Desesperada, Fernanda correu para o andar de cima, onde ficavam o nosso quarto e o de nosso filho se trancando e chorando alto. Fui atrás e a avisei.
-A noite será longa e você não escapará da conversa. Vou levar o Pedro para a casa de seus pais e quando voltar, aí sim, será a sua vez, mas fique tranquila, não vou te bater, porém se for para a casa de uma amiga ou da puta que te pariu, amanhã estarei na porta da escola e conversaremos lá mesmo, você decide.
Como citei, levei meu filho, pois não queria traumatiza-lo. Na volta, encontrei Fernanda sentada na sala com o rosto vermelho e cara de quem chorou muito. Ela ficou de cabeça baixa.
-Bom, vamos encurtar o que já sei. Você arrumou um amante, há uns três ou quatro meses, me fizeram de otário, ele ligando para cá toda hora. Eu desconfiei, descobri e hoje vi os dois. Com ele, já me acertei.
Fernanda se assustou:
-Não vai me dizer que você fez uma besteira? Meu Deus!
-Calma, que o teu amante tá vivo. Tá certo que tá todo fodido e vai levar um bom tempo para poder comer o cuzinho de alguma casada, como comeu o teu hoje. Acredito também que ele não vai mais querer chegar perto de você, o coitado chorou tanto e apelou até pelos filhos. Mas vamos ao que interessa, a verdade. Se você me contar tudo, pode até ser que o merda do teu pai, aquele pastor 171 não fique sabendo o que a filhinha fez, e nem sua mãe terá vergonha de saber que a filha é uma vagabunda. Vamos lá desembucha.
Fernanda mantinha a cabeça baixa e os olhos cheios de lágrimas.
-É isso, conheci o Diogo, ele foi me seduzindo por telefone e depois de uns meses, acabei me sentindo tentada e passamos a sair, tem quatro meses, mas não nos víamos toda semana, porque ele é um escritor e também dá cursos de aperfeiçoamento para professores em outras cidades.
-Tá, e quantas vezes vocês saíram nesse período.
-Foram dez encontros...Onze com o de hoje, mas no primeiro não rolou sexo, chegamos até a porta do motel e desisti.
-Como se conheceram?
-Ano passado. A Secretária da Educação costuma mandar a gente para esses cursos de dois, três dias, geralmente são um porre, mas quando soubemos que era o sociólogo Diogo Camperio, todas nós professoras ficamos animadas. Tenho livros dele. No primeiro dia de curso, teve a parada para o café e quando vi, ele estava ao meu lado, me olhando e aí comecei a conversar sem maldade alguma, ele bancou o charmoso e atencioso comigo, a Sônia até comentou comigo: “amiga, o homem está se derretendo por você”.
-Ok, vamos encurtar essa parte, como começaram a sair?
-Ele arrumou várias formas de se aproximar de mim nos outros dois dias de curso e conseguiu que eu passasse nosso telefone para ele. A partir daí foram várias ligações, no começo só perguntando sobre a minha vida e falando sobre sua carreira, mas depois começou a me cantar. Foram meses e eu me esquivando, mas houve um momento...
-O que tem?
-Difícil dizer, homem me olhando, se insinuando, isso eu sempre tive e tirei de letra, até mesmo professor na escola, já dei uns chega para lá nos mais atrevidos, mas ver um homem bonito, elegante, inteligentíssimo que tanta gente admira, me desejando, foi diferente, despertou minha curiosidade e com tanta insistência, fui me deixando seduzir, não rolou na primeira vez, já estávamos na porta do motel e pensei em você e no Pedrinho, mas o Diogo foi compreensivo e me deu mais um tempo, até que há quatro meses rolou...
-Para você ter ido dez vezes com ele não foi só uma curiosidade, vocês se tornaram amantes. Você se apaixonou por ele?
-Eu estava com essa dúvida, se de repente mais do que uma fugida da rotina, eu não estava me apaixonando, não vou negar, me pegava pensando nele romanticamente até, mas agora, ao ver que você descobriu, a ficha caiu para mim, eu amo você, meu filho e o que estamos construindo juntos, não quero perder isso, não quero acabar com o nosso casamento nem que um cem vezes mais cativante que o Diogo me chamasse.
-Não quer acabar com o casamento? Você acabou no momento em que abriu as pernas para ele. Era só uma questão de quando eu descobriria, tá de sacanagem! Achando que ainda vamos continuar juntos.
Nesse momento, Fernanda teve um ato que jamais imaginei, desesperada e chorando, se jogou de joelhos na minha frente apoiando os braços em meus joelhos.
-Me perdoa, Raul! Me perdoaaaaaaa. Fui fraca, mau-caráter, uma vagabunda que quis viver uma aventura, mas só de pensar na possibilidade de nos separarmos, não estou conseguindo nem respirar direito. A gente dá uns dias de tempo, depois, sei lá, faz terapia de casal, vamos salvar nosso casamento, juro que nunca mais vou te trair.
-Vai fazer terapia na pica de outro. A tua sorte é que não sou como muitos colegas de profissão ou a essa hora, você e teu amante estariam com a boca cheia de formigas numa mata qualquer. Agora, perdoar, isso nunca! – Eu me levantei, afastando os braços dela.
Fernanda chorou por um tempo ali.
-Recomponha-se, só quero saber mais algumas coisas. A gente transava duas vezes por semana, por acaso, você sentia falta de sexo? Eu não a satisfazia? Fale a verdade.
-Sexo nunca foi o motivo. A gente transava duas vezes por semana, mas eram duas, três vezes ótimas, tem amigas minhas que ficam mais de mês sem fazer ou então transam bastante, mas só o marido goza. Como falei, me encantei pelo jeito dele, você nunca deixou a desejar na cama nem mesmo quando passei a sair com o Diogo.
-Ah, mas se o cara trepasse mal, não haveria encanto que durasse.
-Não falei que o Diogo trepa mal, sim, ele é muito bom de cama e isso fez com que de certa forma, eu quisesse prolongar a aventura, tinha meu marido que transava bem comigo e um cara que muitas professoras admiram e que também transava legal, dizia coisas lindas, tinha histórias fantásticas. Isso me confundiu.
-Confundiu o caralho! Nesses anos todos, tive a chance de transar com cada mulher maravilhosa e não fiquei confuso. Tem uma tal de Deborah na minha sala, uma tremenda gostosa e safada, que vive me cantando, uma vez disse que tinha puta vontade de ser algemada na cama por mim e eu sodomizá-la por horas. Sabe o quanto é difícil para um homem ver uma mulher esfregando assim, na cara? Sem contar outras alunas mais sutis que admiram por eu ser policial e ainda tem as do dia a dia, numa simples saída com a viatura aparece uma olhando diferente. E eu, otário, sempre deixei passar, mas agora isso acabou. Vou pegar todas e descartar logo depois, como um homem bom eu soube ser bom, mas como cafajeste, eu serei melhor ainda.
A discussão se estendeu por horas, Fernanda implorava para refletirmos por alguns dias antes de tomarmos qualquer atitude, mas eu deixei claro que não teria volta. Restava saber o que fazer com a casa, eu tinha seis parcelas para finalmente quitá-la e só depois disso poderia vende-la. Pensei em ficar nela e enxotar minha agora ex para a casa de seus pais, mas aí me lembrei que meu filho ficaria o dia todo ouvindo as pregações do avô, um pastor fanático, era capaz de foder a cabeça do menino. Com muita raiva, mas pelo bem dele, acertei de deixar que Fernanda e ele ficassem em nossa casa por seis meses, a partir daí era vender o imóvel e cada um comprar um menor e tocar a vida.
Até conseguir arrumar um “apertamento”, fui para um hotel e levei uma parte de minhas coisas. Joguei a minha aliança pela janela do carro e dali em diante, eu era um homem solteiro.
Dois dias depois da surra que dei em Diogo, fui surpreendido quando Vágner, um policial da mesma delegacia, me mostrou uma matéria no jornal: “Professor e sociólogo é brutalmente espancado por ladrões”. A notícia trazia uma foto dele com os dois olhos roxos e tampados, sendo que um deles, como eu tinha visto no dia, parecia um ovo cozido. O texto falava que além de pontos no rosto e nos lábios, Diogo teve uma fratura de costela e uma concussão (lesão na cabeça) e que seguia internado, porém fora de risco. Meu colega comentou:
-História mal contada da porra, disse que os bandidos levaram uma pasta dele com dinheiro, mas por que deram a surra? Certeza que o professor aí deve ter mexido com gente grande.
Concordei com a cabeça, mas tive que rir um pouco por dentro por saber que a surra tinha virado notícia. Ainda naquele dia, recebo um telefonema na delegacia, era Rúbia, de um orelhão:
-Talvez eu tenha algo que te interessa sobre o crime da Josi.
-Ótimo, quer vir aqui ou marcamos em algum lugar aí?
-Não, aqui na Boca, o que não falta é gente de olho em tudo e agora descobri algo que tenho que ter muito cuidado.
-Então vem aqui na delegacia.
- Não confio em um monte de tiras juntos, têm cara aí que recebe arrego (dinheiro) dos donos de boates, de hotelzinho de fachada e até de cafetão, se me veem aí vão dar o serviço.
-Porra! Então onde vamos conversar? Peraí, eu estou temporariamente em um hotel em Santana, acha que dá para chegar lá em uma hora, uma hora e meia?
-Sim, me passa o endereço.
Passei o endereço e a avisei:
-Espero que não seja um joguinho seu para brincar ou vou te meter um belo par de algemas.
-Nossa, amore! Não deveria ter revelado a surpresa, seria mais excitante.
Desliguei na cara dela, porém se a informação fosse quente, valeria a pena me deparar com Rúbia novamente. Chamei Lao e expliquei o que iria ocorrer, ele decidiu brincar:
-Puta que pariu! Você tem medo mesmo dela, deve achar que é uma bruxa com algum poder ahahahaha.
-Bruxa não, mas eu não acho normal aquele olhar dela, coisa de psicopata ou mesmo de uma calhordinha que sabe como me irritar, só sei que me faz mal. Eu já disse, é uma energia perturbadora.
-Tu é meu melhor amigo, mas é um trouxa, come logo essa putinha e agora não tem mais desculpinha que é casado.
-Vamos ver qual é a dela, se for gracinha, joguinho, ela vai se estrumbicar hoje.
Chegamos e passamos a aguardar, pela primeira vez notei que Lao estava um pouco mais magro, ele nunca fora um gigante, mas tinha um porte médio e até uma pequena barriga, mas achei que seu rosto e braços estavam mais finos, porém não comentei nada.
Um tempo depois, a portaria anunciou que Rúbia estava querendo subir, autorizei. Quando abri a porta, ela estava com uma mão apoiada na lateral da porta e outra na cintura e o mesmo olhar de baixo para cima e um leve sorriso, puta que pariu como aquilo me incomodava. Com uma saia marrom bem para cima dos joelhos e uma blusinha vermelha que demonstrava os contornos de seus grandes seios, a atriz foi entrando e ao ver Lao, comentou com certo desdém:
-Ele também veio? Achei que era seríamos só nós dois.
Lao decidiu brincar:
-Oh, me desculpe, não sabia que era um encontro íntimo, não quero atrapalhar. –Fingindo que iria sair.
-Eu que me desculpo se cheguei mais cedo e peguei o casal no meio do ato.
Lao me olhou, balançando a cabeça como quem diz “Que atrevida”.
-A moleca é metida a humorista mesmo.
-Sossega aí, Lao. Vamos ouvir o que a moça tem a dizer. Senta aí, Rúbia, e fala logo.
-Posso fumar?
-Vai.
Ela acendeu o cigarro. O quarto do hotel tinha apenas duas cadeiras, então Rúbia ficou em uma, Lao em outra e eu sentado na cama.
Tentando sensualizar até com o cigarro, Rúbia disse:
-Como disse antes, eu não sabia de nada, apesar de você não acreditar, mas no domingo ouvi uma conversa estranha nos corredores da boate, o nosso diretor, o Paulo, estava imprensando o Caio, o ator que vocês estão desconfiados. O som estava alto, mas deu para ouvir o Paulo dizendo. “Se falar quem era o cara que a levou para a festinha, você é que vai acabar dentro de uma caçamba como ela. É tudo gente de grana, mas alguém lá, sei lá por que, acabou exagerando na dose. Fica fora disso, a polícia não tem nada contra você”.
Olhei para Lao e na mesma hora já sabíamos o que fazer. Fiz mais algumas perguntas a Rúbia e a agradeci pela colaboração, pois se a informação fosse quente, o caso seria resolvido. Novamente com ar debochado, ela me questionou:
-Problemas no paraíso, tira?
-Do que você está falando?
Ela olhou com certo desdém para o quarto todo e disse:
-Vejo que está sem aliança, disse que está temporariamente hospedado aqui, pelo jeito o brincar de casinha não está dando certo.
Lao me olhou surpreso.
-Isso não importa para você. Fique tranquila, pois vamos falar com o diretor e arrancar o que ele sabe, não usaremos seu nome.
-Tá! Só não pensa que sou X9 (gíria para informante da polícia) porque não vou com a cara de tira, mas se isso ajudar a prender quem fez tudo aquilo com a Josi, valerá a pena.
Quando Rúbia já estava no corredor, ela se virou rapidamente, segurou no colarinho da minha camisa, ergueu os pés para ficar quase que da minha altura e com a boca a centímetros da minha disse baixinho com uma voz sensual.
-Se estiver se sentindo sozinho aí nesse quarto, me procura, e eu te faço dormir. –Ela me lançou o mesmo olhar de outras vezes e sorriu levantando levemente o lábio superior e mostrando os dentes. Era inexplicável o quanto aquela expressão me perturbava, parecia que havia uma outra pessoa dentro dela, algo que eu não diria ruim, mas cínico, debochado.
Desconcertado, acabei sendo grosseiro.
-Agradeço, mas não saio com garotas de programa.
Rúbia fechou a cara, empurrou-me levemente no peito e respondeu brava:
-Já disse que não faço programa, sou atriz pornô e stripper, mas não saio transando a torto e a direito. Estava te paquerando, seu idiota. – Ela saiu pisando forte pelo corredor e na mesma hora vi que tinha sido indelicado ao extremo.
Com a informação de Rúbia, levamos Paulo à delegacia e apesar de demorar para abrir o bico, acabou contando tudo, um rico empresário fez uma festa com prostitutas, porém um dos convidados acabou se irritando com Josi porque não conseguiu ter uma ereção e passou a espanca-la e quando viu, já havia matado a moça. A solução foi ele e mais dois amigos jogarem a moça numa caçamba. Crime resolvido, porém dificilmente os bacanas pegariam cana de verdade.
Agora, com minha vida de homem solteiro, decidi que era hora de começar a correr atrás das oportunidades que deixei escapar e enfiar mesmo o pé na jaca. Porém, em breve, Fernanda voltaria seus canhões para mim.
Aos que curtiram a história, peço que deixem um comentário, pois é o que motiva a escrever mais rápido. Quanto ao sexo, agora sim, ele virá, mas as polêmicas e reviravoltas seguirão.