Sinopse: A mudança de postura ao longo do ano com a turma faz com que Eric seja surpreendido no dia do seu aniversário. Mesmo assim, na sua prova final ele divide com seus alunos uma triste decisão que arrasa por inteiro um coração arrependido.
***
Fim de mais uma aula de inglês. Como sempre acontecia às quartas-feiras a cada quinze dias, teríamos que esperar o fim da reunião dos representantes de turma com a Diretoria se encerrar para, enfim, irmos embora para casa.
Ainda em sala, eu terminava de guardar meu material na mochila enquanto ouvia o burburinho de vozes vindo do corredor e os alunos da minha turma saindo apressados após um dia inteiro de aula.
- Meninas... - Nicole e sua amiga se aproximaram da minha mesa junto da Gabi - Vocês viram o mural da entrada?
- Que que tem no mural?
- No lado de aniversariantes do mês, o professor Schneider faz aniversário na segunda-feira que vem, bem no dia da nossa aula.
Os dias se passaram tão rápido, fiquei ocupada com outras coisas além de estudar, na intenção de não pensar muito nele, que não tinha me lembrado.
- Falei com algumas meninas da ideia que eu tive. E se fizéssemos uma festa surpresa pra ele aqui na sala durante o intervalo, antes da aula começar?
- Gostei da ideia. - Patrick disse empolgado já de pé com sua mochila nas costas - O professor ficou legal com a gente esse ano então ele merece!
- Vocês topam participar? - Nicole perguntou sorridente e empolgada.
- Eu tô dentro!
- Por mim também. Mas temos que falar com o Frederik para ele pedir à Diretora e ver se ela autoriza - a irmã gêmea disse, empurrando a cadeira para perto da mesa.
- Acho que a Dona Jacqueline não vai proibir - Nicole se virou para mim que estava calada durante toda a conversa - E você, Nívea? Vai participar, não é?
- Claro... Participo sim... - confirmei dando um meio sorriso.
- Show! Vou falar com o restante da turma e então vamos começar a juntar o dinheiro entre nós para comprar o bolo e um presente pra ele! Até amanhã, gente! - ela saiu da sala que estava quase vazia.
- Tchau... - Observei ela indo embora.
- E temos a aluna favoritinha organizando festa para o seu querido professor, owwnn... - Gabriele disse em tom de deboche.
- Eu gostei da ideia, Gabi...
- Eu também amiga, eu amei! Só fico chateada porque não foi uma ideia minha.
- Vamos embora logo que ainda temos que esperar pelo Frederik. - Patrick apontou para a porta e peguei a minha mochila colocando nas costas.
A frieza com que o Eric estava me tratando nas últimas aulas não me fez deixar de pensar em como seria a sua reação ao chegar e dar de cara com uma festa de aniversário surpresa para ele. Tão sério e reservado, mesmo diante de tudo preparado, ele custaria a acreditar. Mas eu concordei com o Patrick: ele merecia sim por ter mudado o seu jeito de tratar a turma.
***
Eram quase nove horas da noite quando terminei de estudar e ouvi meu estômago roncar. Coloquei meu material para a aula do dia seguinte na mochila e usando um vestido leve, saí do quarto indo até a sala. Encontrei minha mãe na mesa de jantar colocando os pratos e os talheres e três copos virados para baixo já estavam no meio.
- Estranhei você não me chamar para jantar...
- Seu pai telefonou agora dizendo que está a caminho de casa. - ela avisou enquanto ajeitava a toalha xadrez por cima da branca - Por isso, estou colocando a mesa.
- Mês de Novembro, poucos dias para as férias... Às vezes eu me esqueço... - suspirei sorrindo e ela piscou pra mim - Papai fica até mais tarde trabalhando... Precisa de ajuda?
- Pode ir na cozinha e tirar o arroz da panela e colocar na travessa vermelha pra mim? Estão na mesa.
- Claro.
Fiz o que ela me pediu e servi uma quantidade para três pessoas. Estava quente e então coloquei as duas luvas de cozinha que estavam perto do fogão, levando a travessa até a mesa de jantar e coloquei em cima de um suporte de madeira ao lado dos copos. O aroma de rosbife que estava dentro do forno já ia além da cozinha, agitando ainda mais a minha fome.
- Segunda-feira, acho que teremos uma festa de aniversário em sala de aula - comentei, observando a mesa e em seguida para a minha mãe.
- Mesmo, filha? Quem?
- Nosso professor querido. - e sorri.
- Ah, meu Deus! Sério? Aniversário do professor Schneider?
- Sim. Mas vai ser surpresa, só precisamos pedir autorização à Dona Jacqueline.
- Que lindo, meu anjo! Ele merece muito esse carinho de vocês.
- Sim, tomara que ele goste.
- O quê você acha de eu telefonar pra ele no dia?
- Ah... - fiquei parada e pensando - Ele deve ficar surpreso com a sua ligação mas vai gostar. Só acho melhor telefonar para ele na hora do almoço.
- Ótimo! Vou fazer isso.
- E longe da Marina.
- Com certeza! - e caímos as duas na gargalhada.
Não demorou muito e meu pai chegou para jantarmos em família. Um pouco mais tarde do que o habitual mas por um bom motivo que acontecia sempre no próximo e último mês do ano.
Depois que terminamos, voltei para o meu quarto, escovei os dentes e troquei o meu vestido pela camisola de dormir. Ao ver meu celular na mesa de estudos, havia várias ligações perdidas do Frederik e retornei na mesma hora no que ele atendeu rapidamente.
- Oi, Nívea!
- Oi Frederik, aconteceu alguma coisa?
- Não, então, como você não está no grupo da turma, tenho que te passar algumas coisas sobre a festa surpresa do professor Schneider.
- Ah, tudo bem!
- Ficou decidido que cada aluno vai contribuir com vinte reais para a festa.
- Entendi. Quatrocentos reais no total. Sendo vinte alunos, é um bom dinheiro.
- Isso. Mas só vamos recolher o dinheiro amanhã depois que eu e a Nicole conversarmos com a Dona Jacqueline e ela autorizar.
- Você acha que ela vai deixar a gente fazer a festa?
- Se for sem bagunça na sala, com certeza sim!
- Então tá.
- Ela permitindo, a Nicole vai passar o pix dela e então vamos fazendo os depósitos.
- Entendi... Ela que vai organizar tudo?
As paranoias começando a crescer em mim querendo me sufocar.
- Sim, vai ser bom pra ela se distrair e eu só vou dar um suporte.
- Tá bom.
- E também vamos escolher o bolo e um presente pra ele. A turma vai se reunir no jardim do colégio pra decidir.
- Tudo bem.
- Ficou alguma dúvida?
- Bom, é que... - mordi o lábio pensativa - Sobre o bolo... O do meu aniversário foi muito bom. Ele foi todo de chocolate com pedaços de morango no meio.
- Show! Mas se a Nicole tiver uma sugestão de bolo também, podemos sortear entre os dois.
- Por mim, sem problema.
- Tá legal, então! Com o ok da Dona Jacqueline, amanhã a gente resolve tudo.
- Certo, Frederik. Obrigada por me ligar.
- De nada! Até amanhã. Beijão.
- Beijos. - e encerrei a ligação.
Fiquei na expectativa e na torcida do bolo do meu aniversário vencer o possível sorteio. Se ele fosse o escolhido, isso chamaria a atenção do Eric pra mim.
***
- Mas então, galera? A Dona Jacqueline autorizou a festa e o que vocês sugerem de presente? - mesmo atenta ao celular ouvi a pergunta do Frederik, que estava sentado no meio do banco de praça no jardim do colégio com a turma reunida em volta - O valor total do dinheiro precisa incluir um presente também!
- Podemos dar uma carteira nova pra ele! - ouvi uma voz sugerir.
- Que tal duas blusas de um modelo mais informal?
- Gostei! - Nicole afirmou - Em cores diferentes.
- Todos estão de acordo com duas blusas para presente? - observei a turma concordando e Nicole digitava algo rapidamente no seu celular como se estivesse listando o necessário para a festa - Tenta comprar a carteira também, Nicole. - Frederik pediu.
- Vou tentar!
Não havia nenhuma das inspetoras por perto o que nos permitia falar em português mas também não arriscamos e conversávamos em voz baixa.
- E agora o mais importante! - ela se levantou - Como vai ser o bolo? Podia ser o de doce de leite igual o que foi na minha casa para o último aniversário da minha avó... - percebi sua empolgação diminuir e o rosto ficar mais triste.
- Eu tinha uma sugestão também - uma das meninas entrou na conversa - Pode ser um bolo de nozes!
- A Nívea também tem uma sugestão, não é? - E sorrindo, Frederik olhou para mim, seguido de todos esperando pela minha opção.
- Sim... O bolo do meu aniversário, foi todo de chocolate com morango em pedaços.
- Então vamos ter que sortear entre os três! - Patrick falou do meu lado - Para ser justo.
- Eu vou anotar aqui - a rapidez dela digitando era impressionante - Bolo número 1 Nicole, bolo número 2 Celine e bolo número 3 Nívea. Vamos usar o aplicativo de sorteio!
Ela baixou rapidamente a ferramenta no seu celular.
- Chega todo mundo mais perto! - Frederik pediu e ela esticou os braços posicionando o celular de um jeito para que todos pudessem ver o número sorteado no aparelho.
Olhamos ela digitar os três números e clicar de imediato revelando o vencedor.
- E saiu o número 3! O bolo da Nívea! - Nicole sorriu pra mim.
Fiquei paralisada mas surpresa por ter sido o meu bolo o escolhido. E não consegui esconder um sorriso bobo.
- Parabéns, amigaaa! - Gabriele me abraçou e disse no meu ouvido baixinho - Eu torci para o seu bolo.
- Quero só ver se esse bolo vai ser bom! - um dos meninos brincou.
- Vou te passar o folheto, Nicole. - rolei a galeria do meu celular procurando - A confeitaria tem em vários lugares.
- Ótimo.
Encontrei o folheto quase no fim em meio às outras imagens e enviei para ela pelo zap.
- O nome do bolo é doce tentação e tem vários tamanhos - expliquei - Depende do número de pessoas.
- Eu convidei a Dona Jacqueline também para a festa. Se ela permitiu então merece participar da surpresa.
- Boa, Frederik - Patrick comemorou e os dois se cumprimentaram com um um soco entre as duas mãos.
- Ela disse que quando estiver tudo pronto, vai dar um jeito de tirar o Professor Schneider da sala dos professores, inventando uma desculpa e levar ele até a nossa sala.
- Sério, ele não vai acreditar quando ver o que preparamos - os olhos da Nicole pareciam brilhar com a expectativa.
- Quando vocês vão comprar os presentes? - perguntei curiosa.
- Posso comprar tudo no sábado e fazer o pedido do bolo para entregar aqui no colégio na segunda-feira um pouco antes do intervalo começar, que tal?
- Temos que tomar cuidado para ele não desconfiar, Nicole! - uma das meninas advertiu.
- O professor depois do almoço ou fica na biblioteca ou na sala dos professores - acrescentei - Vai ser tranquilo.
- Eu vou no shopping em frente onde você mora, Frederik. Você não quer ir comigo?
- Pode ser... - ele se virou para mim e os irmãos - Vocês não querem ir? Vamos, Nívea!
- Eu? Ir com vocês? - não consegui disfarçar o gaguejo leve que surgiu - Ah... Vocês podem ir. As blusas que escolherem vão ficar ótimas.
- Eu adoraria mas tenho uma live já marcada para fazer no Instagram e depois vou ficar editando alguns vídeos.
- Tudo bem, assim que estiver tudo comprado eu posto as fotos para vocês no grupo.
- Beleza.
Com tudo decidido, a turma se dispersou e ainda faltava algum tempo até o fim do intervalo. Me sentia um pouco nas nuvens sonhando, pois o Eric teria a oportunidade de experimentar o bolo delicioso servido no meu aniversário.
***
Deitada e olhando para o teto do meu quarto, no dia seguinte seria a festa surpresa para ele. Mais uma semana iria começar, a última com aulas normais pois na próxima começariam as provas. Por mais que eu tentasse não pensar no Eric, era difícil pra mim. As duras palavras que joguei na cara dele fizeram efeito, mas quanto mais o tempo ia passando, mais eu me dava conta do quanto eu havia exagerado na dose. Eu o sentia distante e a possibilidade de ele estar próximo da Nicole do jeito que eu achava que estava, me deixava agoniada.
Me virei para o lado e, deitada, fui me arrastando na cama na direção do abajour do criado-mudo e o acendi, me lembrando de algo que havia guardado meses atrás na última gaveta. Me sentei e me abaixei, abrindo a pequena chave da gaveta e os tirando de lá. Les yeux de Lyon era o título dos livros separados em dois volumes cuja capa do primeiro era a Basílica Notre Dame de Fourvière e a capa do segundo era a roda gigante na Praça Bellecour.
Eu poderia colocar junto dos outros presentes, pensei enquanto observava a capa dos pequenos livros dedicados às crônicas sobre a cidade a partir do olhar de pessoas que moram ou que um dia moraram lá.
Olhei para o celular e a hora marcava dez e quarenta da noite.
- A Nicole já deve estar dormindo.
Mesmo assim, decidi arriscar fazendo o desbloqueio da tela e buscando o contato. Tocou uma, duas vezes até ela atender.
- Alô?
- Oi Nicole, tudo bem? Desculpa a hora. Te acordei?
- Não Nívea, tudo bem, eu já estava deitada só esperando o sono chegar.
- Ah menos mal. É... Você por acaso já embrulhou o presente para o professor?
- Vou fazer isso amanhã enquanto arrumamos a sala. Por que?
- Bom, eu tenho dois livros pequenos aqui que eu trouxe de viagem nas férias. Comprei para dar de presente para alguém e ficaram guardados. Estão novinhos em folha.
- E você quer dar de presente para ele, é isso?
- Sim, mas não precisa dizer que é meu e sim da turma.
- Ah, que legal, Nívea! Dar livros pra ele vai ser perfeito. Leva eles amanhã que eu embrulho junto da carteira e das blusas.
- Levo sim mas por favor não diga que é meu.
- Tá bom, você sempre foi tímida mesmo, eu entendo.
- Pois é... Obrigada. Boa noite então.
- Boa, a gente se vê amanhã.
Encerrei a ligação sentindo o meu coração aquecer. Eric finalmente receberia o presente que sempre fora para ele mas que infelizmente, depois do que aconteceu meses atrás, eu não quis presenteá-lo.
Levantei rapidamente da cama, guardando os livros na mochila e voltei a me deitar.
Olhava para tela do meu celular e busquei os contatos bloqueados. O número dele ainda estava ali. Como não me perseguia mais, eu rompi mais uma barreira de rede social que havia trancado e o desbloqueei indo até o Whatsapp para olhar o coração vermelho. O status estava online e meu coração parecia que batia errado.
- Você está fazendo mesmo o que eu te exigi - dizia olhando para a pequena foto dele do contato - E mesmo tentando, eu não consigo parar de pensar em você...
***
Ansiedade, estômago revirando, mãos geladas.
Era tudo isso que eu estava sentindo enquanto olhava para o meu prato vazio no refeitório. Não tinha me servido de muita comida porque nada iria passar pela minha garganta e também se eu comesse muito, não iria conseguir comer o bolo da festa.
- Nívea? - ouvi a voz do Frederik.
- Quê? - desviei meu olhar do prato para ele.
- Tá distraída - ele sorriu - Vamos voltar para a sala?
- Agora? Ainda é cedo.
- A Dona Jacqueline está na nossa sala ajudando a arrumar tudo para a festa.
- Ah... Verdade. - Quando vi, Gabriele e Patrick estavam me encarando - Seria bom mesmo se fôssemos ajudar também.
- Tá tudo bem, amiga?
- Tá sim, Gabi. Só me distraí mesmo. Vou ao banheiro antes, pode ser? - me levantei e os três fizeram o mesmo.
- Claro, nós também vamos.
Eu a Gabi fomos ao banheiro apenas para escovar os dentes e quando terminamos, seguimos de volta para a nossa sala. Ainda eram 12h20 quando voltamos e vimos duas alunas em cima da cadeira, cada uma em um lado do quadro negro pendurando letras grandes e coloridas Joyeux Anniversaire iguais as bandeirinhas de festa junina.
Quando me aproximei, a mesa do professor já estava com o bolo de chocolate e duas garrafas de suco em caixa. Era o meu bolo. De um tamanho maior que com certeza iria servir mais fatias do que na noite do meu aniversário. Nicole estava em pé ajeitando os pratinhos e copos descartáveis, os pequenos garfos e dois pacotes de guardanapos no canto da mesa com a parede, deixando a faca de cortar o bolo perto da borda do doce enquanto a Dona Jacqueline observava tudo com atenção.
- Cuidado para não sujar a mesa, Nicole! - ela orientava.
- Pode deixar.
- Oi, Dona Jacqueline! - cumprimentei amigavelmente a Diretora.
- Olá, Nívea! - ela sorriu ao me ver - Como estão crianças?
- Bem, obrigada - Gabriele respondeu se aproximando - Vamos poder conversar em português?
- Vocês perceberam que este ano eu afrouxei um pouco as regras de conversação não foi? Pois bem, como todos são fluentes no francês, estou abrindo de novo esta exceção somente para a comemoração e hoje. - ela nos olhou ainda sorrindo e piscou - Mas quando a aula começar, já sabem.
- A gente já driblava as regras, Dona Jacqueline - Patrick passou por nós indo se sentar no seu lugar.
- É, eu sei. Por este motivo também que eu decidi afrouxar.
- A turma toda ainda não está aqui - Frederik olhava a sala e tirou seu celular do bolso.
- Ainda deve ter gente almoçando.
- É... - ele olhava para a tela - Vou deixar a mensagem no grupo pedindo que voltem quando terminarem de comer. Não quer mesmo participar, Nívea? Vamos postar as fotos da festa aqui.
- Tá bom - me rendi - Posso ficar quieta nele, não é?
- Claro.
- Pronto! Terminei! - Nicole olhava a mesa orgulhosa - Agora vou arrumar o presente. Trouxe os livros, Nívea?
- Sim - fui até o meu lugar e pus a mochila em cima da mesa, abrindo o zíper, guardando minha bolsinha e o celular e tirando os dois livros do fundo dela.
- Ah, são lindos! - Ela parou do meu lado observando - Livros de crônicas são pequenos mesmo.
- Sim... - Observava pensativa enquanto os segurava.
- Sua família é de Lyon?
- A família do meu pai.
- Você comprou os livros de presente para o professor, Nívea?
- Comprei nas férias, Gabi, para presentear alguém quando tivesse oportunidade e ficaram guardados esse tempo todo.
Mesmo terminado o nosso namoro, pequenas mentiras precisavam ser sustentadas.
- Ah... Legal...
- Me dá aqui - Nicole os pegou da minha mão - Quer me ajudar com o embrulho?
- Ajudo sim.
Eu e ela fomos até a sua mesa e a vi tirar debaixo da sua mesa uma sacola branca enorme com uma caixa de presente em tamanho retangular e outra sacola de uma loja de roupas. Eram duas blusas masculinas nas cores azul marinho e verde escuro e mais uma carteira na cor marrom.
- Foi uma pena você não ter ido, Nívea. - ela comentava enquanto dobrava a blusa azul e eu a verde e colocamos com cuidado dentro da caixa - A gente zuou tanto no shopping que por pouco não compramos nada.
- Deve ter sido divertido.
- Muito! Não dá pra sair com o Patrick não, ele é muito bobo!
- Eu tô ouvindo, hein! - ele falou em voz alta enquanto mexia no celular.
Depois das blusas dentro da caixa, Nicole pôs a carteira e os dois livros em cima das roupas com o mesmo cuidado e sem me dar conta, passei a observá-la. Será que ela estava se apaixonando pelo Eric? Se sim, eles estariam se encontrando escondido? Abaixei o olhar e respirei fundo pensando naquela possibilidade. Se eu e ele fizemos tudo às escondidas por tanto tempo, por que que com ela seria diferente?
Eric estava frio comigo por deixar de me amar?
- Prontinho! - ela fechou a caixa cuja tampa tinha um laço azul - Vou deixar do lado do bolo.
Os alunos foram voltando aos poucos após a mensagem do Frederik e a Diretora olhava com atenção por toda a sala até um grupinho com três alunas entrarem por último.
- Estão todos aqui? Pois bem, estou indo chamar o professor.
- Ele não desconfia de nada não é, Dona Jacqueline?
- De nada, não se preocupe, Gabriele. Quando eu vim para a sala supervisionar vocês, ele estava na sala dos professores pois tinha terminado de almoçar. O entregador chegou com o bolo e a minha secretária passou com ele pelos fundos do colégio.
- Show!
- Agora se ajeitem que vou inventar uma desculpa e trazer ele até aqui - E saiu da sala, deixando a porta aberta e ficamos alguns em pé e outros sentados em cima das mesas.
Havia uma montanha russa no meu estômago? Minhas mãos estavam úmidas mais do que o normal e eu as esfreguei minha saia tamanha era a ansiedade.
Algumas meninas estavam com os celulares apontados na direção da porta para flagrar a reação dele ao dar de cara com a surpresa. A cada minuto que se passava meu coração parecia que batia mais rápido.
- Não acha que está demorando? - perguntei à Gabi sentada em cima da minha mesa.
- A Dona Jacqueline acabou de sair, Nívea! Eu sei, também tô ansiosa. - falou, segurando o celular na direção do rosto.
Além do frio na barriga, eu não fazia ideia de como ele iria reagir. O silêncio de todos na sala piorava mais as minhas reações. Cruzei meu braço no braço da Gabi e mordia meu lábio inferior.
Foi quando tive a impressão de que meu coração parou.
JOYEUX ANNIVERSAIRE, PROFESSEUR!
Ao chegar na sala de braços cruzados com a Diretora, o dono daqueles lindos olhos azuis tomou um susto e paralisou na porta após o grito da turma inteira. Gritos, assobios e palmas dominaram a sala e Eric parecia não acreditar no que via. A reação dele foi como eu imaginei: parecia que não acreditava em tudo que estava ali na sua frente.
- Crianças... - seu rosto era um misto de alegria e surpresa enquanto a Dona Jacqueline caminhava ao seu lado, ambos se aproximando da mesa do bolo - Caramba... - seu riso parecia de nervoso - Não... Não precisavam ter feito isso.
- Lógico que precisava, professor! - Nicole se aproximou dele, puxando pelo braço e todos os alunos fizeram o mesmo ficando em volta da mesa - Você é o nosso professor favorito e merece!
Demorei um pouco para me aproximar e fiquei atrás de todos. Não me senti à vontade para ficar tão perto dele ou então o meu coração sairia pela boca. Estava lindo como sempre.
- Estavam planejando isso desde quando?
- A Nicole e o Frederik foram semana passada na minha sala, professor! - a Diretora então revelou - Como seria algo em sala de aula, autorizei a festa surpresa.
- E com direito a presente. Abre!
Ele abriu a caixa e decidi me aproximar pois os livros estavam bem na frente.
- Vejam só. Eu estava mesmo precisando de uma carteira nova. - pegou o acessório conferindo cada detalhe e colocou de volta na caixa - Les yeux de Lyon ? - me senti sufocada quando ele encarou os livros. - De quem foi a ideia? - questionou enquanto encarava os dois pequenos volumes.
- Da turma, professor!
- Peraí, não foi não! - Me esqueci da Gabriele e sua boca - Os livros foram...
- Foram da turma sim, Gabi! - olhei firme pra ela e depois para ele - Todos os presentes.
- É, claro... - ele sorriu - Já estive em Lyon uma vez - e pôs os livros de volta na caixa.
Fui pega de surpresa com aquela novidade.
- Mesmo professor? Quando?
- Quando estudava na Sorbonne, Jacqueline. Foi uma viagem rápida em um domingo e peguei o primeiro trem chegando bem cedo. Fui com uma ex-namorada visitar o avô que estava doente. Nem tive tempo de conhecer a cidade com calma, mas o que eu vi achei bem bonito. - Bom, as blusas eu vou deixar na caixa para não bagunçar. De verdade crianças, muito obrigado mesmo pelo carinho de vocês.
- De nada, professor. Tá legal, agora chega de lenga lenga e vamos cortar esse bolo! - Patrick pediu e todos riram.
- Calma aí! Antes... - Eric estava com o celular na mão - Vou fazer o registro desse bolo que parece ótimo - e tirou a foto. Alguns alunos fizeram o mesmo fazendo com que o bolo virasse alvo dos celulares.
- Pode deixar comigo, eu corto para vocês - Jacqueline se ofereceu e começou a cortar as fatias.
- Eu ajudo! - Nicole pegou os pratinhos espalhando os pela mesa depois do Eric retirar a caixa dando mais espaço.
- Eu ajudo! - Gabriele repetiu baixinho perto de mim em deboche - Nhé, puxa saco!
- Para com isso! - lhe dei uma cotovelada de leve.
- Você tinha que ter falado que os livros eram seus presentes! - ela chamou a minha atenção, me puxando pelo braço, enquanto voltávamos a nos sentar.
- Não queria chamar a atenção pra mim, só isso!
- Bobeira sua.
***
- Mas esse bolo está delicioso! - um dos meninos sentados no fundão elogiou - Vou querer repetir, hein!
- Está mesmo!
- Esses morangos no meio com o recheio de brigadeiro ficaram perfeitos!
- Também gostei!
A chuva de elogios que o bolo do meu aniversário recebeu começaram a me deixar sem graça. Continuei a comer a minha fatia torcendo para que eles se encerrassem.
- Está delicioso mesmo - Eric cortava um pedaço com o pequeno garfo - Quem escolheu?
- Fizemos um sorteio, professor! - Frederik estava sentado ao lado da Diretora em uma das cadeiras que a turma acabou espalhando pela sala - Dos três bolos, esse foi o escolhido.
- Ah, legal.
- Se no aniversário da Nívea, não for esse bolo, nem precisa me convidar pra festa.
O gesto facepalm que fiz foi no modo automático.
- Claro que vai ser, Pat! Ela não é doida.
- Como assim? - Eric olhava na direção de nós três sem entender.
- O bolo sorteado foi do aniversário da Nívea, professor. - Nicole sentada do lado dele então revelou sobre a escolha.
- Mesmo? - ele e eu nos encaramos em sala e seu rosto permaneceu sério me deixando levemente angustiada. - E quais foram os outros dois? - perguntou, voltando a atenção para Nicole.
- Doce de Leite e Nozes, sugestões minha e da Celine.
- Doce de Leite teria sido ótimo!
Olhei para o último pedacinho da fatia que ainda restava no meu pequeno prato, sentindo o balde de água fria na minha cabeça. Finquei o garfo nele e comi, sentindo algo amargo. Mas não era o bolo. Virei o copo com suco em apenas um gole porém o amargo ainda insistia dentro de mim.
- Mas se vocês sortearam e saiu o da Senhorita Martin, foi justo.
Limpei minha boca com guardanapo, colocando-o amassado em cima do pratinho. Me levantei da mesa, indo até a lixeira perto da porta e joguei tudo fora. Voltei e abri a minha mochila pegando a pequena pasta de dente e a escova. A frieza com que o Eric estava me tratando era ainda maior, crescendo e me sufocando o meu peito.
- Com licença professor, eu vou ao banheiro - falei baixinho, olhando para o Eric e saí. Nem esperei ele autorizar minha saída ou não.
Em frente ao enorme espelho, depois de usar uma das cabines, as lágrimas corriam pelo meu rosto. Na verdade elas começaram a correr desde o instante em que coloquei o pé pra fora de sala. Eu fui uma imbecil em pensar que o bolo do meu aniversário chamaria a atenção dele.
Ainda que eu secasse o meu rosto com uma toalha de papel, eu precisava de alguns minutos antes de voltar para a sala e não deixar ninguém perceber que eu estava chorando. Passei outra toalha em volta dos olhos para diminuir o inchaço e limpar o nariz que parecia um pimentão de tão vermelho.
Voltei para a sala e infelizmente o atenção que o Frederik sempre me dava era uma forma de demonstrar o seu amor por mim. E meu rosto inchado não passou despercebido por ele.
- Nívea, o que houve?
- Estava chorando, minha querida? - ela se levantou e se aproximou de mim, observando o meu rosto.
- Não Dona Jacqueline, tudo bem. Parece que alguém da limpeza colocou um produto no banheiro e me deu crise alérgica. Isso sempre acontece comigo com cheiros muito fortes.
- Tem certeza?
- Tenho sim, Frederik. Obrigada. - fiz um leve carinho no seu braço e me sentei na mesa.
- Se quiser ir na enfermaria, fique à vontade, meu anjo.
- Não, eu vou ficar bem.
Ainda faltavam alguns minutos até o início da aula de Literatura e então peguei o meu celular na mochila. Eram várias as fotos e os vídeos no grupo da turma e apaguei alguns deixando apenas um como forma de lembrança. Me distrair com as imagens foi uma ótima fuga.
Dona Jacqueline foi para o meio da sala e teve a ideia de reunir a turma junto do Eric em frente ao quadro e tirar uma foto. Gabriele usou uma máscara de cílios para melhorar um pouco o meu inchaço nos olhos, me maquiando rapidamente com toda a habilidade que tinha. Foi tudo muito rápido até posarmos para a foto. Procurei ficar bem longe dele. As meninas ficaram em uma posição abaixo e os meninos em pé. Frederik recebeu a foto dela e jogou no nosso grupo.
Ficou tão bonita que fiz questão de postar no meu Instagram e depois compartilhar no story com um registro do bolo. As inúmeras tags que eu postei fizeram a alegria de curtidas dos meus seguidores, incluindo uma mensagem por zap nada contente.
- Muito obrigada por me chamar para a festa, viu? Que bela melhor amiga que eu tenho!
A mensagem irônica da Melissa foi o milagre que me fez rir e lhe respondi em forma de áudio.
▶️
Amiga, foi uma festa fechada da minha turma para o professor Schneider. E nem fui eu quem organizou...
- Mesmo eu não podendo ir, tinha que me chamar! - ela digitou - E que voz rouca e estranha é essa?
- Não é nada, eu tô falando baixinho porque a Diretora participou da festa com a gente.
- Ah tá... Se sobrar bolo traz uma fatia pra mim!
- Não posso te prometer. Ele tá fazendo sucesso aqui - respondi e olhei para a mesa vendo dois alunos repetindo a fatia do bolo que já passava da metade - Foi o bolo do meu aniversário.
- Sério? E ele reagiu como?
- Elogiou, mas depois que soube que era o meu não deu tanta importância - e eu não podia chorar mais.
- Babaca.
- Pelo menos a turma adorou.
- Mais dez minutos, turma! - A diretora anunciou - Comecem a arrumar as cadeiras nas mesas que daqui a pouco o sinal vai tocar.
- Vou lá amiga, a aula dele vai começar daqui a pouco.
- Tá bom, beijão.
- Se ninguém mais vai comer bolo, eu vou levar o que sobrou e guardar no pequeno frigobar da minha sala - Dona Jacqueline disse para todos - No fim do dia você pode ir buscá-lo, professor!
- Claro Jacqueline, eu agradeço. - Eric ajeitou sua mesa e pôs o presente no compartimento embaixo dela.
- Comportem-se, crianças! E tenham uma boa aula.
- Merci!
- Com a festa de hoje, nosso 10 está garantido semana que vem não é professor? - Patrick sentado atrás de mim levantou os braços.
- Se você gabaritar a prova, está garantido sim senhor Fernandes. Mas vou dar um refresco para vocês hoje...
- Qual?
- Encerramos o conteúdo de aula dentro do cronograma, certo? Sendo assim, teremos revisão geral de todo o bimestre e dúvidas sobre o enredo do livro.
A turma vibrou e todos foram rapidamente cada um para os seus lugares indicando assim o fim da festa surpresa. O sinal tocou e a última aula antes da prova iria começar.
***
Eu havia chegado em casa há pouco mais de uma hora. Com os cabelos ainda úmidos do banho, recebi uma mensagem da minha mãe pedindo para ver o que tinha para o jantar e estava na cozinha quando ouvi a campainha tocar.
- Já estou indo!!!
Deixei o pote de palmito em cima da mesa e fui atender a porta. Eram Felipe e Melissa.
- Amigaaaa! - ela me abraçou apertado e os dois entraram, ficando os três na sala - Me fala, sobrou bolo ou não?
- Quase nada - dei um pequeno sorriso - O que sobrou, com certeza o Eric levou pra casa.
- Ah, que pena!
- Eu vi as fotos no Instagram, Nívea - o irmão mais velho comentou - Ficaram legais. Mas eu vim até aqui com a Melissa por outro motivo. É sobre a minha formatura.
- Ah sim. Vai ser que dia?
- Na semana que vem, no primeiro final de semana de Dezembro bem no início do mês. A cerimônia de colação será na sexta-feira e o baile no sábado.
- Bom, é que...
- Eu sei. Seus pais entram de férias em Dezembro. Eu e o meu pai esbarramos com o seu na portaria e ele garantiu que vocês irão pelo menos na cerimônia de colação de grau.
- Sim, vai ser meu último dia de prova e viajamos pra França no sábado. As passagens já estão compradas.
- Vai começar às oito da noite.
- Com os meus pais em casa, dá tempo de me arrumar e ir com eles.
- É uma pena você não ir no sábado, amiga! Os meus tios e as minhas primas estão vindo de Curitiba pro baile e eu ia te apresentar eles. E nem vamos estar juntas no meu aniversário. A parte legal é que vamos sair pra almoçar e meus tios voltam pra casa na noite de domingo.
- Tudo bem, Meli. Deixa pra uma próxima vez. Meu presente pra você está garantido. - sorri e ela me abraçou me dando um beijo no rosto.
- Então, Nívea... Tem uma coisa que eu queria te contar.
- O quê?
- Como a cerimônia de colação será no auditório da faculdade e é um evento mais aberto do que o baile, eu convidei o Eric pra ir assistir.
- Ah sim... - abaixei a cabeça, colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha - Vocês são amigos, Lipe. Normal.
- Pois é, por isso achei melhor te avisar e você não ser pega de surpresa. Já basta o que aconteceu no meu aniversário.
- A minha prova de Literatura é na semana que vem - comentei e suspirei pensativa.
- O pacote de convites para cada formando sobraram dois.
- O Eric vai ao baile? - fiquei curiosa com a possibilidade.
- Falei sobre os convites que sobraram mas ele recusou, é sábado e você sabe. Correção de provas das turmas dele.
- É...
- Como foi hoje na aula? - Melissa me pegou pela mão como nossos braços cruzados um ao outro.
- Foi aula de revisão antes da prova, normal.
- Eu fiquei curioso em como ele reagiu ao ver a festa. O Eric é tão na dele.
- Ele ficou sem acreditar, Lipe. Mas gostou de ter recebido o carinho da turma.
- Legal. Bom, era isso. Eu e a Mel só queríamos conversar com você sobre os dois eventos. E amanhã e na quinta eu tenho as últimas duas provas.
- E o seu trabalho final?
- A defesa será na terça-feira que vem.
- Boa sorte então. Vai dar tudo certo.
- Obrigado, vou precisar - caminhamos os três em direção à porta.
Nos despedimos e voltei ao que estava fazendo na cozinha. Ainda teria mais dois encontros com o Eric antes das férias e mais um próximo ano letivo inteiro pela frente.
***
"Pessoal, atenção aqui. O professor Schneider conseguiu uma autorização especial e ele pediu para que todos os alunos retornassem do intervalo mais cedo do que o normal. A prova será aplicada 13h20"
Era a mensagem deixada pelo Frederik no grupo da turma.
"Ué, mas por quê?"
"Algum motivo?"
"Que saco! 😑"
"Galera, eu não sei o motivo. Recebi uma mensagem da Dona Jacqueline me chamando na sala dela, eu fui lá e ela me falou isso."
Patrick:
"Tá bom, pô! Quanto mais cedo a prova começar, mais cedo ela termina. Vcs são chatos pra kct tbm! Vamos logo!"
O que será que havia acontecido para o Eric decidir aplicar a prova mais cedo? Lia as mensagens e não conseguia pensar em nada.
Cheguei no corredor e alguns alunos da turma estavam do lado de fora, sentados no banco de madeira do corredor do lado da porta da nossa sala. Quando olhei para dentro, Eric caminhava pela sala distribuindo as provas em cima de cada mesa, uma separada da outra. As fileiras duplas estavam desfeitas como sempre acontecia na semana de avaliações.
- Só vamos entrar quando ele autorizar, Nívea! - uma das meninas sentada, me disse em voz baixa.
- Ah sim... Ele falou o motivo da nossa prova começar mais cedo?
- Nadinha.
- Podem entrar, crianças! - poucos minutos depois, ele anunciou de dentro da sala e entramos.
As provas estavam todas em cada mesa e viradas para baixo. Eric estava de pé encostado na parede, olhando o seu celular e desviou na nossa direção apenas para nos ver entrando.
- Não virem a prova até todos estarem em sala. - ele ordenou - E claro, os celulares desligados!
Me sentei, guardando minha bolsinha e o celular, cuja tela marcava 13h15, e o desliguei pegando apenas o meu estojo dentro da mochila.
Gabriele chegou logo em seguida e se sentou com uma cara fechada. Quando olhou pra mim, colocou o dedo do meio dentro da boca aberta fazendo uma careta como se fosse vomitar.
- Algum problema, senhorita Fernandes? - a voz firme do Eric vinda do fundo da sala me deu vontade de rir pois ele tinha flagrado a bobeira da minha amiga.
- Problema nenhum, professor.
- Bom saber.
Sentia as minhas mãos geladas e o frio na barriga antes de cada prova. Tirei um lápis, borracha e caneta azul do estojo deixando os na ponta da mesa e me ajeitei melhor na cadeira arrumando a minha saia.
- Tout le monde dans la salle ? Bon, que le test commence !
(Todos em sala? Certo, podem começar a prova!)
Virei o bloco de seis folhas dando início e comecei a ler as questões, respondendo com calma. Eric seguiu até a porta para fechá-la, pegando sua cadeira e voltou para o fundo onde se sentou. Era um truque dele que não falhava. Sentado no fundo da sala, nenhum aluno ousaria olhar para o lado pois nunca iria saber onde seus olhos estavam em cada movimentação.
O silêncio era agoniante durante as duas horas de prova. Neste tempo, Eric apenas nos orientou que quem terminasse era pra deixar o bloco de folhas em cima da sua mesa.
Terminei todas as questões e fiz o que ele pediu. Não o encarei para não sentir a palpitação no peito que sempre acontecia e quando sentei, finalmente consegui respirar fundo e relaxar. Depois dele, teríamos prova de Língua Francesa com a professora Edith e era bem mais tranquila, com metade da quantidade de folhas.
O clima tenso em sala se desfez por inteiro quando o último aluno deixou a prova na mesa e os semblantes nos rostos dos alunos eram mais tranquilos. Eric finalmente foi até a sua mesa, onde deixou o celular e ajeitou o bloco com todas a provas.
- Ainda temos quinze minutos... - olhou na tela do aparelho e suas mãos se fecharam em forma de soco apoiadas na mesa. E então nos encarou - Fico feliz que todos tenham terminado a tempo. Poderei conversar com vocês com calma.
- Sobre o quê, professor? - um aluno perguntou.
- Na verdade, eu não sei como dizer isso a vocês...
Senti uma tensão na minha nuca ao ver o Eric tão sério.
- Ele tá esquisito de novo... - Patrick atrás de mim sussurrou no meu ouvido - Mas um esquisito estranho...
E então ele continuou após respirar fundo.
- Primeiramente, eu gostaria de agradecer e muito por todas as demonstrações de carinho e principalmente de respeito que vocês tiveram com o meu trabalho. Não apenas na semana passada com a festa surpresa, mas desde lá atrás quando eu comecei a lecionar ainda na 1A. Foram excelentes alunos, com ótimas notas me surpreendendo positivamente.
- Por quê que tá falando desse jeito, professor? - Gabriele questionou - Parece que está se despedindo...
- Porque de fato é uma despedida, senhorita.
- O QUÊ????
Não acreditei no que tinha ouvido. Minhas pernas começaram a tremer levemente, meu peito a palpitar e o meu coração a acelerar. Minha mão foi parar no meu pescoço procurando pelo ar que de alguma maneira estava faltando.
- Mas como assim, professor?
- Vai se demitir do colégio?
O burburinho de vozes com várias perguntas começou a crescer dentro da sala e eu apertava os meus lábios e respirava fundo tentando não chorar.
- Turma, por favor! - ele se mantinha firme - Por favor, me deixem continuar porque não está sendo fácil pra mim também. Eu sinto muito por isso, de verdade. Mas não tive outra escolha.
- Você sendo professor de faculdade não gostou de dar aula pra gente em escola?
- Não! - negou rápido com a cabeça - Não tem absolutamente nada a ver com vocês. Foi uma decisão pessoal.
- Se não tem a ver, então continua aqui...
- Eu não posso continuar.
- Por que não???
- Porque pra mim esse ano foi muito difícil. Eu fiquei sobrecarregado demais quando comecei a dar aulas à noite na Universidade e... - fez uma pausa - E também tive alguns problemas pessoais que pesaram nessa decisão.
- Mas ano que vem é a nossa formatura!
- Eu sei. E me entristece ainda mais saber que não estarei vendo vocês se formarem. Mas eu preciso dar atenção à minha saúde.
- Então você está doente?
- Não estou, mas se eu não desacelerar o meu ritmo de trabalho, é provável que eu fique.
- Poxa professor, é só mais um ano. Vai passar rápido.
- Eu sei... Eu sei... Mas eu já venho amadurecendo essa minha decisão há alguns meses. E antes de começar a trabalhar aqui, o dia de segunda-feira era o meu dia livre além do sábado e domingo. Foi quando eu recebi, no ano passado, a proposta para dar aula de Literatura aqui.
As respostas que ele dava para cada pergunta dos alunos eram como facas afiadas que atravessavam o meu peito. Eu o olhava pensando que em algum momento ele iria rir da nossa cara revelando que era uma brincadeira. De péssimo gosto. Mas ao mesmo tempo era o que eu queria que acontecesse.
- A Dona Jacqueline sabe, professor? - a pergunta veio do Frederik.
- Não, senhor Bertrand. Ela ainda não sabe. Vocês estão sendo os primeiros a saber e peço que fique apenas entre nós.
- Então por isso que você quis começar a prova mais cedo? Para conversar com a gente?
- Exato.
- Você não quer pensar mais um pouco?
- Eu pensei bastante, senhorita Dumont. E acreditem, não foi fácil.
Os rostos dos meus colegas de turma estavam estampados pela tristeza. Em mim era algo além, era desespero. Desespero por saber que eu nunca mais iria encontrá-lo em sala de aula, que ele estava pra sempre me excluindo da sua vida pois não me amava mais. Era o que mais martelava na minha cabeça para entender o motivo do Eric decidir sair do colégio.
Ele queria ficar longe de mim para me esquecer.
- Posso pedir uma coisa a vocês? - ele perguntou e os alunos responderam em sim com a cabeça. - Nos próximos dias até o fim da semana que vem, quando eu acessar as notas de vocês, quero ver muitos 9,5 ou mais em todas as disciplinas. Posso contar com isso? - e sorriu.
Todos concordaram embora fosse algo difícil continuar a semana de prova depois de uma notícia dessas. Principalmente pra mim.
- Ótimo. Estou confiando em vocês. Arrebentem nas notas.
E o acompanhei com o olhar até a sua mesa, arrumando a mochila e colocando as provas dentro de um envelope.
E os seus olhos azuis iguais o céu não se encontraram com os meus.
***
🎵🎶Um dia o caminhão atropelou a paixão,
Sem teus carinhos e tua atenção,
O nosso amor se transformou em bom dia.
Qual o segredo da felicidade?
Será preciso ficar só pra se viver?
Qual o sentido da realidade?
Será preciso ficar só pra se viver?🎵🎶
A letra da música que tocava no rádio do carro só pareceu piorar a força do furacão emocional que estava dentro mim. Eu olhava para o nada na direção da janela enquanto o Evandro dirigia ladeira abaixo calmamente pela rua do nosso colégio.
- A gente precisa fazer alguma coisa! - Gabriele falava de um jeito histérico - O Professor Schneider não pode sair do colégio assim!
- Tá, você tem alguma ideia brilhante?- o irmão questionou.
- Eu não consigo pensar em nada - Frederik estava recostado - Eu fico chateado porque com o passar do tempo eu meio que aprendi a gostar dele.
- É, eu também. Aprendi a gostar de Literatura mais pelo professor mesmo. No nosso nono ano do fundamental eu achava um saco! - Patrick emendou o comentário enquanto jogava.
- Um abaixo-assinado! - Gabriele falou de repente e me virei minha atenção da janela pra ela - Vamos montar um, a turma assina e entregamos pra Dona Jacqueline!
- É uma boa ideia... - Frederik que olhava pra frente fez o mesmo.
- Boa não, é uma ótima ideia! Claro né, foi minha!
- Até que eu tenho uma irmã inteligente.
- Vocês acham que vai funcionar?
- Só vamos saber se fizermos, Nívea. E fala com o seu pai, Frederik pra ele te ajudar a montar um.
- Vou falar. - se virou pra frente novamente, digitando algo no celular - Amanhã mesmo eu levo o documento pronto e a turma assina.
- Perfeito.
Cheguei em frente ao meu prédio e quando eu achava que não tinha mais o que chorar, meu coração me enganou totalmente. Ao sair do elevador, em vez de ir para casa fui para a saída de emergência e me sentei na escada, permitindo que as lágrimas rolassem livremente a ponto de molhar a minha blusa do uniforme.
Busquei meu aparelho na mochila e digitei com os dedos tremendo até aparecer a conversa com a Melissa.
- Meli!
- Meli!
- Meli!
- Tô aqui na saída de emergência 😭😭😭😭😭😭😭😭😭😭😭😭😭
E tirei a mochila das minhas costas, jogando ela de lado e relaxei o meu braço com o aparelho mas mãos, voltando a chorar e soluçar.
- AMIGA! - Melissa apareceu minutos depois junto do Felipe e se sentou do meu lado, me abraçando com força e eu fiz o mesmo - Pelo amor de Deus, o que quê houve? Se acalma! - suas mãos acariciavam a minha coluna mantendo o abraço.
- O Eric... - eu tentava falar em meio ao choro - Ele vai embora...
- O QUÊ? Como assim vai embora?!
- Vai deixar o colégio... - me afastei dela e tentei continuar a falar, sentindo suas mãos secando o meu rosto - Não vai mais dar aula... Ele vai por minha causa!
- Ele te falou isso?
- Falou hoje pra turma inteira e deu outros motivos. Mas eu sei que é por mim. Pra não ficar mais perto de mim.
Melissa ficou em silêncio me analisando e logo depois olhou para o Felipe, em pé encostado no corrimão da escada, que levantou o olhar.
- Lembra do que eu conversei com você, Mel?
- Lembro... - ela me olhou e limpou um fio de lágrima do meio da minha bochecha.
- Vocês sabiam que o Eric ia sair do colégio???
- Não Nívea, não é isso. Pra falar a verdade eu não esperava que ele fosse se demitir. Tô até surpreso.
- O Fê conversou comigo e disse que você iria se arrepender de ter tratado o Eric do jeito que tratou. Eu disse que era exagero mas agora te vendo chorando assim...
Abaixei o olhar e foi a minha vez de ficar quieta, ainda sentindo tudo doer dentro de mim.
- O quê que eu vou fazer? O Eric não me ama mais e agora eu acho que é de verdade.
- Não vou te apontar o dedo mas depois de tudo o que aconteceu, eu entendo o lado dele. - o mais velho analisou.
- Conversa com ele, Fê! - a minha amiga pediu - Pede pra ele mudar de ideia!
- Não, Meli. Não faz isso, Felipe. Por favor.
- E você vai ficar assim sofrendo desse jeito, Ni?
- Se eu fiquei esses meses todos sem o Eric posso ficar pra sempre. Mas vai doer muito até eu me acostumar.
- Se você não for na minha cerimônia de colação na sexta-feira eu vou te entender também...
- E qual desculpa eu vou dar aos meus pais para não querer ir? - olhei para ele, sentindo todo o meu rosto inchado.
- Pois é... - ele concordou - Se você foi forte meses atrás diante da Luciana agora terá que ser cem vezes mais.
- Eu sei que é horrível mas tenta não chorar mais. Eu juro que queria ficar todo o tempo do mundo aqui com você mas eu tô estudando pra prova. Elas começaram semana passada e terminam agora na quarta-feira. Você me enviou a mensagem, chamei o Felipe e viemos correndo.
- Desculpa ter te atrapalhado.
- Shiiuuu, para! Não atrapalhou nada! - e me abraçou de novo - Fez muito bem em ter me chamado.
- O Frederik vai montar um abaixo-assinado e a turma vai assinar amanhã. Vamos levar pra Diretora.
- Aí, viu só? Já é alguma coisa!
- Não sei... O Eric foi tão firme enquanto conversava com a turma e se despedindo que eu não sei se isso vai adiantar...
- Foi uma boa iniciativa. Ao menos vocês vão tentar.
- Concordo com o Fê! Vou torcer para dar certo. Agora vamos! - ela se levantou e me puxou pela mão - Toma um banho quente e relaxa. Você precisa se concentrar para as provas.
- Será que eu vou conseguir? - peguei minha mochila do chão e pus nas costas, ajeitando as alças nos ombros
- Claro que vai! Ou não é mais a menina mais inteligente da turma?
- Você vai se sair bem, Nívea - Felipe me deu força - Basta não pensar muito na sexta-feira.
- Obrigada... Por estarem sempre comigo quando preciso.
- Melhores amigos servem pra isso!
Deixamos a saída de emergência e fui para a minha casa indo direto para o meu quarto. Me sentindo um pouco mais tranquila, coloquei minha mochila na poltrona e com o celular em mãos, vi várias mensagens do grupo da turma.
Frederik:
Um abaixo-assinado pedindo para que o Professor Eric Schneider continue no colégio e dê aula para a gente ano que vem de novo. Posso contar com a assinatura de vocês?
"Com certeza!"
"Pode sim."
"Vou assinar."
"Assino tbm."
Patrick:
Documento tá pronto?
Frederik:
Larga de ser imbecil! Nem chegamos em casa!
Patrick:
Hahahahahahaha
"Minha assinatura está garantida!"
👍
"Vou assinar também"
Respondi e um pequeno fio de esperança surgiu em mim.
***
Último dia de prova e aula e com ele, o ano letivo se encerrava. O abaixo-assinado foi entregue pelo Frederik e o Patrick para a Diretora no decorrer daquela semana com a assinatura de todos da turma. Foi o nosso tudo ou nada. Mesmo dizendo que iria assinar cheguei a pensar por alguns instantes em deixar o espaço do meu nome em branco só para fazer raiva no Eric, mas se fizesse isso seria marcada como a aluna do contra.
Evandro estava encostado na porta do carro, estacionado na calçada em frente ao meu prédio, esperando os meus amigos se despedirem de mim e da Melissa. Foram momentos tão bons que passei ao lado deles naquele ano que a saudade já apertava no peito.
- E no Natal e Ano Novo? - perguntei ao três.
- Nós vamos para São Paulo com a nossa avó uns dias antes do Natal e passamos com a família da nossa tia - Gabriele me explicava - Nossos pais só são liberados da apresentação do Jornal quase perto do dia 24.
- Entendi. E você, Frederik?
- Ficamos em casa. Os irmãos do meu pai vão pra lá e comemoramos em família também. No Ano Novo, um dos colegas dele da empresa convida a gente pra ir pra Búzios e nós vamos.
- Que bom.
- Crianças, são quase seis horas! - Evandro informou - Está ficando tarde.
- Espera! - peguei a Melissa pela mão e fui até o motorista - Queria te agradecer Evandro, por me trazer em casa todos os dias. Você sempre foi muito gentil comigo.
- Verdade! - a ruiva deu um soquinho no braço - Comigo também.
- Imagina senhoritas, só fiz o meu trabalho.
- Um Feliz Natal e Ano Novo para você - lhe estendi a mão e ele correspondeu.
- Te desejo o mesmo. Para vocês duas. - olhou para nós duas com simpatia.
- Eu envio mensagens pra vocês da França.
- Pode enviar! - Frederik me beijou na testa e na testa da Melissa.
Terminamos de nos despedir, observamos o carro partir e subimos pois uma cerimônia de colação de grau estava à minha espera. E se eu tivesse o poder, avançaria horas no tempo para chegar logo no dia seguinte.
Vi meu pai no telefone enquanto minha mãe usava seu roupão branco e macio com uma toalha enrolada nos cabelos assim que entrei em casa.
- Meu anjo chegou! - nos abraçamos no meio da sala e senti seu beijo no topo da minha cabeça - Tem pouco mais de uma hora pra ficar pronta e tomei a liberdade em escolher o seu vestido.
- Obrigada, mãe. Posso ficar na sua hidro?
- Se não demorar, pode sim - e piscou - E sua mala?
- Já está pronta. Sempre tive tudo na casa dos meus avós então levo só uma.
- Falei com o seu avô hoje, mon chére. - meu pai encerrou a ligação e ainda olhava para o seu celular - Vocês vão mesmo para os Alpes depois do primeiro final de semana de Janeiro e voltam pra Lyon dia 22.
- Legal.
- Iremos ao aniversário do Frederik representando você, uma pena que não dará tempo para que venha.
- Conversei com o Frederik e ele entendeu, mãe.
- Mesmo assim, minha vida. Só vai faltar você - acariciou meu rosto.
- Mãe, você já enviou os presentes de Natal para seus amigos e os do papai como faz todos os anos antes de irmos viajar?
- Sim, filha. Por que?
- Não acha que o Evandro merece uma lembrança nossa? - dei a sugestão e ela me encarou surpresa.
- Meu Deus, é claro! Vou precisar do endereço do condomínio do Frederik. Ligarei pra Denise agora.
- Seria uma falha grande se não enviássemos nada pra ele, Helena. - meu pai concordou - Muito bem lembrado, mon ange.
- Evandro merece e muito a nossa retribuição.
Enquanto minha mãe corria para encomendar e enviar uma lembrança ao rapaz que era um verdadeiro baú de segredos sabendo de mais coisas que eu poderia imaginar, corri para o meu quarto, deixando minha mochila jogada pelo chão, vi rapidamente na cama o vestido escolhido na cor vinho e fui pegar minha toalha no banheiro seguindo para a suíte dos meus pais para aproveitar a hidromassagem. Quanto mais o tempo passava, mais eu precisava relaxar para enfrentar aquela noite.
***
- Ni, sua mão tá uma pedra de gelo!
- Eu sei Meli, mas não consigo evitar.
A cerimônia de formatura dos alunos de Direito foi linda. Uma pequena arquibancada fora montada no palco para os formandos e uma mesa de autoridades do lado estava destinada aos homenageados da colação. Foi o que a minha mãe me explicou. Homenagens, discursos entre os alunos e os presentes da mesa foram o ponto alto da noite. O auditório teve lotação máxima entre os convidados, alunos e professores de outros cursos.
E era isso o que estava me deixando aflita. Me sentei com os meus pais no meio da platéia enquanto a família do Felipe se sentou mais na frente. Olhava para os lados e por mais que tivessem muitas pessoas, poderia ver o Eric em algum lugar o que não aconteceu. Ainda assim eu não conseguia me acalmar.
A movimentação começou a aumentar após o fim da cerimônia com os formandos se misturando aos convidados para tirarem fotos e receberem os cumprimentos. Fiquei de mãos dadas com a minha melhor amiga observando o Felipe receber um caloroso e demorado abraço do seu pai, os dois sendo observados pela Dona Cecília muito emocionada. Uma cena tão bonita de se admirar e eu surtando sem necessidade igual uma imbecil.
- Parabéns Lipe! - precisava deixar o clima de emoção entrar em mim - Foi tudo muito lindo - trocamos um longo abraço - Você merece!
- Obrigado, Nívea.
- Depois daqui você vai fazer o quê?
- Vou com a turma comemorar em um bar. Não quer ir com a gente?
- É amiga, eu também vou! Não vamos sair tarde de lá!
- O vôo está marcado para o horário da manhã. Mas eu agradeço o convite.
Meus pais, que eu tinha perdido de vista por alguns minutos, apareceram e cumprimentaram o mais novo advogado e quem sabe, futuro Delegado de polícia.
- Estávamos conversando com o coordenador de Engenharia que me convidou para a palestra - meu pai explicou - E esperando esse tumulto todo diminuir.
- Posso ir lá pra fora com a Melissa?
- Claro filha, só não se perca por aí.
- Tá legal.
Saímos as duas e o ar frio do ar condicionado do auditório mudou para um mais quente e normal do campus.
- Quer fazer o quê? - Melissa me olhava com curiosidade.
- Não sei... Eu nem deixei você cumprimentar o Felipe.
- Relaxa. Você sabe muito bem que vou dar os meus parabéns pra ele de outro jeito. - e começou a rir me fazendo revirar os olhos - Bom se você não quer se encontrar com ele, o único lugar seguro aqui é o banheiro feminino.
- Aí encontramos com a Luciana de novo como da outra vez?
- Melhor ela do que ele, vem!
Entramos no banheiro feminino e ele estava ocupado tanto nas cabines como em frente ao espelho. Algumas formandas usando o traje ajeitavam a maquiagem no rosto e lavavam as mãos. Melissa entrou na primeira cabine que desocupou e fiquei observando as mulheres enquanto esperava pela minha vez.
Depois de usar o banheiro e lavar as minhas mãos, Melissa me esperava encostada na parede olhando para o seu celular e depois olhou para mim.
- Sua mãe me passou uma mensagem agora...
- É, eu deixei meu celular na bolsa dela. Onde ela está?
- Ela e o seu pai estão no pátio do campus com os meus pais, o Fê... E ele...
- Ah não, Meli...
- Falei que a gente estava no banheiro e ela tá perguntando se vamos demorar.
- Vamos demorar sim porque eu vou cavar um buraco e me enfiar nele! - falei mordendo o lábio inferior.
- O Eric não é maluco de te tratar mal na frente dos seus pais! Fica calma!
Deixamos o banheiro e eu sentia o meu coração batendo a mil por hora. Na entrada do pátio, mesmo que estivesse pouco iluminado, reconheci o dono daqueles ombros largos conversando com o meu pai. Paralisei.
- Eu não posso chorar.
- De jeito nenhum!
Ao nos ver se aproximando, meu pai sorriu e imediatamente Eric virou na nossa direção com um olhar sério. Porém, seus olhos percorreram todo o meu corpo como ele sempre fazia ao me encontrar nessas ocasiões.
- Oi Professor...
- Como vai, senhorita Martin?
- Vou bem.
Eric voltou sua atenção para o que meu pai falava e continuei a observá-lo. Não elogiou o meu vestido como acontecia das outras vezes fazendo me sentir confusa e desprezada.
Olhei em volta e vi minha mãe conversando com a Dona Cecília em um dos bancos espalhados pelo pátio. As duas estavam perto do Senhor Henrique e do Felipe.
- Podemos ir pra casa, papa?
- Oui mon cher ! Nós já vamos! - me abraçou carinhosamente e fiz o mesmo com força para buscar conforto e ele continuava a conversar um assunto que eu não fazia ideia do que era. Tudo o que eu mais queria era sumir dali.
- Vou me sentar lá com as nossas mães perto do meu padrasto e do Fê - Melissa me cutucou avisando.
- Bom, vou até o estacionamento pegar o carro e então vamos embora. Faz companhia à Nívea enquanto isso, professor?
- Papa! - arregalei os olhos não acreditando no que ele tinha pedido.
- Claro, Sr Martin...
- Professeur Schneider é nosso amigo,
ma fille. Não precisa ficar envergonhada. Eu já volto.
- Pai... - dei dois passos na sua direção e parei, voltando a encará-lo - Desculpa Eric, mas você viu que não foi de propósito - abaixei o olhar, me sentindo totalmente sem saber como agir apenas colocando uma pequena mecha de cabelo atrás da minha orelha.
- Eu vi - cruzou os braços olhando sério pra mim - E quem é Eric?
- O quê? - o olhava incrédula - Como assim, "quem é Eric?"
- Eu ainda sou o seu professor. Pelo menos até a meia noite de hoje.
- Eu sei.
- Ótimo. Portanto é assim que você deve me chamar. Exatamente como era em sala de aula.
Fiquei paralisada ao ouvir aquilo. Sua frieza comigo havia se transformado em um doloroso golpe de palavras que eu não esperava.
- Me... Me desculpe... - meus olhos ficaram úmidos, meus lábios tremiam e eu não conseguia acreditar em como ele estava me tratando - Não quis te aborrecer.
- Não me aborrece. Apenas quero que não se esqueça.
Os braços da minha mãe me envolveram e ela pousou o seu queixo no topo da minha cabeça dando vários beijos em seguida.
- Se despedindo da sua melhor aluna, professor?
- Com toda certeza, Helena! Embarcam amanhã?
- Sim, vamos sair de casa bem cedo.
Continuei a encará-lo sentindo tristeza, decepção e raiva. Se ele não sentia mais amor por mim, também não precisava me tratar daquele jeito tão ríspido.
- Desejo que façam uma boa viagem.
- Obrigada.
Melissa, Felipe e os pais se aproximaram, se despedindo de nós duas e do Eric. A família Vilela Amorim iria para o bar onde os formandos se reuniram para comemorar. Antes, Melissa me fez prometer que eu enviaria uma mensagem pra ela assim que chegasse na casa dos meus avós. Não demorou muito até o meu pai voltar e finalmente aquela noite a qual o meu melhor amigo se formou em Direito iria chegar ao fim.
- É sempre um prazer revê-lo, Professor! - meu pai o cumprimentou se despedindo depois de fazer o mesmo com os nossos amigos.
- Digo o mesmo, Senhor Martin. E de novo, façam uma boa viagem e um ótimo Natal e Ano Novo para vocês.
- Merci.
Chegou ao fim da pior maneira pra mim.
***
Da janela do avião, sentia ele se movimentar na pista se posicionando para levantar vôo em alguns minutos. Não havia ninguém sentado do meu lado, os meus pais estavam acomodados nos assentos da frente e então eu poderia chorar o quanto quisesse durante as onze horas de vôo, olhando para o céu.
Pensar no quanto eu estava arrependida de ter afastado o Eric de mim e ter como resultado, ele se demitir do colégio me fez também tomar uma decisão: Talvez não voltar mais para o Brasil.
Continua...
Nota da autora: Se eu não receber mais do que cinco "surtos circuitos" via mensagens ou comentários, vou enrolar bastante até postar o último capítulo hahahahahahahahahahaha. Brincadeira, meus amores 😉
E agora? Será que nossa princesa vai ficar de vez na França e concluir o último ano do ensino médio em terras francesas? E Eric Schneider? Como irá reagir ao descobrir que sua petite não pensa em voltar para casa?
Trecho da música postada:
Grand' Hotel - Acústico MTV - Kid Abelha
Les yeux de Lyon = Os olhos de Lyon
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