Quando dei por mim, estava em um consultório médico. À minha frente, um homem barbudo e de cabelos longos. Na mesa, uma placa com o nome C. S. Steimer , e na parede um diploma da Sociedade de Psiquiatria.
Então, eu estava sendo considerado maluco! Uma charada a ser resolvida.
O médico me olhou fixamente.
“- Em que está pensando, Número Um? Parece que ficou totalmente ausente...”
“- Desculpe, Dr. Steimer... creio que me distraí por alguns segundos.”
“- Mas parece mais calmo, de repente. Há pouco, estava agitado.”
“- Desculpe novamente....”coloquei a mão no bolso do paletó que estava usando e senti uns comprimidos dentro. Então arrisquei: “...acho que o comprimido fez efeito...”
“- Do jeito que você estava, achei que não havia tomado o que prescrevi. E você sabe que deve seguir as orientações à risca, pois a Agência está ansiosa pela sua recuperação.”
Então, eu ainda era o Número Um, e estava na Agência. Isto me colocava em uma época onde Drake já havia me dado esse codinome. Pela janela, estávamos em um andar bem alto, eu podia avistar o “London Eye”, então estava em Londres.
“- Está muito pensativo, Um. Pensando Nela?”
“- Em quem?”
“- Você sabe quem” Lembrei do que Zarya me dissera, que Meister – eu podia pensar nele agora, pois estava em outra realidade paralela – havia feito Regina desaparecer da existência.
Com certeza, meu “eu” desse plano lembrava dela, e ninguém acreditava. Vi sobre a mesa do Dr. uma pasta, com vários relatórios, documentos, e fotos. Uma delas , mais visível, parecia mostrar tentáculos. Provavelmente a missão em São Petersburgo...justamente quando conhecemos Zarya. Teria isso alguma relação com tudo o que aconteceu depois?
“- Sei... mas parece algo meio vago...”
“- O que parece meio vago?”
“- Sabe Dr. Steimer... as coisas estão meio embaralhadas... “
“- Pode ser o remédio. Vamos marcar um novo horário para amanhã.”
Eu não iria questionar o médico por marcar um retorno tão cedo.... Mas resolvi arriscar novamente.
Entrei na consciência dele por poucos segundos, tempo suficiente para olhar o que ele estava escrevendo, certamente o relatório da Agência. Ele nem notou.
Eu tinha conhecimento de leitura dinâmica, li três páginas rapidamente. E não era bom, havia muitos comentários negativos a meu respeito. E uma “obsessão por uma tal Regina, uma fábula criada por uma imaginação carente.”
Então, Regina não existia, apenas eu sabia que ela era real. Claro que isto estava relacionado com a minha própria realidade, onde Nguvu deixara de existir e eu lembrava dele, ninguém mais. E tudo o que estava relacionado a ele também.
Aqui, era com Regina. Não adiantaria perder tempo procurando indícios da existência dela, nem perguntar a Drake ou Diana...
Será que já havíamos estado no Castelo? Porque lá havia Mestre Wolfe e a Profecia...
Eu precisava saber. Saí do consultório meio confuso. Eu não sabia onde este “eu” estava ficando em Londres. Antes de irmos ao Castelo, lembrei que eu e minha esposa havíamos ficado em um hotel simples, perto da Euston Station. Procurei nos bolsos , encontrei uma chave ( tipo cartão de crédito) . Era aquele mesmo, o Hotel com o pub na esquina, perto do restaurante indiano. Achei o “Oyster Card” ( o cartão do Underground – o metrô de Londres) e fui até a estação.
Entrei no Hotel sem problemas, eu havia anotado o número do quarto no envelope que continha a chave. Entrei e me sentei na cama. Procurei tudo o que havia em volta. Meu outro “eu” - que agora estava adormecido dentro de mim - havia feito centenas de anotações em um caderno, com o que ele considerava sendo evidências da existência de Regina, mas que não podiam ser comprovadas materialmente. Fiz algumas pesquisas na Internet, e certamente , se eu não tivesse a certeza absoluta de que minha esposa era real, ficaria convencido da sua não - existência.
Mas Meister , pelo que eu lembrava, tinha um ponto fraco: sua prepotência já havia feito com que ele quisesse provar seu domínio sobre os outros, ou seja: ele precisava mostrar ao inimigo que havia vencido. Isso significava que, em algum momento, após ele ter convencido o mundo todo que Regina não existia, ele a apresentaria, evidentemente com outro nome e aparência, talvez com cabelos e roupas diferentes, para que as pessoas a vissem e não a reconhecessem.
Eu precisava, então, convencer Steimer que eu também havia esquecido minha esposa.
Fiquei pensando no que fazer em seguida, quando bateram à porta do quarto. Era Diana, a espiã britânica! Bem...não era nada de grave, com certeza, porque ela trazia algumas daquelas garrafas de cerveja “Cobra” e “Kingfisher” ( para quem não lembra, leiam o episódio “O Templo de EOS 6 – De Volta a Londres).
“- E aí? Como foi com o Dr. Steimer hoje?” Ela parecia a mesma Diana que eu conhecera na outra Realidade.
“- Não sei, acho que ele não vai muito com a minha cara”
“- Mas você está um pouco diferente, calmo. Não parece tão nervoso.”
“- Nervoso como?”
“- Ah, você sabe, desde a missão na Rússia você surtou... ei...pela sua cara, você realmente está diferente, Número Um!”
“- Você é uma excelente agente, Diana.” Falei meio sem pensar. Ela percebeu imediatamente a mudança, diferente de Steimer... Steimer... por que eu quase pensei em outro nome?
“- E sou mesmo!” Ela sorriu e deu uma voltinha, empinando a bundinha, realçada pela sua roupa de couro.
“- Não nesse sentido”, eu disse, “Você notou imediatamente que meu comportamento mudou.”
“- Mas isso é óbvio...você estava nervoso o tempo todo, furioso em alguns momentos, surtando em outros, agora parece uma pessoa normal. O que aconteceu?” Ela falou.
“- Vamos dizer que eu decidi que perder a cabeça não ia adiantar nada, e que resolvi, em vez disso, usar o cérebro que tenho para analisar o que houve. Só que preciso da sua ajuda.”
“- Como assim?”
“- Você sabe que o Dr. Steimer me deu vários remédios, e isso embaralhou minha memória.”
“- Sei, por isso mesmo fui encarregada de vig... cuidar de você até que melhorasse”
“- Pode falar vigiar, é isso mesmo. Se eu estava tão maluco como parece, precisava de alguém mesmo”
“- Bom...então, o que você precisa?”
“- Preciso que me ajude a repassar, detalhe por detalhe, tudo o que aconteceu comigo. Algumas coisas realmente ficaram confusas.”
“- Tudo mesmo? Certeza que você não lembra?”
“- Eu lembro de São Petersburgo. De um Culto que envolvia uma criatura marinha, um tipo de Polvo Assassino, o tal “Organism 46-B” que podia inclusive entrar na mente das pessoas...”( em “Aventura na Rússia – São Petersburgo”)
“- Foi isso mesmo, e você conseguiu implodir o local, só que voltou falando de uma mulher e uma Deusa...”
“- Zarya...pelo menos foi o que vi...”
“- E a outra, que você chamou de Regina, disse que era sua esposa e que também estava na missão”
“- Bem... agora eu pensei: E se foi a criatura que implantou essas imagens na minha mente para me distrair e tentar me impedir de destruí-la?”
“- Mas e depois?”
“- Acho que demorou para que finalmente o efeito na minha mente passasse, agora é como se fosse um sonho vago.”
“- Conta outra. Aí tem. Você não iria mudar tanto em tão pouco tempo.”
“- Mas você disse que eu vim da missão surtando totalmente.”
“- Não totalmente. Foi só quando você disse que Regina havia sumido do Hotel, e não conseguia encontrá-la. Mesmo mostrando os registros que provavam que você estava hospedado sozinho lá, você não acreditou.”
“- Então deve ter sido isso mesmo...o Polvo Assassino entrou na minha mente e provocou tudo. Mas hoje, milagrosamente, estou mais lúcido.”
“- Parece mesmo. Mas ainda acho que tem alguma coisa a mais...”
“- Estou com fome, acho que vou até aquele restaurante indiano, comer o “Tikka Masala”.
“- E as cervejas que eu trouxe?”
“- Podemos tomar depois, se você quiser...”
“- Podemos? Está me convidando para ir junto?”
“- Ah Diana, desculpe!!! Achei que era óbvio que você viria junto!”
“- Estou brincando. Eu tenho que acompanhar você mesmo...”Ela disse, rindo.
Saímos do Hotel e andamos uma quadra, era onde ficava o Restaurante.
Ao entrar, o garçom, típico hindu, nos cumprimentou e nos indicou uma mesa. O “chef” em seguida se apresentou a Diana, mas olhando para mim e falando: “- Lembro do Senhor, quando esteve aqui antes, com aquela belíssima dama...”
“- Que dama?” Diana perguntou.
“- Ahn desculpe Senhor...” Ele enrubesceu. Mas ele lembrou de Regina!! Seria por ser Hindu e tivesse alguma proteção contra Magia Negra?
“- Não tem problema, Diana trabalha comigo. Não é minha esposa.”
“- Mas quem era ela, Um? Fiquei curiosa.”
“- Não posso contar...” Tentei disfarçar, mas a espiã britânica já desconfiava de algo.
“- Eu sabia...aí tem! Essa sua mudança de comportamento... e agora isso que ele falou...”
“- O que você está pensando, Diana?”
“- Estou pensando o impossível: que, de alguma maneira, você possa ter alguma razão .”
“- Mas ninguém conhece essa Regina... não há registros dela em lugar nenhum...”
“- E como é que ele ( apontou o chef) viu? E descreveu como você havia descrito: uma mulher belíssima.”
“- Ah, mas eu posso ter conhecido alguma moça e convidado para vir aqui...”
“- Pode parar. Você ficava sozinho o tempo todo, como é que iria conhecer alguém, e mais ainda, convidar para jantar ?”
Ela chamou o chef. Isso não era legal, em Londres é considerado falta de educação fazer isso.
“- Essa moça...era morena, de olhos verdes?”
“- Ah Senhora...desculpe...não posso...”
“- Pode falar, não tem problema. “ Falei sorrindo, e observei o homem. Ele tinha vários amuletos no pescoço e nos punhos. Devia pertencer a alguma Ordem .
“- Desculpe novamente, eu realmente não devia me intrometer...mas ela era tão linda...maravilhosa, parecia uma Deusa... todos aqui repararam nela.” O garçom assentiu com a cabeça.
“- Muito obrigada, Senhor...e desculpe pelo constrangimento.” Diana falou a ele.
Jantamos, e evitamos falar muito. De repente, o clima entre nós havia mudado. Saímos do Hotel, Diana agora olhava desconfiada para os lados. Chegamos ao quarto, ela trancou a porta e procurou por câmeras ou escutas.
“- O que foi, Diana?”
“- Número Um... agora tenho certeza de que alguma coisa aconteceu. Hoje em dia, podem fazer uma pessoa desaparecer e eliminar todos os seus registros através da tecnologia...”
“- Só se for Tecnomagia, como lá no Cas...”
“- Como você sabe disso? Ninguém...” Diana agora me olhava fixamente. Depois, apalpou meu rosto.
“- Não tem máscara nenhuma, Diana. Isto não é Missão Impossível...”
“- Mas então quem você é? Certamente não é o Número Um que conheço. E quem é Regina?”
“- Você vai ter que jurar que, mesmo que não acredite em nada do que eu falar, vai manter segredo absoluto .”
“- Ah não, isso eu não posso fazer.”
“- Eu, de minha parte, juro que sempre fui fiel à Agência, e que jamais faria alguma coisa para prejudicar você, Drake ou os outros”
“- Bom... se é assim... juro, mas só se for como você disse.”
“- Sendo de uma Irmandade, você acredita em Alta Magia, correto?”
“- Correto”
“- E crê que a Alta Magia Sexual pode alterar a realidade ou a nossa percepção dela, correto?”
“- Correto...então foi isso?”
“- Isso o que?”
Diana estava perplexa, e disse:
“- Como é que ninguém na Agência sequer imaginou que você podia estar certo, e que essa Regina poderia realmente existir?”
“- Meister deve ter feito tudo de maneira bem elaborada...coletou energia sexual suficiente através do Vibrião Astral , e alterou esta realidade.”
“- Você disse ‘esta realidade’. Então, você veio de uma outra...”
“- Eu não, minha mente. Eu sou o Número Um, mesmo, mas de uma realidade paralela...”
CONTINUA