Capítulo 5 – Dores Compartilhadas
Bum bum bum.
Quando eu finalmente durmo eu sonho com retumbantes batidas de tambores no escuro. E depois com o crepitar de chamas de alguma fogueira na selva, enquanto o mundo girava e girava cada vez mais rápido me deixando zonza e confusa.
No dia seguinte, depois desse sonho bizarro, eu passo a dedicar algumas horas do meu expediente profissional dentro da jaula. Eu entrava pouco depois das refeições da A.D.A, para evitar que ela me confundisse com alguma nova ovelhinha suculenta. Minha ideia era me habituar com o espécime e o espécime comigo, como um intermediadora. Seria muito mais fácil arrancar um pequeno pedacinho para biópsia assim. Contudo, ainda não tínhamos sequer chegado perto de decidir qual pedaço seria o mais seguro ou não, já que as terminações nervosas da A.D.A nos eram desconhecidas, então talvez a cauda ou mesmo as folhas escamosas brancas que pareciam o cabelo dela podiam ser nervos sensíveis que a causariam muita dor. E eu estaria em perigo imenso nessa hipótese.
E nessas ocasiões a A.D.A ficava roçando a cauda no meu corpo e colando em mim como se fosse uma gatinha carente pedindo atenção. O mais estranho é que parecia que ela tinha a intenção mesmo de ficar esfregando aquele corpo macio e branco dela em mim. Porque toda vez que a A.D.A encostava aquela pele gelatinosa e me tocava eu sentia uma excitação como da vez que ela agarrou a minha cara. Era uma quentura e um tesão completamente bizarros que me tiravam todo o fôlego, e cada vez que ela encostava em mim o prazer aumentava. Por enquanto eu estava conseguindo me controlar e me segurando para não vergonhosamente gemer alto ali dentro da gaiola. Era certo que alguma glândula de transpiração da A.D.A exalava algum suor para viciar as suas vítimas, como um adesivo de nicotina que se cola no braço. Eu tinha que ser profissional e esconder esses sintomas por enquanto.
Então o espécime está tentando fazer o quê?
Me viciar nela para depois se alimentar de mim?
Isso era um fator que eu teria que analisar outro dia com mais calma. Por enquanto tudo estava dentro do controle.
Além disso, a proposta da brinquedoteca foi realizada. A gaiola da A.D.A passou a ser abarrotada de bolinhas e bonequinhos de pelúcia. Pode parecer bobeira, mas a logística disso foi interessante e cômica ao mesmo tempo. O trabalho do Agente Louis era o de organizar o perímetro. Ele era um agente do serviço de espionagem francês que ficava em uma casa alugada na cidade mais próxima e que foi transformada em um QG da sua equipe pessoal, aquela que havia me buscado na minha casa na Bélgica. E assim, todos que fosse na direção da reserva ambiental sem autorização seriam monitorados.
E então Louis teve que usar o cep dessa casa como um endereço laranja de diversas compras de artigos infantis de lojas de brinquedos locais. Quando já tinha o suficiente, aquela comitiva, que antes havia muito seriamente me escoltado com homens mal encarados e de ternos e óculos escuros, agora estava com carros abarrotados de almofadinhas e brinquedos infantis diversos que eles posteriormente tiveram que entrar na base da DGA com eles na mão. Eu não estava lá para ver, mas possivelmente enquanto passava carregando artigos de criança pelo galpão cheio de militares em formação (que devem ter contido as risadas) o observando, o Agente Louis deve ter questionado se realmente recebia o suficiente para isso.
Porém os brinquedos deram resultado.
A.D.A agora brincava e estava mais ativa que nunca na gaiola de vidro. Ela pula como um canguru lá dentro e muitos dados de aerodinâmica e estudos de musculatura e dinâmica passaram a ser feitos.
Com câmeras HDR 4K de alta definição em slow motion capture pudemos estimar a velocidade e a flexibilidade das juntas e articulações do espécime. Algo que antes não havia sido possível.
- Relatório Pessoal Nº6: O espécime encontra-se mais ativo. Eu separei muitas variações de cores de brinquedos. A.D.A sempre escolhe objetos da cor verde, independentemente do formato e tamanho. A minha equipe de pesquisa na última reunião decidiu por tentarmos pequenos estímulos elétricos no espécime. Eu fui completamente contra, mas a Mila me convenceu que podemos testar a rede neural dela com isso e que a voltagem será baixa.
E no dia de por o experimento em prática eu espero o horário da A.D.A se alimentar e subo na plataforma alguns minutos depois com um pequeno dispositivo taser de só 10 V, todo pintado em um verde musgo para atrair a atenção do espécime.
E lá dentro eu começo a abanar o objeto e vou me aproximando dela bem devagar e com muita precaução. Por mais amigável que ela tenha ficado agora perto de mim, eu ainda tomava todas as medidas de segurança necessárias.
- Oi, Ada! No meu relatório pessoal escrito não irei mais escrever seu nome como uma sigla. Aqui, um novo brinquedo. Da sua amiga, a titia Simon.
E eu deixo o taser rolar na direção dela, e a A.D.A avidamente pega com a boca e sai rolando e mordendo levemente o objeto.
- Pronto. Podem me subir agora.
E hoje, sem brincar com ela, eu saio quase fugindo da gaiola dela e me preparo para dar o sinal.
- Doutora Mila, pode disparar.
E com as mãos um pouco trêmulas a Mila se aproxima de um botão que estava em uma caixinha em cima de sua prancheta.
E aperta.
O espécime A.D.A sente como se fosse um comichão em sua boca e cospe o taser. A reação foi pequena e bem inofensiva para a criatura que estava sendo estudada.
Mas então uma médica desesperada aparece correndo em nossa direção.
- Doutora Molly! O Sargento Jules teve uma mudança no estado dele! Ele parece estar acordando!
Mila e eu trocamos olhares arregalados de medo, sabendo que com certeza isso tinha relação direta com o choque elétrico do nosso teste realizado na A.D.A.
E depois de retornarmos à Seção C e ao leito do sargento, nos deparamos com ele gemendo e gritando alto. As suas mãos estavam tentando alcançar a testa branca quase como se ela estivesse queimando e ele agonizando de dor.
- Quando isso começou? – Eu indago.
- Agora mesmo, poucos segundos atrás. Eu vim correndo até vocês exatamente logo após a mudança brusca no estado dele.
Os olhos do sargento Jules tremiam e ameaçavam abrir a todo instante, como se ele estivesse enfrentando uma deusa ou demônio maligno na sua mente que o quisesse manter capturado em uma prisão de sonhos.
E ele parece ter escapado, porque então o Sargento Jules abre os olhos.
Com os batimentos estabilizando e reduzindo e ele visivelmente mais calmo, a equipe médica solta os seus braços forte de militar.
E ele surpreendentemente olha para mim e diz.
- Deusa. Eu quero a deusa. Me deem a deusa.
E ele volta a dormir.
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- Relatório Pessoal Nº 7: Depois de voltar a dormir a equipe médica da Seção C fez todos os exames e constatou que não era um coma e nem um transe, o sargento Jules só estava exausto da experiência e que ele acordaria em breve depois deste choque.
- Agora com relação às causas do ocorrido, tenho a mais plena certeza de que as partes do espécime A.D.A se comunicam remotamente entre si. Dessa forma, na hora que a corrente elétrica foi disparada no espécime, a sensação de dor foi compartilhada da A.D.A para o sargento através do seu tecido híbrido com o DNA dela na sua testa.
- A partir de agora, qualquer exame que envolva dor no espécime terá que ser abandonado para evitar esse compartilhamento sensitivo com o oficial militar. Amanhã precisarei questionar a viabilidade de uma cirurgia de remoção do corpo estranho da A.D.A fusionada geneticamente com o sargento em seu crânio. Se mesmo depois de acordado aquela coisa continuar crescendo como um tumor, ainda há o risco de que ele possa falecer.
- Ou coisa pior...
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