Em plena era das mensagens instantâneas, Renata decidiu me deixar uma carta, comecei a ler:
Andersom, antes de tudo e mesmo que você não acredite, quero dizer que te amo e isso não vai mudar.
Há um mês, Monteiro tem tentado me convencer a ficar com ele, propôs de termos um caso sem você saber ou mesmo de passar um apartamento luxuoso para o meu nome e te deixar. Também me ofereceu muitas coisas, como carro, roupas, joias... Ele disse até que aceita me manter, ser uma espécie de sugar daddy mesmo eu ficando com você, desde que possa ficar alguns dias da semana com ele, pois se apaixonou.
Durante vários dias, ele me mandou poemas, declarações de amor, chorava e dizia que nunca se apaixonou assim, mesmo tendo as mulheres mais lindas da TV e das passarelas. Se é verdade ou não, não posso dizer, mas confesso que isso mexeu comigo, não no sentido de me apaixonar por ele, mas de tentar entender o porquê de tamanha devoção então pouco tempo. Mentiria se negasse que essa sensação não me faz bem, nunca alguém me cortejou assim tão fanaticamente, estou confusa, não confusa de achar que não te amo mais, mas de querer ter os dois, você como meu homem que supre minhas necessidades na cama e é companheiro, já ele, como alguém capaz de mover mundos e fundos só para ter a minha companhia.
Nas últimas semanas, ele me perguntou qual seria a viagem dos meus sonhos e eu disse que gostaria de conhecer as Ilhas Gregas um dia, para minha surpresa, pouco mais de 24 horas, ele me disse que já tinha feito reservas e comprado as passagens para que ele e eu fôssemos passar 10, 12 dias lá. Respondi que era loucura, pois não iria, mas ele ficou dia após dia me seduzindo, dizendo que já esteve lá e que você ficaria bravo, mas no final, entenderia que era algo especial para mim.
Sei que agora você está com ódio ao ler que decidi ir com ele, por isso optei por escrever uma carta para que você lesse em casa e não através do celular, no trabalho e ficasse nervoso tendo que dirigir depois. Tentei te contar isso há vários dias, mas sabia que você me xingaria muito e fiquei com medo, pensei até a última hora em ir ou não, até que hoje Monteiro mandou entregar a passagem e disse que estaria me esperando no aeroporto.
Só peço que reflita sobre os seguintes pontos: nós somos um casal liberal e você também poderá ter uma aventura dessas se um dia quiser; é um sonho meu que estarei realizando; quero entender melhor a devoção de Monteiro; se eu não te amasse ou não quisesse ficar com você, teria aceitado ir para o belo apartamento que ele ofereceu de colocar em meu nome, além de outros presentes mais para ser exclusiva dele.
Hoje não, mas nos próximos dias, espero que possa me perdoar e me aceitar quando eu voltar, se não me aceitar de volta, sei que sofrerei muito, mas acho que se de fato você me ama, saberá perdoar, o que é, de fato uma loucura.
Viajarei hoje com ele e daqui uns dois dias, quando você estiver mais calmo, te ligarei.
Te amo e espero que possa perdoar minha loucura.
Renata
Ao terminar de ler a carta, tive aquela sensação de estar num pesadelo tão terrível que a gente grita que não é real e aí acorda, porém esse era real, totalmente insano, mas real. Fiquei uns 15 minutos estático, olhando para a carta. Reli duas ou três vezes e depois, caminhando como um zumbi , fui até a sala e me sentei no sofá, sem saber o que fazer. “Quatro anos juntos e ela me deixa uma carta maluca dizendo que quer realizar um sonho e entender uma porra de devoção”.
Devo ter ficado umas duas horas ali. De repente, tive um estalo, fui olhar suas coisas, ela havia levado várias peças de roupa, mas ainda havia muita coisa. Sem pensar comecei a pegar tudo dela que estava no closet, gavetas, armários, absolutamente, tudo, desde as roupas até cremes, fotos e demais objetos, juntei tudo em uma grande pilha na sala próximo à porta, em seguida, tirei uma foto da enorme pilha e enviei ao Whats dela com a seguinte legenda: “Quando voltar, mande alguém buscar. Não responderei a mais nenhuma mensagem”. Renata não visualizou, devia estar com o aparelho desligado ou já no avião.
Não consegui dormir à noite, não chorei, aliás há tinha um problema de não conseguir chorar, mesmo em situações terríveis, mas fiquei totalmente devastado sem acreditar no mar de insanidade que engoliu minha vida. Como tinha uma audiência no fórum na parte da manhã, tive que ir mesmo sem ter pregado os olhos e ainda aéreo com tudo. Na parte da tarde, pedi a minha secretária que remarcasse com alguns clientes, pois não estava me sentindo bem e fui para casa. No caminho, parei em uma loja e comprei diversas bolsas de viagem daquelas mais mixurucas para colocar as roupas e coisas de Renata, assim ficaria mais fácil para quando viessem recolher e meu apartamento não ficaria bagunçado, uma coisa era certa, tudo que pertencia a ela ficaria dentro dessas bolsas, não queria deixar nem um botão literalmente falando.
Joguei-me na cama após colocar todas as tralhas de Renata nas bolsas, lembrei-me de minha família “Como iria contar?”. Uma coisa é se separar de uma maneira normal, mas se contasse que do dia para noite, Renata decidiu ir viajar para a Grécia com um cara com idade para ser quase avô dela, viraria motivo de pena e até de deboche. Mesmo tentando, não consegui chorar, mas a sensação era a pior possível. Acabei apagando por horas e quando acordei a sensação ruim voltou a tomar conta de mim.
Acredito que mesmo com toda a boa vontade que uma mulher tenha para justificar os erros de outra, ao agir dessa forma, Renata aniquilou com qualquer argumento minimamente decente. Poderia ter terminado por N razões, mas de uma maneira transparente e não suja como a de ficar semanas comigo conversando sobre uma viagem e fugir enquanto o trouxa estava nos fóruns da vida ou atendendo a clientes e ainda ter a cara de pau de dizer que esperava que eu a aceitasse quando ela regressasse.
Com tantos compromissos já marcados, eu não poderia simplesmente tirar um tempo para curtir a fossa, por isso, foi extremamente difícil passar pelos primeiros dias.
Recebi um áudio da safada no 3º dia, ela já tinha visto a foto e comentou. “Oi...Vi que você tirou todas as minhas coisas...Talvez até eu voltar você mude de ideia, torço por isso, mas se não me aceitar, tudo bem”. Evidentemente não respondi, assim como não respondi a outras mensagens que vieram nos dias seguintes sempre perguntando se eu estava melhor.
Fiz questão de apagar todas as fotos nossas nas minhas redes sociais, além das que tinha no PC, celular, pendrive etc., no caso das físicas, rasguei todas, meu objetivo era apaga-la da minha vida, como que arrancando páginas de um livro e triturando-as para que não houvesse mais jeito de resgatá-las.
Reuni minha família em um sábado e contei uma história com alguns toques de verdade e outros inventados. Disse que Renata e eu estávamos separados por causa do desgaste de um casamento (mesmo não sendo casados oficialmente) e que se ela procurasse qualquer um da família era para não aceitarem conversar com ela, pois eu veria isso como uma forma de desrespeito a mim. Apesar de chocados, pois passávamos a impressão de casal perfeito, todos me apoiaram e me conhecendo, sabiam que só mesmo algo muito grave para eu estar pedindo que não conversassem com a moça que eles gostavam tanto.
Troquei a fechadura do meu apartamento, chamei o zelador e o síndico e pedi que avisassem a todos os funcionários, especialmente os da portaria, de que Renata não morava mais lá e que caso aparecesse, era para ser brecada na portaria e que me avisassem.
Uma semana após ser abandonado, minha libido seguia lá embaixo, eu já conseguia me concentrar um pouco melhor, mas não tinha vontade de fazer sexo, aliás não tinha vontade para nada, estava comendo muito pouco e fora o trabalho, passava o resto do tempo no sofá com a TV ligada sem prestar a atenção.
Os áudios da safada continuaram chegando, eu ouvi um a um, mas não respondia. Felizmente, ela ainda não havia postado nenhuma foto nas redes sociais de sua viagem. Minha curiosidade era saber o que ela havia dito para a família dela, mas não quis mexer com isso.
Bia entrou em contato comigo para marcarmos um novo encontro, mas tratei de explicar para deixarmos mais para frente, pois estava com alguns problemas sérios, ela entendeu. Depois fiquei pensando que ironicamente, a minha história era parecida justamente com a do tio Rodolfo e de Bia, ambos trocados por homens mais velhos.
Passados os 10, 12 dias da viagem, conclui que Renata já estava de volta. Ela mandou um áudio no 14ª dia perguntando se poderíamos nos sentar para conversar. Tirei outra foto dessa vez das bolsas empilhadas com a seguinte mensagem: Mande alguém vir recolher no sábado ou mandarei para a casa dos seus pais. Minha agora “ex” mandou mais áudios implorando por uma conversa apenas, mas não respondi.
Era um sábado cinza, pouco depois das 11h, quando meu interfone toca, atendo e o porteiro diz:
-Doutor Andersom, a dona Renata está aqui na portaria querendo subir. Expliquei que o senhor não permitiu, mas ela quer falar com o senhor.
-Sinval, peça a ela para esperar cinco minutos, mas não deixe-a subir.
-Sim, senhor.
Não queria que ela viesse buscar as coisas, mas já que tinha vindo, decidi entregar-lhe suas tralhas. Pensei em descer com tudo, mas além do trabalho, eram grandes as chances dela fazer um show no condomínio. Decidi então, colocar suas coisas do lado de fora do meu apartamento e dizer ao porteiro que ela poderia subir para busca-las. Rapidamente comecei a pegar as bolsas e coloca-las do lado de fora. Quando acabei, liguei para a portaria e disse:
-Sinval, diga a ela que pode subir para pegar suas coisas que já estão na porta.
-Sim, senhor.
Gostaria de dizer que tive nervos frios para me sentar e seguir assistindo à TV, mas não aguentei e fiquei olhando pelo olho mágico o que ela faria ao ver as bolsas. Para minha surpresa, a cara de pau dela foi tanta que veio com as duas malas que tinha ido para a Grécia, ou seja, ela acreditava que não só falaria comigo, como ainda voltaríamos a viver como se nada tivesse ocorrido. Ao chegar à porta, ela se espantou com o monte de bolsas no corredor, tentou colocar a chave antiga na fechadura, mas logo se deu conta de que eu havia trocado, deu um tapa forte na porta e disparou a campainha.
Vendo que eu não abriria, Renata começou a falar.
-Abre, Andersom, por favor! Abre só quero conversar um minuto.
Aos poucos, Renata foi se desesperando e passou a falar mais alto, as coisas começaram a sair do rumo que eu queria, pois no mesmo andar, havia mais três apartamentos e por ser um sábado, era provável que todos ou quase todos estivessem ouvindo. Ela passou a esmurrar a porta, dizendo que tinha direito de entrar. Ouvi uma porta se abrindo, os vizinhos começaram a notar o barraco. Na tentativa de fazê-la desistir, escrevi em uma folha de papel. “Se acha que tem direito, busque-o na Justiça, mas hoje, pegue suas coisas e vá embora”. Passei o papel por baixo da porta. Renata viu e o pegou, mas ficou mais nervosa ainda, dando tapas e chutes na porta, disparando a campainha e começando a chorar alto enquanto tentava falar que queria entrar.
Sei que para muitos, minha estratégia pareceu covarde, mas havia prometido a mim mesmo numa das noites de agonia que passei, que iria ignorá-la para sempre, independentemente da situação, não lhe dirigiria nunca mais a palavra. O apartamento era meu, comprado antes de irmos morar juntos e se ela achava que tinha algum direito, deveria procurar um advogado.
Vendo que o showzinho dela não pararia, liguei novamente para a portaria e disse ao porteiro que chamasse o zelador ou um funcionário, pois o barraco prometia aumentar.
No próximo capítulo, trarei o desfecho dessa que é a 1ª temporada, mas haverá uma segunda.