo as pessoas com quem ela se relacionava, de mesmo modo com pessoas que tinham ligação a Rodolfo.”
“No entanto, uma testemunha que não quis se identificar, deu um depoimento que não foi anexado ao processo, pois após julgamento psicológico, chegou-se a conclusão que essa testemunha poderia estar sob forte estresse ou sob pressão externa para contar uma versão da história que pudesse levar para outros caminhos a investigação.”
“De qualquer forma, o arquivo do áudio ainda se encontra no banco de dados da polícia, e que talvez possa se valer dele, para uma análise mais minuciosa do caso. Devemos esperar ainda para mais informações sobre esse caso, que pelo visto está longe de ser sanado.”
- Pelo que eu entendi, essa pessoa disse algo que no mínimo geraria uma nova versão para esse crime. - falei com eles.
- Acho que conseguimos encontrar esse áudio aqui. - disse André bem certo de si. - Não me olhem com essa cara, a gente tá tendo acesso a coisas em nível nacional, e arquivo de polícia também, fora que esse caso já passou, então eles devem ter liberado os arquivos, deixa eu ver. - falou.
André tinha encontrado o áudio nos arquivos processuais pelo nome Bragança junto com a data de 1960. Ao ouvir o áudio, a testemunha falava que “o pessoal do galpão” não tinha uma relação boa com uma família, que eles não queriam eles na cidade, e que eram para saírem de lá o mais rápido possível, não haveria outra alternativa.
A voz ainda falou que eles estavam tramando uma situação para incriminar um homem, que mexia com coisas de “polícia”, provavelmente o tio do Nicolas. Ainda disse que só estava falando tudo aquilo porque não achava certo, não concordava, mas que não tinha nada a ver com essas duas famílias. De repente a voz começou a ficar pesada, a respiração rápida e ouvimos.
- Então, minha casa fazia divisa com o local que eles queriam matar a mulher. - disse a voz esganiçada. - e uma mulher na minha frente virou um bicho, um lobo enorme, eu cai no chão de medo, ela... a coisa... o lobo... aquele monstro arreganhou os dentes para me morder, mas alguém gritou e aquilo parou. - disse a testemunha enquanto ouvíamos o barulho da cadeira batendo no chão e papel e objetos caindo.
Ao final disso tudo, a gente concluiu que “o pessoal do galpão” fazia parte da Cardoso LTDA, que eles eram lobisomens, e que queriam incriminar os Bragança, pois não podiam conviver com eles, e claro pelo motivo deles serem caçadores de lobisomens. Para terminar de fechar os pontos, a família do Nicolas se mudou daquela cidade para Brasília, da onde ele me falou que veio.
- Galera, é isso! - falei com ar satisfeito, porém sério. - os pontos estão começando a se fechar. Essa matilha matou Roboalda pra incriminar o tio do Nicolas. Eles não gostavam deles por serem caçadores, queriam que eles fossem embora. - continuei. - O marido da Roboalda, Getúlio, foi morto porque tava nesse caso dessa garota desaparecida. - parei um instante com dúvida.
- Você tá certo, Eric. - falou André. - Essa mulher devia estar sob cativeiro dessa matilha, eles mataram dois coelhos com uma cajadada só, prenderam Rodolfo, fazendo com que todos saíssem da cidade, e ainda “protegendo” essa tal picuinha do desaparecimento dessa mulher. - falou.
- E pra completar de vez gente. - disse Lola olhando pro computador. - Uma mulher pegou o caso de investigação para continuar, e seu nome é Marcia Cardoso. Pronto, ela pegou o caso e nunca mais ele teve solução porque ela simplesmente parou as investigações só reforçando essa “proteção”. - concluiu.
Passado aquele dia, e todas aquelas descobertas, resolvemos dar um tempo nas investigações, pois chegavam as primeiras provas do semestre, e precisávamos estudar e investir tempo que não podíamos mais ficar despendendo para a investigação, mas concluímos que até o ponto que paramos do caso, a gente estava satisfeito com os frutos.
Deveríamos agora descobrir de uma vez por todas o porquê Roboalda e Getúlio foram alvos, sendo que não tinham ligação com nada. E qual o motivo dessa matilha proteger tanto essa mulher, porque estamos achando que ela é o centro de toda essa situação. Por fim, algo me dizia, talvez intuição, que tinha algum outro motivo com a família Bragança além de serem caçadores.