Capítulo 10
Bruno estava muito tenso. Há anos não via Lúcia e não esperava vê-la nunca mais. O que mais desejava era enterrar esse passado tão perturbador.
A mulher sentiu -se confusa. A princípio, pensou que Bruno e Jonas poderiam estarem juntos novamente, mas lembrou-se das fotos que vira no Instagram e o rapaz era completamente diferente de Bruno.
_ O que está acontecendo aqui? Eu não te avisei para ficar longe do meu filho? Como se atreve a voltar?
_ Eu não estou com o seu filho. E não é você que me diz onde devo morar.
_ Nós tínhamos um trato e eu cumpri com a minha parte, mas você...
Bruno a interrompeu.
_ Eu também cumpri. Não tenho nada com o Jonas há oito anos. O que você quer e como descobriu o endereço da minha tia?
Lúcia raciocinou no mesmo instante. Aquela era a casa da mãe do Matheus e se Bruno a chamou de tia, provavelmente ele e Matheus eram primos.
Lúcia pensou que se perguntasse Bruno poderia negar, por isso optou por afirmar.
_ Você se juntou com o seu primo para se reaproximar da minha família.
_ Eu não fiz isso. Eu não sabia que o Jonas estava namorando o meu primo e o Matheus não sabe de nada.
O peixe estava fisgado.
_ Vai me convidar para entrar ou prefere que eu faço um escândalo aqui mesmo no seu portão para que todos vejam a cobra que você é?
A última coisa que Bruno queria era que Lúcia entrasse na casa da sua tia, mas a conhecia há muito tempo e sabia que ela seria capaz de armar um escândalo só para obter o que deseja.
Além disso, ele estava só em casa. Seria melhor que ela entrasse e resolvesse logo essa situação.
Bruno abriu o portão e ela entrou. Lúcia olhou ao redor.
_ Que decadência! Seu pai é tão rico e você veio parar neste barraco!
_ Diga logo o que você quer e vamos acabar logo com isso.
_ Eu quero que tanto você quanto o seu primo se afastem do meu filho. Não quero que vocês levem a depravação de vocês para a minha família.
Bruno sorriu.
_ Preconceituosa como sempre, né Lúcia?
_ Preconceituosa não! Eu sou uma mãe que quero o melhor para o meu filho. Ele nasceu homem e deve ser homem. Não aceito filho bicha.
_ Eu não posso fazer nada por você. Não tenho nada com isso. Eu não tenho nada com o Jonas há muito tempo. Nem falo com ele direito...
_ Mas o seu primo tem!
_ Isso é problema deles! O Matheus é maior de idade e o Jonas também. Eles querem ficar juntos e não estão fazendo nada de errado. Não estão cometendo crime nenhum.
_ É por isso que esse mundo está do jeito que está. Esse governo de merda que não criminaliza essas práticas depravadas, muito contrário! Até incentiva! Fazendo campanhas à favor da diversidade com o nosso dinheiro. Nós cidadãos de bem ainda temos que nos calarmos.
_ Como eu disse eles não estão cometendo crime nenhum, já a senhora está cometendo o crime de homofobia.
_ Cale a boca! Você já desgraçou a minha família e o Jonas vai ficar muito furioso em saber disso. Aliás todos vão. Garanto que nem a sua tia sabe quem você é. Essa sua carinha de Santo pode enganar a todos , mas isso será por pouco tempo.
Bruno arregalou os olhos.
_ Por que você está me torturando desse jeito? Cara, eu tô de boa. Na minha tentando reeguer a minha vida.
_ Você tem duas semanas para separar o meu filho do viado do seu primo.
_ O quê!
_ É isso mesmo! Ou você separa esses dois ou eu te desmascaro para todo mundo.
_ Eu não posso fazer isso!
_ Se vira! Duas semanas, Bruno. Duas semanas.
Lúcia saiu da casa olhando o lugar com nojo.
Bruno se sentiu sem chão. Ele amava muito o primo e não poderia fazer nada que o deixasse infeliz. Matheus era inocente naquela história. Não era justo que ele pagasse pelos seus erros do passado. Passado esse que Bruno se envergonha tanto.
Se jogou no sofá com as mãos nos cabelos. Olhou para um porta retrato que estava na estante da sala. No objeto estava a foto de Matheus sorrindo ao lado da mãe.
_ Eu não posso magoar o Matheus. Já foi torturante magoar o Jonas...
Lembrou-se de Jonas. Por noites Bruno chorara de saudades e remorsos pelo sofrimento que causou ao rapaz. E só de pensar em fazer isso novamente a sua alma sangrava.
No dia em que fugiu para Salvador levou a memória de Jonas consigo. Passou anos mergulhado numa profunda tristeza por conta da saudade. Sonhava com Jonas por quase todas as noites. Sentia falta do seu sorriso, abraços, beijos e da companhia agradável que o menino o proporcionava.
Bruno desejara se casar com Jonas. Tinha planos e nunca fora tão feliz quanto foi ao lado de Jonas.
Matheus sempre foi o seu priminho protegido. Nunca pensou na possiblidade em machucá-lo.
Durante o jantar, Bruno não conseguira comer nada devido a ansiedade. Renata reparou em sua angustia e o perguntou o que estava acontecendo. Bruno disse que se tratava de uma enxaqueca e que só precisava tomar um analgésico e dormir.
Passou a madrugada em claro chorando. Cogitou a possibilidade de ir embora, mudar de Estado, onde Lúcia não o achasse, mas sabia que a sua situação financeira não estava boa. Estava sem dinheiro e desempregado, morando de favor na casa da tia sem ter para onde ir.
Procurou a sua amiga Isabel. E relatou a ela sobre tudo que acontecera. Sentiu -se um pouco aliviado.
_ Nossa, amigo! Que barra! Não é justo que você ainda pague pelo que aconteceu. Isso já faz tanto tempo!
_ Eu sei. Mas ela não vai me deixar em paz enquanto o Jonas e o Matheus estiverem namorando. E eu não posso magoar o meu primo. Matheus está muito feliz e não tem culpa de nada.
_ Eu sei. Sinto muito por isso. Oh mulher desgraçada! A vontade que eu tenho é dar uma surra nessa vaca.
_ Não faça isso. Só vai estragar as coisas.
_ E o que você pretende fazer, Bruno?
_ Eu quero ir embora. Voltar para Salvador ou morar em São Paulo sei lá. Mas estou sem um centavo no bolso, cheio de dívidas e desempregado.
"Amiga, eu preciso da sua ajuda! Você poderia me emprestar alguma grana? Eu me ajeito em algum lugar e assim que melhorar eu te pago. Por favor?"
Isabel tinha pena do amigo, mas nada pode fazer. Ela ganhava um salário mínimo como caixa num supermercado e morava com a mãe e um filho de quatro anos de idade. O pai do menino não pagava pensão há meses e ela tinha que se virar para por comida na mesa. A sua mãe estava desempregada.
Bruno compreendeu a situação de Isabel e Sentiu -se envergonhado em pedir dinheiro a ela.
Pensou em pedir dinheiro emprestado para a tia, alegando que recebera uma proposta de emprego em São Paulo.
Ao chegar em casa, Renata e Marília estavam brigando com Matheus porque o garoto não havia passado no vestibular.
_Eu não tive culpa! A prova estava muito difícil.
_ E você não faz nada. Não precisa trabalhar, não lava um prato dentro de casa, só fica jogando vídeo game, com a cara nesse celular o dia inteiro ao invés de estudar. Foi por isso que não passou._ reclamava Marília.
_ Poxa, filho. Eu paguei a sua escola e cursinho pré-vestibular. Tudo isso custou caro para você jogar tudo fora!
_ Que saco, meu! Vocês acham que é fácil passar no vestibular? Eu me esforçei! Mas vocês só sabem me criticar. Que merda!
_ Olha a boca! _ disse Renata._ Eu sei que não é fácil. Eu já prestei vestibular. Mas se você se esforçasse teria conseguido.
Matheus nunca foi estudioso. Não gostava da atividade e todo ano ficava em recuperação. Não se deixava reprovar porque Renata prometia lhe dar um presente de natal caso ele fosse aprovado nas provas. Mas o sonho dela era vê o filho tendo uma estabilidade financeira e por isso, decidiu que usaria as economias para pagar algumas parcelas da faculdade de Matheus. Renata não confiava que Matheus passaria numa pública.
Fez as contas e abriu mão de almoçar num restaurante perto do seu trabalho para enconomizar dinheiro, passando a levar marmitas.
Matheus escolheu cursar publicidade e propaganda por acreditar que seria um curso fácil.
Bruno acompanhou todo o esforço da tia e não teve jeito de pedir dinheiro emprestado.
Lúcia cobrava-o pela separação de Jonas e Matheus via direct do Instagram. Ela exigiu que ele a desse o seu número do Whatsapp e as cobranças passaram a ser diárias.
Devidos as noites conturbadas e a falta de apetite, Bruno estava adoeçendo. Olheiras fundas e rocheadas contornavam os seus olhos, sua pele estava cada vez mais amarelada e os fios dos seus cabelos caiam.
Marília e Renata comentavam sobre a perda de peso do rapaz. Preocupada, Renata marcou uma consulta com o médico e Bruno foi diagnosticado com ansiedade.
Matheus também estava preocupado com o primo e fazia de tudo para agradá-lo. Sempre o dizia mensagens positivas e comprava comidas que Bruno gostava.
O carinho que recebia de Matheus o deixava com a consciência ainda mais pesada.
Após o almoço de domingo, todos estavam na sala assistindo um filme. Bruno não conseguia se concentrar e sentia-se fraco.
Sua cabeça começou a doer quando recebeu a mensagem de Lúcia o ameaçando. Ele queria chorar, mas teve que se reprimir para não provocar suspeitas em Renata e Matheus.
Para tentar espairecer, olhou o seu Instagram e viu o perfio de Jonas como sugestão a seguir. Clicou no perfil e ficou vendo as suas fotos.
O que chamou a sua atenção foi uma foto em que Jonas foi marcado. Era uma selfie na casa da dona Chiquinha, na festa de aniversário da idosa. Percebeu que no meio das pessoas estava Patrick. Lembrou-se da história da praia em que Matheus o contara e mostrando a foto de Patrick criticando a sua aparência física.
_ Não sei como o Jonas pode ter ficado com uma bicha tão feia.
Matheus morria de ciúmes de Jonas. O jovem também comentara que gostaria de ter ido à festa de aniversário de dona Chiquinha, mas Jonas não o levaria por causa da sua família homofóbica. Matheus não sabia que Patrick estava hospedado na casa de dona Chiquinha e muito menos que ele estaria na festa. Bruno conhecia o temperamento de Matheus. Sabia que isso o deixaria furioso.
Lúcia mandava a décima mensagem.
"O seu prazo está acabando. Vc só tem dois dias. Ou separe os dois ou tudo mundo saberá a monstruosidade que você fez."
O coração de Bruno bateu acelerado. Não aguentava mais aquela situação. A sua angústia precisava de um fim.
Num impulso entregou o celular nas mãos de Matheus.
_ Eu não queria te mostrar, mas olha isso.
Matheus olhou a foto e arregalou os olhos.
_ Que porra é essa?! Puta que pariu! _ disse socando o sofá.
Renata o olhou assustada.
_ O que houve, filho?