Desde pequeno que, pelo menos quinzenalmente, aos finais de semana, temos o costume de visitar o meu padrinho em Nova Iguaçu. Eu adoro ir para lá e brincar com o filho dele, o Danilo, que passou a me chamar de primo recentemente. Como eu e meus pais moramos em apartamento, sinto-me livre, explorando a casa do meu padrinho. Lá tem piscina, rede na varanda, um balanço de ferro no quintal, além de uma garagem.
Nessa última parte da casa não só fica o carro do meu padrinho, mas funciona também como uma espécie de depósito, onde ficam empilhados engradados de cerveja. Eu sempre adorei carros e, graças à paixão do meu padrinho por automóveis, frequentemente me era concedida a oportunidade de dar uma volta no carro da moda, pois ele não perdia a oportunidade de comprar um novo.
Eu e Danilo, que agora me chamava de “primo” ou “priminho”, estávamos ficando cada vez mais unidos. Eu já o adorava desde sempre, não só pelos brinquedos legais, mas também por ele ser mais velho. Eu gostava de ter a atenção dele por isso. Além do mais, ele sempre era citado como exemplo, quando estávamos lá. “Danilo já sabe dirigir. Danilo já está com namoradinha. Danilo não para de crescer. É um homem já.” – Diziam eles. Eu adorava quando ele me empurrava na rede ou no balanço. Era pura emoção, porque ele aplicava uma força desproporcional e parecia que eu ia sair voando. Eu ria e ao mesmo tempo excitava-me em calafrios. Porém eu já não era mais criança, tampouco ele. Ainda assim, essas memórias eram responsáveis por eu me sentir em casa quando estávamos juntos.
Eu gostava desse clima familiar, desse acolhimento, de ser chamado de “priminho”. A verdade é que eu me derretia todo quando ele fazia isso. Era muito fofo! No entanto, essa nossa troca de afeto era velada, tanto é que ele só me chamava assim quando estávamos sós. Eu já tinha idade para saber que seríamos mal interpretados e até repreendidos, talvez. Pouco a pouco, eu ficava mais meloso com ele. Fato é que eu comecei a chama-lo de “primão”, só para deixar claro que eu gostava do jeito como ele me tratava. Eu me sentia bem, pois aquela era a nossa forma de viver.
O que eu mais queria era dormir na casa do Danilo, porém meus pais sempre decidiam voltar para nossa casa no mesmo dia. Eu até chorava na hora de ir embora quando era mais novo. Isso, porém, não me impedia de curtir muito a presença dele.
Certa vez, meu padrinho comprou um carro novo, mas ele não estava a fim de tirá-lo da garagem para darmos uma volta. A explicação para isso era que, nesse dia, estava armando um temporal e ele é do tipo que não sai de carro na chuva. Mas isso não foi obstáculo para vermos a novidade. Assim, descemos todos até a garagem para vermos o possante em detalhes. Eu, porém, não consegui ficar muito tempo naquele lugar húmido, pois dentre os engradados sempre surgiam umas lacraias enormes, das quais eu tenho pavor. Sem dizer o motivo, voltei para a varanda e fiquei aguardando a excursão acabar. Danilo veio atrás de mim.
- Já sei. Medo de lacraia. – Comentou.
- Acertou. – Respondi, rindo sem jeito.
- Gostou do carro?
- Adorei! Maneiríssimo! Deve ter sido uma nota, porque o Dindo disse que passa a marcha sozinho.
- Acho muito fofo quando você chama meu pai de Dindo. – Comentou, rindo de leve.
- E eu acho muito fofo, quando você me chama de priminho. – Disse-lhe sorrindo.
Demos risinhos e olhamo-nos. Eu tive vontade de sentar no colo dele e beijá-lo, mas outra coisa invadiu meus pensamentos.
- Você tem mesmo namorada? – Perguntei-lhe de supetão.
Danilo respirou fundo e via-se claramente que escolhia mentalmente as palavras com as quais ia me responder.
- Não é bem namorada. – Iniciou devagar. – Eu fiquei com uma garota algumas vezes, mas nem gosto dela assim para namorar, sabe?
- Ah, entendi. – Respondi, fingindo-me de maduro.
- E você?
- Eu o quê?
- Já tem namorada?
Da mesma forma, eu fiquei um tempo pensando na resposta que daria. Danilo me olhava pacientemente. Olhei de volta para ele, como se tivéssemos todo o tempo do mundo e, ainda hoje, lembro-me do short vermelho, do corte reco disfarçado dos lados, da sobrancelha direita falhada com risco duplo, daquele peitoral sem nenhum pelo, do cordãozinho dourado e fino, reluzente em contraste com a sua pele escura, como uma deliciosa cobertura de chocolate amargo e aveludado.
- Eu não quero. – Respondi com um suspiro de conformidade.
- O que você quer então? – Perguntou-me, talvez desconfiando de qual poderia ser a resposta.
- Eu quero que você mate as lacraias da garagem, para eu ver o carro novo do Dindo. – Respondi, fingindo cara de choro e mudando de assunto.
Danilo riu e olhou para o chão.
- Você confia em mim?
- Por quê?
- Confia ou não?
- Confio. – Respondi imediatamente.
- Então, depois que eles voltarem, vamos na garagem e eu te mostro o carro.
Continua...
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