Caralho! Ganhei dois mil reais. A família do Miguel é demais. Ok. Não deveria estar comemorando. O Klaus é o inimigo. Ele merece pagar, principalmente, por quase assassinar o próprio sobrinho. Depois de uma noite, digamos, no mínimo interessante, o Klaus dorme profundamente na cama. O celular dele começa a apitar, uso toda a minha elasticidade e pego o aparelho.
***
MATIAS:
Nada do Miguel. Ele evaporou da face da terra. Acho que deveríamos continuar o plano. Deixa ele quieto. Nossa prioridade é transferir o dinheiro. A empresa não pode falir.
***
Porra. Que prova maravilhosa. Faço uma foto da tela do celular de Klaus. O Miguel vai adorar essa novidade. Deixo o telefone de Klaus no mesmo lugar e durmo por alguns minutos, afinal, um ótimo detetive merece um descanso extra.
Desperto com um beijo de Klaus. Ele está com uma expressão serena, nem parece um assassino filho da puta. Acho que nunca vou entender essas pessoas que fazem mal para a própria família. O meu pai conseguiu acabar comigo de todas as maneiras. O desgraçado me quebrou. Assim como o Klaus está fodendo o psicológico do Miguel. Fico perdido em meus pensamentos e dou uma mordida no lábio inferior dele.
— Ai! — exclamou Klaus se afastando.
— Desculpa, bebê. Estou faminto. — menti, algo dentro da minha zona de conforto. — Foi sem querer.
— Tudo bem. — Klaus levantou e colocou a cueca. — Ei, você está liberado neste fim de semana?
— Hum. — soltei, pensando em uma desculpa, mas, ao mesmo tempo, querendo saber dos planos dele. — Tenho um casamento, mas se a oferta foi tentadora. — joguei verde.
— Vou para Santos. Aparentemente, o frio vai suavizar, então, quero pegar uma praia. Tenho uma casa de praia e um iate. — explicou Klaus, vestindo a calça e uma blusa social branca.
— Puxa, gato. Infelizmente, a oferta é tentadora, porém, podemos marcar em outra época.
— Bem, eu tentei.
Chego em casa e conto para todos os planos de Klaus. O Miguel fica revoltado, porque a casa e a embarcação pertenciam aos seus pais. Puta que pariu. A cada dia que passa a revolta contra o Klaus aumenta. Imagina, tudo o que você tem é tirado por alguém que deveria te proteger? Eu matava.
Decido tomar um banho, enquanto o Miguel conversa com os seus contatos nos Estados Unidos. Em seguida, vou até a cozinha preparar um lanche para enganar a fome. A Izzy e a Nicky estão comentando sobre um caso de assassinato de uma colega trans. Ser LGBTQIA+ no Brasil é um cú.
Preparo um sanduíche de queijo com presunto. Como de costume, alguém tomou o meu iogurte, então, recorro ao suco de laranja. Ao voltar para a sala, o Miguel continua ao telefone e cheio de sorrisos. Ele parece um adolescente conversando com o crush. Será que esse tal de Will é um antigo amor dele?
O Miguel está muito diferente. Não digo fisicamente, quer dizer, as meninas acertaram no novo visual, mas a convivência trouxe uma dinâmica diferente entre nós. Ainda não esqueci o fato de dormirmos abraçados naquela semana. Toda vez que penso no corpo dele contra o meu, sinto um choque passando dentro de mim.
Busco uma maneira de ouvir a conversa do Miguel. Só que ele é o tipo de pessoa que cochicha ao telefone. Consigo captar as palavras "foco", "agradecido", "salvador" e o nome William, o tal amigo que descobriu segredos de Klaus. Ok. Coloco a minha atenção no sanduíche, entretanto, engole tudo em menos de um minuto.
— Calma, Stefano. — Miguel me repreendeu, depois que desliga o celular.
— Tá prestando atenção em mim? — solto, mais chateado do que deveria.
— Estava falando com o William. Ele já comprou a passagem. Eu vou ter um trunfo contra o Klaus. — ele fala esperançoso e se aproximando de mim.
Estamos um ao lado do outro no sofá. O cheiro do Miguel é único, sempre esqueço de perguntar a marca do perfume. Com a mão direita, ele tira algumas migalhas de pão da minha boca. O Miguel usa o polegar e não tira os olhos de mim.
Uma ereção é inevitável. O pau está lutando dentro da cueca, graças aos céus, que estou usando uma cueca, geralmente, deixo o meu pau ao ar livre. Depois de me tentar, o Miguel volta a atenção para a televisão. Está passando um filme pão com açúcar, com certeza, deve ter um final feliz com os protagonistas fazendo juras de amor.
— Esse filme é um porre. — digo para disfarçar a tensão.
— É um clássico, Stefano. Você tem que dar uma chance ao filme. É a história de uma faxineira que trabalha em um hotel de luxo e se apaixona por um político. — Miguel afirma, destacando a atuação de Jennifer Lopez, que é a protagonista do filme.
— Ok. Ok. Eu assisto. — me rendi afundando no sofá.
Para o meu desespero, o Miguel me usa como um travesseiro. O seu cabelo rosa está cheirando a flores do campo, eu nem sei que porra isso significa, mas está cheiroso. Eu nem me importo, afinal, somos amigos e colegas de quarto. Tomo coragem e passado o meu braço em volta dele.
Estou preocupado com a zoeira das minhas amigas, porém, elas estão conversando e fumando na varanda do apartamento. Aproveito o momento gostoso ao lado do Miguel. Os nossos corpos estão aquecendo um ao outro. Sinto a respiração dele. Lenta e constante. Os seus olhos estão prestando atenção aos detalhes do filme.
Eu sou a porra de um sadomasoquista. Eu gosto de sofrer. O Miguel nunca daria chance a um garoto de programa. Fora que ele tem uma ligação especial com o William, ou seja, não vou lutar uma batalha fadada ao fracasso.
— A Jennifer Lopez está no auge da beleza neste filme. — comentou Miguel, que entrelaça os nossos dedos.
— Sim. Ela é uma tremenda gostosa. Olha o tamanho da raba dela nesta farda de faxineira. — digo tirando uma risada abafada do Miguel.
— Credo, Stefano. — ele me repreendeu e voltou a atenção para o filme.
Vamos lá, que filme chato. Eu não faço o perfil dessas garotas sofredoras que esperam a sorte brilhar para elas. Eu dormi em parte dele, na outra, desejei morrer. O Miguel chorou e torceu pela mocinha até o final. Alerta de spoiler: a Jennifer Lopez fica com o mocinho rico.
Depois de sessão de sofrimento, quer dizer, da sessão de cinema, decidimos pedir algo para comer. O sanduíche que eu fiz não segurou a onda. O Miguel insistiu em cozinhar algo, mas eu quis presenteá-lo, afinal, transei com o tio dele. A Izzy queria comida japonesa e a Nicky, tailandesa.
Por um segundo, estranhei a presença da Nicky em casa. Ela já estava há três dias conosco. Tendo um caso com a Izzy inclusive. Será que aconteceu algo? Cara, a Nicky é muito batalhadora e militante, porém, sempre se envolve com o homem errado.
Na última vez que ficou em casa, Nicky colocou fogo no apartamento de um antigo namorado abusivo, ou seja, um relacionamento tóxico que quase a levou para a cadeia. Enfim, eu não estou disposto a estragar uma noite tão promissora, ainda mais com um assunto tão negativo.
Amo a democracia. A comida japonesa ganha, o que deixa a Nicky com o bicão, mas tá tudo bem. Ela vai comer de um jeito ou de outro. Coloco uma seleção de música para tocar na televisão. A primeira canção que surge é "I Love You Corote", da Aretuza Lovi.
Só queria uma noite para descansar, porra. Parece que o Klaus tirou toda a minha energia vital no encontro que tivemos. Pego algumas latas de cerveja e levo para a sala. A Izzy está toda animada, dançando de um lado para o outro. Ela é o caralho de uma deusa da coreografia.
— Essa é a Pabllo Vittar? — Miguel perguntou dando um gole na cerveja.
— Não, cacete. É a Aretuza Lovi. — explico, mais animado do que o normal.
— Vem dançar, Nicky. — Izzy, praticamente, puxa a Nicky do sofá, que não se faz de rogada e mostra uma coreografia perfeita.
— Essas duas. — Miguel comentou dando uma risada abafada.
— Você quer? — perguntei, mas logo me arrependi, então, tomei o resto da cerveja em um gole. — Quer dançar comigo?
Puta que pariu, Stefano!!! Eu quero me matar. Eu quero me jogar do prédio. Os olhos do Miguel piscam em minha direção. Acho que ele não entendeu a pergunta, o que me deixa aliviado, mas a linguaruda da Izzy, o levanta e o chama para dançar comigo. A infeliz aproveita e troca a música. Então, "Aonde quer que eu vá", dos Paralamas do Sucesso, começa a tocar.
Eu não sei o que fazer. O Miguel levanta e fica de frente para mim. Eu nunca dancei com outro homem na vida. A Izzy dá mais um empurrão. Ela coloca os meus braços em volta do pescoço de Miguel e as mãos dele na minha cintura.
— Não deixe o seu pai vencer, anjo caído. — Izzy cochichou no meu ouvido, antes de voltar a dançar com Nicky.
Puta que pariu, Izzy. Não precisa ser o anjinho no meu ouvido. Dou um sorriso sem graça para Miguel. O silêncio seria absoluto se não fosse a voz do Herbert Vianna, cantando as estrofes iniciais de "Aonde quer que eu vá". Eu não tenho ideia do que fazer. Meus olhos não conseguem focar em Miguel. Eles ficam passeando pela sala e observando a Nicky e Izzy, que dançam sem pudores.
Para a minha surpresa, ele toma o primeiro passo. Dois pra lá, dois pra cá. Dançar não é tão difícil. Será que o Miguel é um profissional da dança? Não sou dançarino. Odeio quando os clientes pedem uma dança erótica. Fico parecendo um boneco de posto com os braços para cima.
O Miguel é delicado, mas preciso. Os seus passos são curtos e conduzem a dança de maneira espetacular. Os nossos corpos estão colados. Com certeza, estaria com o pau duro se não fosse o nervosismo de dançar com outro homem. E não é um homem qualquer. É o Miguel de sobrenome difícil.
— Quero te agradecer. — disse Miguel, quebrando o silêncio e olhando para mim.
— Porque?
— Por tudo. Sabe, Stefano, eu não sou cego. Na verdade, tenho um QI acima da média. Eu percebo os sinais. — a voz de Miguel estava suave e cativante.
— Sinais, que sinais? — questionei, provavelmente, vermelho e ofegante.
— Esse sinal. — ele disse me beijando.
Caralho! Puta que pariu! Ele me beijou. Ele me deu um beijo na boca. O Miguel explorava o meu corpo com as mãos, enquanto dava uns bons tratos na minha boca. As meninas começam a cochichar, porém, não estragam um momento tão importante.
O beijo é longo. O beijo é gostoso. O beijo é de fuder. Eu não acredito que o Miguel é virgem. Ele beija como um profissional. Coloca a língua no momento certo, aperta os meus lábios com os dentes no momento certo. Ele é um profissional do beijo. O interfone toca, mas a Izzy atende. A comida chegou.
— Você é a porra de um profissional. — comentei olhando para o Miguel.
— Tenho minhas qualidades. — ele garantiu, colocando os braços em volta do meu pescoço e ficando perto de mim.
Eu mais alto que o Miguel. Ele fica na ponta dos pés para me dá outro beijo. Agora tenho uma ereção. O meu pau encosta no corpo dele. De repente, a Izzy volta e avisa que o Miguel está com visitas. Nós nos afastamos. Droga, preciso sentar no sofá para disfarçar a ereção.
O Miguel sai por um momento, mas retorna com dois homens. Um deles não me é estranho. Ele é alto, cabelos grandes e usa um terno caro. O outro parece mais de boa. Um rapaz negro e com um sorriso encantador.
— Gente, esses são os meus amigos William e Felipe. — Miguel os apresentou.
Os homens sorriram. Olharam em volta, com certeza, julgando o lugar onde o Miguel estava se escondendo. A Nicky pega uma taça de vinho e a ergue.
— O resto da cavalaria chegou. Vamos derrubar o titio maluco. — comentou Nicky, fazendo sua voz grave e caricata ecoar pelo apartamento.
***
Miguel desligou a televisão. Izzy, Nick e eu, não dissemos nada. Nem imagino o turbilhão de sentimentos que está passando pela cabeça dele. Porra, o Klaus está disposto a tudo para controlar a empresa da família. Agora, as fotos de Miguel estão espalhadas em todos os sites e pelas redes sociais. O que vamos fazer?