Peguei a carta já nervoso e comecei a ler:
Raul, você agiu certo em não correr riscos de perder a chance de ver o seu filho e saiba que não te culpo por isso, mas no futuro, isso irá se repetir, seja com você tendo que me esconder embaixo do tapete como se fosse uma sujeira por causa do seu trabalho, da política ou pelas armações da Fernanda e eu não suportaria viver essas humilhações ou mesmo ficar todo dia pensando que você chegaria em casa pedindo novamente para eu sumir da sua vida por uns tempos.
Só mesmo estando na minha cabeça para entender o que é se sentir rejeitada. Quando pequena, na minha inocência, achava que eu não tinha pai e que minha mãe tinha morrido porque eu não era boa o suficiente, depois achava que minha tia era má comigo porque eu merecia. Quando vim para São Paulo, achei que tinha me envolvido com um traste como o Gersom que me jogou nessa vida porque eu não tinha capacidade de ser coisa melhor. Aí veio você e me fez sonhar que dali para frente as coisas seriam perfeitas e foram, mas logo veio a realidade e me colocou de volta em minha rota de decepções e perdas.
Esses meses com você foram os melhores da minha vida, mas ontem foi o pior dia da minha vida. O melhor a fazer é terminarmos sem uma despedida. Decidi ir para bem longe e recomeçar sozinha, sei que vai tentar me procurar, mas eu te digo, será perda de tempo, mesmo te amando, não voltaremos mais a viver juntos, nossas histórias são muitos diferentes e episódios como o de ontem sempre ficariam nos rondando.
Adeus, meu amor.
Fiquei um bom tempo apenas sentado no sofá da sala, o que me vinha a cabeça era “Tudo isso está ocorrendo porque num golpe de sorte resgatei o menino, algo que era para ser uma coisa boa para eu me lembrar, me destruiu completamente”.
Tive um surto e comecei a quebrar algumas coisas, a mesa de centro da sala, a TV, a estante e mais alguns móveis. Olhei para o apartamento, em cada parte dele havia uma lembrança marcante, o aparelho de som 3 e 1, agora parcialmente espatifado, nós usávamos para dançar, mais ela, com seu estilo sedutor, porém colocávamos algumas músicas românticas e quase furamos um disco antigo por causa de uma canção A Whiter Shade Of Pale, que mesmo sendo lá de 1967, era a mais linda que eu já ouvi, tanto que a adotamos como a nossa música e dançávamos juntos. A poltrona de canto, me lembrava de algumas vezes em que ela se sentava apoiando os calcanhares na beirada e com as pernas abertas já nua, e ficava se tocando suavemente, exibindo sua boceta rosa e grande, até permitir que de joelhos eu fosse chupá-la e como era bom aquele cheiro e aquele gosto que invadiam minhas narinas, boca e barba. Algumas vezes, Rúbia gozava ali mesmo, em outras, quando estava perto do ápice, me empurrava para que eu em deitasse no chão e vinha por cima, cavalgando como doida até gozar gritando. No quarto, eu nem tive coragem de entrar nos primeiros dias, preferi dormir na caótica sala mesmo.
Procurei Rúbia por diversos locais, ela levara todas as roupas, mesmo assim fui até seu trabalho para ver se alguém sabia de seu possível destino, mas nada, também fui falar com Ray que ficou surpreso e disse que não sabia de nosso rompimento. Rodei muito, por vários dias. Além da tia dela que ainda era viva e morava em uma pequena cidade, não sabia de mais nenhum parente. Cheguei a ir atrás da tia que me disse que há anos não a via, perguntei pela cidade e nada. Rúbia havia sumido do mapa.
Contei minha história a Lao e do quanto eu estava destruído. Após me ouvir, ele ficou calado por um tempo e disse:
-Raul, eu não vou morrer hoje.
-Claro que não, Lao, por que está dizendo isso?
-Porque o assunto que vou te contar parece aquela coisa de filme em que o cara está morrendo, conta um segredo e depois apaga, mas não vou ser tão dramático, porém eu tenho um segredo sim para te contar. Eu já tive minhas tentações na minha vida como policial e não resisti a todas.
-Como assim?
-Você é mais novo, mas talvez se lembre de um grande assalto a banco que chocou São Paulo em 77, levaram milhões de cruzeiros, um dos maiores assaltos. Botaram a culpa nos comunistas, dizendo que era para financiar ações terroristas contra o governo, mas era balela, a meia-dúzia de gatos pingados que tentou fazer uma revolução armada contra os militares, nessa época ou já estava morta, presa ou tinha se exilado em outro país. Foi gente da polícia e bem graúda que fez o assalto e fizeram tudo em apenas quatro caras.
-Você está me dizendo que participou desse roubo?
-Não, mesmo que fosse bandido, sou cuzão demais para entrar numa dessas, mas um amigo meu, o Jurandir estava e ficou com uma bolada. A gente era tão íntimo de um ir a casa do outro sem avisar, então, uma semana ou um pouco mais após o assalto, fui visita-lo, a porta aberta, fui entrando e quando vejo, ele está sentado numa cama e em volta, um mundo de maços grossos de dinheiro. Na hora deduzi que aquilo era dinheiro do assalto. Meu amigo ficou muito nervoso, achei que fosse me apagar, mas ao invés disso ele confessou tudo e disse que se eu ficasse calado me daria uma parte, não metade, claro, mas um cala boca. Na hora pensei que era o único jeito de sair livre dali, porque mesmo sendo meu amigo, o cara me apagaria, aceitei e depois pensei em contar tudo, mas foi aí que comecei a olhar a grana que se fosse convertida para dólares daria 110 mil, eu com uma filha de 10 anos na época, decidi ficar com tudo e fingi que nunca tivemos essa conversa. O Jurandir esperou uns seis meses e saiu da polícia, acho que foi embora para os EUA, com pelo menos um milhão de dólares ou perto disso, dependendo de como foi a partilha entre os comparsas.
-Entendi, mas por que está me dizendo isso agora?
-Eu ia entregar esse dinheiro para a minha filha. Há anos, a gente não se entende, queria ajudar no futuro dela, mas por mais que me doa dizer, ela não merece um centavo.
-Calma aí, China. Vocês ainda podem se acertar.
Lao olhou para o teto com os olhos marejados e disse:
-O meu corpo está fodido, mas minha mente não, você não tem ideia da dor que foi ver minha filha me olhando de longe como se eu fosse uma aberração aqui na cama, com medo de entrar e até de respirar, e depois ainda quando liguei para ela, ouvi sua voz ao fundo pedindo para dizer que não estava. Tudo tem limite, Raul, até o amor de um pai, eu vou morrer sim, logo, mas ela morreu para mim antes, por isso, depois de ouvir toda sacanagem que estão fazendo com você quero, que fique com o dinheiro que tenho guardado, além desses 110 mil dólares, eu juntei mais um pouco ao longo desses anos e também comprei dólar por causa da inflação, ao todo são 132 mil guardados numa caixa em um banco, vou te dar a chave, não dá para ficar rico, mas por causa dessa merda do Plano Collor, quem chegar com dinheiro vivo, compra uma casa pela metade do preço, pega esse dinheiro, vai atrás da Rúbia, comprem uma casinha e um mercadinho, quiosque ou outra coisa numa cidade praiana e vão viver longe desses vagabundos da política e da polícia.
-Lao, eu fico muito grato, mas esse dinheiro você deve dar para a sua filha, se quiser eu entrego quando... For necessário.
Lao segurou meu braço com sua mão fina e gelada e disse:
-Não! Se você é meu amigo, prometa que não dará nada a ela, é para você.
Acabei aceitando ficar com a chave da caixa que ele tinha no cofre de um banco, mas não fui correndo atrás. Eu tinha muitas coisas na cabeça para resolver.
Numa sexta-feira à tarde, liguei para Fernanda e rispidamente disse para ela deixar o menino pronto, pois lá pelas 11h eu o pegaria. Meu apartamento continuava com os móveis quebrados, eu não movi nada, mas meus planos para o dia seguinte, não eram de levar Pedro para lá. Era hora de Fernanda começar a pagar pelo que me fez.
Por volta das 10h30 da manhã, apareci na casa dos pais de Fernanda, além deles, a irmã dela mais nova vivia com lá. Com cara de surpresa perguntei à mãe dela:
-A Fernanda ainda não chegou?
-Não, ela marcou alguma coisa aqui com você?
-Pois é, ela e eu queríamos conversar com vocês aqui, mas acredito que mais uns minutos, ela estará chegando.
A mãe dela abriu a porta para eu entrar e após um minuto de conversa, perguntei se podia usar o telefone para ver se Fernanda já tinha saído de casa. Minha ex-sogra mandou eu ir para a sala e foi para a cozinha. Quando Fernanda atendeu, eu disse:
-Sabe onde estou? Na casa dos seus pais. Em menos de cinco minutos começarei a mostrar a eles e à sua irmã, os áudios obscenos seus com seu amante e ainda tem uma surpresa mágica, naquele dia que você me contou sobre o seu caso com o autor, eu gravei tudo! Agora imagina a cara do teu pai no momento que ouvir você contando que o tal Diogo era bom de cama e que foram dez encontros! Ahahaha. Vem para cá, você ainda vai pegar o final da festa, só não traz nosso filho, pois acho que a conversa tua com teus pais não será das mais calmas.
Fernanda começou a berrar para eu não fazer aquilo, mas bati o telefone e discretamente, dei um jeito de soltar o cabo do mesmo para que caso ela tentasse ligar para eles, inventando alguma mentira sobre mim.
Eu fiquei meses levando a culpa pelo fim do nosso casamento. Fui ético ou burro mesmo por não ter contado a verdade à família dela, mas após mais uma punhalada dela, era hora de revidar e começaria destruindo sua imagem de a moça criada em um lar religioso que se tornou professora, mãe e uma esposa de respeito.
Pedi á minha sogra que chamasse meu sogro e a irmã de Fernanda. Nos sentamos na mesa da cozinha e disse:
-Sei que todos vocês acham que o motivo de eu ter me separado da Fernanda é porque arrumei outra, mas trouxe aqui algumas fitas cassete e um gravador para vocês saberem qual é a verdade.
Coloquei a primeira conversa gravada dela com o amante. Quando eles notaram que era a voz de Fernanda conversando com um homem e logo em seguida o mesmo diz: “estou louco para te comer de tudo que é jeito.”, os três se agitaram em suas cadeiras e conforme a conversa ia fluindo, o cara me chamando de corno, dizendo que ela tinha uma boceta apertada, ela se derretendo por ele e marcando um encontro, vi que o pai dela já estava de cabeça baixa, a mãe olhava para o nada, impactada e a irmã estava com a mão na boca.
-Bem, vejo que vocês se assustaram com esse primeiro áudio, mas podem ter certeza que eu também. Vou poupá-los de ouvirem o restante, a menos que queiram, mas nessas outras duas fitas, há mais uma conversa dela com o amante e na outra, é ela contando para mim que foram nada menos do que dez encontros que só pararam porque eu descobrir, se duvidarem, eu coloco as fitas.
A mãe dela ainda disse:
-Mas será que é a voz dela mesmo ou alguém a imitando? Não acredito que a Fernanda faria isso, deve ser uma montagem, me desculpe, Raul, eu acredito...
O pai de Fernanda levantou a voz:
-Pare de negar o que está claro! Era a voz sim da nossa filha. Ela se afastou da igreja e foi tentada, virou uma adúltera! Não a quero mais aqui, a menos que dobre os joelhos pedindo perdão e volte a frequentar a igreja duas vezes por semana no mínimo!
Após explicar a eles detalhadamente tudo o que ocorreu, me despedi, mas, na verdade, fiquei dentro do carro apenas duas casas para frente, queria ver a chegada de Fernanda. Ela desceu aflita do carro, mas quando me viu, veio com tudo, eu estava com os vidros fechados, então ela começou a bater com força.
-Você vai me pagar caro por isso! Se você mostrou as fitas, vou acabar com você!
De braços cruzados, eu apenas ria debochado dentro do carro.
O pai dela ouviu a gritaria e deu um berro estridente;
-Fernanda! Venham para cá!
Ela começou a chorar e voltou a me ameaçar, depois entrou e pelo pouco que pude ouvir, pai e mãe dela a trataram pior do que lixo. Uma das frases mais marcantes que ouvi foi a da mãe:
-Nunca imaginei que sentiria tanta vergonha de você, minha filha. A essa altura da vida, você casada com um homem bom, falando aquelas nojeiras e saindo com outro!
O pai também disse algo marcante:
-E pelo o que o Raul contou, ela chegou a deixar o filho algumas vezes aqui com a gente para se entregar ao amante, depois voltava no final da tarde e ainda nos beijava! É muita nojeira. Se não voltar para igreja não entra mais aqui!
A relação de Fernanda com a família estava severamente marcada e ainda que no futuro eles voltassem às boas, sempre existiria a lembrança do que ela fez, em um ou outro momento, a vergonha jamais seria esquecida.
Eu ainda tinha planos para ferrar mais com Fernanda, mas meus próximos passos eram ver como seria minha participação na tal campanha de Rocha, cuidar de meu amigo Lao e seguir procurando por Rúbia.