No dia seguinte acordei com um pé na minha cara e não era da Nanda. Um baita pé preto número 44 e nada bonito. Levantei minha cabeça ainda meio grogue da cervejada que havia bebido com aquela galera. Na sala tinha gente dormindo nos sofás, chão, corredores, cada um se arranjou do jeito que pode. Olhei para meu lado e não vi a Nanda. Procurei focar melhor e olhei por todo o lado e nada. Apesar de conhece-la bem e achar que não faria nenhuma besteira, me preocupei porque, depois dos acontecimentos da noite anterior, não sabia o que se passava em sua cabeça.
Ouvi sons de conversa na cozinha e a voz parecia ser a dela. Isso já me acalmou. Levantei-me e fui pé ante pé, desviando da galera, até lá. Antes de chegar parei um minuto no corredor para ouvir a conversa:
- Gente! Eu juro que pensei que ele estivesse lá comigo uma hora. Eu ouvi a voz dele. - Dizia Nanda: - Eu nunca teria feito nada se ele não estivesse junto comigo...
- Nanda, ele esteve o tempo todo do meu lado. - Pela voz, Valkíria a confrontou: - Ele deve ter dado alguma droga para você e você alucinou na hora.
- Não pode ser. Não tem lógica... - Nanda insistia.
- Eu não entendi. Então você transam com outros? - Pela voz, quem perguntava era Lucinha.
- É complicado... - Nanda titubeou: - Não quero que contem para ninguém, por favor. A gente tem um relacionamento meio que liberal. Já aconteceu da gente sair com outras pessoas. Não é direto, mas acontece.
- Sério!? - Insistia Lucinha: - E isso dá certo?
- Já deu errado. Já deu certo. Dessa vez quase deu merda... - Disse Nanda: - Era só pra ser uma brincadeira... Fizemos uma aposta, quem pegasse alguém primeiro, chamaria o outro só para assistir se esse alguém topasse.
- Nossa, cara. Que loucura! Não sei se eu teria coragem de fazer isso, não. - Disse Lucinha.
- Para de ser carola, Lucinha! A vida é deles. Se dá certo pra eles, que eles sejam felizes. Eu pessoalmente adoraria encontrar um homem desprendido assim... - Falou Valkíria e completou dando risada: - Cuida dele, senão em pego pra mim, hein?
Ouvi risada das três, então:
- Eu não entendo, só tomei refrigerante e água. - Insistia Nanda.
- Você não tem culpa de nada do que aconteceu, mas foi bastante imprudente em ter aceitado bebida de um estranho... - Dizia Lucinha.
- Mas era só refrigerante com energético. Foi o que ele disse. Não tinha gosto de nada além de refrigerante. - Falou Nanda: - O primeiro copo que eu tomei foi de boa, tava até gostoso.
- Pois é! Mas malandro tem em qualquer lugar. Provavelmente ele te deu um primeiro copo normal para ganhar tua confiança e depois colocou alguma coisa no outro... - Insistia Lucinha.
- Será!? - Respondeu Nanda: - Ai, meu Deus. O que que eu fiz? -
- Para de se culpar, mulher. Você errou, mas não foi intencional. Seu marido não te culpou por nada e nem poderia por ele aceitou o risco quando topou a brincadeira de vocês. - Disse Valkíria: - Agora, vou te falar de novo: ele ficou todo o tempo comigo e muito preocupado com você. Uma belezinha...
O assobio de uma chaleira avisava que a água estava quente o suficiente para a preparação de alguma iguaria. Logo em seguida senti o cheiro inconfundível de um café sendo passado na hora:
- Não chora, Nanda. - Dizia Valkíria: - Aliás, chora sim. Bota pra fora, abre o peito: Desabafa! Vai te fazer bem. Mas acredite, ninguém está te culpando por nada. Errar faz parte da nossa passagem nessa terra. Importante é a gente aprender.
- A gente ensina nossas filhas a não aceitarem nada de estranhos e eu vou lá e faço justamente o contrário!? Porra! Como posso ser burra desse jeito? Podia ter deixado minhas filhas órfãs numa dessa! - Dizia a Nanda entre lágrimas.
Um breve silêncio tomou conta do ambiente e depois ouvi falarem algo bem baixo, mas não consegui entender. Acho que deviam estar tentando consolá-la. Eu não sabia se entrava ou não, não saberia o que dizer. Então, fiz barulho, como se estivesse chegando, coçando meus olhos. Dei bom dia a todas, vi que Nanda se virou para o outro lado para enxugar suas lágrimas, mas fui até ele e lhe dei um beijo na testa, mas o clima não estava legal:
- Senta aí, Mark. Tá saindo um cafezinho... - Disse Lucinha: - Ou prefere cerveja?
- Cês não tão querendo que a gente vá embora mesmo, né? - Disse rindo e pedi: - Na verdade, eu queria usar teu banheiro. Posso?
- Vai lá, cara. Claro que pode. - Respondeu.
Nanda agora me olhava com os olhos vermelhos:
- Já volto, chorona. - Dei-lhe um beijo e fui.
No banheiro, sentei-me no vaso sanitário e comecei a pensar em como abordá-la. Obviamente não iria confrontá-la, mas precisava deixar claro que estava ali para ela me contar o que quisesse quando quisesse. Ainda assim eu precisava me preparar porque não sabia ainda o que havia acontecido no escritório daquele filho da puta, mas eu precisava pensar muito antes de reagir as informações que ela poderia me dar. Nessa hora olhei para minhas mãos e a direita estava bem inchada. “Só falta eu ter quebrado alguma coisa”, pensei enquanto a alisava, “mas se quebrei na cara dele, valeu a pena!”. Saí e voltei a cozinha:
- Café ou cerveja? - Insistiu Lucinha.
- Café, por favor. A gente tem estrada para pegar depois...
- Olha, eu sei que foi barra o que vocês enfrentaram, mas hoje é domingo. Porque vocês não ficam? A gente faz um churrasquinho, bate papo, dá risada, seria bom para vocês aliviarem um pouco a pressão... - Disse Valkíria.
Nanda me olhou, mas ela já sabia a resposta:
- Não dá mesmo, gente. Logo mais temos que buscar nossas filhas na casa de meus pais e churrasco bom é aquele que não tem hora pra acabar. Principalmente se for pra gente beber e relaxar... - Eu respondi, tentando brincar e pegando a xícara de café.
- Ah. É uma pena, mas eu entendo. - Respondeu e apontando disse: - Sua mão, Mark...
- É. Eu tava olhando no banheiro. Sei não se não quebrei algo... - Falei: - Mas nem está doendo muito, só está inchada.
Nanda pegou minha mão para olhar e a acariciou, mas a tensão era clara. Ela se mantinha calada. Pelo pouco que ouvi, falou mais com elas que comigo. Eu já estava ficando cabreiro imaginando que ela pudesse estar me culpando por algo, não que eu não tivesse culpa. A merda é que sou capricorniano e quem conhece nossa bem ou maldita raça, sabe que temos o defeito de sermos odiosamente bastante objetivos, às vezes somos tão suaves como uma lixa de parede. Eu precisava resolver aquilo. Precisava quebrar o gelo:
- Você quer conversar? Estou vendo que você não está bem... - Falei, na lata.
Ela se encolheu e virou o rosto para o outro lado. Vi quando enxugou uma nova lágrima:
- Melhor você dar um tempo pra ela... - Disse Valkíria.
- Olha, não sei o que aconteceu. Você pode me contar quando quiser, não vou te pressionar. Só queria te pedir desculpas por não ter conseguido te achar antes. - Falei.
- Você não fez nada... - Nanda falou baixinho, tentando me eximir de qualquer responsabilidade.
- O problema é esse. Eu não fiz nada! Eu devia ter feito um escândalo, ligado pra polícia, sei lá! Não fui o homem que você precisava. Eu não fiz nada mesmo... - Agora era eu quem estava com os olhos marejados.
Segurei o choro. Ela não precisava carregar o peso da minha culpa. Além disso, a criação machista me impunha um mínimo de decoro. Nessa hora, o latido de um doguinho ecoou lá do quintal como um gongo. Peguei minha xícara de café e fui até a porta e vi dois filhotes de Dachshund, vulgo salsichinha, vulgo Cofap, brincando alegremente. Preferi sair e deixa-la com as meninas. Com elas ela estava conseguindo desabafar.
Sentei-me numa escadinha de acesso e veio um doguinho desconfiado. Cheirou minhas mãos e logo já estava se esfregando. O outro seguiu seu exemplo e começou a brincar junto. Impressionante como a alegria desses animais consegue nos contagiar quase que automaticamente. Brincavam, corriam, mordiam a barra da minha calça e puxavam. “Mas que pentelhos!”, pensei e já conseguia sorrir. Estava até difícil tomar o meu café.
[...]
Eu não sabia o que falar pra ele. Outra vez eu tinha feito merda no nosso relacionamento. Quando ele foi para o quinta, eu não queria, mas fiquei aliviada. Estava com medo dele me pressionar e me deixar se soubesse tudo o que aconteceu no escritório:
- Nanda... Nanda. Terra para Nanda! - Disse Lucinha, chamando sua atenção.
- Oi? Desculpa... - Respondeu.
- Olha, não sou a melhor pessoa para dar conselhos, já me divorciei três vezes. Nunca enfrentei uma barra como a sua, nem imagino o que você está sentido, mas dá pra ver que ele também não tá legal. - Continuou Lucinha: - Só que ele não está bravo com você, só está triste. Dá pra ver que ele está se culpando.
- É. Isso aí. E como eu te disse, ele ficou muito preocupado com você. Sofreu mesmo. - Frisou Valkíria parando somente para tomar um gole de seu café: - E se isso não é amor, então não sei o que é...
Não sabia o que falar para elas. Lucinha me chamou com o dedo e me mostrou o Mark estava sentando na escadinha, interagindo com os cachorrinhos:
- Ele sempre gostou de bichos... - Falei, inconscientemente.
- Minha mãe sempre dizia que as melhores pessoas são as que gostam de bichos. - Falou Valkíria, se aproximando de mim: - Se não quiser contar para ele o que você passou ontem, não conte. Se não quiser contar nunca, procure alguém para desabafar, senão você vai explodir um dia. Mas não deixe ele sozinho e não fique sozinha. Vocês são um casal, poxa! Talvez o mais bonito que eu já tenha conhecido. Fique com ele, nem que seja só para estar do lado.
Nunca imaginei que uma mulher com a idade próxima da minha pudesse ser tão sábia com as palavras. “O Mark estaria melhor com ela que comigo”, pensei. Mas ela estava certa: ele era meu e eu era dele, e o melhor que tínhamos a fazer era ficar juntos. Bem ou mal a gente se entendia. Às vezes doía, mas a gente sempre se entendia.
Sorri para elas e fui em direção a porta do quintal.
[...]
Acho que a Nanda se tocou que também não estava sendo fácil para mim e veio se sentar do meu lado direito. Trazia também sua xícara de café. Segurou em meu braço e encostou sua cabeça em meu ombro. Logo os milagrosos doguinhos começaram a brincar com ela também, fazendo com que ela sorrisse:
- Eu quero falar, mas não sei como. - Disse.
- Você não precisa me falar nada se não quiser. Se quiser, eu estou aqui como sempre estive do seu lado. - Rebati.
- Eu preciso tentar entender... - Falou: - Ainda estou muito confusa.
- Então...
- Eu acho que só o Bruno me comeu... - Começou bem objetiva, numa entonação de tentar minimizar todo o ocorrido, uma atitude normal em algumas vítimas.
Eu a olhei surpreso com a introdução que ela adotou. Nanda deu uma parada e coçou um doguinho que insistia em correr atrás de seu próprio rabo na sua frente:
- Porra! Você sabe começar uma estória, hein!? - Falei.
- Desculpa!
- Não. É bom começar pela pior parte. O resto tende a ser mais fácil... - Falei: - Me conta tudo o que se lembra e a gente vai costurando.
Então ela inspirou fundo e passou a falar tudo o que se lembrava. Iniciou quando recebeu o cartão, ele a levando pela cintura para dentro do bar e indo com ela ao barzinho, onde lhe serviu um refrigerante com energético. Nessa hora eu olhei para ela com semblante sério:
- Eu sei! Fui burra! A gente sempre ensina para as meninas não fazerem isso e eu fiz na primeira oportunidade. Burra. Burra! Burra!! - Disse, dando pequenas batidas na própria cabeça.
- Para com isso! - Disse, segurando sua mão e continuei: - Mesmo que você não aceitasse o copo dele, se ele estava combinado com a barista, mais cedo ou mais tarde, quando você fosse comprar, sairia drogada da mesma forma e ele faria tudo acontecer.
Ela se surpreendeu com minha resposta, mas quis continuar seu flagelo e se culpou novamente por ter aceitado outro copo de refrigerante dele:
- Então... Infelizmente, você foi imprudente! Deu sorte pro azar. - Falei.
Minha colocação não foi boa. Ela se retraiu e se calou por um momento. Acho que pensava no que dizer para não me ofender:
- Desculpa. Eu não devia ter falado dessa forma. - Tentei remendar.
- Você não está errado. Não estou brava com você. Estou brava comigo mesma.
Passou então a falar que foram até a portaria, mas não me viram lá fora. Quando ela disse que tinha me visto conversando com um segurança e ele então disse que eu já devia estar lá dentro. Foram andando pelo salão em direção ao palco porque ele tinha que dar a ordem para começar o show, quando ele então lhe roubou um beijo:
- Foi naquela hora que eu te liguei e ele me mandou o áudio, ameaçando. - Falei.
- Foi.
Então disse que já estava desconfiado das intenções dele, mas que já estava meio confusa naquela hora, com a visão embaçando as vezes. A sorte dela foi ter aceitado ir no camarim da banda com ele, porque as meninas sacaram que alguma coisa não estava certa e ficaram com ela, inclusive a levaram no palco para tentar protege-la:
- No palco? - Perguntei.
- É. Eu fiquei um tempo atrás do teclado.
Falou de quando Bruno se aproximou dela no palco, a abraçando por trás e dividiu uma água com ela:
- Pô! Aceitando bebida de novo, Nanda? - Perguntei, meio bravo porque já parecia burrice mesmo.
- A água não era dele, era minha. As meninas da banda tinham me dado a garrafa. - Rebateu.
- Mas ele pegou, bebeu, ficou um tempinho com ela e te devolveu... - Disse e a olhei nos olhos.
- Ahhh... - Disse, lamentando e se dando conta do erro: - Não acredito que aquele filho da puta pôs droga na água. Na minha água!
- É o que parece...
- Lembro que estava tocando uma música daquele cantor que canta fino. Daquela banda que você gosta, antes de cristo, depois de cristo.
- Oi? Qual? - Perguntei incrédulo.
- Antes de cristo, depois de cristo.
“Porra! Que banda era essa?”, pensei:
- AC/DC?
- Isso!
Não aguentei e caí na risada. Nunca tinha imaginado em interpretar o nome do AC/DC como antes de cristo depois de cristo. Ela me olhou sem entender:
- Que foi?
Ri mais um pouco ainda e depois a encarei:
- AC/DC, da banda de rock, não significa isso. - Falei.
Então falei da origem que eu conhecia para o nome da banda AC/DC, dado pelo irmã caçula dos Young, Margaret, que leu esse expressão numa máxima de costura, referente as correntes contínua e alternada da eletricidade e o Angus teria gostado, batizando a banda. Contei ainda que essa expressão também servia naquela época para designar os bissexuais, tanto que eles chegaram a abrir um show para o Lou Reed, bissexual assumido. Daí vários clubes gays tentaram contratá-los, pensando que fossem “entendidos”, mas sempre em vão, até que a história verdadeira vazou:
- Mas antes de cristo depois de cristo, eu nunca tinha ouvido. - Ri mais um pouco.
Ela também riu uma risada sem graça de sua mancada, mas depois se sorriu verdadeiramente por ter me feito sorrir:
- A gente apanha, mas acaba se divertindo, né? - Me perguntou.
- E não é!? - Respondi.
Ainda rimos um pouco mais juntos e ela ficou séria:
Daí disse que não se lembra exatamente do que aconteceu, somente flashes, imagens, sons que agora tinha sabido pela Valkíria serem alucinações de sua cabeça:
- Como assim? - Perguntei.
- Depois que tomei a água fiquei mais confusa do que antes. O Bruno começou a falar comigo e teve uma hora que ele falou “amor” e eu pensei que estivesse falando com você, porque a gente se chama de “Mor”.
- Tá. E daí?
- Daí ele foi me falando como se fosse você e foi me puxando do palco. Eu estava confusa e não consegui recusar. Pensava que fosse você. Minha visão, pra ajudar, estava totalmente embaçada. Ele foi falando, me puxando, me convencendo, e quando me dei conta estava entrando no escritório com aqueles outros, dois se não me engano, feios, barbudos...
Parou por um segundo e senti que agora a estória ficaria difícil. Seus olhos se encheram de lágrimas e uma teimou em cair, embora ela tenha se feito de forte:
- Se não quiser falar ou quiser deixar para depois eu vou... - Me interrompeu:
- Não. Deixa eu falar, por favor. Eu preciso falar. - Não aguentou e chorou.
Eu estava aceitando as informações bem até agora, mas vê-la desmoronar me quebrou. Meus olhos também se encheram de lágrimas e a abracei, tentando no máximo me segurar, porque ela precisava de minha força ali e agora. Depois eu choraria sozinho se fosse o caso.
Depois de um tempo, ela parou e olhou para o quintal da casa. Então, olhou para seus pés e os dois doguinhos estavam sentados, encarando-a:
- Olha só a carinha deles. - Me direcionou para os doguinhos, sorrindo.
Os danados dos doguinhos eram realmente milagrosos. Nova energia parecia ter lhe preenchido a alma:
- Você quer ouvir o resto? - Ela me perguntou: - Tenho medo de você se zangar comigo.
- Você quer me falar? Se quiser mesmo, fala. Desabafa, põe pra fora. Tudo que você disse dá a entender que você estava drogada. Eu vi seu estado ontem. Não vou te culpar de nada. Mas só fale se você entender que isso te fará bem. Eu estou aqui para te apoiar.
Ela me encarou e me deu um beijo na boca com aquele gostinho de café. Inspirou fundo, uma vez mais, e voltou a falar. Como estava confusa e alucinada, acreditou mesmo que eu tivesse falado para ela transar com eles três, porque sabia de nossas aventuras, sabia que eu gostava de assistir. Que ela por diversas vezes perguntou pelo Bruno onde eu estava e ele sempre dizendo que eu já estava chegando.
Parou para me encarar e analisar minhas reações. Segurei em suas mãos:
- Continua!
Ela então falou de quando eles foram para cima dela, rasgando sua roupa, e passaram a acaricia-la, a fazer sexo oral nela e a penetrar com os dedos. Vi que ela ficou vermelha e triste quando assumiu ter gozado nas mãos e bocas dele. Abaixou seu rosto:
- Conte o que e se quiser. - Insisti, porque vi que ela precisava colocar para fora.
Então falou de se lembrar de ter feito sexo oral com os dois barbudos e de um deles ter gozado, mas não quis entrar em detalhes onde e de quando Bruno quis comê-la. Disse que ainda tentou falar que só daria quando eu chegasse, mas como a mentira estava perto do fim, um dos barbudos a teria segurado e só se lembrar de ter sentido quando Bruno a penetrou na boceta e depois no cú, mas que ele não chegou a terminar porque naquela hora eu tinha arrebentado a porta e partido pra cima dele:
- Depois foi aquela muvuca, porque você jogou o Bruno longe e subiu em cima dele, socando-o sem dó. Parece que eu lembro de um dos barbudos ter ido pra cima de você, mas um morenão apareceu e o jogou longe também. Daí apareceu um monte de gente, a Mara e a Lina me pegaram e já foram me tirando. Eu ainda tentei voltar pra te buscar, mas não deixaram. Mas também não precisou porque logo vi aquele moreno e mais um te trazendo para fora arrastado. - Parou para respirar e depois me encarou: - Eu nunca tinha te vi daquele jeito. Sua alma parecia que não estava ali, só um animal selvagem.
- Eu não lembro de nada depois que arrombei a porta e vi o Bruno de comendo de quatro. Na hora que entrei, por conta da iluminação ruim, tive até uma impressão que você estivesse participando por vontade própria, um atrás e outro na frente. Mas daí me lembrei da ameaça dele, das moças da banda falando que você poderia estar drogada e quando você disse meu nome como que pedindo ajuda, eu apaguei. Nem sei o que te dizer.
Por mais que ela tivesse “participado” do sexo sem ser violentada fisicamente, era óbvio que sua vontade esta mascarada por drogas. Era estupro, claro e configurado. Eu, que já me sentia culpado por tudo o que imaginava que ela poderia ter passado, após saber dos detalhes e confirmar que ela fora vítima de um crime odioso, hediondo, vi o peso em minhas costas aumentar exponencialmente. Uma vergonha sem tamanho se abateu sobre mim, me fazendo curvar e esconder o rosto em meus joelhos. Agora eu é que chorava desolado:
- Não fica assim. Eu estou bem. - Agora ela me alisava as costas, tentando me consolar: - A gente vai ficar bem. Pelo amor de Deus, fala comigo!
Eu não conseguia. Eu até queria falar, mas não conseguia. As palavras não saiam. Um peso enorme se abateu nos meus ombros por eu não ter sido um homem mais enérgico, um típico macho alfa e ter arrebentado o segurança do backstage, ou pelo menos me arrebentado tentando, para entrar e salvá-la. Valkíria viu da janela meu estado e levou um copo de água com açúcar para Nanda me entregar, mas também não funcionou. Eu me sentia um lixo.
Ela se ajoelhou na minha frente e com muito custo conseguiu me levantar e colocou minha cabeça em seus ombros e me abraçou forte. Depois de um tempo eu consegui me controlar e me toquei que ela, que precisava tanto de meu apoio, é quem estava me apoiando:
- Eu podia ter feito mais. Se eu tivesse chegado cinco, dez minutos antes, nada disso teria acontecido. - Falei, ainda em lágrimas.
- Eu estou bem. Você me salvou. O que aconteceu não foi nada. Para e me olha: a gente consegue superar isso! – Falou chorando, mas mais controlada que eu.
Eu tremia não sei se de raiva da situação, ou do covarde do Bruno, ou ódio de mim mesmo. Pensei que fosse ter um treco ali, chegou a me dar falta de ar. Lucinha logo apareceu com um comprimido de calmante, tentando me fazer toma-lo. Quase a mandei à merda. Nunca gostei de remédio, principalmente dos que me tiram o controle.
Nesse momento começou a cair uma chuva não tão forte, mas o suficiente para me fazer deixar a Nanda de lado:
- Me deixa!
Eu precisava esfriar a minha cabeça e aquilo me parecia providencial. Fui até o meio do quintal e me sentei no chão, na esperança de que ela pudesse levar um pouco da culpa que estava sentido. Não funcionou. Pelo menos, ninguém me viu chorar mais naquele dia. Nanda quis ir me buscar, mas Valkíria a deteve, porque a ouvi dizer:
- Deixa ele um pouco. A gente vigia daqui.
Foi bom. Eu precisava sofrer sozinho e deixar a chuva esfriar minha cabeça. “Nenhuma máquina funciona bem com o processador quente”, pensei. Após um tempo ali um ódio racional tomou conta de mim. Meu cérebro já voltava a trabalhar estrategicamente e eu precisava agir. Bruno e seus amigos precisavam ser punidos, especialmente Bruno. Levantei-me e estava extremamente tenso, senti ossos estalarem quando movimentei meu pescoço. Tirei minha camisa e voltei para a área onde Nanda, Valkíria, Lucinha e mais alguns me esperavam em silêncio. Fui até um tanque de roupas e torci minha camisa. Logo, Lucinha me ofereceu uma toalha que agradeci e me sequei. Nanda tinha os olhos vermelhos de chorar e me olhava em silêncio. Já tinha visto aquele olhar antes, frio, distante, calculista, não a agradava nada. Não era como o olhar vazio que viu no escritório do bar naquela noite, mas era tão perigoso quanto.