Capítulo 20 Feliz Páscoa
Era o seu primeiro dia de trabalho como assistente de Valéria. Leandro pode retornar a usar a mesa que havia sido dele outrora.
Antes de começar o expediente, estava tenso e envergonhado pensando que os colegas lembrariam do vexame que Vanessa deu na última vez que esteve lá. Não comentou com Valéria sobre o seu receio. Sabia que a amiga diria que era bobagem da cabeça dele.
Reagiu com um sorriso ao ser recebido com flores na mesa e uma faixa de boas vindas. Os colegas o recebeu com um abraço e palavras gentis.
Valéria havia encomendado um kit festa com torta de chocolate, salgadinhos sortidos, brigadeiros e refrigerante.
Leandro não era um desconhecido na empresa. Por anos, frequentou o local como amigo da patroa e sempre foi muito gentil com todos, o que o fez conquistar a simpatia dos funcionários.
_ Leandro, você já conhece a minha secretária e braço direito Roberta. Então, ela vai te dá uma luz nos primeiros dias do que você deve fazer. Depois é contigo, porque a Ro é tão atarefada quanto eu.
_ Pode deixar, Roberta. Prometo ser um bom aprendiz e não tomar o seu tempo.
_ Imagina, Leandro. Será um prazer te ajudar.
Aos poucos, Leandro foi se habituando a uma rotina de trabalho. O despertador foi um grande aliado na sua organização. A cada hora que tinha algo a fazer, o alarme não o deixava esquecer.
Os primeiros dias foram cansativos. Apesar do trabalho não ser braçal, o seu corpo não estava acostumado a passar tantas horas sentado na frente de um computador. Chegava em casa morto, buscando banho, comida e cama.
No entanto, ao passar dos dias, foi se adaptando como tudo na vida.
A convivência com novas pessoas o fez um pouco bem. No momento em que estava com os colegas tomando a cerveja do fim do expediente, num bar próximo, conseguia esquecer um pouco dos seus problemas e interagir com as pessoas, ouvir suas histórias, rir de suas piadas e respirar novos ares.
As sextas-feiras Valéria o arrastava para um bar com karaokê. Depois de algumas bebidas, perdia a timidez e cantava junto com os amigos gargalhando, sem se importar que não tinha dom para o canto.
De tanto Júlio e Abner insistirem em liga-lo, trocou o chip do celular para não precisar manter o aparelho desligado.
De Júlio tomou asco. De Abner sentia saudades. Contudo, temia que o detetive particular contratado por Júlio descobrisse e registrasse o seu caso extra conjugal. Seu medo não era que a ira do ex marido caísse sobre ele. Pensava em Abner. Não achava justo que sofresse uma vingança de Júlio por sua causa.
Aguentava a dor da saudade por amor.
_ Sabe o que eu acho? Que você deveria ligar o foda-se e se encontrar com ele. Você tá doido pra dar mesmo.
_ Não acho uma boa ideia, Val. Como você mesma disse, não quero que o Júlio tenha nenhuma prova contra mim.
_ Prova de quê? Vocês estão separados há quase um mês. Não é mais adultério. E é injusto você ficar aqui nessa secura, sem macho nenhum, enquanto ele tá fodendo horrores com o tal do Abner e deus e o mundo.
_ Eu tenho medo que ele faça mal ao Dimitri. Sei lá... Júlio é tão estranho.
_ E você vai viver a vida toda com medo dele?
_ É bizarro saber que tem alguém na minha cola e eu não faço ideia quem seja. Além disso, eu tô com tanta saudade da minha filha!
_ Liga pra ela.
_ Já liguei várias vezes do telefone lá da empresa, mas ela não me atende. Criei uma conta no Instagram para falar com ela e a mesma me bloqueou.
_ Ela está com ódio de você. Júlio tá fazendo a sua caveira pra ela.
_ Isso é que mais me dói.
Valéria se comoveu vendo a expressão de tristeza do amigo. Ele retornou ao trabalho para evitar pensar em tudo aquilo e não se sentir ainda mais machucado.
_ Quer saber de uma coisa? Vamos agora mesmo falar com a minha advogada._ disse Valéria levantando da mesa e pondo a alça da bolsa no ombro.
_ Como assim? Eu tenho que organizar a sua agenda e...
_ Esqueça. Vamos logo.
O escritório da doutora Jaqueline Ramos ficava numa rua próxima á empresa de Valéria. Ocupava todo um andar de um prédio comercial simples, portas de vidro, ar condicionado, paredes pintadas de branco, ambiente limpo e confortável. Não chegava nem perto do luxo do prédio da empresa de Júlio, mas era um lugar agradável.
Por ser um dia útil de segunda-feira pela manhã, havia poucos clientes. Por isso, Leandro e Valéria não demoraram muito para serem atendidos.
Doutora Jaqueline Ramos é uma mulher de pele escura, cabelos negros e enroladinhos presos num coque. Usava pouca maquiagem para aparentar requinte e discrição. Vestia um terninho azul marinho listrado de preto e saltos pretos não muito altos.
_ Valéria! Que bom te ver!
Ambas se abraçaram e trocaram três beijos no rosto.
_ Esse é o meu amigo Leandro. Aquele que te falei.
_ O companheiro do meu colega Júlio Medeiros? É um prazer conhecê-lo.
_ Igualmente, doutora._ Leandro respondeu, dando um aperto de mão.
_ Sentem-se. Vocês aceitam um café?
_ Só se tiver álcool e duas pedras de gelo servidos num copo quadrado.
_ Valéria!_ Leandro a repreendeu envergonhado.
_ Você sempre espirituosa, Val._ Naquele comentou sorrindo.
_ O negócio é o seguinte, o Leandro quer dar entrada no divórcio e pedir a guarda da chatinha da filha dele._ Valéria dizia acendendo um cigarro. Envergonhado pela atitude da amiga em burlar a lei e fumar em lugar fechado, ele retirou o cigarro de sua boca.
_ Que merda, hein! Não se pode nem fumar em paz.
_ Isso ainda vai te matar aos poucos.
_ Pode ser aos poucos mesmo, Bijuzinho. Não tenho pressa nenhuma pra morrer.
Leandro a olhava balançando a cabeça negativamente.
_ Voltando ao assunto, Jaque, como nós fazemos para fazer tudo isso que o Bijuzinho deseja?
_ Sobre o divórcio, primeiro você terá que me fornecer os documentos necessários para que eu possa dar entrada. Como a Valéria havia me dito, você pretende requerer a guarda da sua filha, logo ela é menor de idade certo? Então vamos precisar da certidão de nascimento da menor e, se for o caso, o documento da adoção. Vocês possuem algum contrato pré nupcial? O casamento é comunhão de bens?
_ Aí que tá, Jaque. O pai do Leandro é tão ambicioso, que na época em que ele se casou com o Júlio, o safado não tinha nem onde cair morto e a família do Léo tinha um pouco de grana e um escritório de advocacia tipo esse seu, que o cara deixou falir.
_ Valéria não precisa escancarar a minha vida.
_ Eu estou explicando a sua situação. É Manterrupting interromper a fala de mulher! Voltando, o pai do Léo o fez casar com o Júlio com total separação de bens e ainda fez os dois assinarem um contrato pré nupcial que em caso de divórcio nenhum terá acesso aos bens do outro.
_ Hum. Entendi. O senhor tem o contrato em mãos?
_ Sim. Quando saí de casa eu levei comigo o contrato.
_ Mas há algum bem em que esteja no seu nome ou do casal? Essa separação de bens só é válida se for pessoal.
_ Não, doutora. Tudo que o Júlio adquiriu durante todos esses anos ele pôs em seu nome. Nem conta conjunta tínhamos. Eu só recebi um cartão de crédito como dependente do Júlio para que pudesse fazer algumas compras. As únicas coisas que Júlio comprou em meu nome foram os meus carros.
_ Eu sempre soube que na vida profissional o meu colega fosse esperto, mas pelo visto é na vida pessoal também.
_ É um mau caráter isso sim, Jaque. Um nojento. Acabou com a vida do meu amigo e só encheu o rabo de dinheiro.
_ Valéria, olha a boca!_ Leandro a reprimiu.
_ O senhor está empregado?
_ Sim. Ele trabalha comigo.
_ Se não tivesse, o senhor teria direito a receber uma pensão por um ano.
_ Não seja por isso. Eu demito o Leandro, mantenho trabalhando na ilegalidade e pedimos pensão ao safado.
_ Valéria, eu não acredito que você está dizendo na frente de uma advogada que vai contratar um funcionário por meios ilegais. Cara, você não existe. Doutora, não dê ouvidos a ela.
_ Isso seria vantajoso para você. Com o patrimônio do seu marido, creio que o valor da pensão será maior que o salário que a Val te paga.
Leandro a olhou espantado. Não esperava aquela atitude de uma advogada.
_ Não. Eu prefiro viver do meu trabalho. Deus me livre o Júlio me controlando de alguma forma. Eu vivi anos dependendo do dinheiro dele e tendo que comer nos seus pés por causa disso. Agora que conquistei a minha liberdade, não abro mão dela. Eu só quero o divórcio, doutora. Como vim de surpresa, não trouxe nenhum documento. Quais são os necessário para dar entrada no divórcio?
_ Eu vou te mandar uma lista via whatsapp ou e-mail.
_ Ótimo.
_ Eu vou precisar analisar o contrato pré nupcial, quem sabe acho algum furo para conseguir alguma coisa?
_ Ah, impossível. Meu pai também é advogado. Ele cuidou direitinho para que nada saísse dos trilhos.
_ Seu pai fez merda isso sim. Depois de dar entrada no divórcio, será marcada uma audiência de conciliação? Uma audiência para tentar fazer os ficarem juntos como nas novelas?
_ Não, Valéria. Essa audiência é para ter certeza que o casal mantém a vontade de prosseguir com o divórcio e discutir acordos. Há casais que mudam de ideia.
_ Há mas esse não é o caso do Leandro. Se ele dar pra trás, eu dou na cara dele.
_ E sobre a minha filha?
_ Peraí, antes de falar da chatinha, o Júlio não quer o divórcio, ele pode se recusar a assinar?
_ Sim.
_ Então o Leandro fica preso a ele?
_ Não. O doutor Júlio não é obrigado a assinar o divórcio. Caso isso aconteça, podemos dar entrada no divórcio letigioso.
_Ah, tá! Ufa!_Valeria exclamou com a mão no peito._ Então para dar entrada só precisa dos documentos?
_ Documentos e o pagamento de uma taxa.
_ Sem problemas. Pro Leandro ficar livre do Júlio eu pago o quanto for necessário.
_ E sobre a minha filha?
_ O senhor deseja a guarda unilateral ou compartilhada?
_ Sendo realista, doutora, eu sei que o Júlio não vai querer abrir mão da Vanessa. Eu acho que seria menos estressante uma guarda compartilhada.
_ No caso, com os documentos em mãos eu darei entrada no pedido guarda compartilhada. Um assistente social será enviado as residências dos pais para avaliar como é o padrão de vida de cada um, se é adequado para atender as necessidades da menor.
Mas eu vou ser realista também. Eu vou fazer o possível para que o senhor consiga a guarda da sua filha. Mas, temos que levar em conta que não será uma disputa fácil. O doutor Júlio é um dos melhores advogados do Brasil e a sua equipe está no mesmo patamar. E ainda acrescento que o padrão de vida que ele tem a oferecer a menor é muito maior que a do senhor.
_ Então, eu não tenho chances?
_ Nesse caso, eu recomendo tentarmos um acordo com o seu companheiro.
_ Por mim tudo bem. O difícil será Júlio querer fazer algum acordo.
_ Doutora, aproveitando o embalo, hoje você tá com sorte, porque tem serviços pra ti. O safado do Júlio está fazendo a cabeça da chatinha contra o Bijuzinho, nós queremos processar o safado por isso.
_ No caso o Bijuzinho é o Leandro?
_ Sim.
_ Vocês têm alguma testemunha?
_ Temos. É a Patrícia, empregada da casa.
_ Assim que entrarmos com o processo, a acusação será muito bem apurada por um juiz. E a menor passará por uma avaliação psicólogica para comprovar se a acusação procede.
_ E se tudo der certo? O que acontece com o Júlio?
_ Podemos pedir uma medida protetiva de afastamento, o que contaria como ponto positivo para o pedido de guarda.
_ A pena é que o palhaço não vai pra cadeia.
_ É difícil que isso aconteça, Valéria. Mas eu só quero que a justiça seja feita. Me dói saber que a minha filha me rejeita. Ele me pintou para ela como se eu fosse um monstro. E pior que não posso fazer nada para me defender. Estou com as mãos atadas.
_ Leandro, este é o meu cartão de vista, contendo os meus contatos. Você poderia me entregar todos os documentos o mais depressa possível? Assim faço uma análise de tudo e marcamos uma reunião par discutimos tudo sobre os processos. Seria bom se a sua testemunha puder vir também.
_ Ela virá._ garantiu Valéria.
_ Mais alguma dúvida?
_ Até agora não, mas tenho certeza que terei ao longo dos dias.
_ Quando isso acontecer, pode me mandar mensagem que responderei com todo prazer.
_ Obrigado, doutora.
_ E os seus honorários e os gastos com os processos? Preciso de um orçamento.
_ A minha secretária vai te passar tudo.
Eles se despediram. Leandro saiu do escritório desesperançoso. Sentia um mau pressentimento. Como se não tivesse chances de recuperar a filha.
Valéria sugeriu que parassem numa lanchonete. Pediu um sanduíche de frango defumado e um suco de uva. Leandro nada quis comer, apenas pediu um café expresso.
_ O ruim é que ela me odeia. Júlio tá acabando com a cabecinha da menina.
_ Deixe de ser pessimista, Leo. Nós vamos conseguir provar a alienação parental do Júlio e ele vai se foder nessa.
_ A própria doutora Jaqueline nos disse que será uma disputa difícil, visto que Júlio é peixe grande.
_ Peixe do tipo piranha né? Temos que ser mais espertos, Bijuzinho. Virar o jogo. Eu vou descobrir quem é esse tal de Abner, provar o adultério do Júlio para a chatinha. Aí ela vai descobrir que ele é o mentiroso e ele não terá mais o poder de fazer a cabeça dela contra você.
Leandro sorriu.
_ Agora mesmo que quero descobrir quem é esse tal de Abner. Vou mover céus e Terra para desmascarar o Júlio. Mas como você pretende, descobri, Val?
_ Se fosse esperto, já teria descoberto há muito tempo. As provas do "crime" de um adúltero sempre estão no celular dele.
_ Na verdade eu tinha medo de confrontar esse Abner.
_ Medo de quê?
_ Eu nem sei explicar. Mas agora vou passar por cima de tudo, do meu orgulho ferido,dos meus medos e do que for preciso para descobrir quem é esse safado. Pretende contratar um detetive?
_ Que nada. Vou fazer melhor. Vou pagar a secretária dele para que descubra e abre o jogo.
_ Você acha que a Lorena vai arriscar o próprio emprego só pra me ajudar? É óbvio que não.
_ Eu vou oferecer dinheiro pra ela. Aquilo ali tem cara de puta interesseira. Duvido que vá recusar.
....
Desde que Leandro foi embora Genaro não teve um dia de sossego. Teve que aturar o mau humor e as exigências do genro para desse um jeito de convencer Leandro a voltar para a casa, deixando a entender que o seu emprego estava por um fio.
Para piorar a sua situação, não fazia ideia de onde o filho estava. Procurou por Valéria, mas ela mentiu dizendo que não sabia o paradeiro de Leandro.
_ É um absurdo o que esse idiota fez! Onde já se viu sair de casa desse jeito? Ele é um egoísta! Não pensa na família!_ dizia a Angela, sentado no sofá da sala.
_ Eu sei onde ele está.
_ Onde?
_ Eu não vou te dizer. Não quero que corra e conte para o Júlio.
_ Ora essa! Deixe de bobagens,mulher! Eu mereço saber onde ele está! Sou o pai dele!
_ Eu vou convidá-lo para o almoço de páscoa. Será como fazemos todos os anos. Algo só para a família. Além do Leandro, vou convidar a sua irmã, o seu cunhado e os seus sobrinhos. O Júlio não será convidado.
_ Você tá louca? Não podemos fazer essa desfeita com o Júlio. Esqueceu de tudo que ele faz por nós?
_ Impossível não esquecer! O problema é que entre a presença do Júlio e a do meu filho, eu nem preciso te dizer qual é a minha preferida.
_ Os dois podem muito conviverem no mesmo ambiente.
_ Pra que, Genaro? Para brigarem? Esqueceu que os dois partiram para a violência? No momento, o melhor a fazer é que não se encontrem. Pelo menos até as coisas esfriarem.
Genaro a olhou desaprovando a sua atitude. Para ele seria mais prudente que Júlio participasse do almoço de páscoa. Tinha esperanças que os dois pudessem conversar e reatar a relação.
No dia seguinte, assim que chegou na empresa, procurou por Júlio e desobedeceu as ordens da esposa, convidando o genro.
_ Eu não sei tô com cabeça para confraternização de páscoa não, Genaro. O meu mundo parece que vai explodir.
_ Eu vou te dar um motivo para ir. Se chama Leandro._ Genaro disse sorrindo, despertando o interesse de Júlio.
_ Quem sabe assim vocês possam conversar e se acertarem?
Leandro foi pego de surpresa quando soube por Roberta, que Angela o aguardava na recepção. Ficou pasmo, se perguntando de que forma a mãe soube que estava trabalhando ali.
_ Bom, na verdade ela queria falar com a Valéria, queria saber sobre você. Aí eu acabei dizendo que você trabalha aqui. Fiz mal?_ Roberta perguntou desconcertada, com medo de ter cometido alguma garfe.
_ Não. Está tudo bem. Obrigado, Roberta.
_ Roberta, quando for assim, me solicite se deve ou não dar satisfação do Leandro para alguém. E se for o ex-marido dele, em hipótese alguma diga que trabalha aqui.
_ Tá bom, Val. Foi mal aí.
Roberta se retirou, voltando aos afazeres.
_ Você não precisa falar com ela, Leandro.
_ Eu vou falar com ela. Vê o que tem a dizer. Posso ir almoçar agora? Assim aproveito para conversar com a minha mãe.
_ Vai lá.
Angela forçou um sorriso ao ver Leandro. Lembrou-se do quanto se dedicou na educação do filho para que se tornasse um homem bem sucedido. Estava decepcionada em vê-lo como assistente de Valéria.
Preferiu ocultar a insatisfação para evitar uma briga. Abraçou-o forte para matar a saudade e aceitou o convite do filho para almoçarem juntos.
_ Vamos ao Coersalla? Há tanto tempo não almoçamos lá. Lembra que era o seu restaurante favorito?
_ Ah, mãe, não vai dar. O Coersalla é um restaurante muito caro. Não tenho condições de pagar. Mas tem uma pensão aqui perto que é ótima. A comida é caseira e uma delícia.
_ Eu lutei muito para que você nunca precisasse comer PF em pensão de quinta.
_ Vai começar, dona Ângela?
_ Não. Eu vamos ao Coersalla, eu pago.
_ Mãe, eu...
_ Eu pago e não se fala mais nisso.
Leandro não quis contrariar a mãe. Mas ficou muito incomodado com a soberba dela.
Sentaram á uma mesa próxima a parede de vidro, de onde podia ter a bela vista do mar azul.
_ Nossa! Essa lagosta está maravilhosa._ Leandro disse, fechando os olhos para saborear o gosto.
_ Imagino que há tempos não coma bem.
_ Aí que você se engana. Estou me alimentando muito bem e dormindo também.
_ Você sabe do que estou dizendo. Filho, você sempre teve conforto...agora se tornou um proletariado. Não era isso que eu queria pra você.
_ Você fala como se nunca tivesse sido pobre.
_ Sim. Eu fui muito pobre, passei até fome. Por isso mesmo que sempre quis o melhor pra você.
_ Mãe, eu tô bem. Eu tenho um emprego e mesmo não ganhando rios de dinheiro, eu não dependo mais do Júlio e não preciso aguentar as humilhações dele. Eu tenho paz, mãe! Você não sabe o quão bom é poder deitar a cabeça na cama e não se desesperar porque o seu marido está na rua te traindo, perder a noite de sono, contando as horas para que ele chegue logo. Mãe, antes eu ouvia críticas em casa, agora eu escuto música. Eu posso te dizer que valeu muito a pena trocar todo aquele luxo pela liberdade.
Angela sorriu. Reparou que o filho estava mais corado, havia ganhado um pouco mais de peso e já não tinha o cansaço nos olhos, que costumava ter. Ela teve certeza que Leandro estava descobrindo como era boa a vida sem Júlio e, com isso, a sua decisão da separação seria irredutível. O que seria preocupante, pois Júlio não desistiria de tê-lo de volta, podendo fazer qualquer coisa de ruim para que isso pudesse acontecer.
_ Se para você está bom assim, quem sou eu para dizer que não está? Eu quero que você vá ao almoço de páscoa lá em casa.
_ Ah, não sei, mãe. Eu tava pensando em ir á casa dos pais da Val este ano.
_ E por caso foram os pais da Val que te deram a vida?
_ Mãe, eu não quero dar de cara com o Júlio.
_ Júlio não foi convidado.
_ Sério?
_ Eu garanto. Já até deixei de aviso para o seu pai. E a sua tia vai estar lá, ela tá doida para te ver.
_ A Vanessa vai?
_ Eu não convidei.
_ Eu gostaria de vê-la desde que fui embora, ela se recusa a falar comigo. Eu tô com saudades.
Angela não gostava nem um pouco da neta. Achava um absurdo ela negar a fala ao pai e se deixar levar pelas palavras de Júlio. Mas, percebendo a tristeza do filho, decidiu que a convidaria, o que deixou Leandro mais esperançoso.
Nas prateleiras do supermercado havia ovos de páscoa diversificados em tamanhos, sabores, marcas e preços. O local estava mais colorido devido a decoração. As caixas de bombom estavam empilhadas em formato de uma casa e um dos corredores havia os ovos de chocolates pendurados formando um teto.
Leandro tentava passar entre as pessoas com o carrinho. Valéria ao seu lado reclamava do tumulto e do calor sufocante.
Leandro, pela primeira vez na vida, pesquisava preço para comprar. Para ele era uma experiência desconfortável. Sempre comprara Ovos de páscoa em lojas especializadas em chocolate importado da Suíça, em ambientes tranquilos e sendo muito bem atendido pelos vendedores.
_ Qual desses dois eu levo para a minha filha? O de prestígio ou brigadeiro?
_ Bijuzinho, vou ser sincera contigo. Você sabe que a sua filha, toda patricinha e acostumada a ganhar chocolate importado, não vai gostar nada de ganhar ovo da páscoa da Bauducco. Eu até me arrisco dizer que ela vai fazer desfeita, ainda mais agora que está com raiva de você. E sem contar que de um lado você vem ovo da Bauducco e o do outro vem Júlio com o que ela está acostumada.
_ Obrigado por aumentar a minha insegurança.
_ Eu estou sendo realista. E além do mais, eu no seu lugar nem iria almoçar com os seus pais. Bijuzinho, a minha mãe te adora e tá louca pra te ver. Venha comigo. É melhor do que ir para a casa dos seus pais e ter o desprazer de dar de cara com o Júlio.
_ A minha mãe me garantiu que Júlio não estará lá.
_ E você acredita nela? Você sabe muito bem que os seus pais não são de confiança.
_ Eu acho que desta vez ela está falando a verdade. Ela mesma me aconselha sair de casa.
_ Sei não. Ainda não confio cem por cento na sua mãe_ Eu já disse que não vou! Não quero olhar na cara dele!_ Vanessa gritou batendo o pé, deixando Angela irritada.
Ela e Genaro foram á casa de Júlio naquela noite para convidar a menina para o almoço de páscoa. Angela detestava o jeito arrogante da neta. Por ela mesmo nem convidava a garota. Só estava fazendo esse sacrifício por causa do filho.
Júlio ainda não havia chegado. E Vanessa se encontrava só em casa, assistindo Tv e comendo pizza no jantar, tomando Coca-Cola.
Ela comia no sofá, sentada com as pernas em forma de borboleta.
_ É isso que você está comendo no jantar? Leandro não vai gostar nada disso._ Angela disse revoltada com a negligência de Júlio com a alimentação da menina. Não que ela se importasse com a saúde de Vanessa. Mas vía aquilo como uma afronta ao filho.
_ Como se ele se importasse. Ele prefere mil vezes foder com um vagabundo qualquer do que se preocupar com o que eu como.
_ Garota, deixe de ser abusada! Tenha mais respeito pelo seu pai!
_ Um homem que abandona a família para ficar de putaria não merece o respeito de ninguém.
_ Sabe o que te faltou? Foi Leandro ter te dado umas boas palmadas para deixar de abusada. Você nem sabe o que tá dizendo. Tá se deixando envenenar pelo mau caráter do Júlio!
_ Não fala do meu pai, sua megera!_ Vanessa gritou, levantando do sofá.
_ Abaixe o tom para falar comigo, pirralha! Ou eu te meto a mão na cara!
_ Tenta a sorte._ Vanessa a desafiou, a olhando com deboche e cruzando os braços.
Angela detestou a afronta e ergueu a mão. Contudo, Genaro segurou a esposa, a pedindo que se acalmasse.
_ Sabe de uma coisa, pirralha insuportável, se dependesse de mim, eu nem teria te convidado. Só fiz isso porque Leandro tá com saudades de você.
_ Até parece. Ele quer mais é que eu me exploda.
_ Você não sabe o que tá falando. O meu filho se preocupa muito com você sim.
_ O único que se preocupa comigo é o meu pai Júlio.
_ Ah, é mesmo? E cadê ele então? Tá tão "preocupado" que te deixou sozinha em casa, as onze horas da noite.
_ Ele está trabalhando. Meu pai não é uma perua desocupada como você.
Angela gargalhou.
_ Trabalhando? A essa hora? Uma menina tão arrogante com um nariz empinado, se acha tão esperta, mas é burra como uma porta!
_ Já chega, meninas! Basta dessa discussão! Não viemos aqui para brigar. Já não basta esse clima ruim da separação do Júlio e o do Leandro? Vamos tentar manter a cabeça no lugar.
"Querida, a sua avó está nervosa. Tente se acalmar também."
_ O mal de vocês é falarem com essa menina petulante como se ela fosse uma rainha! Eu já tô de saco cheio.
_ Então, não pise mais na minha casa. Você não tem nada para fazer aqui. Nunca gostou de mim mesmo, assim como eu nunca gostei de você.
_ Vai ser um prazer não ter que olhar mais nessa sua carinha que pede tapas.
Angela pegou a bolsa e saiu batendo a porta.
_ Vai tarde, sua bruxa!_ Vanessa gritava na soleira da porta._ Não sei como o senhor consegue suportar essa mulher, vovô. O senhor merece coisa muito melhor.
_ Agora que estamos só nós dois aqui, podemos conversar melhor, minha queridinha. Venha, sente aqui com o vovô._ Genaro a convidou para sentar, batendo no sofá.
Vanessa sentou cruzando os braços e pondo um dos pés em cima do estofado.
_ Eu sei que você está chateada com tudo isso que está acontecendo. Eu também estou. Sei perfeitamente o que está sentindo.
_ Não é justo tudo isso. Ele não poderia ter me abandonado._a menina lamentava com as lágrimas começando a umedecer os seus olhos.
_ Leandro não te abandonou. Ele só deu um tempo no casamento.
_ Que tempo, vovô? Os meus pais sempre brigaram, mas ele nunca saiu de casa. Fez isso porque foi pela cabeça da puta da Valéria, que ainda teve a pachorra de arranjar macho pra ele.
_ Eu não acredito que Leandro tenha um amante. Isso é coisa que o Júlio tá pondo na cabeça. Eu conheço o meu filho. Sei que é correto.
_ Então, por que ele foi embora?
_ Ele pode voltar. Você quer que ele volte?
Vanessa respondeu balançando a cabeça positivamente.
_ Tem saudades dele? Pra mim você pode se abrir.
_ Tenho muitas saudades. Eu só queria que o meu pai voltasse.
_ Ele vai voltar. Você pode traze-lo de volta.
_ Como, vovô?
_ Vanessa, você não é uma garota comum. Você é uma futura mulher poderosa. Você será uma advogada como eu e seu pai, e herdará umas das melhores empresas de advocacia do país. Mulheres poderosas não desistem facilmente dos seus objetivos. Elas persistem até o fim e lutam com as armas certas. E sabe qual é a principal arma de um bom advogado? É ter uma boa oratória, analisar a lei e usá-la a favor do seu cliente.
Vanessa prestava atenção em cada palavra em que o avô dizia sem dizer nada, apenas absorvendo.
_ Minha querida, a adolescência nada mais é do que um ensaio para a vida adulta. Você deve começar agora a ser uma mulher poderosa e usar a contexto e a oratória a seu favor. Só assim você terá o seu pai de volta nesta casa.
_ Como assim?
_ Querida, a única pessoa que fornece base para Leandro viver fora desta casa é a Valéria. Se essa amizade acabar, Leandro não terá com quem contar a não ser o Júlio. Na certa, ele volta pra casa.
_ Isso faz total sentido. Pelo que fiquei sabendo o meu pai está morando com ela. Valéria o sustenta. Se a puta ficar com raiva dele, ela o põe pra fora de casa e assim ele não terá outra alternativa a não ser voltar pra casa. Caralho, vô, o senhor é um gênio!
_ O que você precisa fazer é se aproximar do seu pai e da Valéria. Não para brigar, mas sim para balançar a bandeira branca. Ficar próxima dos dois, sendo boazinha e agradável e assim vai plantando a discórdia na surdina, como quem não quer nada.
_ Ah, mas eu não sei se vou conseguir, vô. Eu não consigo ser falsa.
_ Você é uma grande mulher, será poderosa um dia. Nasceu para ser uma imperatriz. Você tem a persuasão impregnada no DNA, afinal é filha de um grande advogado. Com certeza, vai saber fazer uso dela. Você não sabe o poder que tem.
_ É...eu acho que consigo sim. Mas essa coisa de persuasão impregnada no DNA é engraçado. Eu amo o meu pai, mas infelizmente não tenho o DNA dele.
Genaro a abraçou com carinho.
_ Esse almoço pode ser uma boa oportunidade para se aproximar do Leandro. Você diz que quer visitá-lo na casa da Valéria, o convença a aceitar. Assim você se aproxima da Valéria e faça as pazes, conquiste a confiança dela e dê o bote.
Vanessa sorriu, maliciosaVanessa despertou assustada às quatro da manhã. Deu-se conta que havia adormecido no sofá, com a cabeça apoiada no braço do estofado. Viu que a casa estava em silêncio e iluminada na sala, que o resto dos cômodos estavam imersos ao breu.
"Na certa o meu pai ainda não chegou. Ele teria me acordado e me mandado dormir no quarto." Vanessa pegou o celular e ligou para Júlio, que não atendeu. A adolescente ficou preocupada. Lembrou-se de quando o pai foi assaltado e teve medo que tivesse ocorrido novamente.
Mandou mensagem perguntando onde ele se encontrava, dizendo que estava preocupada.
Júlio respondeu alguns minutos depois.
"Estou bem, meu amor. Estou com a cabeça cheia. Não consigo ter um minuto de paz desde que Leandro foi embora. Não quero ficar chorando na sua frente. Por isso, ao sair do trabalho, peguei o carro e vim para o sítio para me isolar um pouco. Eu preciso desse tempinho pra mim."
Vanessa ficou triste lendo a mensagem do pai. A separação deles era muito dolorosa para ela. Quis proteger Júlio de toda tristeza, abraça-lo.
Respondeu a mensagem com palavras de consolo, sendo solidária a sua tristeza.
"Obrigado, meu amor. Você tá bem?"
"Tô sim, pai"
"Então, vá descansar, minha filha. Beijos."
"Outro 😘."
Ao se despedir da filha, Júlio pôs o celular na mesinha ao lado do sofá que estava sentado. Ergueu a cabeça, gemendo sentindo o pau ser chupado por um jovem.
O advogado se encontrava numa mansão que possuía paredes de vidro. O local estava iluminado por luzes vermelhas e havia vários homens nus fazendo orgias, consumido bebidas alcoolicas e outras drogas ilícitas. Era uma festa particular, promovida por um amigo pessoal de Júlio.
Os mais belos garotos de programa foram contratados para fazer a alegria de homens ricos e promíscuos. Júlio era um frequentador de carteirinha das festas promovidas por Carlinhos Souza. E naquela noite, se divertia como nunca.
As festas costumavam se prolongar por dias. Júlio foi convidado por Carlinhos a ficar e passar o fim de semana. A sua intenção era ficar até o sábado. Domingo retornaria para a casa, pois tinha a intenção de rever Leandro.
Júlio penetrava os dedos entre os cabelos do jovem, empurrando a cabeça dele para frente e para trás.
Ao seu lado, surgiu um outro homem que beijou a sua boca, em seguida desceu a língua para chupar os seus mamilos. E um outro ajoelhou diante dele para revezar a mamada com o moreno.
Era a primeira vez que Vanessa passava a sexta-feira Santa sozinha. O silêncio da casa e a solidão a fez sentir uma tristeza tão grande, que desabou em forma de lágrimas.
A sua família nunca foi religiosa. Leandro é agnóstico e Júlio ateu, o que a influenciou a não ter nenhum tipo de crença no sobrenatural. No entanto, a família, por tradição, sempre comemorava junta as festas.
As sextas-feiras Santas era certo ter a bacalhoada portuguesa á mesa, Salmão, camarão e outros mariscos nobres, a casa cheia de amigos e familiares, gargalhadas, conversar e vários posts no Instagram.
Agora não havia nada daquilo, nem almoço, nem os convidados, o pior, nem os seus pais.
Caminhou pela casa de pijama e descabelada, indo até a cozinha para tomar café da manhã. Reparou que tanto a geladeira, quanto a despensa estavam meio vazias. O responsável pelas compras do mês era Leandro, e desde que esse foi embora, Júlio não se preocupou com isso.
_ Que merda! O que eu vou comer?_ Se perguntou parada, diante da geladeira aberta.
Achou um absurdo Patrícia deixar a casa naquele estado. Prometeu a si mesma que se queixaria com Júlio e que ele daria um jeito naquela empregada incompetente.
_ Oi, Vanessa._ Patrícia atendeu a ligação de Vanessa revirando os olhos para cima. Estava revoltada de ser incomodada em pleno feriado.
_ Patrícia, não tem nada nesta casa para comer! Como que você deixa a despensa chegar a esse ponto? Não é porque Leandro foi embora que isto aqui se transformou na casa da mãe Joana.
_ Oh, garota, eu não tenho nada com isso se o Júlio não fez o supermercado. A minha função é cuidar dos afazeres domésticos, eu não tenho acesso ao dinheiro para poder fazer compras. E por sinal, eu o avisei diversas vezes que despensa estava vazia. Ele nem ligou.
_ Aí que droga! Eu tô com fome!
_ Peça alguma coisa pelo Ifood.
_ Hoje é feriado, Patrícia. Não tem restaurante funcionando.
_ Claro que tem, Vanessa. E além disso, tem macarrão e molho de tomate congelado.
_ Eu não sei cozinhar.
_ Então, não sei como te ajudar.
_ Você poderia vir até aqui e preparar o meu café da manhã e almoço.
_ Ah, tá. Até parece que vou sair da minha casa, em pleno feriado para cozinhar para a princesa. Se enxerga, Vanessa.
_ Poxa, Patrícia, vai me deixar com fome?
_ Você ontem pediu aquela pizza enorme. Você sozinha não deve ter comido aquilo tudo! Aliás, o Júlio tá aí?
_ Não. O meu pai vai passar o fim de semana fora e eu odeio pizza requentada.
_ Uh, é! Ele te deixou sozinha?
_ Sim. Você vem ou não vem?
_ Claro que não vou! Eu, hein. Deixa eu desligar que estou agindo o almoço aqui em casa. Tchau.
Vanessa não respondeu. Irritada, encerrou a ligação sem se despedir.
_ Que garota mal educada! Desligou na minha cara! Agora quem não vai gostar nada nada de saber que essa garota está largada é Leandro. Logo Júlio que vivia chamando Leandro de incompetente, que não sabia cuidar da menina, sendo que ele mesmo tá deixando muito a desejar.
Não vendo outra solução e sentindo a fome apertar no estômago, Vanessa corta uma fatia de pizza e põe para aquecer no microondas. No copo põe um pouco de Coca-cola no copo, arrumando tudo numa bandeja.
Ela decide fazer a refeição no quarto, enquanto assiste TV. No primeiro canal que clica está exibindo o filme Garotas malvadas e se recorda do dia em que assistiu o filme com Leandro. Sentia a saudade apertar no peito e choro veio em seguida.
Vai até a gaveta e pega a carta de despedida.
"
Minha querida filha,
sinto muito por tudo que te fiz presenciar de ruim durante esses últimos anos, por, de alguma, forma ter deixado que os meus problemas te fizessem sofrer.
Eu acreditava que mantendo a minha presença nesta casa tornaria a vida um pouco melhor para você, que assim você poderia ter uma família. Mas, eu estava errado.
O meu relacionamento com o seu pai já não estava bem há muitos anos. Eu não tenho mais estrutura emocional para seguir a diante com tantos abusos e desrespeitos. Fisicamente posso parecer estar bem, posso até fingir um sorriso e passar a imagem de um homem feliz no seu casamento. No entanto, a minha alma está destroçada, ferida de um jeito que nem sei se terei forças para me curar.
Sem perceber, durante esses anos, aquela parte sonhadora, alegre, que via na vida uma dádiva para lutar pela realização dos seus sonhos; essa parte foi morrendo aos poucos.
Hoje não tenho mais nada. Meus sonhos morreram, não consigo ver graça em nada. Sei existo, mas não vivo.
Equivocadamente, acreditei que suportando tudo isso eu estaria fazendo o melhor para você. Contudo, aconteceu o inverso. Me dói muito ver as suas lágrimas quando presencia as nossas brigas, quando você me abraça e me pede para parar de chorar, que não aguenta mais me ver sofrer. A sua dor me machuca tanto!
Eu quero que saiba que estou indo embora desta casa, mas nunca da sua vida. Sempre que precisar estarei disponível para você. Nunca vou desistir de você, meu anjo.
Prometo nunca ser ausente, as portas da minha casa, da minha vida e do meu coração sempre estarão abertas para ti. Sempre que precisar de um ombro para chorar, de um amigo para desabafar, de um socorro, de um abraço eu estarei disponível.
No momento, não tenho condições de te receber em meu novo lar. E ainda não posso te revelar onde estou. Não porque não confio em você. Muito pelo contrário, confio e muito. A verdade é que eu planejava cuidar de tudo para te oferecer o máximo de conforto possível. No entanto, devido as circunstâncias, tive que sair desse jeito da casa.
Durante uns dias, o meu número de celular não estará disponível. Preciso me ausentar um pouco, pôr a cabeça no lugar e resolver um turbilhão de coisas.
Mas, eu prometo que estarei tomando conta de você de alguma forma. Se precisar falar comigo, me chame pelo direct do Instagram da Valéria. Eu sei que vocês duas não têm uma boa relação, mas é a única forma de comunicação possível neste momento.
Espero que se cuide. Continue se alimentando bem, dormindo no horário, tomando os seus remédios e não negligenciando os estudos.
Despeço-me nesta carta prometendo que vou lutar para ficar de pé por você, porque sei que precisa de mim. Eu vou me recuperar, vou batalhar muito para conseguir reunir forças e ser o melhor de mim para você.
Lembre-se isso não é um adeus, é um até logo.
Amo-te, minha flor.
Beijos,
do seu pai, que tanto te adora."
A menina terminou a leitura da carta em prantos, estava vermelha e soluçava. Pegou o ursinho de pelúcia e o abraçou forte, deitando na cama. Sentiu vontade de ligar para Leandro, mas o orgulho falou mais alto.
....
Valéria viajaria para a casa dos pais na quinta-feira à noite. Mas estava tão cansada, que deixou para o dia seguinte.
Vestia vestido longo estampado de flores amarelas e o fundo branco, calçava sandálias rasteirinhas rosa e óculos escuros na cabeça. A bagagem vermelha estava ao lado, quando se despediu de Leandro, no estacionamento do seu prédio.
_ Tem certeza que não quer ir para Saquarema comigo, Bijuzinho? Eu posso te esperar aqui, enquanto faz as malas.
_ Não vou não, amiga. Eu já combinei com a minha mãe de ir á casa dela. E além do mais, estou morrendo de saudades da minha flor.
_ Eu tô sentindo que esse almoço vai dar ruim. Mas, de qualquer maneira, te desejo sorte. E uma boa Páscoa. Ah, aproveite que está sozinho em casa, chame um garoto de programa. Você tá precisando dar uma sentada. Para despistar o tal detetive, você pode pedir para ele vir vestido de entregador de pizza. Que fantasia gostosa!
_ Só você mesmo. Agora vá, porque o trânsito vai estar um caos. Boa viagem e mande um beijo pra sua família.
Os dois se despediram dando um selinho demorado. Leandro ainda ficou alguns segundos observando a amiga sair com o carro, antes de retornar ao apartamento.
A sua sexta-feira Santa foi tranquila. Aproveitou para organizar a casa da amiga e tentar cozinhar. Preparou um Yakisoba de Camarão e legumes, pegando a receita num vídeo do YouTube. Enquanto cozinhava, recordava de Abner e da noite em que estiveram juntos na cobertura. Sentiu vontade de ligar para o cozinheiro. Saber como estava.
Ficou relutante. "Depois de todo esse tempo, e com tantas rejeições, ele nem vai querer olhar na minha cara." Olhava para a tela escura do celular pensativo. "Ligo ou não ligo?"
Deixou o desejo falar mais alto.
Abner ficou receoso de atender o número desconhecido. Temeu ser Franklin. Contudo, o número insistia. "Foda-se! Assim acaba logo essa aflição."
Abner atendeu com a voz áspera e desmoronou ao ouvir a voz dócil de Leandro do outro lado da linha.
_ Meu amor! Que saudade!_ Abner exclamação sorrindo, desejando puxar Leandro pelo telefone e trazer para si.
_ Como você está, Dimitri? Conseguiu resolver o seu problema com o tal Franklin?
_ Eu estava péssimo. Mas não por causa do cara e sim, porque estava morrendo de saudades de você. Eu preciso te ver. Temos que você não me quisesse mais.
_ Aconteceram muitas coisas na minha vida nos últimos dias. Eu tô com um turbilhão de coisas para resolver.
_ Eu estive no escritório da Val, mas ela não quis me dar informação sobre você. O que aconteceu, meu anjo?_ Abner perguntou sabendo a resposta, mas queria muito ouvir de Leandro que estava separado de Júlio.
_ Eu sair de casa. Tive uma briga feia com o Júlio e cheguei ao meu limite.
_ Como assim?! O que aconteceu?
_ É uma longa e cansativa história. Outro dia te conto com calma.
_ Tudo bem. Eu quero te ver. Tô morrendo de saudades de você. Venha ao meu apartamento neste fim de semana. Ou eu posso te pegar, onde você marcar e a gente pode dar um rolê por aí.
_ Neste fim de semana não vai dar, vou á casa dos meus pais.
_ Oh, meu amor, eu preciso tanto te ver, por favor! Eu posso te pegar na segunda.
_ Dimitri, a minha vida tá complicada. Deixe eu resolver algumas coisas e depois a gente se vê.
_ Eu não sei se quero esperar. Não vejo motivos para isso, já que você está solteiro.
_ Sem pressão, por favor. Dá última vez que estivemos juntos brigamos por causa disso.
_ Tá bom...tudo bem..._ Abner disse com a voz entristecida._ Esse é o seu novo número?
_ Sim. Salve aí.
_ Já salvei, minha vida.
Eles conversaram por alguns minutos antes de se despedirem. Em meio ao assunto, astuto, Abner fez com que Leandro disse onde era o bairro em que os seus pais moravam, assim ficaria mais fácil encontrar a casa.
Leandro encerrou a ligação suspirando. Deu para matar um pouco da saudade que sentia de Abner.
Após o jantar, Leandro deitou para ler o livro O velho e o mar, de .... Sua leitura foi interrompida pelo som do toque do celular.
_ Oi, mãe.
_ Oi, meu amorzinho. Como você está?
_ Estou bem. A Val já foi viajar e eu estou aqui, de boa lendo. E você e o papai?
_ Nós fomos almoçar na casa da tia Catarina. Foi um tédio como sempre. Oh, mulher chata!
"Meu amor, bem que você poderia vir amanhã, heim. Assim você já dormia aqui e me dava uma mãozinha."
_ Tá bom, mãe. Mas, eu vou a noitinha. Vou aproveitar o dia para pôr algumas coisas em ordem aqui. Coisa de trabalho.
_ Tá bom então, meu amor. Eu vou preparar aquele caldo de frango com mandioca que você tanto gosta.
_ Hum! Que delícia! Até amanhã, mãe.
_ Até amanhã, meu amor. Beijos.
_ Outro.
_Quem é vivo sempre aparece._Disse Genaro observando Leandro entrar em casa, trazendo em mãos umas sacolas de papel pardo. Genaro reparava os cabelos do filho, que estavam mais compridos e ignorava a sua boa aparência.
Leandro cumprimentou os pais com abraços e beijos nos rostos. Estava feliz em vê-los. Não tinha mais mágoas pelo passado e sentia saudades do clima familiar.
_ E esse cabelo comprido? Tá tão pobre que nem tem dinheiro para cortar isso?_ Genaro ironizou tocando nas pontas dos cabelos do filho, o deixando sem jeito.
_ Deixa de ser desagradável, Genaro! Oh filho, é tão bom te ver! Já até mandei preparar o seu antigo quarto. Fico muito feliz que veio nos visitar.
_ Eu trouxe uns presentinhos para vocês. Chocolate para você, mãe.
Leandro disse entregando uma das sacolas a ela. Ao abrir, Angela pode ver uma caixa de bombons em formato de coração, com um laço de fita vermelha na tampa. Ela o agradeceu com um abraço apertado e um beijo no rosto.
_ Pai, como você é a única pessoa do mundo que não gosta de chocolate, eu trouxe uma garrafa de vinho.
Genaro não abriu o embrulho com muito entusiasmo. A garrafa veio dentro de uma caixa marrom junto com uma taça de vidro barato. Acostumado a degustar vinhos de boa qualidade e preços elevados, Genaro desconhecia a marca popular do vinho tinto que foi presenteado.
_ Você chama esta porcaria de vinho? Se eu tomar isto, vou ter dores de cabeça._disse retorcendo os lábios com desdém, devolvendo a garrafa ao filho e se retirando.
_ Não liga para esse velho ranzinza, meu amor. O seu pai está cada dia pior.
_ E vai piorar cada vez mais. Ele não se conforma que me separei do Júlio. Se está assim agora, imagine quando eu assinar o divórcio._ Leandro disse rindo.
_ Assim é bom que ele enloquece de vez e eu o interno num manicômio.
Leandro gargalhava, ao contrário de Angela, que não estava nada satisfeita com as atitudes do marido.
Antes do jantar, Leandro se acomodou no quarto, trocando as suas roupas por uma calça de moletom cinza e uma blusa branca, que a mãe guardava em sua casa.
Decidiu olhar os seus antigos objetos que ficavam numa caixa de madeira. Dentro dele havia uma fotografia antiga, a primeira que tirou com Júlio aos beijos debaixo de uma árvore. A foto foi tirada por Valéria.
Era um dia de outono, em que todos os jovens de divertiam na piscina do sítio, que outrora fora de sua família e hoje pertence a Júlio. Leandro sentiu o coração aquecer ao se lembrar do quão feliz estava naquele dia. O sorriso de Júlio o irradiava, fazia com um frio gostoso gelasse na sua barriga. Na noite anterior, conheceu o prazer sexual pela primeira vez. Júlio não só desvirginou o seu corpo, como também o seu coração. Ah, como estava apaixonado! Foram tantos planos que traçaram para o futuro, deitados nus sobre a cama, com dedos entrelaçados. Naquele momento, nasceu o sonho de construir uma família, de partilhar a vida e se tornarem companheiros na jornada da vida. Leandro acreditava que o seu coração se fundia ao de Júlio, tornando um só. Tantos sonhos! Tantas expectativas!
"Aonde foi parar esse Júlio? O que aconteceu com esse homem tão maravilhoso, que eu sempre amei e admirei?" Leandro chegou a conclusão que, talvez, esse Júlio nunca existiu, que não passou de uma idealização criada por um jovem ingênuo e apaixonado.
Angela entrou sem que o filho percebesse. Ficou parada diante dele, com os braços cruzados, o vendo imerso as lembranças que um dia o fizeram feliz.
_ Filho?
Leandro a olhou assustado, como se tivesse sido despertado aos gritos.
_ O jantar está servido. Não me diga que está com saudades do traste.
_ Não. Eu estou com saudades da minha filha. Ela vem amanhã?
_ Bom...quando estive lá na sua...na casa do Júlio para convidá-la, ela deu um showzinho ridículo de birra. Eu tive que sair de perto para não dar na cara daquela mimada. O seu pai ficou lá conversando com ela e disse que ela vem sim. Eu vou ser sincera, acho que talvez não venha.
Leandro abaixou a cabeça entristecido.
_ Eu sinto muito, meu amor.
_ Tudo bem. Você fez o que pode, mãe.
Angela sorriu, beijando o rosto do filho.
Ela havia caprichado no caldo de frango com mandioca. Fez com todo carinho para poder agradar o filho.
Angela gostou de ter Leandro em casa novamente. Vendo-o na mesa de jantar, conversando com a família, se recordou de como a vida era boa quando Leandro vivia naquela casa. Sentiu ainda mais raiva de Júlio por ter tirado de si a sua preciosidade.
Os três conversaram sobre vários assuntos literatura, politica, futebol e assuntos triviais do dia a dia. Podíamos até dizer que o clima estava harmônico. Até que Genaro soltou:
_ O que está fazendo para sobreviver? Não me diga que deixou de ser o gigolô do Júlio para ser o gigolô da Valéria.
_ Por que você faz isso, hein? Precisa estragar tudo?_ Angela perguntou revoltada.
_ Uh, é! Eu preciso saber o que o meu filho anda fazendo da vida.
_ Eu não sou gigolô de ninguém. Vivo do meu trabalho.
_ É mesmo? Em que trabalha e onde vive?
_ Eu trabalho como assistente da Valéria. E sobre onde vivo, com todo respeito,pai, mas não vou lhe dizer. Não confio em ti. Com certeza, quer saber para ir correndo contar para o Júlio.
_ Então quer dizer que todo aquele investimento com a sua educação foi para a lata do lixo? Eu gastei rios de dinheiro para te pagar as melhores escolas, cursos de idiomas, intercambio e mais um monte de coisas para você se acabar como assistente da Valéria? Você se tornou um empregadinho da sua amiga? Que decepção!
_ Ah, tá decepcionado, pai? O fato de eu ter um pouco de independência e ser tratado como um ser humano te decepciona, né? Pra você era bom, quando eu me sujeitava aos mais tratos do Júlio e as suas humilhações só para poder continuar a ser bancado.
_ E você acha digno ser um proletariado qualquer? É burrice trocar tudo aquele luxo pela miséria.
_ Na miséria eu estava quando era infeliz e humilhado! Ao contrário de você, pai, eu trabalho com dignidade.
Genaro soltou uma gargalhada. Angela o olhava com raiva por ter provocado aquela discussão.
_ Dignidade ganhando uma merreca? Quanto a Valéria te paga? Um salário mínimo?
_ Ela me paga bem menos que o Júlio paga a você. Mas me trata muito melhor do que ele trata. Ela me vê como um ser humano e o Júlio te vê como um capacho.
_ Você me respeite, seu moleque! Eu sou o seu pai!
_ Tá parecendo mais o meu cafetão. Você a vida inteira me vendeu para o Júlio e agora está com raiva porque não aceito mais ser tratado como sua mercadoria! Júlio está doente da alma. Durante esses anos ele amargurou o ódio pela forma como vocês o tratavam mal quando ele era pobre. Ele se vinga todas as vezes que os humilham. Mas você é tão ganancioso, que nem se importa com isso.
_ Pra mim já chega! Eu não vou ficar ouvindo esses insultos dentro da minha própria casa!_ Genaro disse jogando a colher no prato.
_ Quer que eu vá embora, papai?
_ Ah, mas você não vai mesmo! Não admito que saia da minha casa!_ Angela Interferiu a favor do filho.
_ Não precisa. Eu saio.
Genaro se retirou.
No carro, ligou para Lorena marcando um encontro num motel.
Angela suspeitava que o marido foi procurar a amante. Mas não se importou. Muito pelo contrário, ficou até feliz por poder desfrutar em paz a noite com o amado filho, assistindo filmes, abraçados no sofá, como faziam quando Leandro era um meninoComo de costume, antes de dormir, Leandro olhou no celular para verificar se havia mensagens. Encontrou umas de Valéria perguntando como ele estava e mandando algumas fotos da família. A outra era de Abner, dando um "Boa noite." com um emoji de coração.
O cozinheiro vibrou de felicidade quando chegou a notificação de Leandro o respondendo.
"Boa noite, meu amor. Como está sendo o seu sábado?"
"Péssimo sem você. Eu tô louco de saudades e o meu pau tá pulsando e saco cheio."
Leandro gargalhou com o obesenidade de Abner, sentindo o tesão arder na pele.
"Até parece que você tá esse tempo todo sem comer ninguém." Leandro digitou mordendo os lábios, fechando as pernas para conter o tesão.
"Claro que estou. Sexo só tem graça contigo. Depois que provei o seu cuzinho, eu não quero nenhum outro."
"Kkkkk"
"E vc? Teve alguém?"
"Não. A vida tá tão corrida que nem tenho tempo em pensar nessas coisas."
"Ainda bem. Sou ciumento."
"Nossa que coincidencia. Eu tbm sou."
"E nem precisa. Meu pau é todo seu."
"Hum que delícia! A boca enche d'água."
Para provocar Leandro, Abner o enviou um vídeo em que ele está nu diante do espelho do banheiro, se masturbando.
Leandro foi ao delírio com a imagem. O pau endureceu na hora.
"Agora manda um vídeo ou foto sua. Quero te ver peladinho.😈"
"Não rola. Tô na casa dos meus pais."
"Vai ao banheiro."
"Não. Se quiser me ver nu, só se for ao vivo."
"Olha que vou."
"Duvido".
Antes que Leandro pudesse responder mais alguma coisa picante, houve uma queda de energia, com isso o roteador parou de funcionar. Agora a sua linha telefônica era pré-pago e o pacote de internet já havia esgotado. Ele lamentou não poder continuar a conversa gostosa. Estava ardendo de tesão.
Para se aliviar, se masturbou assistindo o vídeo que Abner o enviou.
Abner estranhou Leandro ter saído da conversa sem se despedir. Também estava muito excitado. Respondeu a Leandro que aquelas provocações não ficariam barato. Disse que daria um jeito de ir até ele e o pegar de jeito.
Leandro foi despertado com o barulho de um murmurinho de pessoas pela casa. Ouvia passos apressados e vozes conhecidas.
Os parentes já haviam chegado e se espalhado pela casa. Sentou na cama, coçando os olhos, tentando despistar o sono e esticou os braços.
Ao olhar para o relógio e notar que era onze horas da manhã, levou um susto por ter dormido além da conta. Pretendia acordar mais cedo para ajudar a mãe com os preparativos do almoço.
Levantou às pressas, tomou um banho rápido, escovou os dentes e trocou de roupas. Fez tudo tão centrado que nem quis conferir se havia mensagens no celular.
A energia elétrica já havia voltado, o que era bom.
Ao chegar na sala cumprimentou os tios e primos.
_ Há quanto tempo hein, meu filho! Você quase não vai lá em casa!_ disse Marinalva, a tia._ E cadê Júlio e Vanessa?
Leandro se viu desconcertado. Não queria expôr a sua vida e nem estava a fim de encarar os interrogatórios dos parentes sobre o fim do seu casamento. Apenas respondeu que eles estavam a caminho.
_ E a minha mãe?
_ A tia Angela está na cozinha._ respondeu a prima Beatriz.
Leandro sentia necessidade de tomar uma xícara de café para poder começar o dia.
Ao chegar na cozinha, se surpreendeu ao ver a mãe próxima a um jovem negro de uns vinte e pouco anos, cabelos raspados e corpo atlético. Eles conversavam sorrindo de um jeito suspeito.
Ao perceber a presença de Leandro, Angela se afastou como se quisesse ocultar algo.
_ Oi, filho! Já acordou?
_ Bom dia, mãe. Bom dia._ cumprimentou o jovem, que respondeu.
_ Ah, esse é o Bruno, filho da Zuleica, que trabalha aqui em casa. Bruno vai me ajudar a servir os convidados e sempre presta serviços úteis a esta casa. Bruno, esse é o meu filho Leandro.
_ Muito prazer, Leandro. A sua mãe sempre fala muito bem de você.
O rapaz esticou a mão para cumprimentá-lo. Não tinha nenhum pouco de timidez. Leandro respondeu ao cumprimento.
_ Eu só vim pegar uma xícara de café.
_ Pode deixar que eu te sirvo, meu amor.
Leandro sentiu o celular vibrar no bolso. Ao olhar, viu que se tratava de uma mensagem de Abner.
"Estou te esperando no portão da casa dos seus pais." Leandro gelou com a mensagem, sentindo um arrepio e o coração bater mais forte.
"Você tá brincando, né?"
"Veja se isso é brincadeira." Depois de mandar essa mensagem, Abner o enviou uma selfie em frente ao portão da casa.
Nervoso, Leandro saiu apressado, pedindo licença a mãe e Bruno para se retirar. Desconfiada, Angela foi atrás sem que ele percebesse.
_ Ficou doido?!_ Leandro perguntou nervoso, quando estava cara a cara com Abner.
O moreno não aguentou conter a saudade e se atirou em seus braços, o beijando.
_ Que saudade que eu estava dessa boca gostosa!
_ Para! E se alguém nos ver?
_ Então, vamos para um lugar reservado, delícia! Achou que ia me provocar e sair impune?_ Abner o puxou pela cintura e o beijou no pescoço, deixando-o todo arrepiado.
Leandro se afastou o mais rápido possível.
_ Não! A minha família inteira está aqui. Eu não posso sair daqui agora! Uma outra hora a gente se encontra.
_ Ah, para de história que tu tá louco pra me dar essa bundinha gostosa.
Leandro tentou se manter afastado de Abner, enquanto conversavam.
Júlio chegou naquele instante, estava dirigindo ao lado da filha, que estava distraída no celular. O advogado franziu o cenho incrédulo do que via. Forçou um pouco a vista para verificar se não estava tendo nenhuma alucinação. O seu marido e o seu amante conversavam como grandes amigos no portão da casa de Angela?!
Júlio sentiu o ódio gelar o coração, quando uma ponta de desconfiança gritou dentro dele. Não queria acreditar no que a sua intuição o dizia. Não! Não pode ser!
Angela caminhava em direção ao portão, quando avistou Abner e Leandro. Apressou os passos para acabar com aquela conversa. Tinha a intenção de dizer poucas e boas para Abner, pelo atrevimento de ir até a sua casa. Contudo, parou no meio do caminho, com os olhos arregalados de espanto ao ver o carro do genro se aproximando da casa. Gelou diante da possível tragédia que poderia acontecer.