Perder é uma constante em minha vida. Perdi minha mãe e minha avó. Tive que fugir do Pará por causa do meu pai abusivo. Só que, aparentemente, a sorte está sorrindo para mim. Estou em uma constante de vitórias, principalmente, no quesito amor. Pelo menos, eu acho isso, ou melhor, achava.
Encurralados. O Klaus descobriu a minha relação com o Miguel. Ele nos faz diversas perguntas. Os meus ouvidos captavam a mensagem, mas o cérebro não conseguia acompanhar. Fudeu! Fudeu!
— Fala. Você conhece o Alejandro? — perguntou Klaus pela quinta vez, pois Miguel não conseguia responder.
— Escuta. — intervenho. — Acho melhor a gente conversar em outro lugar.
— O que você está tramando, Miguel? — Klaus nem conseguia olhar para mim.
— Tio, o senhor conhece o Stefano? — questionou Miguel, olhando para mim e piscando.
— Eu... eu...
— Ah, agora estou te reconhecendo. — falei, pegando no ombro de Klaus. — Bebê, o seu tio me ajudou quando precisei vender o colar da minha mãe. — apertei o ombro dele. — Né?
— Sim. Sim. Eu não sabia que o Miguel estava namorando. — disfarçou Klaus.
— E o seu nome é Alejandro? — Miguel me indagou, fazendo uma careta engraçada.
— É Stefano Alejandro. — menti, com certeza, fazendo a atuação da minha vida. — Mas que bom te reencontrar. — abracei Klaus. — Escuta, o teu sobrinho está feliz. Eu parei de fazer programas e estou o ajudando. Eu juro.
— Ok. — murmurou Klaus. — Eu preciso. Eu preciso ir. Depois nos falamos, Miguel. — saindo de maneira desconcertada.
— Puta que pariu. — soltei me apoiando em Miguel.
— Cacete. Valeu, bebê. — ele agradeceu, provavelmente, aliviado.
Eu sou assim. Se a pessoa não entrar na minha loucura está ferrada. Depois do susto, fomos para casa e preparamos um jantar mais intimista. Cozinhar com o Miguel é uma tarefa fácil. Ele sabe explicar cada passo com uma paciência invejável. Eu não consigo ser desta maneira.
O prato da vez? Risoto de aspargos e parmesão. De acordo com o Miguel, o aspargo estimula a produção de histamina, o hormônio responsável pela libido, ou seja, um alimento afrodisíaco. Se eu soubesse antes, andaria com uma sacola de aspargo em mãos. Deve ser mais natural, né?
Para acompanhar o "prato do sexo", escolhemos um vinho branco. Fico responsável por arrumar a mesa. Porra, modéstia à parte, arrasei. Tudo graças ao poder do YouTube. Valeu, Marie Kondo.
Aposto em uma mesa de centro na sala. Encho o espaço de almofadas. Uso os talheres e pratos chiques da Izzy, inclusive, ela me mata se souber, então, não posso deixar vestígios. Para dar um toque romântico, acendo algumas velas aromáticas.
A melhor parte é ver a expressão de surpresa do Miguel. Ele está usando um avental de crossfiteiro, o que deixa a sua silhueta engraçada. Com todo cuidado, o Miguel deixa o risoto sob a mesa e beija a minha cabeça.
— Tá lindo, bebê. — comentou Miguel, passando a mão nos meus cabelos.
— Eu fiz sozinho. — me gabei.
— Claro, então, fecha o vídeo da Marie Kondo. — apontando para o meu celular. — Ela vai ficar chateada.
— Porra. — peguei o celular e fechei a tela. — Ela deu um empurrãozinho.
— Eu adorei. Verdade. — Miguel tentou me consolar.
Puta que pariu. Os pratos do Miguel continuam arrasando. O risoto temperado na medida certa. O vinho combina perfeitamente com a explosão de sabores na minha boca. Comemos e ficamos namorando no chão, usando almofadas como apoio.
O meu telefone começa a tocar. Não sei o motivo, mas fico com medo de ser um cliente. Afinal, ainda não anunciei o fim da minha carreira no universo dos programas. Pego o aparelho e o número é diferente. O Miguel me lança um olhar de confusão, pois o celular continua tocando na minha mão.
— Ah. — soltei, antes de atender a ligação. — Alô? Sim. Como assim? Elas estão bem? — questionei me levantando.
— O que houve? — Miguel levantou e olhou para mim.
— Eu estou indo. — disse, desligando o aparelho. — Fudeu.
— O que aconteceu, Stef?
— A Izzy foi agredida em Diadema. — expliquei, correndo para o quarto.
Caralho. Eu falo para a Izzy tomar cuidado com os ataques transfóbicos. O Brasil é um país de merda, cheio de pessoas preconceituosas e assassinas. As minhas mãos tremem e o meu coração com raiva.
— Ei. — Miguel pegou nas minhas mãos e apertou. — Fica calmo, por favor. Vamos para lá.
O Miguel veste uma calça moletom, uma jaqueta jeans e tênis brancos. Aparentemente, ele lida melhor com situações estressantes. Pegamos um carro de aplicativo e seguimos para o Hospital Municipal de Diadema. No caminho, o Miguel pega na minha mão e me deixa mais tranquilo.
São quase 40 minutos até Diadema. A cidade está mais tranquila. Os termômetros marcam 12 graus, algo na média para a cidade de São Paulo. Na rádio, toca uma música do Raça Negra, que eu não recordo agora.
O carro mal parou na entrada do hospital e eu saí correndo. O Miguel fica para pagar o motorista. Na recepção, uma moça me atende. Pergunto sobre a Izzy, mas ela não a encontra nos registros de pacientes.
— Senhor, não existe nenhuma Izzy no registro. — explicou a moça, que devia estar acostumada com parentes de pacientes estressados.
— Tá. — parei um minuto para não explodir.
— Pode procurar pelo Isidório Garcia? — perguntou Miguel pegando no meu ombro.
— Um minuto. — a mulher voltou a atenção para o computador. — Ele está sendo atendido na emergência e...
— Ela! — gritei, chamando a atenção das pessoas na recepção.
— Calma, bebê. Por favor. — pediu Miguel. — Ele está nervoso moça.
A atendente mostra o caminho da emergência. O meu coração parece que vai sair pela boca. A Izzy é a minha rocha. Eu não posso perdê-la. Encontramos a Nicky sentada em uma cadeira. Ao nos ver, ela corre e me abraça.
A Nicky está com o rosto machucado e um corte no braço esquerdo. Ela explica que foram atacadas quando estavam saindo de um bar gay da região. Três homens chegaram e começaram as agressões.
Filhos da puta. As meninas nunca fizeram mal a ninguém. Porque as pessoas se importam tanto com quem os outros comem! Que ódio! Eu quero matar alguém.
— Eu consegui imobilizar um deles, mas a Izzy... ela... ela...
— Calma, Nicky. — Miguel a abraçou.
— Com licença. — pediu um médico. — Vocês são parentes do Isidório?
— Sim. — falei, voltando a minha atenção para o médico.
— Bem, o paciente chegou com várias escoriações pelo corpo. Um braço quebrado e teve que fazer uma cirurgia para estancar um sangramento interno. — explicou o médico.
— Ela vai ficar bem? — indaguei.
— Sim. A recuperação vai ser dolorida, mas vai sim. — o médico nos acalmou.
Ok. Estou mais aliviado. A Izzy vai ficar bem. Eu nem me importo com o médico não acertando o pronome dela. Decido ficar a noite para cuidar da Izzy, afinal, perante a lei (ridículos), ela ainda é um homem. Peço para que o Miguel leve a Nicky.
Uma enfermeira me leva à ala de recuperação. Por pouco, a Izzy não é levada para UTI. Ao entrar no quarto, tomo um susto, porque os cabelos dela foram cortados e seu rosto está pior do que o do Miguel, quando foi surrado.
O ódio se tornou meu companheiro naquela noite. A Izzy é um ser humano maravilhoso, assim como o Miguel não merecia tal experiência.
***
SÃO PAULO - QUATRO ANOS ATRÁS
Meu primeiro ano em São Paulo foi horrível. Graças a Izzy, consegui um teto, porém, não parava em nenhum trabalho. Engraxate, vendedor de bala, entregador de bicicleta, flanelinha e barman. Fora, que fui obrigado a finalizar os estudos.
— Ei, moleque! — Izzy bateu na minha cabeça com um jornal. — Procura um emprego.
— Que susto! — reclamei.
— Você tem aula. Daqui para o Centro são 40 minutos.
— Eu não quero ir.
— Anjo Caído...
— Não me chame assim. — murmurei.
— Anjo Caído. — Izzy repetiu, mas, dessa vez, ela deu ênfase no nome. — A gente precisa sair desse barraco. Eu não posso fazer isso sozinha.
— Eu não gosto que você saia com outros homens. É perigoso.
— Eu faço o necessário. Já tenho um dinheiro guardado. Se você conseguir um emprego bom...
— Eu posso sair com outros caras e...
— Não, Stefano. Você vai ter um emprego normal. Vai estudar e conseguir boas oportunidades. — ela orientou.
— Você não manda em mim! — gritei, saindo de casa e batendo a porta.
Eu não entendia o medo da Izzy. Ela pode sair com caras, eu preciso ficar em casa? Por favor. A minha adolescência foi uma bagunça. Os meus pensamentos eram pesados. Afinal, o meu pai me violentou, a mamãe morreu e não tinha nenhum outro familiar.
Na rua, perdido em meus pensamentos, quase fui atropelado. O homem parou e perguntou se tudo estava bem. Ele ofereceu uma carona, e eu decidi seguir o fluxo. Ele me convidou para um restaurante, claro que aceitei.
Comi do bom e do melhor. O homem parecia interessado na minha história, lógico que menti algumas partes, ou seja, já estava preparado para o mundo dos programas.
Conversa vai, conversa vem: motel. O homem não fazia o meu estilo, mas aquele jogo de sedução acabou me excitando. Eu o comi em todos os aposentos do motel. Na época, eu não tinha o corpo malhado, então, o meu pau parecia maior.
— Que pauzão! — salientou o velho, depois que tirou a minha cueca.
— Você curte?
— Adoro.
— Mas tudo tem um preço.
— Claro. — o homem pegou a carteira e jogou quatro notas de R$ 100.
— Fique à vontade. — falei, balançando o meu pau que está em ponto de bala.
Cheguei em casa e mostrei o dinheiro para a Izzy. Levei um sermão de uma hora. Então, precisei me posicionar e pedi para ajudá-la. Demorou para convencer a Izzy.
— Olha, eu sou muito nova para perder um filho. Você vai ficar um tempo em experiência. O dinheiro fica comigo. Eu vou organizar nossas finanças. — sugeriu Izzy.
— Você é a minha cafetina? — questionei.
— Teu cú, viado. Eu só quero que você não se perca. Neste mundo é fácil se perder. Você vai ter que ter regras.
— Regras?
— Sim. Nada de drogas, sexo só com preservativo e três programas por noite. O nosso corpo não vai ser bonito e jovem para sempre. Daqui a cinco anos, eu quero concluir o meu curso de enfermagem e sair da noite. — explicou Izzy, sentando ao meu lado.
— Eu vou seguir essas regras, Izzy. Eu juro que vamos melhorar de vida. Nós já sofremos muito para morrer na praia. Vamos ser nós contra o mundo.
— Eu te amo, Anjo Caído. Eu te amo. — ela disse me abraçando.
***
SÃO PAULO - ATUALMENTE
— Por favor, Izzy. Fica boa rápido, por favor. Eu não posso seguir sem você.