Capítulo 8
A morte do grande empresário Raúl Matarazzo foi noticiada nas colunas da alta sociedade. Políticos, grandes líderes religiosos e empresários compareceram ao funeral.
Gael não queria estar no velório de um homem que nunca suportou, mas por solidariedade a irmã, ele fez esse sacrifício.
Luíza chorava muito. Apesar de Raúl não ter sido um pai amoroso, a moça sentia pela morte dele.
Ivan permaneceu com o olhar inexpressivo, vazio como se não tivesse alma. Muitos o dirigiam palavras de consolo por acreditarem que o rapaz estava sofrendo.
Contudo, Luíza era a única que via a frieza do irmão.
_ É estranho o Ivan presenciar a morte do meu pai e não ser capaz de derramar uma lágrima. _ Luiza comentava com Gael olhando para Ivan.
_Não há nada de estranho. O Ivan passou anos vivendo na Europa. Deve ter aderido a discrição dos europeus.
Luíza chorava com a cabeça encostada no ombro de Gael, olhando para o corpo de Raúl deitado no caixão. Devido ao tratamento que recebeu da funerária, a aparência do corpo não estava tão decadente. Contudo, não tinha expressão serena que geralmente os mortos possui. A expressão era severa e arrogante, como sempre foi durante a vida.
Sônia entrou na capela com ar de superioridade. Vestia um longo vestido negro, e usava óculos escuros, os cachos louros caiam pelos ombros e trazia na mão um lenço para fingir choro.
A família Matarazzo manteve o adultério de Sônia e a separação no casal em segredo para evitar escândalos. Por isso, Sônia foi tratada por todos como uma viúva desolada, que precisava ser amparada com palavras reconfortantes.
Com uma atuação digna de Óscar, Sônia chorava perto do caixão do marido, declarando lamentar a sua morte e sentir saudades.
Contudo, internamente, estava feliz com a morte de Raúl. Sentiu-se sortuda do empresário morrer antes do divórcio, e com isso, ela acreditava ser uma das beneficiadas do testamento junto com o filho.
Entediado, Ivan caminha até a área externa para fumar e foi seguido por Sônia.
Ivan fumava com a cabeça inclinada para cima e teve o seu cigarro tomado por Sônia, que o fumou. Ali distante das outras pessoas ela retirou a máscara de viúva triste e sorria de um jeito arrogante.
_ Você pensou que ia se livrar de mim para ficar com o dinheiro do seu pai todo pra você? Não foi dessa vez, coração._ Sônia liberou a fumaça no ar.
_ Saiba que voltarei hoje mesmo para a casa. E depois do que você fez não tem mais clima nós dois vivermos sob o mesmo teto.
_ Você tem razão, Sônia. Não viveremos sob o mesmo teto._ Ivan pegou o cigarro de volta e deu uma tragada.
_ Saiba que vou fazer de tudo para que você não pise na empresa. Vou usar todas as minhas influências com os acionistas para que não te aprovem na presidência da empresa. Como se comportou como um mal menino, será castigado pela mamãe. _ Sônia disse segurando o queixo de Ivan, que retirou a mão da mãe.
_ É mesmo? E quem você pretende por na presidência? Você ou um dos seus machos?
Sônia sorriu.
_ Ivan, você se acha muito esperto, né? Se esqueceu que saiu de dentro de mim e que o seu veneninho é herança da minha genética. Não seja idiota de ficar no meu caminho. Bom, nos vemos no dia da leitura do testamento.
Sônia caminhou com intenção de voltar ao funeral.
_ Não tem tratamento nenhum.
Sônia parou e olhou para Ivan.
_ Do que você está falando?_ perguntou sorrindo.
Mantendo o olhar do lado oposto da mãe, Ivan permaneceu fumando e disse sem olhá-la:
_ O Raúl morreu sem um centavo. Ele passou tudo para mim antes de morrer, por isso não há testamento nenhum.
_ Você está blefando._ Sônia disse entre os dentes.
_ O papai te pregou uma peça, mamãe. _ Ivan disse sorrindo.
_ Isso não é verdade.
Ivan virou para a mãe, encolheu os ombros e saiu, deixando Sônia sem reação.
Gael se aproximou de Ivan e o abraçou, dando um beijo no seu rosto.
_ Sinto muito por você. Meus pêsames.
_ Obrigado.
_ Se tiver alguma coisa que eu possa fazer por você, pode pedir.
Ivan o olhou com ternura. A esperança de ter Gael de volta reacendeu no seu coração.
_ Eu preciso que vá comigo a um lugar.
_ Onde?
_ É uma surpresa.
_ Eu não sou muito fã de surpresas._ Gael disse com um sorriso que sempre encantou Ivan.
_ Confie em mim. Eu vou te buscar amanhã a tarde. Prometo que não vou te morder.
_ Que pena. Eu gosto de mordidas.
Ambos sorriram. Contudo, o sorriso de Ivan foi apagado ao ver Victor e Virgínia se aproximando dos dois.
A garota havia lido numa revista sobre a morte de Raúl e quis ao funeral para ver os milionários de perto. Para convencer Victor a acompanhá-la Virgínia argumentou que ele poderia aproveitar a situação para consolar Gael pela morte do tio. Os jovens usavam casacos para ocultar o uniforme escolar, pois tinham matado aulas para ir ao funeral.
_ Meus pêsames, Ivan._ Victor disse sem jeito, pois não se sentia confortável perto de Ivan.
O moreno agradeceu de forma seca, tentado conter o ódio.
Mais ousada, Virgínia o abraçou.
_ Sinto muito pela sua perda. A minha avó também morreu há uns anos atrás e eu sei muito bem o quanto você está sofrendo.
Victor abraçou Gael.
_ Eu sinto muito._ disse sussurrando no ouvido de Gael, que pôs a boca no ouvido de Victor e disse:
_ Não precisa sentir. O meu tio era um merda.
Victor sorriu e o abraçou para o aumento do ódio de Ivan.
Durante o enterro, Gael e Victor permaneceram de mãos dadas como se fossem namorados. Todos os lançaram olhares criticos e Gael adorou a sensação de incômodo que causava naquelas pessoas que não suportava.
Ivan olhava o caixão descendo para a cova imaginado atirar Victor lá dentro.
Na sua imaginava ,Victor bateria a cabeça com tanta força, que o sangue jorraria pela sua cabeça e banharia o caixão de Raúl.
Sônia não prestava atenção nas palavras de homenagem que um amigo dizia sobre Raúl. As palavras de Ivan batiam em sua mente como pedregulhos pontiagudos. Lamentou não ter sido ela mesma que não matou o marido. O seu ódio aumentou a ver a irmã chegar.
Fernanda secava as lágrimas com um lenço e trazia nas mãos uma rosa vermelha, que jogou sobre o caixão.
Discreta, Sônia se aproximou da irmã e sussurrou no seu ouvido:
_ Como se atreve vir aqui sendo a amante? Você é uma piranha muito baixa.
Sem olhar para a irmã, de uma forma discreta Fernanda respondeu:
_ Você é tão piranha quanto eu. Pensa que não sei que traiu o Raúl?
Luíza temeu que as duas brigassem e pediu a Gael para intervir.
_ E por que eu faria isso? Este enterro está um tédio. Se essas duas saíssem na porrada daria uma animada no ambiente.
Luíza o direcionou um olhar repreendedor.
Gael olhou para Victor e Virgínia, apontando para a mãe e a tia.
_ Estão vendo aquelas duas loiras de preto? São a minha mãe e a minha tia. A minha tia é a viúva do defunto e a minha mãe era a amante.
Virgínia abriu a boca espantada.
_ Gael, pare de falar da nossa vida particular para eles!
_ Todos aqui sabem disso, Luíza. A pessoas gostam da putaria velada. Por isso fingem que não sabem.
_ Mas elas são muito educadas. Se fosse onde e eu o Victor moramos elas já teria se lambrado na porrada.
_ E isso seria bem mais divertido.
Virgínia e Gael sorriram. Victor prefiriu manter a seriedade por respeito a Luíza.
_ É. Nem parece que faz dezoito anos que estive aqui pela última vez._ Ivan dizia a Gael dando voltas pelo antigo quarto da avó, no sítio.
Gael parou perto da janela e ficou observando as árvores.
_ Isto aqui ficou às traças desde que a vovó morreu._ Gael disse olhando em volta.
Ivan olhou para o primo sorrindo.
_ Você lembra de como éramos felizes aqui durante as férias? Subiamos nas árvores, nadavamos no rio e tudo era diversão. Eu sinto tanta falta daquele tempo.
Gael sentiu-se desconfortável, pois já imagina o rumo que aquela conversa teria.
O olhar de Ivan mudou de risonho para triste.
_ Eu me lembro daquele dia como se fosse ontem. Os gritos do meu ainda ecoam na minha cabeça. Eu ainda sinto a fivela do cinto machucando a minha carne. Parece que o tempo não passa pra mim.
Gael se aproximou e o abraçou.
_ Você precisa superar isso. Já se passou tanto tempo. Toda essa mágoa está te fazendo muito mal.
_O que mais me dói não são as palavras humilhantes do meu pai ou a surra que ele me deu. O que mais me dói foi o fato de ter sido obrigado a me afastar de você. De não ter vivido aquele amor tão bonito que tínhamos um pelo o outro. Eu te amo tanto.
Gael beijou a testa de Ivan.
_ Não ama não. Você ama uma lembrança de um Gael de anos atrás. Você não conseguiu superar ter sido negado algo.
Ivan o olhou irritado.
_ Isso não é verdade! Eu odeio quando você menospreza o meu amor por você.
_ Eu não estou menosprezando nada. Ivan, você sempre foi um menino rico e foi muito mimado pelos meus tios. Sempre teve tudo que quis e quando te foi negado algo você não aceitou.
"Claro que a forma como tudo aconteceu foi cruel pra ti. Isso deve ter ajudado a piorar mais as coisas na sua cabeça. "
_ Eu pensei que você fosse publicitário e não psicologo. _ ironizou Ivan.
_ E aí que quero chegar. Você poderia fazer terapia. Isso te ajudaria muito. Ivan, você é um cara legal e precisa superar tudo isso.
_ Eu não estou louco.
_ Eu não disse isso. Só acho que você precisa de ajuda.
Ivan segurou o queixo de Gael.
_ Eu preciso de você.
Gael se afastou. Desejava ir embora.
_ Eu te amo, Gael. Eu sei que você tem medo de se envolver numa relação, mas eu posso te fazer feliz.
_ Ivan, eu não tenho medo de me envolver em uma relação. Eu simplesmente não quero me envolver com ninguém. Cara, você não está legal. A morte do seu pai, as lembranças, este lugar nada disso está te fazendo bem. Vamos embora. Eu te levo para casa e você descansa.
Gael tinha razão ao dizer que Ivan sempre fora mimado. Os pais não o davam carinho, amor e atenção, mas substituíam tudo isso por suplir todas as vontades materiais do filho. Devido a isso, Ivan quase nunca era contrariado e não sabia lidar quando tinha um desejo negado.
_ Eu não quero ir pra caralho de casa nenhuma._ Ivan disse irritado._ Eu quero resolver a nossa vida. Eu te amo, porra! Herdei todo o dinheiro do meu pai. Nós podemos viajar pelo mundo, eu posso realizar todos os seus sonhos, meu amor.
_ Ivan, eu não sou um produto que você pode comprar quando tem vontade. Já basta deste assunto. Eu não estou a venda.
"Nós crescemos e o aconteceu ficou no passado. Esquece tudo isso. A sua insistência está me irritando."
_ Por que você é tão cruel?
_ Eu cruel? Ivan, eu tenho o direito de dizer não.
Ivan o olhou com raiva.
_ É por causa daquele idiota loiro?
_ Não. O Victor não tem nada a ver com a minha decisão. Eu não quero. Será que é difícil você entender isso?
_ Tudo bem.
_ Vamos embora, Ivan.
_ Você vai ver a sua família hoje?
_ Sim. Pretendo vê-las.
_ Então, dê um recado a elas. Diga que elas têm uma semana para saírem do apartamento.
_ O quê?!
_ O apartamento onde elas vivem é a minha propriedade. Tenho planos para ele.
_ Você tá maluco?
_ Não. O meu pai me passou todos os bens antes de morrer. Isso inclui o apartamento que a sua irmãzinha e mamãezinha moram. Ele temia que você pusesse as mãos em qualquer coisa comprada com o dinheiro dele.
_ E você está querendo prejudicar a minha família porque eu não quero ficar contigo?! Ivan, você é um doente! Enfie o apartamento no seu cu!
Gael saiu revoltado. Percebeu que não foi somente ele que mudou durante esses dezoito anos, Ivan também não era mais o mesmo.
.
Luíza tremia com a ordem de despejo que recebera. Tanto ela quanto a mãe ficaram surpreendidas com a decisão de Raúl e as atitudes de Ivan.
Durante aqueles dias, as mulheres perceberam que os seus cartões de créditos foram cancelados e Luíza foi chamada na administração da faculdade para esclarecer o motivo da falta de pagamento.
Fernanda quis brigar com o sobrinho. Mas foi detida por Gael.
_ Nós estamos fodidas! Eu não acredito que o miserável do Raúl teve a coragem de fazer isso comigo e com a própria filha! Ah, se ele não tivesse morrido eu mesma matava.
Luíza levantou do sofá.
_ Eu vou lá falar com o Ivan. Nós sempre nos demos muito bem. Eu não tô entendo o porquê ele está fazendo isso comigo.
_ É por minha causa. O Ivan está com raiva porque eu o rejeitei e ele está usando vocês duas para me atingir.
_ Como assim, Gael?! _ Exclamou Luíza._ Que loucura é essa?
_ Eu vou resolver essa situação. Vocês podem ir para a minha casa e vou ver se dou um jeito de pagar a sua faculdade.
_ Meu filho, o mundo está tão mudado. Estamos vivendo em tempos modernos, onde tudo é permitido. O seu primo é um rapaz bonito, jovem e muito rico. Seria um ótimo partido para você.
Gael revirou os olhos para cima.
_ Engraçado mamãe, que você sempre criticou a minha homossexualidade. Tem até vergonha dela. Agora está querendo que eu fique com Ivan por interesse financeiro. Como o mundo dá voltas.
_ Você tá maluca, né mãe? Tá empurrando o Gael para o louco do Ivan? Você pirou?
_ Bom, eu acho que...
Antes que Fernanda completasse a frase, Gael saiu batendo a porta.
Ivan foi surpreendido ao receber a visita de Gael no escritório da empresa.
_ Que bons ventos o trazem aqui, primo?
_ Deixe de ser cínico, Ivan. Como pode usar a Luíza para me prejudicar? O seu problema é comigo. E além disso, ela também é sua irmã! O que você tem no coração?
_ Tenho amor por você. _ Ivan disse sorrindo.
_ Ela não tem culpa de nada, Ivan.
_ Eu sei. Mas por sua culpa ela vai ficar sem teto e sem estudos. Sinto muito.
_ Minha culpa?! É sério isso?
_ Sim, benzinho. Sua culpa. Se você quiser que a sua irmã estude e continue no apartamento, já sabe o que deve fazer.
Gael sentiu um misto de raiva e nojo de Ivan.
_ Muito bem. Eu já tenho a resposta. Vá hoje à noite na minha casa. Precisamos conversar.
Gael saiu sério.
Ivan se jogou na cadeira giratória e sorriu sentindo -se vitorioso.
A noite, Ivan foi à casa de Gael levando consigo uma garrafa de vinho de cem anos, que retirou da adega da sua casa. Estava esperançoso de ter o primo em seus braços.
Ao entrar na sala, foi surpreendido com as presenças de Fernanda, Luíza e alguns amigos de Gael, pois Ivan pensava que os dois estariam a só.
Fernanda e Luíza o olhavam com ódio.
Gael desceu as escadas vestido de branco e tinha nos lábios um sorriso irradiante.
_ Que bom que vocês estão todos aqui. Fico muito em feliz em recebê-los.
"Bom, todos aqui sabem que eu não sou de compromissos. Nunca gostei dessas regras sociais de que um relacionamento deve ser monogâmico. Sempre fui da zoeira mesmo. Mas, de uns dias para cá as coisas mudaram. Eu conheci alguém muito especial que me fez vê a vida de outra forma. Que me fez perceber que o amor vale a pena. Eu quero que todos vocês, amigos e familiares, conheçam o meu amorzinho. Victor, pode descer."
Ivan arregalou os olhos ao ver Victor descendo as escadas.
Gael o segurou pela mão.
_ Gente, este é o Victor, o meu namorado.
_ Eu sou o seu namorado?_ Victor perguntou sorrindo surpreendido.
_ Sim, meu anjo. Diante de todos eu gostaria de saber se você aceita namorar comigo?
Victor o abraçou e o beijou.
_ Claro que sim! Nada me faria mais feliz, meu amor.
Ivan não conseguia esconder a raiva e lançava um olhar furioso para o casal. Gael o olhava sorrindo, beijando o a boca de Victor.