Marta era uma mulher encantadora, gostosa, simpática e inteligente. Era desse tipo de mulher que se dá bem com todo mundo. Sempre me senti um felizardo por tê-la ao meu lado. Naquela época éramos casados há três anos, pensávamos em filhos, um apartamento novo, viagens, nada demais.
Era fim de verão. Ela estava deitada em nossa cama, coberta apenas por uma lingerie de renda vermelha. A luz do poste na rua iluminava uma parte do nosso quarto e a penumbra demarcava as suas curvas. Que mulher! A pele branca e macia como seda. E pensar que quase joguei tudo isso fora no início do namoro!
Nem queria voltar a esse assunto porque passado mulher e cozinha de restaurante, se você conhecê-los, não come. E eu conheci o passado de Marta e por causa disso, quase a perdi. Mas aprendi a lição e não vou remoer o que ficou para trás.
Mas o que tirava meu sono naquela noite de fim de verão era muito mais grave, da primeira vez, não havia o que falar, eu não podia cobrar nada dela, pois ela não havia me prometido nada ainda. Eu nem a conhecia quando o fato aconteceu. Mas agora era diferente. Agora éramos casados. Se da primeira vez, ela não me devia satisfação, perdoá-la era uma obrigação. Engoli meu orgulho e a perdoei.
Será que agora o certo seria seguir meu caminho sozinho?
Quanto mais a observava deitada mais me convencia do contrário, mas será que teria forças suficientes para engolir meu orgulho e perdoá-la?
O sono não veio. Toda a sucessão de acontecimentos passavam como um filme na minha mente repetidas vezes com pequenas variações. Deixa eu me lembrar do início. Do momento exato em que as coisas tomaram outro rumo. Assim talvez eu possa escolher a melhor alternativa.
II
Acho que foi no seu aniversário de vinte e cinco anos. Ela estava linda, vestido azul brilhante de alcinha bem fina e costas nuas. Ela usava um colar de brilhantes e os brincos que dei no nosso primeiro aniversário de casamento. Haviam custado uma pequena fortuna, mas a noite merecia tanto. As sandálias estilo gladiadora realçavam as suas belas pernas. Ainda lembro que tocava wonderful tonight de Eric Clapton e assim que sugeri que dançássemos aquela música, notei algo diferente em seus olhos.
— A noite está perfeita — disse ela, tentando disfarçar algo que me escapava.
Eu a conduzia silenciosamente pelo salão percebendo, mas sem entender a sua falta de sintonia. O perfume dela invadia as minhas narinas me fazendo lembrar nosso tempo de namoro, a paquera, os sorrisos, a conquista, a primeira vez, surpresas…
A minha mão firme tocava a sua cintura nua. Ela bailava com leveza. Na dança, uma mulher não consegue enganar um homem experiente. Mas isso também me escapava.
A psicologia diz que nesse momento, o homem precisa se impor, mostrar o caminho, mas surpreender de vez em quando, apontar uma nova direção, conduzir com segurança e leveza, sem se tornar imprevisível. Ela vai apenas emitindo os sinais, cabe ao macho captá-los.
— Preciso ir ao banheiro retocar a maquiagem.
— Claro!
Ela saiu rebolando como um poema de Vinicius de Moraes. Era certamente a mulher mais linda daquela noite. Sentei-me à mesa e solicitei um champanhe para um brinde.
Rapidamente o meître providenciou o balde com gelo a fim de deixar a bebida na temperatura ideal. Um termômetro acompanhava para garantir que não esfriasse demais. As taças de cristal grego foram postas na mesa. Marta demorava.
A orquestra tocava Layla numa levada um pouco diferente do ritmo original quando finalmente, Marta apareceu no salão. Ela se sentou e sorriu ao ver que estava tudo preparado para um brinde. Seus olhos brilharam de um modo diferente. Eu podia dizer que marejaram. As suas mãos estavam frias e uma gotinha de suor escorreu pela sua testa.
O maître se aproximou e tomou a garrafa em suas mãos habilidosas. Ele abriu sem alarde e nos serviu, primeiro a Marta e depois a mim. Brindamos a nós.
— Saúde.
O sabor adocicado inundou a minha garganta, mas deixou um gosto amargo na boca. Marta sorriu, mas parecia que chorava. A noite continuou serena como uma balada até o fim.
Ao entrar em casa, na sala de estar, ela se aproximou de mim, colou seu corpo ao meu, mas não me abraçou.
— Eu te amo — disse ela ao meu ouvido — Eu te amo muito.
Tentei envolvê-la, mas ela já havia se afastado, tentei acompanhá-la, mas era tarde. Eu não entendia, nem sequer imaginava o que havia por trás daquelas palavras. Nunca fui bom em ler nas entrelinhas.
No quarto, tirei a roupa com rapidez. Sabia que para a noite ser mesmo perfeita, seria necessário encerrar com chave de ouro. Mas ela se esquivou.
— Mas eu pensei que…
— Não — disse ela apontando para mim — você não quer. Se quisesse não estaria assim.
— Mas…
Às vezes explodo com facilidade. Mas mantive a calma.
— Olhe de novo — disse a ela inutilmente.
Ela se vestiu, se deitou e dormiu.
Não posso afirmar com certeza, mas acho que foi naquela noite que o inferno começou.
Alguns dias depois, recebi uma mensagem sua:
— Amor, hoje vou chegar mais tarde. Preciso visitar uma obra com um cliente e ele só tem tempo à noite.
— Você vai visitar uma obra à noite?
— É a reforma de uma loja do shopping. Só podemos ir à noite.
— Ok.
Foi nessa época que as nossas relações sexuais, que sempre foram o ponto alto do nosso relacionamento, começou a entrar numa rotina burocrática infernal e decadente.
— Ai, Mateus, você sempre reclama!
— Só estou dizendo que cada vez que você fala algo desse tipo, quebra o clima.
— Se não quer fazer, não invente desculpas.
— Deixa pra lá. Agora quem não quer sou eu.
Outro dia me peguei pensando: “Uma puta dessas, que saía até com homem casado na juventude, agora quer fazer cu doce! Ah, vá a puta que pariu!
Mas as coisas só ficaram realmente insustentáveis, quando ela marcou uma viagem para visitar uma obra na época do meu aniversário. Não falei nada para não começar uma discussão, mas fiquei decepcionado.
Ela me ligou de São Paulo na véspera do meu aniversário.
— Amor, esqueci completamente. Mas quando eu voltar, vou te recompensar.
“Não precisa amor, estou ótimo”, pensei eu ao lado da minha secretária na cama do motel mais caro da cidade.
Bianca era um furacão na cama. Criativa, empolgada e bem safada. Adorava cada ideia minha e deixava meter no cu.
— A minha mulher não deixa — confidenciei a Bianca. — Ela fez uma vez e disse que detestou. Não me deixa nem colocar um dedo.
— Ela fez uma vez e não gostou?
— Sim.
— Mas não foi com você?
— Não.
— Entendi. Pois você pode meter no meu rabo sempre que quiser.
Quando Marta voltou de viagem, a recompensa que ela me deu foi fazer um burocrático papai-mamãe sem sal. Para falar a verdade, eu preferia ter esperado mais um dia para meter na minha secretária no intervalo do almoço.
III
No dia seguinte, no fim do expediente, Bianca entrou na minha sala e trancou a porta.
— Passei todo o fim de semana pensando em você — disse ela se aproximando perigosamente de mim. Seu corpo moreno claro estava quente, quase febril. Não tive escolha. Nós nos beijamos e fizemos um sexo inconsequente ali mesmo.
Se algum dos nossos chefes nos flagrasse, seríamos demitidos sumariamente, mas ninguém apareceu e quando terminamos, todos já haviam ido embora.
Sai um pouco apressado, não queria perder o jogo do Atlético Paranaense e Coritiba e ainda tinha que passar na lavanderia para pegar uns ternos do trabalho.
Entrei na lavanderia quando faltavam apenas 5 minutos para as seis da tarde.
Emanuel que morava no mesmo condomínio que eu entrou logo em seguida.
— Marcos!
Nos cumprimentamos e iniciamos uma conversa enquanto aguardávamos atendimento.
— Eu queria mesmo falar contigo — disse ele. — Você me acompanha numa bebida?
— Não sei, não queria perder o jogo…
— Podemos beber no Villa Boteco, eles sempre passam os jogos do coxa.
— Tudo bem!
Pegamos as roupas e seguimos para o bar que ele sugeriu.
— Então, o que você queria falar comigo? — Perguntei assim que escolhemos uma mesa numa posição boa para ver o jogo.
— É um assunto delicado.
Estranhei. Mas pedi que ele falasse assim mesmo.
— Não é do meu interesse — disse ele —, nem quero fazer fofoca, mas parece que toda tarde, ou quase toda tarde, a sua esposa recebe um homem na casa de vocês.
— Recebe um homem? Quem é esse homem?
— Não sei. Mas aparentam ter bastante intimidade. Ele sempre chega às duas e só sai às cinco.
Pedi uma dose de whisky. Aquilo explicava muitas coisas, mas eu queria ter certeza. Emanuel não demorou a ir embora. Fiquei mais alguns segundos refletindo sobre o que fazer e resolvi partir para o confronto.
Cheguei em casa por volta das sete e meia. Marta estava tomando banho. Esperei no quarto sentado na poltrona ao lado da cama. Ela já saiu vestida. Olhou-me sem entender porque daquela cena. Eu a encarei com vontade apertar seu pescoço entre as minhas mãos até uma encontrar a outra.
— Por que você está me olhando assim?
— Acho que você sabe — respondi sem conseguir esconder a raiva que eu sentia.
— Sei não.
— Sabe sim! Não se faça de doida. Sei que toda tarde você recebe um homem aqui em casa, sua vagabunda.
— Você enlouqueceu.
— Vai negar?
— Você é um idiota — ela respondeu vindo para cima de mim como uma leoa —, machista, cretino. Ainda mais ridículo com esse ciúme infundado. Infantiloide.
— Então você não nega!
— Não nego que recebi a visita de um cliente, mas você acha que se eu estivesse te traindo, eu faria isso aqui em casa a vista dos vizinhos e dos funcionários do condomínio? Você acha que eu seria assim tão idiota?
— Você acha natural e correto receber homens aqui em casa?
— Eu não vou mais falar sobre isso. É um cliente. Estamos no meio de um projeto grande, meio sigiloso, que precisa de muita privacidade, por isso marquei algumas reuniões aqui em casa onde podemos manter o secretismo.
— Eu não acredito em você.
— Então vá à merda. A verdade é essa. Se você não acredita, então é problema seu.
Eu não esperava aquela reação. Ela pareceu muito segura. Será que me precipitei? Devia ter esperado para pegá-la no flagra. Mas era tarde. Agora, se realmente está acontecendo algo, vai ser muito mais difícil de saber.
Passei a noite no quarto de hóspedes, arrependido de tê-la confrontado.
No dia seguinte, Marta saiu antes que eu acordasse. Devia estar realmente possessa. Tomei um café rápido e fui trabalhar.
Era impossível me concentrar, além da discussão e da suspeita de estar sendo chifrado, ainda havia o fato de que quase não dormi. Estava exausto, então pedi para não trabalhar naquela tarde.
Às 14:00 cheguei em casa. Não havia nenhum carro estranho na rua, então não entrei. Dei a volta no quarteirão e parei na outra esquina de onde eu podia ver a rua inteira sem ser notado.
Ela chegou por volta das 17:00.
Se era realmente um cliente, não havia motivos para ter cancelado as visitas.
Entrei em casa no horário habitual. Ela estava preparando o jantar. Eu parei na porta da cozinha e a encarei. Como a minha esposa era bonita! Que delícia de mulher! Eu estava disposto a acreditar na sua versão, mas ela desligou o fogo das panelas e se aproximou de mim.
— Eu não fui totalmente honesta com você.
— Como assim?
Ela me conduziu até o sofá da sala e me fez sentar.
— Rubens não é só um cliente.
As minhas mãos suaram, fiquei tenso, meus pensamentos ferveram entrando em conflito uns com os outros. Minha boca estava seca.
— No início — continuou ela — ele era apenas mais um cliente. Alguém que merecia um tratamento especial pelo tamanho da conta, por isso ofereci que nos encontrássemos aqui em casa. Não tinha a menor ideia do que ia acontecer.
— Eu quase acreditei — pensei alto.
— Aos poucos fomos ficando mais íntimos — ela falava com a voz embargada — até que…
— Você deu pra ele. — Explodi — sua vagabunda!
— Não! — Ela gritou com lágrimas nos olhos. — Não cheguei a tanto. Foi só beijos e algumas trocas de carícias. Mas nunca chegamos às vias de fato.
— Ah tá! Dois adultos casados se encontram e ficam só de beijinhos. Para cima de mim, Marta? Vai enganar outro.
Ela baixou a cabeça e começou a chorar.
Ela não disse mais nada.
Deixei-a na sala e fui tomar um banho. Eu estava desnorteado. Confuso. Pelo menos a vontade de matá-la havia passado.
Quando saí do banheiro, ela me esperava em nosso quarto.
— Você não acredita que não passamos de uns amassos?
— Óbvio que não, Marta! Você me toma por algum imbecil?
— Não queria te machucar — disse ela — Não importa o que aconteceu, o que vale é o que eu sinto por você.
A minha vontade era a de mandá-la à puta que pariu, mas não disse nada disso.
— Não quero a sua pena.
Ela olhou de lado e se demorou nessa posição por alguns instantes como quem mede cada palavra que vai falar.
Após uma breve reflexão, ela olhou para mim novamente, molhou os lábios e disse:
— Não consigo confessar. Dói demais. Acredite.
Terminei de me vestir sentindo a dor de uma faca cravada em meu peito. A partir dali eu nunca mais seria o mesmo.
Ela passou a mão pelos cabelos. Estava visivelmente arrependida. Mas eu queria que ela sentisse a mesma dor que eu sentia.
— Me perdoa!
— Pelo quê? Eu não sei o que aconteceu. Como posso perdoar algo que eu não sei o que é?
Ela engoliu em seco.
— Não faça isso conosco, Marcos. Remover esses fatos só vai nos machucar ainda mais. Vamos apenas esquecer.
— É impossível. Tem coisas que são impossíveis de serem esquecidas.
— Se eu contar, você me perdoa?
— Não sei o que você fez. Mas para ter o meu perdão, você vai precisar contar tudo. Se eu descobrir depois coisas que você não contou, eu te mato.
Ela ponderou um pouco então começou a contar:
— Uma mulher sabe quando um homem está interessado e no caso dele, isso ocorreu assim que nos conhecemos. Era antevéspera de Natal e ele me olhou de um jeito incisivo de modo que não houve espaço para dúvidas.
Eu me sentei de frente para ela.
— Ele tocou a minha mão com delicadeza — continuou ela — e me conduziu para a sua sala no prédio da empresa. Enquanto me explicava os detalhes do projeto, ele me olhava com uma expressão de desejo. Ao fim, ele disse que precisávamos de um local reservado para discutir os pormenores.
Ela cobriu os lábios com os dedos enquanto pensava.
— Não sei se motivada por uma ação do meu inconsciente, ou pelo valor daquele contrato, sugeri que as nossas reuniões podiam se dar aqui em casa, onde teríamos total privacidade. Ele gostou da ideia e aceitou meu convite na hora. No primeiro dia, o assunto ficou restrito ao trabalho, mas no dia seguinte…
Ela pausou a narrativa abruptamente.
— O que aconteceu?
Ela pensou um pouco e continuo:
— No dia seguinte, ele me lisonjeou com alguns galanteios. Fiquei desarmada.
— O que ele disse?
— Não me lembro de tudo com clareza, mas o que me tocou foi quando ele disse que podia pagar uma pequena fortuna para passar uma noite comigo. Eu quis protestar, mas antes que eu falasse qualquer coisa ele continuou: “mas se posso comprar, não tem valor algum para mim”. Eu engoli as palavras que ia dizer em protesto. Agora elas não faziam mais sentido.
— Ah! — bufei — então ele disse essa bobagem e você já ficou molhadinha!
— Não diria molhadinha — continuou ela sem alterar o tom de voz — mas me fez pensar: Ele é bonito, forte e muito, muito rico mesmo. Pode ter a mulher que desejasse. Isso mexeu comigo, de fato. Ele continuou: “Eu diria que seu marido tem muita sorte, mas o que estou prestes a fazer me colocaria em contradição”. Ele atiçou a minha curiosidade, tocou em minha mão com delicadeza e eu tremi, temendo o que estava prestes a acontecer. Ele me tomou em seus braços e me beijou, seu hálito cheirava a menta. Não resisti. Retribuí o beijo sem imaginar aonde aquela loucura chegaria.
Desconfiar de uma traição é massacrante e sufoca qualquer outro sentimento. É algo que não sai da cabeça, fica martelando o tempo todo sem descanso; ter certeza da traição é muito pior, pois se esvaem todas as esperanças; contudo, escutar uma confissão que confirma os seus mais primitivos temores é terrível. É algo que esmaga a alma. Escutá-la falando aquelas palavras sem alterar o tom de voz, como quem conta uma estória infantil, era um martírio doloroso demais. Mas não a interrompi e ela prosseguiu inabalável.
— Depois que ele me beijou, sabíamos que aquele era um caminho sem volta. Tentei me recompor ao voltar a mim, mas ele impediu que eu me afastasse. Seu corpo é grande e a sua presença era intensa. As suas mãos me pegaram pela altura da cintura e ele me suspendeu com facilidade, me pôs sentada sobre a mesa e entrou entre as minhas pernas. “Aqui não”, me ouvi dizer e logo percebi que aquele frase deixava o caminho livre para ele. As suas mãos encontraram a minha bunda e me forçaram a escorregar pela mesa indo ao encontro do seu pau duro. Lembro que fechei os olhos desejando o que quer que viesse dele.
Nos beijamos