Eu não tenho roupa para encontrar o Santino. Graças aos céus, próximo a minha casa tem uma senhora que vende roupas usadas e, apesar do meu orçamento apertado, decidi comprar uma roupa "nova". Vou na opção mais segura, o casual. Escolhi uma camiseta de botão e uma bermuda, eles combinariam com o meu sapatênis. Voltei correndo para casa, não queria atrasar no primeiro encontro com o meu futuro namorado.
— Olha, ele tem um encontro hoje! — exclamou mamãe, prestando atenção nas sacolas que eu carregava.
— Para. Pode parar. — pedi, sabendo que ela me encheria de perguntas indiscretas.
— Elé é um... como você fala? Urso? Vou conhecer meu futuro genro? Ele é mais velho? Espero que não seja um desses velhos pervertidos...
— Mãe! Para. Cruzes. E as roupas são usadas. — expliquei tirando as peças da sacola. — Acha que dá para ver?
— Meu filho, pare com isso. Você é lindo. A roupa é apenas um detalhe. E sua roupa nova é linda. O seu date vai adorar. Então, a missão passear com o Thor é minha, né? — ela questionou respirando fundo.
— Completamente. Vou tomar banho.
Após um banho demorado, vesti a roupa e passei uma colônia. Um fato sobre mim? Sou alérgico a perfumes, não todos, porém, fiquei traumatizado no dia que fui ao hospital por causa de Biografia da Natura. Então, evito ao máximo usar perfumes fortes. Avisei ao Santino que já estava pronto, ele enviou o localização e sabia a região que o meu urso morava.
À noite, o trânsito de Manaus costuma ficar caótico, porém, conhecia alguns atalhos que facilitavam a minha vida. Demorei menos de 10 minutos para chegar na localização enviada pelo Santino. Estacionei a moto e tirei o capacete para chegar no celular se o lugar estava certo.
— Cacete! — soltei, colocando o capacete e indo em direção a portaria.
Enorme! Isso é o que pensei quando entrei no condomínio que o Santino mora. São três portarias para chegar na casa dele. Três! Que tipo de lugar é esse? Uma prisão. As casas brigam para decidir qual é a maior. Como um cara tão legal pode viver em um mundo tão esnobe?
Tá, estou sendo muito precipitado. O ambiente não forma o caráter de uma pessoa. O meu pensamento é interrompido com a quantidade de veículos que vejo estacionados na frente das mansões.
Eu sou apaixonado por carros e motos. No caminho até a residência do Santino quase pirei. O motivo? Aston Martin, Lamborghini, Ferrari, Pagani e Zenvo. Confesso que parei duas vezes para registrar aquelas "maravilhosidades" automobilísticas. A maioria deve servir apenas de enfeite para os seus donos, pois, levar uma preciosidade dessas para ruas como de Manaus pode ser complicado.
Soltei um palavrão quando vi o Santino me esperando na frente de uma mansão. Ele estava bonito como sempre, porém, fiquei com receio de não alcançar as expectativas dele. A gente conversou um pouco, o idiota do Sérgio apareceu, então, precisei segurar a barra para não socar aquela cara de mauricinho.
Depois da sessão de raiva gratuita me recompus e pensei no meu crush ursino. Eu me considero um cara romântico, gosto de assistir a vídeos fofos nas redes sociais e ficar pensando em coisas românticas. Porém, não sou o tipo de pessoa que faria um flashmob para o namorado.
Para o Santino, pensei em algo simples. Não que ele não mereça algo grandioso, entretanto, a moto tomava boa parte do meu salário. Queria muito poder levá-lo para um lugar bacana, aqueles que tem uma atendente na porta e cinco garçons para servir, mas não tenho grana para tal.
Então, você deve estar perguntando: Kleber como você vai impressionar o Santino? Amigo, eis que te responde: com simplicidade. Posso até não ter dinheiro, entretanto, Deus me abençoou com o dom da criatividade. Passei o dia planejando o encontro perfeito. A mamãe ajudou um pouco não posso negar.
Serão duas paradas diferentes. Em cada uma dela, planejava mostrar o melhor do Kleber para o meu futuro namorado. Vai ter música, comida e um tempo à sós. Espero que o Santino não seja esse tipo de cara fresco, porque pode melar um pouco o nosso encontro.
No percurso para o primeiro lugar, consegui sentir os dedos do Santino acariciando minha barriga. Esse gesto traz boas recordações do Ceará. Quem diria, o carinha que eu me interessei mora na mesma cidade que eu. E a melhor parte? Ele está na garupa da minha moto.
Não demorou muito para chegar. Como sempre, tenho dificuldade em descer da moto. Tirei o capacete e esperei o Santino sair para abrir o compartimento do banco. Primeiro, coloquei o meu capacete e, em seguida, o dele.
— Onde estamos? — perguntou Santino, olhando de um lado para o outro e parecendo um pouco confuso.
— Calma, eu não vou te sequestrar. Ainda. — soltei, talvez a piada tenha saído em um timing ruim, pois, o Santino soltou uma risada abafada. — Essa é uma quermesse. A amiga da mamãe falou sobre esse evento.
— Hum. — a reação do Santino foi ambígua, então, fiquei preocupado.
— Então, você é católico? — ele questionou levantando a sobrancelha direita.
— Não. Não. É que... eu... eu...
— Ei, não precisa pensar tanto. Estou feliz em estar aqui com você. — Santino afirmou pegando no meu ombro e apertando.
Aquelas palavras soaram como música em meus ouvidos. O Santino estava feliz, eu fui capaz de fazê-lo feliz. Eu não precisava de muito para ganhar o meu dia. Realmente, sentia uma conexão com ele, diferente do Kiko que o amor foi surgindo aos poucos. Com o Santino eu podia ser o Kleber de verdade, sem máscaras ou disfarces.
De acordo com uma enorme placa, a quermesse era para ajudar nas obras da Paróquia São José Operário. O Santino continuava com um olhar curioso, sabe quando você está perdido e olha para todos os lados. O evento estava acontecendo em uma quadra de futebol de barro e as barracas distribuídas de forma organizada.
Crianças correndo, música nos alto-falantes, cheiro de comida agradável no ar e o urso mais lindo do universo ao meu lado. Acho que estou sonhando, só pode ser. Depois de andar um pouco, chegamos na praça de alimentação, que é apenas o espaço designado para os participantes sentarem, nada tão glamoroso.
— Eu adoro quermesses. Lembra da minha infância. A melhor parte são as comidas típicas. Onde você já imaginou que a gente ia comer canjica em fevereiro? — ele questionou parecendo bastante ansioso.
— Eu vou comprar as fichas, não sai daqui. — pedi, pegando uma cadeira e puxando para o Santino sentar.
Raciocinar quando estou nervoso é complicado e, por alguma razão, o Santino me deixava assim. Vou em direção a bilheteria da quermesse e encontrei um senhor tendo dificuldade em passar o troco. O velhinho lutava para contar as notas, porém, suas mãos tremulas o impediam. Pensei em ajudar, só que uma outra senhora foi mais rápida e assumiu o lugar dele.
Em um papel cartolina, colocado na parede, estão descritos os valores de cada atração da quermesse e, para o meu alívio, não é algo tão caro.
***
BILHETERIA
SALGADOS - R$ 2,50
DOCES - R$ 3
ESPETINHO DE CARNE - R$ 4 (SÓ FAROFA) / R$ 7 (COMPLETO)
ESPETINHO MISTO - R$ 4 (SÓ FAROFA) / R$ 7 (COMPLETO)
BEBIDAS - R$ 3
BRINQUEDOS - R$ 2
***
Apesar de ser ótimo com números, demorei para somar os valores do que quero. No fim, duas fichas para cada, quer dizer, deixo o churrasco de fora, afinal, à noite é para cortejar e não encher o bucho. A senhora me atendeu toda educada, e claro, ela gostou de mim, sou um atrativo de idosos, eles me adoram.
Educadamente, ela pediu uma doação para a igreja, dou um sorriso amarelo e entreguei o troco para ela, muito contra vontade. No fim, descobri que a simpatia dela tinha um plano nefasto, roubar minhas últimas moedas.
Voltei para o meu urso lindão, mas de longe, avistei alguém conversando com ele. De repente, o lado Kleber ciumento tomou conta do meu corpo e me fez andar mais rápido. Aparentemente, era um vendedor de artesanato, não ficou difícil de deduzir isso ao ver o seu mostruário enorme.
Colares de missanga, anéis de cocô, brincos de açaí, pulseiras com as cores do reggae e óculos. O homem usava todo o seu charme para tentar vender uma peça para o Santino. Ele era loiro, alto, tatuado, tem dreads nos cabelos e, com certeza, não tomava banho há alguns dias.
— O que está acontecendo? — perguntei, parecendo mais grosseiro do que eu gostaria e ficando em pé no meio dos dois.
— Ah, Kleber. Olha. — Santino falou, então, percebi algo diferente em sua voz e seu olhar.
— Você gostou? — o homem perguntou para Santino, sem ao menos olhar para mim. — São produtos exclusivos pode ter certeza.
— Sim. Gostei desse. E desse. E desse. — Santino parecia uma criança em frente à uma loja de doces e apontava para as peças com seus dedinhos gordinhos.
Gentilmente, Santino tirou duas pulseiras e ficou olhando os detalhes. O homem começou a se gabar pelo seu trabalho. Grandes coisas, trançar um emaranhado de fios, eu sei fazer isso. Enquanto, tenho um acesso de ciúmes na minha cabeça, o Santino continuava elogiando as peças.
Precisei me segurar quando o vendedor pegou na orelha do Santino e perguntou se ele não gostaria de colocar um piercing. Isso é coisa que se fale? Isso é algo que se faça? Por conta do ciúme, eu amasso os tickets que estão na minha mão esquerda.
— De verdade, moço. Essas peças estão lindas. Pena que você não aceita cartão. — comentou Santino, realmente, interessado nas pulseiras.
— Eu que fiz todos. Se você quiser pode pegar o meu contato e....
— Ele não precisa do seu contato não! — exclamei, batendo na mesa e chamando a atenção dos dois.
Santino ficou parado por alguns segundo, apenas piscando e parecendo não entender o que havia acabado de acontecer. Então, ele deixou as duas peças de volta no mostruário e os brilhos em seus olhos desapareceram.
— Égua, truta. Não precisa atrapalhar a minha venda não, falou! Na moral, tá me tirando. — o homem pegou seu mostruário e saiu andando pela quermesse.
Silêncio mortal. Boa, Kleber. O Santino se encolheu na cadeira, ficou introspectivo. Igual a primeira vez que o encontrei na praia. Eu tinha gostado de ver um brilho diferente nos olhos dele. Infelizmente, eu consegui estragar nossa noite. Desculpa, Santino.