[...]
- Você me leva no Dr. Galeano amanhã? - Pediu.
- Levo. Acho que agora, mais que nunca, vamos precisar entender o que está acontecendo.
Depois de algum tempo comecei a ficar incomodado ali. Acho que não queria ficar com ela. Ainda assim precisava arrumar alguma desculpa para não ofendê-la ou criar algum tipo de bloqueio, piorar o que já não estava bom:
- A gente precisa limpar a bagunça antes que as meninas cheguem… - Falei.
Ela então levantou a cabeça e eu indiquei o lugar onde acabamos de transar. Em especial o chão que ainda continuava molhado:
- Mark, me desculpa. Nunca me mijei antes… - Ela disse.
- Não acho que seja urina, Nanda. Tá mais com cara de um “squirt”.
- Hein?
- Cara, quantos anos você tem? Sério que nunca ouviu ou leu nada sobre isso? - Perguntei, tentando quebrar um pouco a tensão: - Se não me engano é um tipo de ejaculação feminina. Você estava bem excitada, acumulada, então quando o gozo veio, você acabou molhando mais que o normal.
- Eu já fiz isso antes?
- Às vezes a gente molha a cama, mas não me lembro de ter sido tanto assim…
- Loucura, hein!? A culpa foi sua que me pegou gostoso… - Disse rindo e me dando um soquinho no ombro.
- É…
Ela sabia que tinha quebrado o clima e a forma como eu respondi sua brincadeira era a prova disso. Ainda assim se fez de desentendida para evitar uma discussão que poderia culminar numa briga e, pior, fazer com que um ou ambos não comparecessem a consulta do dia seguinte no Dr. Galeano:
- Quer que te ajude a limpar? - Perguntei.
- Não. Pode deixar faço isso rapidinho.
Me levantei, procurando minha bermuda e a vesti. Sentei-me na sala e de onde estava tinha uma boa visão da cozinha. Ela pegou um balde, água, sabão, pano e rodo e se pôs a fazer uma faxina onde agora há pouco trepávamos como dois animais. Por algum motivo fez a faxina nua e numa hora me encarou com um olhar de desejo, mas recebeu apenas um olhar frio de volta. Nesse momento seus olhos se entristeceram e ela ficou de costa para terminar a limpeza.
Aquele fim de dia não foi dos melhores. Apesar de não termos discutido ou brigado era nítido que aquela revelação tinha causado um cisma entre a gente. Depois de buscarmos as meninas na escola, elas foram cuidar de seus afazeres, banho, jantar, tarefas e cama. No jantar, a comida perdeu sabor: adoro lasanha, mas aquela parecia um papelão. Meu paladar certamente não colaborou, porque minhas filhas jantaram com um deleite imenso. Algumas vezes seu olhar buscava o meu, talvez em busca de redenção, mas me sentia ferido e ela notou isso. “Me chamar de Bruno foi a gota d’água”, regurgitei não sei quantas vezes para mim mesmo.
Após as meninas se deitarem, passava um programa qualquer na TV e eu fiquei assistindo o branco da parede por um tempo até que ela veio se sentar perto de mim. Vendo que não havia assunto para falar e eu me mantinha calado, letárgico praticamente, deitou sua cabeça em meu colo e ficou lá assistindo a TV, ou fingindo talvez. Eu não entendia como eu poderia amar tanto uma pessoa e essa pessoa ter outra em sua mente, ainda mais num momento de intimidade como aquele que estávamos experimentando, forte, intenso como há muito tempo não tínhamos.
Pedi licença e fui até o banheiro onde fiquei um tempo para tentar me acalmar. Depois de um tempo voltei, ela havia deitado a cabeça num dos braços do sofá e então vi que vestia uma camisolinha vermelha de um tecido leve, sem nada mais. Sentei-me na outra extremidade do sofá e voltei a meus pensamentos:
- Você não quer ficar perto de mim? - Ela me perguntou ao ver onde sentei.
- Estamos perto. - Respondi sem nenhum entusiasmo.
- Deus! Foi só um nome…
- Só o nome do seu estuprador. - Rebati já meio sem paciência e enfatizei: - O que que tava passando na sua cabeça, Nanda? O cara te droga, praticamente te rapta, abusa de você, te violenta, e quando nós estamos fazendo amor você me chama pelo nome dele? Porra! Me dê uma facada que dói menos.
Acho que ela entendeu nessa hora o estrago que tinha feito. Se levantou em minha direção e se sentou perto de mim. Colocou sua mão em meu rosto, mas me virei para a outra direção:
- Eu não vou pedir desculpas novamente porque sei que você não está pronto para me perdoar. Eu não sei o que te falar. Eu vou melhorar, te prometo isso. Só preciso colocar as ideias no lugar. - Disse enquanto coçava minha nuca: - Vem deitar comigo. Vamos dormir. Amanhã a gente conversa com o terapeuta.
Pegou minha mão e eu ia me levantando com ela, mas, de repente, não me senti à vontade e falei:
- Vou mais tarde. Ainda estou sem sono…
Ela viu que não adiantaria insistir e se recolheu. Ali no sofá o tempo passou: 23:00, 0:00, 1:00, 2:00, desliguei a TV, apaguei a luz e nada do sono chegar. Alta madrugada vejo o vulto da Nanda aparecer na sala e finjo estar dormindo:
- Mark… Mark… - Sussurrou: - Vem pra cama.
Ronquei de leve, fingindo estar num sono pesado:
- Está me ouvindo?
Mantive o silêncio e ela voltou para o quarto. Pouco depois noto que ela retornou com um travesseiro e um lençol, deitando-se no tapete abaixo do sofá em que eu estava:
- Não sei porque você ainda está comigo, eu só te faço mal. Só espero que você ainda tenha um pouquinho de amor no seu coração para eu poder te reconquistar. Como eu te amo... Já que não quer dormir comigo, dorme com Deus! - Disse sussurrando.
Ouvir aquilo me doeu mais ainda na alma e me virei de costas para ela. Nesse momento senti uma lágrima escorrer, mas não chorei. Acho que eu estava em choque com tudo aquilo. Não sei quanto tempo depois apaguei.
Algum tempo depois ouço barulhos que parecem vir da cozinha. Mantenho-me deitado e passo a prestar mais atenção ao que estava acontecendo. Parecem gemidos. Olho para baixo do sofá e Nanda não está. Levanto minha cabeça e de onde estou vejo um grande vulto escuro passando pela cozinha. Me levanto e vou devagar até lá. Vejo então Nanda cavalgando com vontade um barbudo e chupando outro como uma devassa, babando bastante no seu pau, tudo isso enquanto Bruno fode seu cu com vontade mesmo, para arregaçar. “Pode chegar, corno idiota! Garanto que essa piranha dá conta de chupar seu pau também”, dizia. Nisso ela me olha com desdém e passa a sorrir, acompanhada de gargalhadas deles.
Acordei sem ar nesse momento e com um imenso aperto no peito. Pensei que fosse infartar. Olhei para baixo e Nanda dormia igual um bebê:
- Inferno! - Resmunguei: - Nem dormir eu posso.
Levantei-me e fui até a cozinha, onde me servi de um copo de água. Minhas mãos tremiam. Sentei-me na mesa e vi que o relógio marcava 4:30. Ali permaneci e não dormi mais naquela madrugada. Minha cabeça estava uma bagunça. Era por volta das 7:00 quando vejo Nanda entrar na cozinha com um olhar preocupado. Se sentou do meu lado e colocou sua mão sobre a minha, apertando forte:
- Não pede desculpa! - Pedi para ela.
Não consegui decifrar seu olhar, parecia haver medo, dor, pena… Mas ela não falou nada. Somente ficou ali comigo em silêncio. Às 8:00 nossas filhas chegaram e estava claro que algo não estava certo. Nanda se levantou e pegou um iogurte e algo mais para a caçula comer, que foi para a sala. A mais velha se sentou de meu outro lado e ficou me encarando por um tempo, depois se levantou me deu um abraço e disse:
- Você vai resolver tudo, como sempre! - Me disse.
Daí me soltou, pegou um iogurte e uma banana, e se juntou à irmã. Somente um pai ou mãe para saber o efeito que um abraço desse causa em nosso âmago. Sequei uma lágrima que brotou em meu rosto e vi que Nanda me encarava, com uma mão na boca, segurando o choro.
Naquela sexta não haveria aula por um motivo que não me lembro agora. Aproveitei para levar as meninas para o sítio de meus pais. Entrei quieto e quase saí calado, porque eles perguntaram se estava acontecendo algo e tive que inventar uma desculpa qualquer. Acho que não colou. MInha filha mais velha perguntou se eu queria que ela voltasse comigo e disse que não, porque teria que trabalhar até mais tarde e não poderia dar atenção a ela:
- Sei! Você acha que me engana, né, pai! - Disse.
[...]
Eu sabia que tinha feito a maior besteira de minha vida e liguei para o Dr. Galeano:
- Dr. Galeano preciso falar com o senhor. É urgente!
- Alô? Calma. Quem?
- É a Nanda, Fernanda do Mark.
- Só um minuto. - Ouvi ele se desculpando com alguém e logo retornou: - Dona Fernanda aconteceu alguma coisa?
- Doutor, eu vou matar meu marido.
- Como é que é, dona Fernanda? Não estou entendendo…
- Ontem, a gente acabou transando, com preservativo, tudo bonitinho, seguro…
- Certo?
- Daí estava sendo uma das melhores transas que já tivemos. Eu estava… Ah, meu Deus… estava… Ah, doutor! Eu estava gozando horrores. Estava muito bom mesmo.
- Mas isso é ótimo! Então, qual o problema.
- No finalzinho, não sei porque, eu chamei o Mark de Bruno, doutor.
De repente um silêncio no outro lado da linha:
- Doutor??
- Estou aqui, dona Fernanda. Estou aqui. E como ele reagiu?
- Eu já pedi desculpas, mas ele não fala direito comigo. Estou com medo dele fazer alguma besteira…
- Calma, dona Fernanda. Vou ligar para ele e te retorno. Já te ligo.
[...]
Dei um sorriso amarelo e disse para ela não se preocupar. No caminho para casa, meu celular tocou e vi no multimidia do carro que era o Dr. Galeano:
- Alô?
- Mark? - Perguntou.
- Sim, doutor. Sou eu.
- Dona Fernanda me ligou preocupada com você. Está tudo bem?
- Doutor, estou no trânsito e acho que não é a melhor hora para conversarmos certos assuntos delicados.
- Mas você está bem? Calmo, tranquilo…
- Defina bem, doutor, para um homem que estava fazendo amor com sua esposa e ela lhe chama pelo nome de um estuprador filho da puta no ápice da transa?
- Mark, por favor, pare o carro. - Me pediu.
- Não, doutor! Tenho meus compromissos e não vou parar por mais ninguém. Peço que me desculpe, mas tenho que desligar. Até mais.
- Mark…
Desliguei na cara dele. Voltei para casa para me trocar, porque realmente iria até meu escritório em virtude de um compromisso agendado. Nanda me esperava sentada na cama. Seu olhar era pura apreensão. Peguei minhas roupas de trabalho e comecei a me trocar. De repente seu celular toca:
- Alô? Sim, sou eu. Sim, ele acabou de chegar aqui.
Pelo teor da conversa deduzi na hora que era o Dr. Galeano:
- Dr. Galeano que conversar conosco no viva voz.
- Faça o que você quiser. Enquanto estiver trocando de roupa estou aqui, depois vou para o escritório. - Respondi rispidamente.
Ela ativou o viva voz e logo ouvimos sua voz:
- Mark, Fernanda, estão me ouvindo bem?
- Sim, doutor. Estamos. - Ela respondeu.
- Quero que reflitam a importância do diálogo em uma situação de estresse como a que vocês estão passan…
- Doutor, estou estressado mesmo, sem paciência nenhuma. Estou indo para o escritório e nos falamos outra hora. - O interrompi, enquanto amarrava meu sapato.
- Mark!? Não precisa falar assim. Ele não tem culpa de nada. - Ela me repreendeu.
- É? E quem tem então? O corno idiota aqui? Ou… - Preferi não continuar.
Ela ficou muda e o doutor Galeano viu que era hora de agir ou a situação poderia sair do controle:
- Mark, Fernanda, por que você não vem agora em meu consultório para conversarmos? Pessoalmente tenho certeza que será muito mais frutífero que por telefone.
- Lamento, doutor, mas tenho compromisso para daqui a pouco.
- Então, eu vou com você e te espero na sala de atendimento você terminar. - Nanda propôs, tentando fechar o cerco, errando entretanto no fechamento: - Ou você pode fazer nosso divórcio, se preferir.
- Isso eu resolvo em meia hora de trabalho, se você estiver de acordo. - Retruquei em alto e bom som.
- Fernanda e Mark, doutor Mark, parem agora! - Disse um autoritário doutor Galeano no telefone: - Vocês não tomarão decisão alguma agora! A cabeça de vocês tem mais dúvidas que certezas. As informações que possuem não estão de acordo com a história de vocês. Deixe-me tentar esclarecê-las para vocês. É só o que peço.
Olhei para a Nanda e vi que estava de pé com os braços juntos ao corpo e as mãos fechadas, apertadas. Ela tremia toda. Não sei se era nervosismo, ou medo de mim, ou medo de me perder. Ela estava com um olhar perdido, me olhava mas era como se olhasse através de mim. Tive remorso daquilo tudo. Não era justo terminar assim. Respirei fundo e fui até ela, pegando em suas mãos:
- A gente não pode acabar assim! - Falei: - Tenho mesmo um compromisso agora. Se quiser me esperar no escritório, assim que terminar nós vamos até o doutor, então.
Seu olho voltou a me focar e tive a impressão de ver um breve sorriso em seu rosto:
- Só vou me trocar. É rapidinho. - Ela respondeu.
- Ouviu, doutor? Daqui uma hora mais ou menos estamos aí.
- Já os estou aguardando, meu caro. Parabéns por voltarem a razão. Nos vemos mais tarde.
Meu compromisso foi uma merda. Sem concentração, acabei não conseguindo passar a confiança necessária para o cliente e como resultado, ele ficou de me dar uma resposta mais tarde. Típica negativa educada. Aproximadamente 1:30 depois estávamos estacionando em frente ao consultório do Dr. Galeano. Na sala de espera, enquanto ela foi sentar numa cadeira próxima a um corredor, fiquei junto a uma janela olhando o movimento na rua. O tempo passava. De repente sinto um toque no meu ombro:
- Mark. Tudo bem aí? - Dizia uma voz firme e já conhecida, fazendo-me virar: - Te chamei duas vezes, mas você não ouviu…
Doutor Galeano me encarava com um semblante preocupado. Se ele me chamou não ouvi:
- Desculpe, doutor. Estava perdido em meus pensamentos. - Respondi e só aí vi que Nanda já estava de pé, próxima a porta de sua sala.
- Vamos entrar. - Me pediu com a mão ainda nos ombros: - Dona Aline, cancele todos os demais compromissos de hoje.
Entramos em sua sala e a disposição dos móveis estava diferente do habitual. As duas poltronas que utilizávamos normalmente estavam agora dispostas lado a lado, mas com uma inclinação de 45º para que os pacientes pudessem manter um contato visual entre si. No meio, uma mesinha com dois copos de água. À frente uma cadeira mais simples:
- Sentem-se, por favor. - Pediu e logo emendou: - Mas antes de mais nada, aceitam um cafezinho? Ou um suco?
- Eu… Eu acho que vou aceitar um café, sim. Obrigada. - Respondeu Nanda.
- Eu não quero, não. Obrigado. - Respondi sem nenhuma empolgação.
Ambos me olharam, surpresos. Na sequência ele se dirigiu à máquina e fez todo aquele ritual novamente. Ele a serviu e a si próprio, sentando-se em seguida a nossa frente:
- Tem certeza, Mark? - Insistiu uma vez mais comigo.
Não respondi nada, apenas o encarei e meu incômodo era visível. Minha vontade era resolver logo tudo aquilo e ir trabalhar para ver se ocupava minha mente. Afinal, como diz o ditado “mente vazia oficina do diabo!”:
- Bem, antes de mais nada gostaria de dizer que é um prazer conhecê-la pessoalmente, dona Fernanda. Lamento apenas que seja por um motivo tão infeliz. - Ele começou.
- Obrigada, doutor. - Disse ela.
Eles começaram a conversar sobre assuntos triviais e eu confesso que não dei bola, nem me lembro do que se tratava. Não sei se era alguma técnica de relaxamento, ou se ele já estava colhendo informações para compor um perfil dela:
- Mark… Mark! - Ele me disse: - Você está muito disperso hoje, meu amigo. Não quer participar.
- Realmente eu não sei, doutor. Eu… Eu acho que só estou cansado, não consegui dormir nada essa noite. - Respondi francamente.
- O que te incomoda? - Ele insistiu.
- Doutor, hoje sou uma péssima companhia. Estou realmente disperso, sem concentração, viajando mesmo…
- Foi tudo culpa minha, doutor. - Nanda se adiantou: - Eu te contei sobre o que aconteceu ontem…
- Dona Fernanda, por favor. Aliás, posso te chamar somente de Fernanda? - Ele perguntou, com o que ela concordou: - Eu já adiantei que você não tem culpa de nada, apenas está confusa. Tenho certeza que o Mark concorda comigo, não é, Mark?
- Se o senhor está dizendo… - Respondi.
Nesse momento, meu celular tocou. “Saco! Salvo pelo gongo.”, pensei. Quanto o peguei na intenção de desligá-lo, olho para seu display e vejo um nome que me gelou na hora “Agenor - Cliente”. Minha expressão deve tê-los alertado que aquela ligação era relevante:
- Mark, se a ligação não for realmente relevante, eu pediria para você desligar o aparelho. Assim conseguiremos manter uma linha de trabalho, sem interrupções ou interpretações incorretas dos fatos. - Me pediu.
Apesar de minha vontade de atender aquela ligação, resolvi deixar para mais tarde. Coloquei meu celular no modo “avião” e voltei a encará-lo:
- Nanda me adiantou o que aconteceu com vocês ontem. Fico muito feliz em saber que vocês estão retomando seu relacionamento sexual. O afetivo eu já imaginava ir muito bem pela preocupação que o Mark sempre demonstrou para com você, Fernanda. - Tomou um gole de seu café e continuou: - Sei que você ficou magoado quando ela usou o nome daquele outro durante sua relação sexual, mas você precisa entender que os fatos ainda são muito recentes e isso, por si só, justifica a confusão de nomes que ela cometeu ontem.
Nesse momento eu o olhei com um olhar de desdém. “Confusão de nomes? Que palhaçada!”, pensei:
- Entenda, no calor do sexo e pelo que ela me disse ontem, essa confusão aconteceu durante o ápice da relação sexual de vocês e o ápice é justamente quando ficamos menos racionais e mais emotivos. Nosso psicológico passa a guiar nossos atos e falas, e tenho certeza que ela, sem querer mesmo, cometeu essa confusão.
Por mais que eu ouvisse, eu não concordava com essa proposição. Tanto que balancei negativamente a cabeça e dei um sorriso cínico, sendo repreendido por ele:
- Por favor, Mark. Você é um homem inteligente. Eu sei que você consegue entender o que estou falando. Talvez não consiga aceitar hoje, mas irá refletir e entender daqui a pouco…
- Doutor, sinceramente nada que o senhor disser hoje fará diferença. Talvez o senhor esteja certo. Eu devo estar mesmo muito cansado e não conseguindo raciocinar sobre o problema em si. - Falei ainda sem convicção.
- O senhor gostaria de descansar um pouco? Na sala ao lado tenho uma cama sempre de prontidão para uso de meus pacientes. Pode ficar tranquilo que está devidamente higienizada. - Me falou.
- Sabe que a ideia não é ruim!? - Falei até que animado com a sugestão, porque assim eu poderia sair dali e escapar daquela situação.
- Ah, Mark… - Gemeu Nanda do lado.
- Talvez seja melhor para você conversar com ele à vontade, Nanda. - Contemporizei.
- Hã, hã! - Ela respondeu balançando negativamente sua cabeça.
Olhei para o doutor Galeano e ele sugeriu outra saída:
- Tem o divã ali no canto da sala. Assim, o senhor descansa e ela se sente mais segura.
Olhei para ela esperando uma resposta afirmativa:
- Pensei que tivéssemos vindo aqui para resolver nossos traumas. - Falou, agora claramente contrariada.
- Traumas!? Porra, Nanda! Eu já estava me sentindo um lixo por não ter sido homem suficiente para te proteger daquele animal, sentindo uma culpa filha da puta, e você me chama pelo nome dele ontem no meio de uma transa nossa! Eu já nem mais me sinto um lixo: agora me sinto como a bactéria que derrete o lixo. - Acabei despejando, se dó e sem medir as consequências.
Ela me encarou assustada e logo depois começou a soluçar:
- Eu quero ir embora.
Doutor Galeano encarou nossas reações por um momento e se levantou para pegar uma caixa de lenços, oferecendo para Nanda e colocando na mesinha entre nossas poltronas:
- Obrigado por compartilhar esse sentimento conosco, Mark. - Nanda o olhou surpresa e eu mais ainda: - A superação de um problema, começa pelo reconhecimento de sua própria existência.
- Ah, vá… - Quase o xinguei.
Nanda ainda soluçava quando ele a interpelou:
- Você também não gostaria de compartilhar seus sentimentos conosco, Fernanda. Te garanto que colocar para fora será uma forma maravilhosa de aliviar o peso que se encontra em seus ombros. - Disse para ela, encarando-a.
- Não consigo… - Ela respondeu timidamente.
- É claro. Fique tranquila. Faremos tudo no seu tempo. - Disse e depois enfatizou: - Aliás, tempo é algo que precisamos considerar agora porque, pelo que sei, você ainda não fez nenhum exame clínico após o fato. Correto?
- Sim. Não tive coragem…
- Não se trata de coragem, mas sim de uma necessidade para garantir sua saúde, do Mark e de suas filhas, por consequência. Tenho um amigo que possui laboratório e pode auxiliá-la de forma discreta a fazer os exames. Posso encaminhá-la?
- Sim, doutor. Por favor… - Ela respondeu concordando: - Quais exames terei que fazer?
- Exames de sangue. Ele já me conhece e tem a lista em mãos. A princípio, exames para doenças sexualmente transmissíveis, HIV, sífilis, hepatite e gestacional…
- Gestacional? - Ela o interrompeu surpresa, me olhou e perguntou: - O senhor acha que eu estou grávida? Ah, meu Deus! Não pode ser. Eu me lembro do Bruno usar camisinha, eu acho.
- Exatamente. A senhora acha, não tem certeza. Mas vamos partir do princípio que suas lembranças sejam reais, então o exame servirá apenas para tranquilizá-la ainda mais. - Ele a tranquilizou e continuou: - Vou ligar agora para ele e perguntar se já pode recebê-la ainda hoje.
Ele então se levantou, indo em direção a sua mesa, onde pegou um telefone e passou a conversar com alguém sobre o que havia nos falado a pouco:
- Eu tenho certeza que ele não gozou em mim! Ele estava de camisinha e ele ficou pouco tempo na minha boceta e já foi para meu cu! - Dizia como se quisesse me convencer de algo.
Eu não falei nada. Aquela informação foi um choque para mim também. De soslaio notei que o doutor Galeano não tirava os olhos da gente. Logo ele retornou:
- Ele vai atendê-los assim que saírem daqui. - Disse me entregando um cartão com o endereço: - Você a leva lá, Mark?
- Levo, doutor. - Respondi.
- Ótimo! Fiquem tranquilos, acredito que não dará em nada. Pedi para ele me enviar os resultados e assim que recebê-los ligo para dar as boas novas.
Concordamos com ele, que continuou:
- Você me contou que não possui nenhum corrimento anormal. Isso é bom, sinal de ausência de tricomonas ou infecção bacteriana. Ainda assim seria interessante colhermos material para testes mais aprofundados e também para descartarmos hipótese de gonorréia ou sífilis. Posso pedir para minha filha, ginecologista, a auxiliar nisso.
- Credo, doutor! Parece que só piora. - Ela falou desanimada.
- É tudo para garantir sua saúde e segurança de quem você ama. - Parou por um minuto e continuou: - Ela trabalha neste prédio e pode fazer isso agora mesmo, se você quiser.
- Vamos acabar logo com isso! - Ela disse.
Doutor Galeano voltou a sua mesa, pegou seu celular e ligou para alguém, sua filha provavelmente. Falava baixo e após algum tempo desligou. Ligou então para sua atendente e pediu que ela encaminhasse Nanda para a sala de sua filha:
- A Aline irá acompanhá-la, Fernanda. Será rápido e enquanto isso ficaremos te aguardando.
Nanda saiu com a atendente e ele já se voltou para mim:
- Mark, eu sei que você está chateado com o que aconteceu ontem, mas você deve entender que o trauma dela pode ter afetado seu inconsciente. Não leve a sério o que ela disse.
- Desculpa, doutor, mas não é fácil. Naquele dia, quando eu arrebentei a porta, primeiro tive a impressão de que ela estaria participando do sexo consensualmente. Mas depois, pelas circunstâncias, imaginei que ela estaria sendo estuprada. Aí na nossa primeira transa após aquilo, ela me chama pelo nome dele!? Vai me desculpar, mas… - Não consegui completar o raciocínio.
- Rapaz, você já deve ter ouvido falar na “Síndrome de Estocolmo”? - Falou depois de me olhar por um momento.
- Já, doutor. Mas não acho que se aplique ao caso dela. Ali foi tudo muito rápido, não daria tempo de gerar essa dependência psicológica com o agressor…
- Sim. É o pensamento geral sobre essa síndrome. Mas há estudos que tentam correlacionar a ocorrência da síndrome não com o tempo em que a vítima fica à mercê do agressor, mas sim com a intensidade do envolvimento em si.
Eu o encarei, curioso por entender melhor essa argumentação:
- Pense bem. Ela sozinha, nas mãos de um agressor potencialmente violento, já que ele havia te ameaçado por telefone e depois se apossou do aparelho dela inviabilizando que ela pudesse reagir, acrescente ainda a possibilidade dela ter sido drogada e, por fim, o ato sexual que haviam iniciado com ela, que em si é um ato que já transforma o elemento psicológico da pessoa somando uma experiência às vezes inconsciente, e foi interrompido de maneira violenta sem uma conclusão… - Parou para respirar e concluiu: - Tudo leva a crer que ela possa estar sofrendo um efeito análogo dessa síndrome, não no que se refere a querer ficar com o agressor, mas em concluir o que ela iniciou.
- Você está de palhaçada comigo, doutor! Quer dizer que ela quer terminar o estupro? Terminar de dar para o Bruno e talvez para os outros dois também? - Confrontei-o claramente perturbado.
- Não um querer consciente, mas sim, é possível que haja um gatilho inconsciente nesse sentido. Entenda que isso não quer dizer que ela não te ama, não te quer, mas ela não concluiu uma experiência dando plena vazão ao seu “eu animalesco”.
- Que absurdo! Eu não posso concordar com isso. - Falei claramente contrariado.
- É só uma hipótese. Mas é uma hipótese factível. Releve o que aconteceu e me deixe aprofundar um pouco mais para descobrir realmente o que está acontecendo. Assim terei condições de ajudá-los a superar os traumas.
Ele me analisava a todo o momento, então continuou:
- Ela ainda vai precisar muito de sua ajuda e apoio. Alguns dos exames que ela terá que fazer agora, terão que ser repetidos aproximadamente daqui 1 e 5 semanas e outros com 3 e 6 meses. Exame de presença de droga no sangue já não dá mais, porque normalmente o organismo elimina a droga em até vinte e quatro horas; a não ser que queiram fazer nos fios de cabelo, mas já é um exame mais caro, complexo e, ao meu ver, desnecessário se não vão denunciá-lo à Justiça.
- Pô, doutor! Mesmo fazendo exames hoje, ela poderá ter sido infectada? E a nossa vida? Como é que fica? - Perguntei.
- Vocês deverão ter paciência. Por algum tempo, sexo só com preservativo.
- Nem sei se consigo transar com ela outra vez, doutor. Eu não ia aguentar ela me chamando pelo nome daquele animal novamente…
- Calma, rapaz. Não posso te prometer que isso não pode acontecer no calor de um momento entre vocês, mas vocês são jovens. As coisas vão se acertar. Eu vou ajudá-los a se acertarem. Só me dê um pouco mais de sua confiança e dê tempo ao tempo.
“Tempo ao tempo”, essa expressão, apesar de fazer sentido, não parecia justa agora, com nenhum de nós:
- Acho que vou aceitar aquele cafezinho, doutor. - Falei.
Ele deu um sorriso. Certamente pensava que havia conseguido me trazer de volta. Mas eu só queria parar aquela conversa, porque estava me incomodando. Naquela hora olhei para o visor de meu celular e na área de notificações havia o símbolo de uma ligação recusada. “Agenor”, me lembrei. Precisava retornar aquela ligação o quanto antes. Ele poderia ser uma peça chave em meus planos futuros.