Se tivesse que dar um nome a esse capítulo, seria “A grande implosão” ou “Quando todos se fodem”.
Finalmente encontrei meu celular, vi que o número na tela era desconhecido, o que me trouxe um ligeiro alívio, pois poderia ser trote daqueles manjados “Ai, pai, me roubaram”. Entretanto ao atender, tive uma baita surpresa, era ninguém menos que Alexandre :
-Paulo, é O Alexandre...A gente precisa conversar e é urgente.
Claro que fiquei em pânico, ele não ligaria às 4h30 da manhã apenas para me xingar ou querer continuar um novo round de luta.
-O que aconteceu? Algo com a Adriana ou com os pais?
-Não, é uma coisa séria sobre a Adriana, mas tem que ser pessoalmente.
Nessa hora já achei que ele estava querendo discutir ou por ciuminho bobo ou ainda vir bancar o conciliador, pedindo paz, e com tantos problemas, tive que ser um “pouquinho deselegante”.
-Escuta aqui, seu idiota, você é xarope ou fumou bosta de vaca seca achando que era maconha para me ligar a essa hora com papo de Adriana? Vai tomar no meio do seu cu. Eu vou contar essa porra para Adriana, ela me deu um puta sermão por causa da briga, mas quero ver o que ela vai achar do Alezinho perturbando a paz alheia às 4h30 da manhã.
-Se você se importa com a saúde dela, precisa me escutar.
-O que você está querendo dizer com isso, tá ameaçando fazer algo com ela?
-Nada disso, porra! Tem muita coisa se passando e hoje foi meu limite, fui adiando, mas agora não dá mais, se você não se preocupa com a sua ex-mulher, faça isso pelo fato dela ser a mãe da sua filha.
Mesmo ficando cabreiro porque talvez Adriana estivesse realmente com algum problema de saúde, eu não acreditava naquele safado por isso, segui indagando:
-Mas por que você não fala agora? Por que pessoalmente?
-Paulo, se você quiser marcar dentro de uma delegacia ou se quiser que eu entre nu numa sala, só para ter certeza de que não estou armado, a gente marca . A coisa é séria, estou nesse momento na varanda porque essa é mais uma de muitas noites em claro.
Pensei rapidamente, não poderia deixar Andressa com Leticia porque tínhamos brigado. Então, o jeito era leva-la à casa de meus sogros dizendo que surgiu um pepino grande e mais tarde a pegaria, mas antes tratei de avisar Alexandre:
-A gente pode marcar na empresa em que trabalho, amanhã, ou melhor hoje, apesar de ser sábado, vou para lá e o recebo na minha sala, só que já te aviso, haverá um segurança lá prontinho para te quebrar todinha essa sua cara safada.
-Fique tranquilo quanto a isso, me passe o endereço e o horário.
Marquei para às 10h e confesso que fiquei muito tenso. Talvez nesses montes de exames que as gestantes fazem, houvesse aparecido alguma alteração grave. Minha cabeça ferveu. Acordei minha filha por volta das 8h e expliquei da mudança de planos, mas que mais tarde o papai a pegaria novamente. Eu não tinha dormido praticamente nada e agora mais essa.
Cheguei à minha sala, já deixando um segurança ligado em qualquer movimento. Alexandre foi pontual e chegou apenas com uma pasta transparente com alguns documentos dentro. Eu disse:
-Sem enrolação, vamos ver o que há de tão urgente assim?
-Antes de tudo, grato por me receber e quero de cara dizer que sei que Adriana e você andam transando só não sei há quanto tempo.
Como só transei com Adriana uma vez desde a nossa separação, deduzi que ele estava querendo jogar verde e me irritei:
-Ah, não acredito! Você armou toda essa presepada, filho da puta do caralho, porque teve uma noite de insônia e achou que ela e eu estamos transando? Eu não tenho nada com a Adriana, seu palhaço!
-Bom, acho pouco provável que você esteja sendo sincero, mas se estiver, ela está sendo infiel com um terceiro.
Fiquei surpreso com a resposta afiada dele, parecia ter certeza.
-Aí, meu caro filho da puta, você tem que resolver com ela, tá me achando com cara de terapeuta de casal? Você não seria o primeiro que ela chifra. Só me explica, o que o fato da sua testa estar sendo enfeitada tem a ver com o problema de saúde dela que foi o único motivo de eu estar aqui vendo essa cara safada sua?
-Vou chegar lá, só te peço paciência para ouvir.
Ele começou a pegar um papel dentro da pasta.
-Esse filho ou melhor, filha, pois já sabemos o sexo, não é meu e antes que você pergunte como sei, tá aqui, esse aqui é um exame de espermograma que fiz em Porto Alegre há alguns anos, eu já morei com uma garota antes e como ela não engravidava, fui fazer esse exame e sou estéril, sem chance alguma de engravidar uma mulher. Tempos depois, terminei o relacionamento. Também tenho esse outro exame que fiz há pouco mais de um mês aqui em São Paulo, só para tirar a dúvida, eu tinha lá no fundo alguma esperança que o primeiro estivesse errado, mas deu o mesmo resultado.
Fiquei alguns bons minutos olhando para aqueles exames que pareciam ser verdadeiros. Confesso que comecei a sentir um frio na barriga e até na espinha, na verdade, pelo tempo de gravidez, se fosse verdade de Alexandre, nem eu nem ele poderíamos ser o pai. Ainda assim, havia outras lacunas que queria entender, por isso, procurei demonstrar que não acreditava nele ou nos exames:
-Tá, supondo que esses papéis aí sejam verdadeiros e não uma fraudezinha, por que cargas d’água, você sabendo que era estéril não só não chutou tudo para o alto quando ela falou que estava grávida, e mais ainda antes, quando ela começou a planejar ter um filho, por que caralhos você não contou toda a verdade?
-Ai é preciso entender o contexto. Enquanto ela e eu éramos amantes, as coisas estavam realmente maravilhosas, mas quando fomos morar juntos, foi uma questão de semanas para ela perceber o tsunami de mudanças que viriam, julgamentos dentro da própria família dela, dificuldades para Andressa me aceitar, e, principalmente, algo que eu tentei negar a mim mesmo, ela se arrependeu muito antes do esperado, mas era orgulhosa demais para admitir. Talvez, a forma encontrada por Adriana de fazer o nosso casamento, por assim dizer, dar certo era ter um filho e começou a fazer planos já no meio do ano passado. Apaixonado como eu estava por ela, me acovardei e disse para tentarmos, achei que o tempo iria passar e talvez ela se esquecesse dessa fixação e pudéssemos ser felizes sem filhos, além claro, da Andressa que é de vocês.
Eu odiava Alexandre, mas as coisas que ele dizia batiam com as impressões que tive em algumas conversas com Adriana, onde ela parecia dizer coisas para convencer a si própria. Em seguida, retomei meu questionário:
-Você não me respondeu por que quando ela anunciou a gravidez, ficou quietinho e seguiu tocando a vida. Por que não abriu o jogo então?
-Quando ela anunciou a gravidez, eu sofri um baque violento, ao invés de receber a notícia de que seria pai, recebi a notícia de que havia sido corno, sei que vou parecer o mais idiota do mundo, mas após me trancar por horas chorando, vi a alegria dela e percebi que a Adriana, mesmo tendo me traído, acreditava que o filho ou filha poderia ser meu, então embarquei nessa e por amor ou paixão, sei lá, fiz de conta que o meu problema não existia e começamos a curtir a gravidez. Talvez, depois do nascimento, ela finalmente se sentisse tão bem e não fosse infiel novamente.
Confesso que não teria capacidade de fazer um gesto desses, e resolvi jogar a real para ele:
-Olha, cara, se isso for um monte de mentiras, a gente vai trocar porrada de novo. Admito que em um momento de fraqueza, Adriana e eu transamos lá na chácara no dia da venda, mas isso foi bem no comecinho de janeiro e pelo número de semanas que ela está, a gravidez ocorreu ali pela metade de fevereiro. Sei que é chato, mas...
Ele me interrompeu, repuxou a boca em sinal de desagrado, balançou a cabeça negativamente e puxou outro papel de sua pasta:
-É fácil explicar isso, apesar da Adriana acreditar que as chances maiores de ser o pai eram minhas, ela deve ter pensado que havia uma chance de ser você e simplesmente mentiu o número de semanas. Um dia, revirei as coisas dela e tá aqui ó, um exame do começo de março dizendo que ela já estava de oito semanas, quando ela te contou já estava com mais de 12 semanas, mas não quis que você desconfiasse, é o que eu deduzo. Provavelmente, ela diria depois que nasceu antes do previsto. Você é o pai, com certeza, de mais uma menina.
A minha linguagem não-verbal não conseguiu esconder meu choque, soltei o corpo na cadeira, fechei os olhos, coloquei uma mão na cabeça e dei um murro na mesa, sem acreditar. Sei que para muitos, essa seria a vingança das vinganças, engravidar a ex que me chifrou e humilhar o amante agora companheiro que ali se abria de maneira surpreendente, mas o que me veio à mente foram as dores que essa mulher me fez passar por causa de uma aventura, as humilhações pelas quais passei e o golpe final no meu relacionamento com Leticia, sim porque ela certamente não iria querer me ver nem dali a 50 anos, e não estaria errada.
Restava a derradeira pergunta para Alexandre:
-E por que agora você tá me falando isso? Não disse que fingiria que o filho, quer dizer, filha é tua e tocariam a vida juntos?
-Era minha intenção mesmo, mas eu cheguei ao meu limite. Eu realmente me apaixonei pela Adriana e certamente, ela sentiu algo muito forte por mim no começo, mas as pistas foram sendo deixadas, primeiro de maneira mais sútil, depois ficaram escancaradas.
-Que pistas?
-De que ela não consegue te esquecer. É isso que você queria ouvir? A Adriana teve uma ilusão comigo, talvez um escape na vida agitada e estressante que leva, mas amar, ela ama você.
-Isso ela deixou bem claro quando trepou com você por seis meses até na minha cama. Que mulher que ama o marido faz isso? Não vem com esse papo, não.
-Não estou dizendo que ela não se apaixonou por mim, se iludiu, isso acontece mais do que você imagina, quando é um marido de que de repente sai de casa para ficar com uma guria ajeitada, mas depois de um tempo volta para o seio da família, a sociedade vê como normal, mas uma mulher, aí tome pedrada. Escute isso, quando você começou um casinho, não sei direito com uma guria bem mais jovem, ela ficou criticando por dias, longos monólogos, achei que fosse por causa da diferença de idade, depois, ela deu uma acalmada, mas quando você apareceu naquela festa de Valentine’s Day com a sua namorada, aí eu tive certeza de que não era apenas uma inveja de ver outro feliz, mas um sentimento de frustração, mesmo que ela nunca dê o braço a torcer. Na volta da festa, dentro do carro, acho que se eu respirasse mais forte, ela começaria uma briga e depois, a ouvi chorando naquela madrugada no banheiro de se acabar. Depois disso, tudo era motivo para falar mal da Leticia e de você, eu até guardei o nome da sua namorada de tanto que ela fala. Às vezes, a Adriana fica animada com a gravidez, faz planos comigo de decorar o quarto, mas dali a pouco, está arrumando um jeito de falar mal do seu relacionamento. Mas, para mim, o golpe final mesmo foi na semana passada quando nós brigamos na rua.
-O que é que a nossa briga tem a ver com isso?
Vocês não notaram porque eu estacionei atrás do seu carro e fiquei um tempo olhando você gesticulando e rindo junto com o Seu João (pai de Adriana), mas eu me fixei no olhar dela, e fiquei com muito ódio, pois ela ali sentada numa cadeira te olhava e sorria com devoção e foi o momento que a ficha caiu para mim, mesmo que o sexo tenha sido ótimo por meses, eu não vou ter aquele olhar, assim do nada, numa simples conversa como vocês estavam, nem mesmo me sujeitando a fingir que sou o pai, isso não terá futuro. Não pense que sou o cara mais generoso do mundo, o motivo de eu estar contando tudo isso é que eu quero saltar fora e tem que ser já.
-O que você quer dizer com isso?
-Paulo, eu tô aqui passando a maior das humilhações e para um rival, digamos assim, mas sei que mau-caráter você não é. Só te peço que cuide da Adriana nesse restante de gravidez e que dê o mesmo suporte que dá a Andressa, afinal a bebê que está chegando aí é sua filha também. Depois, você vê o que vai fazer, sei que está namorando, mas essas coisas se ajeitam.
-Ah! Vai sair à francesa e jogar a bomba na minha mão?
-Não é bem assim, tudo que acabei de te contar agora, contarei para a Adriana, não será fácil, mas depois disso, vou sair de casa, mas eu ficaria mais tranquilo se você desse uma força para qualquer coisa principalmente perto do parto.
Fiquei tentando absorver tudo aquilo. Em meus devaneios vingativos, entupido de antidepressivos, milhões de vezes imaginei Adriana voltando se rastejando, dizendo que me amava e eu a ridicularizando para todos. Agora, eu teria tudo isso e ainda o plus de ver o amante debochado se rendendo e tirando o time de campo, mas ao invés do doce sabor da vitória, o que eu sentia era fel puro.
Nunca duvidei que Alexandre quisesse mesmo ter uma vida feliz ao lado de Adriana, afinal de contas, se ele fosse um simples Ricardão, após seis meses de caso, já teria arrumado outras, mas ao invés disso, foi morar com ela e se fosse verdade tudo o que acabara de me contar, teve que engolir muitos sapos por mais de um ano.
Alexandre estava visivelmente arrasado, mas eu estava bem mais, tanto que antes de sair de minha sala, ele me olhou disse:
-Sinceramente, vim preparado para ouvir estridentes gargalhadas e deboches de toda sorte, só não esperava vê-lo assim tão arrasado.
-Só espero que você tenha mesmo dignidade e converse ainda hoje com a Adriana. O que farei depois ou se estou feliz ou arrasado não te interessa.
Fiz um gestão com a mão para que ele saísse.
Fui para casa completamente devastado, pensei em Leticia e em nossos momentos no Ceará e mesmo no dia a dia, aquele mulherão sensual que na cama era um vulcão, que em determinados momentos fazia palhaçadas como se ainda fosse adolescente e que em outros era a companhia mais doce que alguém poderia ter, dava muito e pedia quase nada em troca. Parado em um semáforo, falei sozinho: “Leticia...Eu te amo...” Era a primeira vez que eu dizia isso, mas infelizmente de nada adiantaria, depois da bomba recebida naquela manhã, tudo mudaria. Fui para casa, me joguei na cama e apaguei por horas. Mais tarde, ainda teria que bancar o responsável e ir falar com Adriana.
Acordei por volta de umas 17h. Tomei um banho e criei coragem para ligar para Adriana, só pelo seu tom de voz, notei que havia chorado, o que significava dizer que a tal conversa com Alexandre já tinha ocorrido. Perguntei:
-O Alexandre e você já conversaram?
-Ele contou tudo, só não sei por que ir falar com você antes. Esse idiota fez um monte de bobagens...Burro.
Eu a interrompi porque a sessão drama do dia já tinha sido longa demais e eu estava com minhas forças exauridas como se tivessem sido sugadas por um vampiro.
-Se você não se importar, eu gostaria de deixar a nossa conversa para amanhã, porque eu não estou bem.
-A gente não precisa conversar, fica como está, a diferença agora é que o Alexandre já saiu de casa e vou ter minha filha sozinha. Fica tranquilo, ninguém mais precisa saber.
Mesmo ao telefone, dava para notar que Adriana vivia um misto de espanto pelo que Alexandre fez, mas também de vergonha não tanto pela bebê, mas por ele ter contado a mim que notava que ela tinha se arrependido e estava mordida com meu relacionamento. Procurei encurtar:
-A gente tem que conversar sim. Se a filha é minha, é claro que teremos muito que conversar, mas hoje não, entendo que você esteja estressada, como também estou, tenta descansar e amanhã ou depois a gente marca uma conversa civilizada.
-Se a filha é sua? Se é verdade do idiota do Alexandre que ele é estéril, é claro que é sua, no fundo, eu tava preocupada, por isso, menti sobre quantas semanas estava, mas não adiantou nada.
-Ok. Procura descansar, só uma coisa, você está sozinha agora ou na casa dos seus pais?
-Tô na minha casa, o Alexandre levou umas roupas e foi para um apart-hotel não tem nem meia hora.
Insisti então para que ela fosse para a casa dos pais, mas Adriana dizia que não tinha cabeça para contar tudo, especialmente para a mãe. Falei então que ela inventasse que teve apenas uma discussão com Alexandre e por isso foi para lá, isso lhe daria tempo e também segurança, pois qualquer mal-estar que sentisse, teria gente por perto. Ela acabou aceitando ir e mais tarde pude confirmar que de fato ela foi.
Mais tarde, meu celular recebe uma mensagem. Era Leticia, os problemas não paravam de chegar...
Nesse momento, muitos poderiam apostar que tudo levava a um final óbvio, mas os dados ainda estavam rolando e qualquer prognóstico, seria mero chute.