Capítulo 6
O silêncio era perturbador. Olhavam-se atônitos, com os corações acelerados e a tensão a flor da pele. Julio metralhava Abner com o olhar, desajava-lhe esganá-lo pela ousadia de invadir a sua casa e enfrentar o seu marido.
Mesmo estando nervoso, percebeu que os dois não se olhavam como se houvessem brigado. E sim com constrangimento.
Com medo de ter sua traição descoberta, Leandro foi o primeiro a se prontificar para inventar uma desculpa para aquele inusitado encontro.
_ Não precisa ficar tão constrangido por ter entrado no quarto errado. Esta casa é tão grande, que até eu me perco. Mas o banheiro fica no fim do corredor._ disse sorrindo, tentando ser simpático.
_ Tudo bem. Me desculpe, senhor. Eu poderia ter usado o banheiro dos funcionários, mas estava ocupado. Enfim, sinto muito pelo incomodo. Com licença.
Ver Abner saindo do quarto, fez com que Leandro se sentisse aliviado. Abraçou Júlio, que ainda estava mais nervoso.
_ Amor, não precisa se chatear com ele. Eu sei que não é adequado esse tipo de comportamento de um funcionário, mas não vamos deixar que isso estrague a nossa noite. Leandro o beijou, deslizando o dedo no seu peito. Seus afetos com Júlio era, para ele, um jeito de se desculpar pela infidelidade conjugal.
Júlio o abraçou com força, apoiando a cabeça em seu ombro. Estava tão aliviado quanto o marido por Abner não ter revelado sobre o caso e arruinado, além da sua noite, o seu casamento.
_ Vamos descer? Eu já me atrasei demais.
Leandro tentava aparentar tranquilidade sorrindo para ocultar o seu nervosismo interno. Temia que alguma parte do seu corpo denunciasse a sua culpa. Estava intrigado, cogitando várias hipóteses de como e por que Abner foi parar na sua casa. Como o filho de um engenheiro trabalhava como cozinheiro num buffet? Chegou a conclusão que Dimitri mentira sobre sua situação financeira, ou pior, investigou a sua vida e conseguiu o emprego só para se aproximar dele! Essa última hipótese o apavorava.
Júlio era corroído pelo ódio. Abner não tinha o direito de perturbar a sua paz! Com certeza, fez para afrontá-lo, passando a mensagem que poderia destruir o seu casamento quando bem entendesse. Abner foi longe demais por confrontá-lo com tamanha petulância e isso teria um teria um preço.
Demorou alguns minutos para recuperar a compostura. Precisava manter as aparências antes que alguém perguntasse o porquê da sua cara amarrada. Todavia, a arte do fingimento Júlio tirava de letra. Em pouco tempo, conseguiu domar a raiva e sorrir para os convidados, interagir com as anedotas e qualquer tipo de assunto.
Para garantir que o seu marido e amante não tivessem nenhum tipo de contato, passou a maior parte do tempo ao lado de Leandro. Era o modelo perfeito de marido apaixonado e carinhoso. Abraçava-o, beijava-lhe a face e o elogiava sempre, demonstrando para todos o quanto era feliz ao lado de Leandro.
Ver Valéria circulando entre os convidados, deixou Leandro mais tranquilo por ter alguém com quem compartilhar a sua aflição.
"Amiga, ainda bem que você está aqui. Eu preciso muito falar contigo, mas o Júlio não desgruda de mim." Essa foi a mensagem que Valéria recebeu de Leandro via whatsapp.
"Pode deixar que vou resolver isso."
Aproximou-se deles com a taça de champanhe na mão.
_ Leandro, vem aqui que quero falar com você._ Valéria disse puxando o amigo pelo braço, ignorando o olhar interrogativo de Júlio. Conduzi-o para um pouco mais distante de Júlio.
_ Amiga, você não vai acreditar quando eu te disser quem está aqui na festa!
_ Diga, bijuzinho.
_ O Dimitri!
_ O quê?!_ Valéria gritou, deixando Leandro contragido.
_ Fale baixo! O Júlio pode ouvir!
_ Genteeee! Eu tô pretérita mais que perfeita!_ Valéria exclamou pondo a mão na boca._ Bijuzinho, que delícia! Você vai trepar com ele na cama do Júlio! Aaaa! Vai lá, amigo, que eu distraio mala do seu marido. Ai minha deusa, que excitante!
_ Claro que não! Ficou doida?! Eu não sei como ele veio parar aqui. Eu estava no quarto terminando de me arrumar e escuto a voz dele atrás de mim. Minha alma saiu do corpo e voltou. Para piorar o Júlio entrou na hora.
_ Puta que pariu! Puta que pariu!
_ Ele tá vestido de cozinheiro. Acho que faz parte da equipe do buffet. Amiga, eu tô com muito medo.
_ Medo de quê? Você acha que o Dimitri vai olhar na cara do Júlio e dizer "Corno, eu comi seu homem"._ Valéria ergueu a cabeça para gargalhar, se apoiando no braço de Leandro._ Ah, bijuzinho, isso seria tão engraçado.
_ Eu não tô vendo graça nenhuma!
_ Ah, relaxa! Aproveita que a senhora é a sonsa e faça a Paulina Martins para o seu marido e a Paola Bracho para o seu amante caliente.
_ Ridícula! Eu tô uma pilha de nervos e você aí fazendo piadinha.
_ Bijuzinho, ano novo piroca nova. Se o cara veio até aqui é porque está caídinho por você. Não é por coincidência que ele está aqui! O cara te ligou durante todos esses dias e foi até o meu buffet atrás de ti. Ele tá gamado, meu amor. E você também está. Então, é só curtir. Vamos combinar que faz bem para o ego ter um amante assim, completamente apaixonado. Ah, se fosse comigo, eu já teria arrastado esse homem para um canto e tinha dado pra ele até ver estrelas.
_ Com você não tem como falar sério.
_ E mesmo assim você me adora, bijuzinho.
_ Adoro mesmo.
Valéria o olhou carinhosa. Desde muito jovem tinha um amor fraternal por Leandro. Amava-o tanto que estava disposta a lutar pela sua felicidade. Seguro-o pelo queixo e deu um selinho em seus lábios.
...
Júlio entrou na cozinha a procura de Abner. Pela primeira vez na vida era grato a Valéria por algo. Como ela estava com Leandro, ele tinha a oportunidade de ir até o amante. Puxou-o pelo braço, apertando com força.
_ Você tá maluco?! Como se atreve a vir até a minha casa? A minha paciência contigo já chegou ao fim. Eu vou mandar te dar uma surra!
_ Você vai mandar me dar uma surra? Não é homem o suficiente de me encarar no punho e precisa apelar para os seus capangas? Eu tenho certeza que você só é bom com as palavras, porque manipula as pessoas com elas, mente, engana. Mas no punho você é tão fraco quanto o seu caráter. Por isso precisa pagar alguém para fazer o que você não é homem o suficiente para fazer com as próprias mãos.
Júlio fechou o punho e mirou no rosto de Abner. Pelos seus olhos dava para ver o ódio que queimava em seu coração.
_ Se for me acerta, faça de um jeito que eu não levante mais. Caso contrário, eu arrebento a sua cara na frente de todo mundo. E você vai ter que explicar para o seu lindo maridinho os motivos dos seus hematomas.
Júlio desviou o punho, socando o ar.
_ Porra! Caralhooooo!
_ Você mentiu pra mim esse tempo todo. Mentiu que tinha um casamento infeliz, que seu marido era feio e que iria abrir mão de tudo isso para ficar comigo. Como eu pude ter sido tão burro de acreditar em você?! Eu abri mão de tanta coisa por você, Júlio! Fiz tudo por amor e na verdade não passo de um objeto de diversão. Como você é cruel! Brinca com os sentimentos das pessoas como se eles fossem descartáveis!
_ Tá dando showzinho por quê? Você diz que abriu mão de tudo por mim. Do que você abriu mão? De ser uma putinha de quinta e se deitar com qualquer um por dinheiro? Eu comprei o teu passe, pago a porra da sua faculdade, empreguei a sua família e ainda te arranjei um emprego num restaurante renomado. Você acha não acha que tá muito bom pra sua cara?
_ Não foi o que você me prometeu!
_ Você acha mesmo que ia ser burro o suficiente de deixar o meu marido pra ficar com você? Se enxerga! Olha pra ele e olhe pra você! Leandro eu tive que conquistar e me dediquei muito pra isso. Já você, eu comprei e compro qualquer outro igual.
O orgulho impedia que Abner derramasse as lágrimas que se formavam em seus olhos. A decepção o devastava. Contudo, manteve a cabeça erguida, olhava para Júlio sério, sentindo asco.
_ Você vai embora agora mesmo.
_ Eu não posso. Vim com a equipe e só posso ir embora com eles.
_ Foda-se! Você deu um jeito de chegar até aqui e vai dar um jeito de ir embora. Eu vou mandar um segurança te levar.
_ De jeito nenhum que entro num carro com um capanga seu. Eu vou embora com a Lorena.
_ Nem pensar. Se sair com a Lorena, vai chamar a atenção. Todos vão perguntar por ela.
_ Eu tô pouco me fodendo. Ou eu vou com a Lorena, ou vou com a equipe.
_ Vá com a equipe. Mas não saia desta cozinha!_ Júlio advertiu, apontando o dedo para Abner antes de se retirar.
Abner retornou ao trabalho, mas não conseguia se concentrar. As palavras de Júlio o machucavam muito. Pensava como pode amar um homem tão cruel quanto ele.
_ Porra!_ gritou jogando a faca para o lado e saindo da cozinha.
Na área de serviço, acendeu um cigarro e ligou para Lorena, pedindo que a moça fosse até ele.
Ela chegou ofegante e trêmula.
_ Abner, o que aconteceu?
_ O pior que poderia acontecer! Eu fui otário duas vezes. Me apaixonei por dois filhos da puta!
_ O quê?! O que você tá dizendo?!
_ O Leandro...
_ Você falou com o Leandro? Vocês brigaram?
_ Não.
_Menos mal. Ufa!
_ Caralho! Eu sou um imbecil mesmo! Como pude me deixar enganar duas vezes?!
_ Hã?! Dar pra me explicar o que está acontecendo?
_ Está acontecendo que o Leandro e Guilherme são a mesma pessoa.
_ Peraí!_ Lorena apontou o dedo indicador pensativa._ Você tá me dizendo que o Leandro, marido do Júlio, é o Guilherme, o cara que você morreu de amores naquela festa?
_ Isso mesmo._ Abner respondeu zangado.
Lorena apoiou as mãos nos joelhos e começou a gargalhar. Ria tanto que sentia a barriga doer.
_ Eu não acredito que a songa monga do Leandro conseguiu enganar os dois espertalhões_ Lorena perdia as forças de tanto rir. _ O Júlio todo metido a fodão se carta da fidelidade do maridinho santinho levou galha do próprio amante. E você, todo destruidor de corações, caiu na lábia do Leandro... Justo do Leandro, que você tanto odeia...isso é surreal! Você ficou muito gamado nele... Suspirava ao falar do Guilherme, seus olhos brilharam lembrando da tórrida noite de amor que teve com o seu rival._ Lorena parou para gargalhar._ Você até disse "Ele tem uma carinha de menino frágil, que dar até vontade de proteger." O "menino frágil" te fez de otário.
_ Tá doendo sabia? Eu realmente tava gostando dele! Meu deus! Ele mentiu pra mim! Disse que era divorciado! Aiiii que ódio! Ele e o Júlio se merecem! Até o nome o desgraçado mentiu.
_ E você não mentiu?
_ Era diferente, eu estava trabalhando.
_ E ele não sabia que os amigos tinham contratado um garoto de programa para dar um pouco de alegria a ele. Fodeu com um michê e nem faz ideia disso. Isso é muito bom.
_ Para completar o Júlio me humilhou. Pegou pesado mesmo.
_ Bem feito. Quem mandou vir até aqui? Achou o que procurou.
_ Eu fui muito burro mesmo. Como alguém que tem um homem como o Leandro ia troca-lo por mim?
_ Não exagere. Eu sou muito mais você.
Lorena se aproximou, pôs os braços em seus ombros e o beijou._ Aquela bicha ridícula não chega aos seus pés.
_ Não fale assim dele._ Abner disse afastando a moça.
_ Você está defendendo o Leandro é isso mesmo?
_ Eu acabei de ver a verdadeira face do Júlio. Ele não presta. Com certeza, deve manipular o marido como fez comigo. Naquela noite, Leandro estava carente. Tenho pra mim que estava com o coração ferido por causa das crueldades do Júlio. E só de pensar que eu caía na conversinha dele e humilhei o Leandro...que ódio!
_ Abner, você se apaixonou pela songa monga? É isso mesmo?_ Lorena perguntou enciumada.
_ Apaixonado não. Mas ele mexeu comigo... não tem como negar.
_ E você pode tratando de esquecer essa história. Se envolver com os dois é cavar a própria sepultura. Júlio não é como Leandro, se você tocar no marido dele, ele vai pegar pesado contigo.
_ Júlio me humilhou. E há de me pagar por tudo que me fez. _ prometeu Abner, tragando o cigarro._ Eu ofereci a ele o meu amor, mas Júlio não se importa com os meus sentimentos. Ele quer me tratar como se eu fosse um boneco comprável. Então, que assim seja. Vou depenar o filho da puta. Eu vou me fazer em cima dele.
_ Duvido que Júlio vai querer olhar na sua cara depois desta noite.
_ Ah vai. Eu garanto que vai.
...
Os fogos estalavam no céu anunciando a chegada de um novo ano. Uma garrafa de champanhe foi aberta por Júlio para comemorar. Todos abraçavam-se desejando bons votos entre pulos de alegria.
Valéria entrou na cozinha abraçando e desejando feliz ano novo aos funcionários do buffet antes de chegar ao seu alvo.
_ Feliz ano novo, querido! Que este ano seja para ti o melhor possível!_ desejou abraçando Abner.
_ Obrigado, senhora! Feliz ano novo para a senhora também.
_ Vamos parar com essa formalidade de senhora. Eu me chamo Valéria._ ela disse esticando a mão para Abner, que a beijou de forma cavalheiresca.
_ Encantado, eu me chamo...
_ Eu sei muito bem quem é você. O nome Dimitri foi muito dito pelo meu amigo, que a essa altura você já sabe que se chama Leandro.
Abner se sentiu aliviado por Valéria ter o interrompido. Por pouco, não revelou o seu verdadeiro nome.
_ Como você pode perceber, o meu amigo tem uma pedra no sapato chamado Júlio.
_ Não me pareceu ser uma pedra no sapato. O que vi foi um casal feliz dando uma bela festa para comemorar, além do ano novo, muitos anos de união.
_ Ih, é tudo faixada, meu bem._ Valéria revelou dando um tapinha em seu ombro._ Júlio é um merda de marido, é falso, mentiroso, infiel...faz o tipo boy lixo. Leandro sofre demais nesse casamento. Mas, eles mantém a pose na frente das pessoas. O problema do meu amigo é que nunca teve outro homem na vida a não ser Júlio, eu sei que isso é muito incomum, digo até que seja bizarro, mas Leandro o conheceu quando ainda era um menino e de lá pra cá está aprisionado na teia do carcamano. _ Valéria esboçou um sorriso._ Até te conhecer.
'Leandro ainda tá mexido contigo. Só ignorou as suas ligações, porque tem medo do que está sentindo. Mas, eu sei que você também ficou mexido por ele. Tanto que veio até aqui a procura dele. Ah, eu achei isso fantástico! Eu vou te ajudar.'
Valéria retirou da bolsinha de mão prateada um cartão de visitas e entregou a Abner.
_ Aqui está o meu número. Me ligue daqui a quatro semanas. Eu irei viajar e não vou poder te ajudar antes disso. Quando me ligar, vou dar um jeito de armar um encontro entre vocês. Leandro não sabe disso. Mas eu tenho certeza que vai adorar te ver._ ao terminar de dizer isso, Valéria se despediu com um beijo no rosto do rapaz.
Abner olhou para o cartão visita dando um sorriso malicioso.
