Capítulo 2
Andréia depositou o seu corpo cansado no banco do ônibus. Apoiou a cabeça no vidro da janela com a intenção de descansar um pouco até chegar em casa, depois de um dia fatigado de trabalho e faculdade.
Passar horas em pé na loja de roupas masculinas atendendo clientes, alguns chatos e assediadores, não é uma tarefa fácil. Em seguida, encarava cansada as aulas da faculdade de Direito, onde é bolsista integral.
Às vezes, pensava em desistir de tudo. Contudo, pensava no filho Victor e retomava a coragem para seguir em frente na sua luta diária para proporcionar o melhor para o filho.
Há dezessete anos foi abandonada pelo namorado ao anunciar a gravidez. Ele queria que Andréia fizesse um aborto e assim ambos se livrariam da responsabilidade.
Mesmo sendo uma adolescente de quatorze de anos de idade, vivendo com o pai e a madrasta sobre dificuldades financeiras, Andréia se negou a interromper a gravidez. Para ela esse ato era inadmissível. Dizia que o seu filho não tinha culpa da irresponsabilidade do casal e não era justo que ele pagasse com a vida pelos erros deles.
Enfurecido, Ricardo a humilhou com palavras duras e disse que a criança não era problema dele, que os seus dezoito anos não seriam jogados fora por causa de um filho indesejado.
Andréia não teve mais notícias do namorado, mas recebeu todo o apoio do pai Paulo e da madrasta Roseli.
Depois de dar a luz a um lindo menino, Andréia o batizou de Victor e passou a dedicar a sua vida a ele.
Assim que concluiu o ensino médio e Victor já tinha quatro anos, Andréia viu a necessidade de trabalhar para ajudar nas despesas da casa e pagar uma escola para o menino. Por isso, desistiu do seu sonho de cursar psicologia para poder trabalhar como vendedora numa loja de sapatos.
Durante anos trabalhou em diversos lugares para sustentar o seu menino.
Depois de aposentado, Paulo junto com a mulher e filha comprou um sobrado para a família viver. Eles moravam no segundo andar e o primeiro o homem transformou numa pensão, onde vendia comida caseira e lanches como sanduíches naturais e salgadinhos.
Mesmo com todas as dificuldades da vida, anos depois Andréia retornou aos estudos, ingressando na faculdade de Direito, graças a uma bolsa integral que conseguiu com o PROUNI. A mulher desistiu de cursar psicologia como sonhava antes, porque viu que com o diploma de Direito teria mais chances em prestar um concurso público em diversas áreas e assim, proporcionar ao filho uma vida melhor.
Andréia chegou em casa às vinte e três horas e se surpreendeu ao ver que o pai e a madrasta a aguardavam na sala para jantar.
_ Ainda bem que você chegou. O estrogonofe de frango esfriou. Vou ter que requentar._ disse Roseli indo para a cozinha.
_ Vocês não precisavam me esperar. Não é bom para o Victor jantar a esta hora. Falando no Victor, cadê ele?
Andréia depositou as sacolas em cima da pia.
_ Está no quarto. Victor! Victor! _ Paulo gritou pelo neto sem se levantar do sofá.
O garoto entrou na sala sorrindo e abraçando a mãe.
_ Oi, mãezinha! Como foi o seu dia?
_ Normal. E o seu, meu amor?
Andréia acariciava os cabelos dourados do filho. Admirava o quanto ele estava crescendo, se tornando um belo homem.
Roseli pôs a mesa e Andréia não gostou ver as batatas fritas.
_ Eu não acredito que você fez batatas fritas. Isso não são horas de comer comidas gordurosas.
_ Eu disse que você não ia gostar, mas Vitinho pediu e você sabe como a Roseli mima esse menino.
_ Mimo mesmo. Deixe de ser chata, Andréia. Vitinho não vai morrer se comer umas batatinhas fritas de vez enquando.
_ Não vou mesmo.
_ Você está em fase de crescimento, precisa comer alimentos saudáveis. Eu vou preparar uma salada pra vê se dá uma equilibrada.
_ Mamãe é exagerada.
Andréia lavou as mãos e retornou da cozinha trazendo salada de alface e tomates.
Victor aproveitou que a família estava toda reunida e pediu permissão a mãe para ir à parada LGBT com uma amiga do colégio.
Tinha esperança que os avós o ajudassem a convercer Andréia a autorizar. E não foi bem sucessedido.
Mesmo com as insistências do pai e da madrasta, Andréia se manteve firme em sua negação.
Victor era a sua maior preciosidade. A mulher cuidava do filho com tanto esmero, que temia que algo de ruim acontecesse com o garoto. Por esse motivo, quase nunca o deixava sair de casa, somente para o colégio e curso de inglês. Ou, quando saía, era acompanhado de um adulto em programas de família, o que não agrada em nada um adolescente de dezessete anos que deseja curtir a vida.
Nem os lamentos e choros do filho a conivenciam a afrouxar. Segundo, Andréia era melhor ele chorar por não poder sair, do que ela chorar se algo ruim acontecesse com ele.
_ Mas mãe, eu já tenho dezessete anos!
_ Você quer dizer que só tem dezessete anos? Ainda é uma criança e esse mundo é muito perigoso.
_ Eu não sou mais criança!
_ Você não diz isso quando ganha presentes no dia das crianças.
_ Mas mãe, todo mundo do colégio vai está lá.
_ É sério que você vai me fazer repetir a frase clichê que "você não é todo mundo"? Depois vocês dizem que todas as mães são iguais.
_ Não são mesmo. As mães dos meus amigos não são estraga prazeres como você.
_ Victor, esses lugares são perigosos. Há muitos homofóbicos infiltrados com má intenção.
Victor se levanta da mesa e corre para o quarto.
_ Eu acho que você está exagerando, Andréia.
_ Não se meta nisso, Roseli.
_ Eu me meto sim. Eu amo o Vitinho como se fosse o meu neto. Não acho justo que você o prive de aproveitar a vida.
_ Minha filha, o Vitinho é jovem. Deixe ele ir à parada?
_ Ah, pai. Até o senhor?
_ Desse jeito o seu filho vai ficar com raiva de você.
_ Vocês não entendem o quanto este mundo é perigoso para o Victor?
_ O que há de perigoso numa parada LGBT, onde os gays podem ser livres para se expressar em público?
_ Roseli, o Victor não é como os outros garotos.
_Não há nada de errado com o Vitinho.
_ Com ele não, mas com as pessoas sim. Vitinho é um jovem gay, com trejeitos delicados e vive num país onde mais se mata pessoas LGBT. Todos os dias vemos notícias horríveis de violência que essas pessoas sofrem. Eu não quero que o meu filho vire mais uma vítima de homofobia.
_ Não é impedindo dele viver que você vai protegê -lo. Me parte o coração ver o Vitinho sofrendo por querer sair com os amigos e não poder.
_ Deixe de ser exagerada. Além do mais, eu não conheço essas pessoas. Vai que tenha algum homofóbico no meio e maltratem o meu filho. Nem pensar. Ele não vai e fim de papo.
_ Como você é cabeça dura, mulher.
_ Você como também mãe de gay deveria me entender.
_ Eu entendo. E assim como você eu também temo que o meu Adrian seja vítima de homofobia, mas eu nunca o privei de viver. De conquistar a sua independência financeira e emocional.
_ Eu vou dormir, porque amanhã tenho que acordar cedo para trabalhar.
_ Minha filha, você não acha melhor rever e...
_ Eu já disse que não, pai! Basta deste assunto.
Andréia levantou-se e foi para o corredor, com a intenção de ir para o quarto, mas parou em frente ao quarto do filho.
Entrou e Victor, que estava sentado na cama, com as costas apoiadas na cabeceira, virou o rosto na direção oposta da mãe.
_ Boa noite, anjinho. Eu te amo muito. Você pode ficar com raiva agora, mas um dia irá entender.
Victor permaneceu em silêncio, cruzando os braços. Andréia beijou o seu rosto, o cobriu e saiu do quarto, apagando a luz.
_ Bons sonhos, meu amor._ disse antes de fechar a porta.
Virgínia aguardava por Victor na porta do colégio. A adolescente de pele negra e cabelos cacheados sorria na esperança de ouvir do amigo que iria com ela à parada LGBT. Contudo, sentiu-se frustrada quando o amigo revelou que não conseguiu a autorização da mãe.
_ Puxa, Vitinho. Pior que a minha mãe disse que só me deixaria ir se você fosse.
_ A minha mãe me odeia. Só pode. Cara, ela vive pegando no meu pé. Não me deixa ir para lugar nenhum! Ai que saco! Não vejo a hora de fazer de dezoito anos e sair de casa.
_ A minha também é chata pra caralho, mas a sua é muito mais tirana. E agora, amigo? Eu queria tanto ir.
_ Uh, é, Virgínia! Você é hétero! O que quer fazer na parada LGBT? Tá querendo jogar no meu time?
_ Para o seu governo eu não sou hétero.
_ Como não?! Todo mundo sabe que você é apaixonada pelo Robertinho.
_ O B do LGBT não significa biscoito.
_ Então, tu curte meninas?_ Victor perguntou sorrindo.
_ Sim. E o Robertinho não quer nada comigo e eu que não vou perder o meu tempo correndo atrás de macho. Eu é que não vou elevar a autoestima de babaca. E eu nunca fui à parada LGBT, vai que lá eu conheça uma mina maneira ou um carinha legal? Mas a sua mãe estragou tudo.
_ Como ela sempre faz.
Os jovens caminharam em direção à sala de aula. Na entrada, Virgínia parou sorrindo como se tivesse tido uma grande ideia.
_ E se a gente fosse com o seu tio Adrian?! Ele também é gay, é um adulto. Quem sabe com ele a sua mãe deixaria?
Victor abaixou a cabeça entristecido. Entrou na sala, e foi seguido por Virgínia, que sentou ao seu lado.
_ Sem chances. A minha mãe diz que o meu tio é muito irresponsável. Que provavelmente ele vai sumir para ficar com algum carinha e me deixar sozinho. Na cabeça dela vai aparecer um grupo de homofóbicos e me comer vivo.
Virgínia respirou fundo.
_ A sua avó é maneira. Ela pode...
_ Ela já tentou convencer a mamãe e nada.
_ O jeito será você ir escondido.
Victor arregalou os olhos azuis, pois nunca havia feito nada escondido da mãe.
_ Ah, não sei.
_ Deixe de ser covarde, Victor! A gente é adolescente e estamos no último ano do colegial. Daqui a pouco, vamos ter que trabalhar e ter responsabilidades com a faculdade. Precisamos curtir um pouco antes de nos tornamos adultos.
_ Mas ... E se ela descobrir?
_ Não tem como ela descobrir. A sua mãe com certeza não vai à parada. Olha, Vitinho, deixe de ser um cuzão. Se você não fizer isso vai perder a diversão. Vai ser a primeira vez que vamos. Ah, cara. Vamos? Você não vai morrer se contar uma mentirinha.
Mesmo temeroso, Victor se empolgou com a ideia.
_ Tá bom. Mas o que eu vou dizer para a minha mãe?
_ Bom... ah, podemos dizer que você vai fazer trabalho de português lá em casa. Que só pode ser no domingo porque é o dia em que meus pais estão em casa.
_ Boa. Mas e se a minha mãe ligar para a sua para confirmar? Você sabe que minha mãe é dessas.
_ Eu posso pedir para a minha irmã ligar para a sua mãe fingindo ser a minha. Aí a minha irmã diz que precisamos fazer o trabalho de português lá em casa no domingo.
_ Mulher, tu é bandida mesmo, hein.
Virgínia fez um sinal de arminha com a mão e um biquinho.
Estar novamente em terras brasileiras não agradava muito a Ivan, contudo a vontade de rever Gael o fazia suportar o seu incômodo.
Ivan saia do avião feliz por saber que o seu grande amor o aguardava no aeroporto.
Desde que disse a Carla que mudou de ideia e retornaria ao Brasil, Ivan teve que apelar para muitas desculpas para que não trouxesse a namorada, mesmo com as muitas insistências dela.
Ivan não tinha planos de ver o pai de imediato. Se dependesse da sua vontade não o veria nunca, contudo a solicitação da sua presença no Brasil não se dava somente para ver o enfermo, mas também para assumir o posto do seu pai na empresa da família, lugar que estava vago desde o dia em Raúl Matarazzo havia sido hospitalizado.
Reencontrar Gael foi o melhor que aconteceu na sua vida durante todos esses anos desde que estiveram separados. A última vez que se viriam presencialmente foi no enterro de dona Cristiana. Na época, Ivan tinha apenas quinze anos e Gael dezesseis.
Origulhoso, Raúl não permitiu que os jovens trocassem uma palavra, o que foi uma tortura para Ivan, que desejava muito abraçar e tocar o seu amado.
Durante as suas conversas via direct, Gael informou que agora era um homem livre de Raúl. Devido ao seu emprego, comprou una casa e morava sozinho.
Gael não tinha mais uma vida luxuosa como quando vivia na casa de sua mãe, sendo bancado por Raúl. Contudo, era livre e havia assumido a sua sexualidade. E, além disso, estava feliz com a sua profissão.
Os primos trocaram números de Whatsapp e conversavam diariamente.
Ivan aproveitou a situação para dizer que ainda o amava, mas se surpreendeu ao ser ignorado por Gael que puxou outro assunto, fingindo que a declaração de amor nunca foi feita.
Mesmo decepcionado, Ivan mantinha a esperança de que os dois ficassem juntos quando ele retornasse ao Brasil. Cogitava que tudo iria se resolver com uma conversa presencial, terminando na tão sonhada noite de sexo.
Ivan não avisou aos pais que retornaria naquela semana. Planejara ficar livre para aproveitar com Gael, que o ofereceu hospitalidade em sua casa.
Ivan percorria o olhar pelo aeroporto a procura do primo. Temia que Gael desistisse de buscá-lo.
Os sorrisos iluminaram os seus rostos quando os seus olhares se encontraram.
De longe, Gael percebeu o quanto Ivan havia mudado desde a última vez que se viram pessoalmente. Ele estava mais bonito, com a barba e bigode bem aparados, os cabelos lisos e pretos brilhando, mas os olhos ainda eram como os de outrora, castanhos escuros, contornados por cílios longos e negros e um par de sobrancelhas grossas, expressando um olhar doce e ao mesmo tempo misteriosos.
Ivan reparou que Gael estava acompanhado de uma mulher de mais ou menos uns vinte e cinco ou vinte e seis anos, ela era de baixa estatura, cabelos longos e castanhos claros, com os cachos caídos sobre os ombros e usava óculos. Estranhou o fato da moça acenar para ele como se o conhecesse.
Ao se aproximarem, se abraçaram por alguns segundos. Ivan sentia-se tão feliz, que desejou que o tempo parasse.
Segurando o rosto do primo, Ivan o beijou, deliciando-se com a língua de Gael e terminando o beijo com um selinho.
_ Que saudades de você, Gael. Eu nem acredito que finalmente estamos juntos de novo.
_ Não vai me dar um abraço, primo?
Ouvir a moça o chamar de primo, o fez a reconhecer, era Luíza, a irmã de Gael.
_ Caralho, Luíza! Nem te reconheci! Da última vez que te vi tu era uma pirralha!
Ele a abraçou e beijou o seu rosto.
_ É bom te ver. O Gael fala muito de ti.
_ É mesmo? Bem ou mal?
_ Muito mal. Faço a sua caveira todos os dias.
_ Nossa, que maldade com a minha pessoa.
_ Que fala mal nada. É zoeira dele.
_ Vocês dois moram juntos?
_ Não. Eu moro com a minha mãe em Larajeiras e o Gael mora em Niterói. Mas vou passar o fim de semana com o meu irmãozinho. E você? Vai ver o nosso pai?
Ivan a olhou de cima para baixo.
_ Uma coisa de cada vez.
_ Exatamente. E vamos logo, porque temos muito o que fazer hoje. Vamos almoçar naquele restaurante que te falei, Ivan e depois vamos para a casa nos vestimos para irmos à parada LGBT de Niterói.
_ Como assim, Gael?! Eu acabei de chegar de viagem. Preciso descansar.
_ Que mané descansar. Você terá muito tempo pra isso.
_ Pode se acostumando, Ivan. O meu irmão é muito frenético. Tem que ter energia para acompanhá-lo.
Gael pôs os braços sobre os ombros de Ivan e Luíza.
_ Chega de papinho e vamos, que hoje o dia promete.
Ivan sorriu. Não se importava em não poder descansar, pois estava feliz demais ao lado do homem que amava.
O restaurante estava lotado de pessoas barulhentas, o que incomdou Ivan, já que não estava habituado a frenquentar restaurantes da classe média. Tentava se concentrar para ouvir o que os acompanhantes diziam, pois tinha dificuldades de ouvir devido ao barulho.
Luíza olhou para a cicatriz na palma da mão de Ivan.
_ Você tem a uma cicatriz igual a do Gael!
Ivan olhou para a mão sorrindo.
_ Nós fizemos um pacto de sangue quando crianças.
_ Sério?! Que mórbido! O que vocês juraram?
Ivan olhou para Gael sorrindo e percebeu que o primo estava olhando para alguém que estava por trás das suas costas. Curioso, Ivan olhou para trás e viu um rapaz negro sorrindo para Gael que correspondeu o sorriso.
Ivan sentiu-se com raiva pelo o flerte do primo.
_ Gael, você se lembra do nosso pacto?
Gael permanecia olhando para o rapaz como se não houvesse ninguém ao seu lado.
_ Gael! Gael!
_ Oi?
_ Tá com a cabeça na lua?
_ Você disse alguma coisa, primo?
_ Eu te perguntei se você lembrava do nosso pacto.
_ Como não esquecer aquela palhaçada. Por causa disso ainda tenho a cicatriz até hoje. Pra você vê, quando a gente é moleque a gente cada merda.
Luíza riu pondo uma batata frita na boca. Ivan permaneceu sério, pois para ele o pacto de sangue não era uma travessura de criança, sentiu-se decepcionado pelo pacto não ter nenhuma importância para Gael como tinha para ele.
A parada LGBT
Victor estava maravilhado observando todos a sua volta. Achou maravilhosas as Drag Queens desfilando com suas roupas exuberantes e maquiagens chamativas. A música eletrônica vindo do trio elétrico dava ao ambiente um clima de alegria e festejo. Pode ver de perto a bandeira LGBTQIA+ com enorme extensão e com suas cores vivas. O que mais o fascinou foi a liberdade das pessoas expressarem afeto em público sem medo de sofrer violência e represálias. Vê pessoas do mesmo sexo se beijando ao ar livre, para o jovem Victor, era como estar num lugar utópico, o mundo ideal onde a homofobia é inexistente.
Pensou que se Andréia estivesse ali mudaria de ideia em questão do medo de que ele pudesse ser vítima da homofobia na parada LGBT. Sua mãe compreenderia o quanto aquela liberdade fazia bem a ele e aos seus afins.
Virgínia compartilhava do mesmo fascínio do amigo. A garota transbordava alegria. Mostrava a Victor os gogo Boys dançando em cima do trio elétrico.
_ Amigo, quando formos adultos e conquistarmos a nossa independência financeira e liberdade, frequentaremos muitos lugares assim.
_ O meu tio Adrian diz que as baladas LGBT são até melhores.
Virgínia olhou para o amigo sorrindo e o beijou no rosto.
_ Vamos dançar.
Os jovens sairam do calçadão perto da praia, indo para mais próximo do trio elétrico.
Por conta do cansaço da viagem, Ivan não compartilhava da mesma empolgação que Luíza e Gael.
_ Cara, você precisa de alguma coisa para ficar mais animado. Tá a fim de uma balinha?
_ Nem pensar, Gael. Não vou ficar doidão numa rua brasileira. Não quero ser assaltado.
_ Mas alguma coisa você vai beber para se animar.
_ Tô de boa, cara.
Gael comprou três latas de skol beats, uma para cada um.
Na verdade, Ivan não queria estar no meio do tumulto. Desejava estar na casa do primo conversando sobre o relacionamento, fazendo planos para o futuro e transar como se não houvesse amanhã.
Adrian observava alguns homens que passavam na sua frente. Eram jovens que vestiam calças pretas, gravatas borboletas e não usavam camisas, exibindo os seus peitorais musculosos. Ele deslizou a mão sobre o peito de um deles e o jovem sorriu e seguiu andando.
_ Pelo visto vou deixar o meu dinheiro todo aqui hoje. Vou ficar sem peru de natal.
_ Mas vai comer peru a noite inteira._ disse Tânia batendo no ombro do amigo.
A mulher olhou para uma jovem maravilhada.
_ Puta que pariu! Que gatinha!
_ Quem, sapata?
_ Aquela pretinha ali. _ disse apontando para Virgínia, que dançava com Victor.
_ Caralho! Eu não acredito!
_ Você a conhece?
_ Se conheço. É a Virgínia, melhor amiga do meu sobrinho, que é ninguém mais e ninguém menos que o loirinho ao lado dela.
_ Então, desenrola ela pra mim.
_ Tá louca? Ela é uma adolescente e você uma mulher de trinta anos!
_ Ah, olha só quem tá bancando o moralista?! Pensa que eu não sei que você adora um novinho?
_ Falando em novinho, eu vou lá vê o que esse pirralho faz aqui.
Adrian pegou na mão de Tânia e a conduziu até os adolescentes.
Chegou por trás de Victor e sussurrou no seu ouvido:
_ Quer dizer que a bruxa malvada liberou a Rapunzel de sair da torre?
Victor deu um pulo com o susto.
_ Tio! Eu posso explicar.
Adrian o olhava erguendo a sobrancelha, segurando o copo de cerveja na mão.
_ Não me venha dizer que a sua mãe te autorizou a vir, veado. Porque ela mesma me disse que não.
_ Na verdade... Eu...bem...
_ Já sei. Veio escondido.
Victor o olhou como uma criança pega no flagra em uma travessura.
_ Bom, se ela souber vai ficar puta da cara.
_ Só vai saber se você contar.
_ Eu? Contar? Mas nem morta. Você já tem dezessete anos. Está na idade de aproveitar o que há de bom na vida.
Victor sorriu e pulou no colo do tio, beijando o seu rosto.
_ Eu te amo! Você é o melhor tio do mundo!
_ Só vai não vai meter os pés pelas mãos. _ Adrian disse retirando a lata de cerveja da mão de Victor, derramando todo o líquido no seu copo e jogando a lata fora. Sacou da carteira uma nota de vinte reais e entregou a Victor.
_ Se quiser permanecer aqui, nada de bebidas alcoólicas. Vá e compre refrigerante para você e sua amiga.
Quando ambos olharam para o lado se surpreenderam ao ver Tânia e Virgínia se beijando.
_ Rápidas.
Victor sorriu, encolhendo os ombros.
Adrian pôs o braço nos ombros de Victor.
_ Venha, carinho. Vamos aproveitar o dia.
Cansado, Ivan disse ao pé do ouvido de Gael que queria ir embora.
_ Mas já?! Você nem aproveitou nada. Não pegou ninguém. É um desperdício um gatinho como você não beijar na boca.
Ivan sorriu.
_ É mesmo? Então, venha e me...
Antes de concluir a frase que pediria um beijo, Ivan foi surpreendido ao vê Gael afastar a cabeça para olhar um jovem loiro acompanhado de um homem de meia idade e duas mulheres abraçadas. Gael parecia está hipnotizado com a beleza do rapaz.
Ivan girou a cabeça para ver de quem se tratava e para a sua raiva, Victor correspondia aos olhares de Gael.
_ Olha só quem o meu sobrinho fisgou. Gael, o sonho de consumo de todos os gays do Rio de Janeiro. O homenageado em várias punhetas.
_ Você o conhece, tio?
_ Nós veados nos conhecemos. Tá esperando o quê? Vá lá falar com ele, bicha.
_ Ah, não sei. E se ele não me quiser?
_ Te olhando daquele jeito? É lógico que te quer._ respondeu Tânia.
_ Vai, amigo.
_ Eu tenho vergonha. O que eu falaria pra ele?
_ Vamos parar com esse lenga lenga.
Adrian pegou na mão de Victor e o conduziu até Gael.
Ivan olhava para o menino com ódio, mas não foi notado por ninguém.
Para Gael não parecia haver ninguém ao seu lado, somente Victor, que vinham em sua direção.
Adrian deu dois beijos no rosto de Gael.
_ Fala, amorzinho. Quero te apresentar a uma pessoa muito especial. Este é o amado sobrinho Victor.
Gael olhou para Victor sedento de desejo. Com sorriso malicioso segurou na mão do menino, que estava gelada devido ao nervosismo.
_ Muito prazer.
Com a mão livre Gael o puxou pela cintura e com a outra segurou o seu queixo antes de beijá-lo. Bêbada, Luiza batia palmas. Adrian sorria orgulhoso pelo sobrinho ter ficado com o homem mais desejado da parada.
Ivan mirava o casal dando uma tragada no cigarro. Sentia o coração dilacerado de tristeza e ciúme.