ESCRITO POR KLEBER VIANA:
Eu odeio a Prefeitura de Manaus. Estamos há dias esperando um documento para a validação do título do apartamento que ganhamos do projeto "Viver Melhor". Faltava apenas um detalhe para pegarmos às chaves. Odeio esperar, e também, não quero mais dar trabalho para o Santino. A nossa relação está em um lugar perfeito, nada pode estragar isso.
Passei toda manhã no escritório da Superintendência da Habitação. Eram 12h40 e não comi nada o dia todo. A mamãe não pode vir, pois, havia tirado muito dias de folga, ou seja, sobrou para o Kleber.
As secretárias andavam de um lado para o outro, tão perdidas quanto eu. Peguei o celular e para xeretar as redes sociais dos meus amigos, pelo menos, ajudou a passar o tempo.
A maioria dos moradores do rip-rap já haviam conseguido um apartamento através do projeto. Aparentemente, nós seríamos os últimos, algo que virou rotina. O que salvou a minha sanidade naquele dia foi o meu namorado. A gente conversou sobre um filme que assistimos na última noite, uma comédia romântica.
A história girava em torno de um casal que mudava de corpo. Depois de muita confusão, os dois conseguiam voltar para os seus respectivos corpos. O coitado do Santino ficou com o nariz entupido de tanto chorar. Eu queria ser assim, tipo, emotivo, principalmente, por coisas bobas. Infelizmente, nasci um ogro sem coração.
***
Amorzão:
O que vamos fazer neste findi?
Amorzinho:
Não sei. Tenho a seletiva de natação. Vai ser sábado. Esqueceu?
Amorzão:
Claro que não, mas o que vamos fazer depois. A Gio sugeriu um churrasco. Ela disse que o Yuri ia pedir nossa ajuda para alguma coisa. Deve ser uma surpresa para o Zedu.
Amorzinho:
Ah sim. Eu ouvi ela tagarelando sobre isso. Pode ser bebê. Ei, depois da competição, o meu mozão vai fazer uma massagem?
Amorzão:
(selfie segurando um creme para massagem)
Amorzinho:
Te amo, demais.
***
Sou um cara ativo. Sempre pratiquei esportes e participei de eventos esportivos. Lamentavelmente, por causa do meu pé podre, precisei dar uma pausa em atividades mais pesadas, como o futebol e a corrida. Graças a Deus, consegui me encontrar na natação e o Santino tem sido o meu principal incentivador.
Eu tenho medo de perder esse relacionamento. A cada dia que passava, o meu namorado conseguia me cativar um pouco mais.
Enquanto esperava, abri o bloco de notas e digitei uma lista de coisas positivas que o Santino fazia crescer dentro do meu coração.
***
MOTIVOS PARA AMAR O SANTINO
1 - Meu incentivador número 1;
2 - Gosta das mesmas músicas que eu;
3 - Chora com animações e filmes românticos;
4 - É um ótimo massagista;
5 - Aprendeu a contornar todas minhas manhas;
6 - Não mede esforços para me deixar feliz;
7 - Tem cara de bobo, mas na cama....;
8 - Adora fazer cartazes para torcer por mim;
9 - Fica caladão quando está chateado;
10 - É um ótimo observador e me fala sobre coisas que eu não percebo (quer cumplicidade melhor?)
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Ia continuar a lista, mas, aparentemente, a moça da superintendência resolveu trabalhar e chamou meu nome. Desculpa, eu não sou babaca, apenas estou faminto. Por favor, não me julgue.
Documentos e mais documentos. Eu comecei a ficar receoso com o rumo da nossa conversa, porém, pela graça divina, ela entregou a chave do apartamento e a documentação. Minhas mãos ficaram tremulas quando percebi o que aquele momento significava para mim. Depois de anos morando em um lugar insólito, teríamos oportunidade de viver em paz.
Liguei para a mamãe que vibrou de alegria quando soube da novidade. Agora, teríamos que comprar os móveis e preparar a nossa nova morada. A segunda pessoa que soube da conquista foi o meu namorado, ele ficou feliz e precisei ser durão para não chorar (olha que nem sou emotivo).
— Kleber, que notícia maravilhosa. Puxa, uma pena que você não vai mais ficar perto de mim. — Santino disse temendo que a distância pudesse atrapalhar a nossa relação.
— Você não vai se livrar tão fácil de mim, Santino Peixoto. Ainda vai ter a sua dose diária de Kleber. — falei.
Eu estou sonhando? Só pode. Estou trabalhando, namorando (um cara maravilhoso) e consegui uma casa. Será que eu entrei sem querer na fila da boa sorte? Bem, ainda não sei a resposta, mas estou torcendo para que a sorte continue ao meu lado, principalmente, com a minha primeira competição se aproximando.
Apesar de toda sorte que obtive nos últimos meses, as coisas foram se intensificando também. As aulas ficaram mais puxadas, os trabalhos em grupo começaram a surgir do nada e a demanda de trabalhou aumentou. Não estou reclamando, longe de mim, porém, às vezes, queria que o meu dia tivesse 48 horas.
A semana passou correndo e, finalmente, tivemos a autorização para visitar o apartamento. Para minha surpresa, a gente ficou em um bloco localizado no Centro da cidade, ou seja, uma vitória para nós. O Santino nos ajudou na "mudança", no caso, as malas e o Thor, que adorou a casa nova, além da TV e ar-condicionado que salvamos da enchente.
— Tá feliz, garotão? — perguntou o Santino afagando os pelos de Thor.
— Ele está louco para marcar o território. — comentei deixando todas as mochilas no chão.
— Filho, o meu chefe vai ajudar na instalação do ar-condicionado. Por enquanto, vamos dormir com o ventilador mesmo. — explicou mamãe olhando em volta, com certeza, pensando nas mudanças que faria no espaço.
O apartamento não era tão grande, mas possuía dois quartos e uma área para o Thor. Na entrada havia um tapete escrito "Bem-Vindo ao Lar", logo depois, uma escada pequena com quatro degraus. O primeiro cômodo era a sala, pequena, porém, ventilada. Depois tinha um corredor que dava acesso aos quartos e a cozinha. Por fim, uma porta levava à uma área que seria o quarto do Thor.
Isso era mais que o suficiente para nós. As paredes eram brancas e haviam falhas em algumas partes, a tinta parecia ser antiga. Arrumar tudo não seria difícil, então, preparei uma lista mental dos materiais necessários.
Como de costume, na primeira noite, eu dormiria com a mamãe. Colocamos o ar-condicionado antigo no quarto principal e um colchão de casal no chão. O Santino nos ajudou bastante, afinal, tenho que utilizar a força do meu homem para algo produtivo.
— Por enquanto vai servir. — falei ligando o ar-condicionado e olhando em volta.
— Sim. — ele concordou me abraçando por trás.
— Obrigado, por sempre estar ao meu lado. — agradeci sorrindo.
A compra dos novos móveis acabou comigo. A mamãe adorou a peregrinação e conseguimos comprar o básico como, por exemplo, o fogão, geladeira, camas, armários e um sofá. Fabriquei também uma casa nova para o Thor, pois, na área de serviço não havia proteção contra chuva.
Já a pintura do apartamento ficou por minha conta e, claro, que o meu namorado maravilhoso ajudou e, cara, como ele ajudou nesse processo. A gente conversou bastante e ensinei o Santino tudo sobre pintar uma casa.
Gosto de passar esses momento de qualidade com o Santino. Ele é muito inexperiente e sempre faz perguntas bobas, porém, acho adorável a forma como os seus olhinhos brilham enquanto aguarda pela resposta.
O último lugar que pintamos foi o meu quarto. Optei por uma cor mais calma, um verde pistache, quase em tom pastel. Sempre associei o verde à natureza e como amante de caminhada ao ar livre achei uma boa ideia.
Ao terminar, a gente estava completamente exausto. Acabamos tomando banho juntos para economizar tempo e o Santino pediu para dormir comigo. Eu adoro ficar abraçadinho com ele até pegar no sono, porém, no dia seguinte, sempre estamos em posições completamente estranhas.
Em dia de competição costumava a fazer um dos meus shakes de planta, como diria a Dona Bruna. Mas, com o Santino em casa, acabei preparando algo mais nutritivo. Acordei às 6h e fui na padaria e comprei pão de queijo e pão massa grossa, vulgo pão francês. Quase morri quando pedi frios, R$ 7 por 5 fatias de queijo? Ok, o meu namorado vale o esforço, além de que o coitado trabalhou bastante.
Voltei e preparei um piquenique "in door", ou seja, dentro de casa. Entrei no quarto e Santino não estava mais dormindo. O encontrei jogando algo no celular. Passei a mão em seus cabelos e o chamei para tomar café. Ele ficou todo feliz quando viu a mini surpresa que preparei.
— Que lindo, mozinho. — ele falou sentando no chão e deixando o celular de lado.
— Gostou? O primeiro café da manhã na casa nova. Em grande estilo.
— Parabéns, vocês merece. E a Bruna?
— Ainda dormindo. Ela não costuma acordar cedo em dia de folga. — expliquei, sentando ao lado de Santino.
— Precisamos nos apressar, né? A competição começa às 9h. — Santino alertou olhando no relógio.
— Sim, mozão. Por isso, não vou comer muito, mas pode aproveitar.
No grupo da faculdade, a notícia número um virou a minha primeira competição. Vários colegas garantiram um lugar na arquibancada. Fui de carona com o Santino, uma vez que iríamos para a casa do Yuri e, provavelmente, jantar fora para comemorar ou lamentar a minha performance na natação.
Dessa vez, a direção da faculdade escolheu um local diferente para a disputa, a Vila Olímpica de Manaus. Graças a Deus, que consegui treinar duas vezes lá. É bom conhecer o ambiente que vamos competir. Ao chegar no lugar da prova, algumas pessoas já estavam lá, como a Giovanna, André, Enzo, Yuri e Zedu.
— Kleber, por favor, eu quero uma vitória. Não vou arriscar minha pele de princesa no sol de Manaus à toa. — orientou Giovanna segurando um enorme guarda-sol rosa.
— Pode deixar, senhora. Vou fazer tudo ao meu alcance. — prometi, fazendo o meu papel de competidor feroz.
Com uma torcida dessas, o que pode dar errado? Me despedi dos meus amigos e tive uma conversa com o Santino. Ele me abraçou e desejou toda a sorte do universo, não precisava mais de nada para dar 100% de mim na competição. Entreguei minha bolsa para ele e me dirigi para o local onde estavam os outros atletas.
É engraçado estar em um ambiente de disputa. Todos se tratam de forma cordial, mas, lá no fundo, esperam que seus colegas de deem mal. Ah, não vou negar, sou um cara super competitivo e na natação não seria diferente. Cumprimentei os meus colegas de clube e o nosso técnico passou a ordem de entrada.
Eu participaria de três provas. A primeira seria de 100m, nado costas; em seguida, 200 metros na prova medley (quatro estilos) e um revezamento 4x 100 em nado livre. Fui até o chuveiro, tirei o roupão e me molhei. O meu coração começou a ficar um pouco mais acelerado, porém, toda vez que olhava para a arquibancada via pessoas queridas torcendo por mim.
O técnico chamou meu nome e pediu para me direcionar até a raia. Seria a competição de nado costas. Essa é uma performance difícil e exaustiva, ainda mais no início que devemos usar o peso do corpo para ter impulso. Todos os competidores pularam na piscina e seguraram em suas respectivas raias. Essa prova, a gente inicia dentro da água, usando a parede da piscina como trampolim.
Nessa prova, apenas dois alunos representam a Ufam; o Rogério, um cara que quase não conversei nos treinos, e claro, eu. O juiz responsável pede para que fiquemos em posição e aguardamos o sinal.
— Competidores! Atenção! 3, 2 e já! — gritou.
Não pensei em nada. Queria fazer um bom trabalho. Apesar de cansativo, a primeira parte da prova era silenciosa, pois, nadávamos dentro da água. Consegui manter um bom tempo assim, mas quando perdi velocidade precisei emergir e nadar usando os braços para pegar velocidade.
O céu estava azul e quase não vi o sol. Alcancei a raia do outro lado e mergulhei para pegar impulso e repetir o mesmo processo. O meu coração parecia sediar um festival de tambores. Usei todas as minhas energias para uma boa colocação e, finalmente, cheguei ao final. Contei de um até três e emergi, como sempre, o primeiro rosto que vi foi do meu treinador.
— Isso, Kleber!!! — gritou o treinador me tirando da água e dando um forte abraço, nem se importou em se molhar. — Ufam no primeiro e segundo lugar!!!
— Eu fui o primeiro? — perguntei sorrindo e tirando os óculos de proteção.
— Parabéns. — soltei Rogério pegando no meu ombro.
Voltei os olhos para a arquibancada e vi meus amigos celebrando. O Santino estava lindo segurando o cartaz escrito: "VAI, MOZINHO". Ganhei a primeira parte, entretanto, muitas águas iriam rolar e a principal prova seria de revezamento.
— Kleber. — disse Kiko me assustando.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei, revirando os olhos.
— Estou ajudando a equipe de natação. Parabéns pela vitória. — Kiko falou me abraçando, um abraço longo e apertado.
O que foi isso? Um abraço. Eu não tive tempo para reagir, apenas afastei e tomei uma distância segura do Kiko. Por sorte, o técnico apareceu e me resgatou dessa situação embaraçosa. Vamos lá, Kleber, você não pode perder o foco. Não posso deixar o Kiko me desestabilizar.
— Puta merda. — pensei, enquanto ouvia a orientação do técnico para a prova de revezamento.