Amigos,
Neste ano eleitoral, surgiu uma oportunidade de trabalho que me tomará bastante tempo.
Então para continuar mantendo meu escritório, além desse novo trabalho e dando atenção à minha família, terei que diminuir o ritmo das postagens no site.
Somente terei que mudar a regularidade, mas tentarei continuar.
Agradeço a todos que tem acompanhado até aqui e mais ainda pela compreensão.
Forte abraço.
Do Mark.
[...]
Mas eu sabia que aquilo não era verdade. Por mais e mais palavras que pudessem dizer, eu sabia que tinha responsabilidade em tudo o que havia acontecido a ela e por mais que minha vontade fosse por esfolar aqueles animais, eu já começava a aceitar uma vingança um pouco mais, digamos, “didática”. Só dependeria da ajuda do destino e talvez de uma mãozinha do Agenor.
Aquela sessão já estava se desenrolando há algum tempo e não via intenção do doutor Galeano em terminá-la logo. Ele parecia satisfeito com a condição física da Nanda e sua evolução psicológica também o surpreendia positivamente. Ao que tudo indicava, ele parecia mais interessado em mim naquele momento:
- Está vendo, Mark? Ela não te culpa! Você não tem que carregar esse peso que, por mais que você tente esconder, eu vejo que está aí. - Disse o doutor Galeano e continuou: - Sua esposa está muito bem, melhor do que eu esperava, e isso é ótimo, Fernanda.
- Me sinto bem, sim, doutor. - Respondeu ela e me encarou: - Por que você não se abre também. Eu sei que você está engasgado com alguma coisa. Eu estou bem, o pior já passou. Agora eu quero que você fique bem também.
- Nanda, eu já conversei com o doutor e ele me explicou algumas coisas. Já entendi e está tudo certo. - Respondi sem a menor vontade de responder.
- Não! Não está que eu estou vendo. - Ela insistiu: - Fala pra mim, por favor.
- Não. Eu só preciso ficar quieto no meu canto, pensado a respeito de umas coisas. - Rebati e depois de um breve silêncio a convidei para irmos embora.
O doutor Galeano não parecia disposto a me deixar ir sem antes enfrentar a realidade de meus sentimentos:
- Fernanda, eu gostaria de conversar um pouco mais. - Ele insistiu.
- Eu posso sair, doutor. Fico na salinha para vocês conversarem. - Ela se dispôs.
- Gente, eu não quero falar, nem ouvir mais nada. Só quero ir embora e pensar um pouco sobre tudo o que conversamos, doutor. Só isso… - Pedi e conclui: - Sem continuarem me pressionando, posso ofender vocês e não quero isso. Só preciso raciocinar a respeito.
O doutor Galeano temendo que eu realmente pudesse me abrir de uma forma que ela não entendesse e pior se ofendesse, tomou a frente:
- Fernanda, uma das questões que conversamos na sua ausência, foi algumas divergências nos fatos que você falou para o Mark ainda naquele dia e aqui naquela nossa sessão.
- Que contradições? - Perguntou, assustada.
- Fernanda, são questões pontuais mas que eu já enfrentei com o Mark e acredito que ele entendeu não serem relevantes para a continuidade da relação de vocês. - Continuou.
- Que questões são essas? Eu quero saber! - Insistiu ela.
- Uma delas foi a de que você teria feito sexo oral consensual no segundo… - Revisou suas anotações e continuou: - no segundo “barbudo”, como você se referiu. Ele se sentiu desconfortável com a informação.
- Mas gente, eu quase afoguei quando o primeiro deles me obrigou a fazer. Daí o segundo me deixou à vontade para fazer como eu quisesse e eu fiz para não passar por tudo aquilo novamente. Mas foi rapidinho e ele nem teve tempo de gozar, Mark. - Disse, me encarando com certa preocupação.
- Outra questão, é que você disse que foi presa por um dos “barbudos” para que o Bruno a penetrasse, mas disse ter tido impressão, preste bastante atenção Fernanda, “impressão”, de que você estivesse transando consensualmente com eles dois quando ele entrou no escritório… - Continuou o doutor Galeano.
- Mark, eu falei que ele havia me segurado e eu estava presa quando ele me penetrou atrás. Daí se depois disso ele me soltou ou não, eu já não lembro direito. Eu ainda estava muito confusa. Juro que é tudo que me lembro… - Respondeu já com os olhos marejados.
- Doutor, isso não precisa continuar. Eu já entendi. Não acho correto o senhor repetir tudo para ela. - Protestei.
- Mark, vocês estão participando de uma terapia de casal. A verdade deve ser exposta aos dois para que os dois possam compreendê-la e aprender a conviver com seus efeitos. - Explicou e continuou: - Por fim, Fernanda, a última dúvida que o assombra é se você quis e se, porventura, gostou de transar com eles…
Ela, depois que ouviu essa questão, se encostou na poltrona, em silêncio:
- Mas eu já expliquei para ele todas as implicações e tenho certeza de que entendeu. Não precisa ficar chateada ou preocupada.
- Eu quis, sim… - Respondeu, baixinho.
- Fernanda? - Perguntou o doutor Galeano, enquanto nós dois a encarávamos.
- Mas eu só quis porque pensei que, naquele momento, era o Mark que estava me levando para o escritório e, como nós já estávamos nessa vida liberal e eu sabia que ele gostava de assistir, pensei que seria alguma surpresa que ele havia armado para mim. - Ela respondeu com uma estranha calma e me encarou: - Só quis porque sei que você gosta e pensei que você estivesse comigo naquela hora.
- Entendi. Desculpa. É só coisa da minha cabeça… - Respondi, claramente constrangido.
- E, no começo, eu gostei, sim. Eu gozei na boca deles, Mark. Eu te contei. Eu fui honesta… Mas depois, quando eu falei que só continuaria quando você chegasse e eles me forçaram, é claro que eu não curti. Eu aprendi muito a gostar de sexo e a sentir prazer nas mãos de outros homens, mas como você mesmo me ensinou, tem que ser dentro da minha vontade, dos meus limites. - Então, colocou sua mão sobre a minha: - Você acredita em mim? Responde olhando nos meus olhos.
- Desculpa. Estou me sentindo um lixo. - Respondi, sem coragem de encará-la.
- Olha nos meus olhos e diz se acredita em mim. - Pediu novamente.
- Eu acredito, sim. Me desculpa. - Respondi, a encarando.
- Talvez se você estivesse comigo e eu não tivesse sido drogada, poderia ter sido uma transa inesquecível, nós e eles, mas não foi o que aconteceu. Fui imprudente quando aceitei bebida, mas essa culpa eu posso superar se tiver seu apoio. - Parou e me pegou pelo queixo para encará-la: - O sexo com eles não significou nada para mim! Preciso que você fique bem e principalmente que você não tente nenhuma besteira contra o Bruno. - Me disse da forma mais maternal possível.
Fiquei em silêncio um tempo e então falei:
- Doutor, não vou pagar seus honorários. É ela que está me atendendo! - Falei, brincando.
- E porque eu interromperia se vocês estão elaborando a própria verdade e cimentando a realidade na qual irão continuar sua história? Já disse uma vez, vocês são o casal mais maduro e cúmplice que eu já tive a oportunidade de conhecer. Só estou aqui para mediar ou complementar alguma coisa. Vocês próprios estão se curando… - Respondeu e, após um breve silêncio, continuou: - Mas o temor dela é relevante. Ela tem medo que você se vingue, fazendo alguma besteira e prejudique seu futuro com isso…
- Promete pra mim que você vai esquecer essa estória de vingança. Só preciso disso para tocarmos nossa vida. - Nanda me pediu: - Sei que você é um homem de palavra. Só diz “eu prometo” que não precisarei de mais nada.
- Eu não posso. - Disse, encarando os dois, um de cada vez: - Não farei nenhuma besteira e olha que já tive chance, mas eu vou puni-lo de alguma forma, dentro da lei. Isso eu te prometo.
- Mark, a grande questão é que a vingança pode corroer princípios elementares de sua personalidade, além de prejudicar seu raciocínio e levar a ações impensadas. Vale a pena correr o risco de se prejudicar e a sua família indiretamente? - Me perguntou doutor Galeano.
- Não vou me vingar, doutor. Vou puni-lo, fazer justiça. - Respondi.
- Ainda que seja essa sua intenção, o peso das consequências de sua punição poderá se transformar em uma nova culpa ou potencializar a que você já tem. Você quando sente ódio de uma pessoa, não prejudica aquela pessoa, mas somente a si mesmo, envenenando seu coração. Você deveria considerar seriamente a prática do perdão…
- Perdoar aquele animal, doutor!? - Falei, claramente contrariado.
- Não ele, mas sim você próprio, de uma maneira mais racional. Não estou pedindo para você fazer de conta que nada aconteceu, nem desmerecer sua dor. Apenas compreenda que você não foi o causador dos eventos que vitimaram a Fernanda e aprenda com ela a não cair em outras armadilhas que levem a situações parecidas com as que te fazem sofrer. - Disse.
- O que você quis dizer com puni-lo dentro da lei? - Perguntou Nanda e continuou: - Você não o denunciou, não é?
- Não, claro que não o denunciei. Essa decisão é sua! Eu entendi seu ponto de vista e acho que você tem um motivo muito forte para não fazê-lo: quer proteger sua família. E eu te agradeço muito por isso. Estou investigando a vida dele para saber se já deixou algum rastro no passado que eu possa usar contra ele próprio. - Respondi sem a menor cerimônia.
- Ainda assim isso irá te consumir dia após dia até você conseguir alcançar seu intento. E enquanto isso, como fica sua família? - Insistiu o doutor Galeano.
- Tenho certeza de que ele não fará nada para nos prejudicar. Não é, “Mor”? - Falou Nanda, me olhando: - Nem vou precisar depor, certo?
- Claro que não e exatamente isso: quero evitar que você apareça. - Respondi.
- Então pode continuar. Se fizer tudo dentro da Justiça e sem nos expor, eu acho correto. - Falou Nanda, surpreendendo a mim e ao próprio doutor Galeano.
- Fernanda, esse posicionamento não ajudará em nada o Mark superar a dor e culpa que carrega. - Tentou argumentar o doutor Galeano.
- Ajudará sim doutor! Conheço meu marido, sei que ele é um homem justo e se ele conseguir punir o Bruno e os outros dentro da Justiça, fará um bem imenso a ele, e confesso que a mim também. - Frisou.
- Meus amigos, por favor. Vocês dois precisam refletir…
- Doutor, já conversamos muito hoje e nada que o senhor disser irá mudar minha opinião e aparentemente nem a dela que parece ser a mesma minha. - Falei e conclui: - Se todos estiverem de acordo, encerramos por hoje. Nanda?
- Acho que sim. - Falou.
- Gente, por favor…
Nem dei tempo dele continuar e já me levantei, estendendo minha mão para Nanda que a aceitou e se levantou também. Vendo que não conseguiria nos manter ali por muito mais tempo, o doutor Galeano apenas nos pediu para pensarmos muito antes de fazer alguma coisa para não prejudicar nossas filhas. Despedimo-nos e saímos em direção a nosso carro. Voltamos em silêncio para nossa casa. Pelo horário, fomos direto para a escola buscar as meninas.
A noite transcorreu sem maiores novidades. Trocamos poucas palavras porque parecia não ter o que conversar, até imaginei que ela pudesse estar ofendida pelas dúvidas que eu levantei para o Dr. Galeano. Dormimos e no dia seguinte fui ao meu escritório. Como minhas buscas contra o Bruno não estavam retornando resultados muito satisfatórios, decidi cobrar um favor que eu havia feito para um investigador de polícia anos antes.
Palhares é o típico policial bonachão de seriado americano. Calvo, moreno claro, adorava atacar as rosquinhas da repartição policial, o que havia até lhe garantido um apelido genial “roscão”. Claro que ninguém usava o apelido na sua presença, mas todos o reconheciam por ele. Liguei na delegacia e pedi para falar com ele:
- Doutor, como é que vai? Anda sumido homem? - Me falou.
- Muito trabalho, Palhares, mas infelizmente ou felizmente nada na criminal. - Respondi.
- Se o senhor quiser, posso arrumar uns flagrantes para o senhor. Sabe como é, né!? Uma mão lava a outra… - Se insinuou.
- Sabe que não trabalho assim, Palhares. - Rebati de pronto.
- Eu sei, doutor. Só brincadeira… - Respondeu, rindo: - Mas em que posso te ajudar?
- Palhares, estou precisando de sua ajuda, mas não queria falar por telefone.
- Doutor, não precisa falar mais nada. Vou pro Centro daqui uma hora e dou uma passada aí. Pode esquentar um cafezinho pra mim.
- Maravilha! Quanto ao café, passo na hora pra você.
Desligamos. Coisa de uma hora e meia depois, aquela figura quase caricata entrava em minha sala, sem nem mesmo se dar ao trabalho de ser anunciado. Minha secretária correu atrás dele, mas eu disse que estava tudo bem e pedi que fechasse a porta, não deixando que ninguém nos interrompesse:
- Fala, doutor. Quem é que eu tenho que matar? - Perguntou, sorrindo.
- Que é isso, Palhares!? Apesar desse animal merecer, não quero chegar a tanto. - Respondi de pronto.
- Então é só uma surra!? Quebrar as pernas, talvez?... - Falou com um pouco mais de seriedade por ter sentido que o assunto era mais sério do que imaginava.
- Palhares, é o seguinte: não gosto de fazer isso, mas vou ser obrigado a cobrar aquele favor de você. - Disse enquanto me levantava para fazer um café em minha máquina de cápsulas para ele: - Naturalmente, vou precisar de sua total discrição e que não comente com ninguém o que iremos conversar aqui.
- Claro, doutor. Pode confiar. Que aconteceu? - Perguntou, agora sério.
- Uma grande amiga minha foi vítima de um estupro...
Quando disse isso, vi que seus olhos faiscaram de ódio. Palhares, apesar da aparência meio tosca, era um cavalheiro e nunca aceitou violência contra mulheres. Todos na cidade sabiam que ele era o policial que cuidava de receber os presos por crimes sexuais e violentos contra mulheres e corria um boato que a primeira noite deles na delegacia era bastante “contundente”:
- Me dá o nome do animal que coloco ele na cadeia ainda hoje, doutor, com requintes de minha boa hospedagem! - Me interrompeu.
Alterei a estória e resumi o que a Nanda passou com eles três, mas só o suficiente para ele saber dos detalhes e tomar mais raiva contra eles, justificando ainda que ela não queria denunciar por ter os motivos dela: família, bom nome e não quer se queimar na comunidade:
- Aí fica difícil, hein, doutor! O que que resta pra gente? Só se for pra dar uma coça nesses animais e espetá-los num cabo de vassoura. - Falou.
- Apesar de ser merecido, não quero ir por esse caminho. - Falei enquanto lhe entregava uma xícara de café: - Andei investigando ele e soube que ele tem medo da polícia e não faz nada que precise de RG e CPF dele.
- Aí já começa a ficar interessante. Ele deve ter o rabo preso. - Falou enquanto tomava um gole do café.
- Eu acredito que sim, mas não consegui muita coisa em minhas pesquisas. Só processos de cobrança, nada criminal.
- Mas se ele for acusado de crimes sexuais, a pesquisa não iria retornar resultados para não o alertar. É um sistema sigiloso, o senhor sabe.
- Exato. Por isso preciso de você. Quero que você me ajude a revirar o passado dele e, se ele estiver devendo, colocá-lo na cadeia. E nós sabemos o que acontece com estuprador na cadeia, não é? - Perguntei, o encarando.
- Ô se sei, doutor. - Disse, sorrindo e me perguntou: - O senhor tem o nome completo dele?
- Mais que isso... - Respondi, girando uma pasta em minha mesa em sua direção, contendo cópia da CNH do Bruno, além de endereço do bar e dados dos processos civis em que ele figura como requerido.
- Boa, doutor! Já vai me adiantar o serviço, mas o senhor não disse que eram três? - Disse, enquanto folheava os documentos.
- Esse é o líder. Os outros dois ainda não consegui nada, pelo jeito são amigos dele, mas estou em contato com algumas pessoas que poderão ajudar. - Respondi.
- Entendi.
- Só não se esqueça: sigilo total.
- Podeixá, doutor! - Tomou o resto de seu café e emendou: - E se a gente não achar nada no passado?
- Vamos trabalhar com essa linha primeiro. Se não der em nada, decidiremos depois o que fazer…
- Jóia, doutor! Mais alguma coisa?
- Não, meu amigo. E me fala se tiver alguma despesa depois.
- Tá tudo controlado, doutor. O senhor me ajudou quando eu precisei, vou ajudar o senhor agora. - Disse se levantando e se despedindo.
Mal ele saiu de minha sala e meu celular tocou. Olho na tela e vejo um nome que poderia fazer toda a diferença “Agenor - Cliente”. Atendi:
- Alô!? Agenor?
- Fala, doutor. Como é que tá?
- Vou bem, Agenor. Melhor agora que estou falando com o amigo.
- Doutor, o senhor não imagina o que aconteceu?
- Não mesmo, Agenor, mas deve ser sério para você ter me ligado.
- Maior loucura, doutor. O Brunão não chama Bruno; o nome dele é Diogo Bruno.
- Como é que é, Agenor? Mas é aquela cópia do documento que você me enviou?
- É falsa, doutor. - Disse, rindo: - O Brunão chamou toda a galera aqui para fazer uma reunião e explicar o “incidente” do final de semana. Daí ele inventou uma estória aqui que estava fazendo uma “festinha” com uma biscate mais uns amigos dele, quando o marido chegou e arrebentou ele.
- Sei. Legal essa versão dele, hein!?
- Pois é. Daí a menina que deu o nome para registrar o bar falou que ia ligar para a polícia e ele não deixou. Disse que de forma alguma aquela estória poderia vazar porque ele já tinha sido acusado antes de ter estuprado uma mulher e que teve que mudar de cidade umas três vezes, e não queria que revirassem seu passado.
“Filho da puta!”, pensei. Então realmente minha suspeita estava correta. Ele fazia isso com frequência, mas já tinha dado errado antes:
- Caramba, hein, Agenor! Agora fala pra mim que você pegou o nome completo dele e as cidades onde ele já passou. - Pedi, quase implorando.
- Peguei mesmo, doutor. Anota aí. - Me passou os nomes que anotei com grande esperança de ter achado, enfim, a telha trincada que me faria derrubar o gatinho do telhado.
- Boa, Agenor! Me fala outra coisa: por acaso você não sabe o nome dos dois amigos que estavam com ele naquele dia? - Perguntei.
- Só sei os apelidos: “Sujão” e “Boa Pinta”. Eles moram num estacionamento aqui perto. Aliás, moravam. O “Sujão” morreu há uns três dias, num tiroteio que teve aqui e o “Boa Pinta” está internado e não sei se vai escapar.
“Bem... Justiça Divina é algo inesperado, mas também bem-vinda!”, pensei:
- Que pena, hein, meu amigo!? Mas foram muito boas informações. Continua de orelha em pé e se souber de mais alguma coisa, me dá um toque. Depois dou um jeito de te mandar um “agrado”.
- Que é isso, doutor!? Estou fazendo pelo senhor mesmo…
Despedimo-nos e já liguei para o Palhares. Ele precisava saber das novidades. Mal me atendeu e já deu más notícias:
- Doutor, a notícia não é boa! A CNH do elemento é falsa. Tentei puxar o “cabrito” aqui, mas deu em nada.
- Palhares, manera aí. Não gosto de tratar certos assuntos por telefone.
- Fica tranquilo, doutor. Estou sozinho e a linha é segura.
- Então… Acabei de receber uma ligação de uma fonte que está me ajudando e soube que o Brunão usa nome falso porque já teve problema com a Justiça antes, estupro mesmo, Palhares! - Falei, feliz.
- Filho da puta, hein!? Conseguiu o nome, doutor? - Perguntou.
- O nome e as cidades por onde ele já passou, Palhares. Anota aí. - Passei as informações para ele e conclui: - Ah, tive notícia dos outros dois também. Um já foi visitar o capeta e outro está a caminho. Parece que se envolveram num tiroteio e se ferraram.
- Putz! Nem vou ter chance de corrigir eles… - Lamentou Palhares, rindo.
- Pois é. Acho que vamos ter que concentrar toda a raiva só no Bruno.
- Peraí, doutor. Deixa só ver se consta alguma coisa aqui… - Disse e o telefone ficou mudo por alguns segundos: - Doutor, se não tiver informação errada, o cara tem sete processos criminais mesmo, todos por violência sexual e violência contra a mulher, tem até dois com mandado em aberto… Maior sujeira ele.
- Tá, mas e agora? Qual o próximo passo? - Falei enquanto andava de um lado para o outro na minha sala.
- Vou entrar em contato com as delegacias de lá e confirmar se o nosso “Brunão” é o mesmo deles e, se for, já vou passar o endereço. Daqui a pouco eu te ligo.
Desligamos e fiquei ainda mais ansioso. A notícia tinha sido melhor do que esperava. Eu já imaginava que aquele filho da puta devia fazer com outras o que fez com a Nanda, mas a ponto de ter denúncia, processo já tramitando e mandado de prisão em aberto! Essa notícia me deixou realmente feliz, feliz e ansioso. O tempo começou a passar mais devagar e as notícias não chegavam. Por óbvio, fiquei agitado. Não sei que horas, meu telefone tocou:
- Alô!? Palhares? - Falei, ansioso.
- Palhares!? Você tá louco, “Mor”? Sou eu… - Respondeu Nanda, rindo do outro lado da linha.
- Ah, desculpa. É que estou esperando uma ligação e acabei atendendo no embalo.
- Você não vem almoçar? Já está quase na hora de levar as meninas para a escola e eu não sei se vou eu, ou se espero você.
Só aí me dei conta do horário. Até estava com fome, mas a ansiedade acabou suprindo minha necessidade naquele momento:
- Nanda, você leva as meninas? - Perguntei.
- Levar, eu até levo, mas você sabe que meu carro está engasgando. Posso acabar ficando no meio do caminho.
Não adiantaria eu ficar esperando o retorno do Palhares ali agora. Então, decidi ir para casa, levar as meninas para a escola e depois voltar para almoçar, afinal, como diz o caipira “saco vazio não para em pé”. Nanda, como toda mulher, sentiu que alguma coisa estava acontecendo e ficou me encarando enquanto eu comia feito um animal faminto:
- Você vai engasgar… - Falou.
- Desculpa, mas estou com pressa. - Respondi e voltei a comer.
- O que que está acontecendo?
- Nada, não. Só assuntos profissionais.
- Mark.
- Mas são assuntos jurídicos mesmo. Nada com que se preocupar.
- Mark!
Vi que ela não iria me deixar em paz, então abri o jogo e contei tudo o que estava fazendo e o que havia descoberto sobre o Bruno ou Diogo, e que possivelmente ele poderia ser preso em breve. Ela me olhou surpresa com as informações e, por um momento, vi tristeza em seu olhar. Não me contive:
- Você está com pena dele, Nanda?
- Não sei se é pena. Eu… Eu realmente não sei. - Respondeu, desviando o olhar.
- Nanda, esse cara mexeu com você, não foi?
- Ah, Mark, eu sei lá. Às vezes, eu penso nele; às vezes tenho raiva, noutras vezes, não sinto nada… - Dizia, sem me encarar.
- Tesão? - Perguntei e complementei: - Não estou perguntando para te criticar, só para eu tentar entender para te ajudar a superar.
- Não vou mentir pra você! Já cheguei a sonhar com tudo o que aconteceu, mas de uma forma mais suave, sem violência, e acabei até ficando excitada porque no meu sonho você assistia e curtia tudo. Sei lá… Acho que isso tudo mexeu comigo realmente. Desculpa…
- Não estou te culpando de nada. Tem alguma coisa que eu possa fazer para você superar isso que não envolva o Bruno te comendo? Qualquer coisa?
- Não sei. Realmente não sei. Acho que, com o tempo, isso vai sair da minha cabeça…
- Deixa eu falar uma coisa que me ocorreu agora: e se a sua curiosidade, o seu tesão, não for pelo Bruno exatamente, mas pela situação que você vivenciou.
- Como assim? - Me perguntou, enquanto me encarava, curiosa.
- Pensa bem: você é uma mulher liberada e ativa sexualmente, e se você ficou na expectativa de terminar o sexo grupal que havia começado a experimentar e que seria uma experiência nova na sua vida?
- Será? Não, seria muita loucura.
- Por que? Por que você ficou curiosa de terminar uma transa com três homens diferentes de seu marido ao mesmo tempo e que seria excitante para ambos?
- Não, não. Isso seria muita loucura. Não acredito nisso. - Disse, se levantou para pegar um copo de água e depois me perguntou: - Mas e se fosse?
- Se for esse o caso, a gente poderia, com o tempo, muita certeza e segurança, tentar ajustar um esquema para você “matar” essa vontade. Só não aceito que seja com ele! - Frisei.
- Com ele eu nem quero, por Deus! - Falou.
- Mas e com outros?
- Ah, Mark, não sei. É uma ideia muito louca, mesmo… Acho que não tem nada a ver. Vamos esquecer disso, tá bom? - Falou, terminando de beber a água e mudou de assunto: - Quando você vai ter resposta da prisão dele?
- Espero que ainda hoje, porque não estou conseguindo segurar a ansiedade.
Terminado meu almoço voltei voando para o escritório. Dessa vez eu trazia na bagagem esperança de que Justiça efetiva pudesse ser feita. Nanda fez questão de vir comigo, acho que a expectativa começou a afetá-la também. Sentou-se numa poltrona na antessala de espera no aguardo de notícias. Assim passaram-se uma, duas horas e nada de retorno do Palhares. Nanda veio saber das “novidades” e nada pude informar. Saímos então para tomar um capuccino numa cafeteria próxima. Sim, mineiros também variam o café às vezes:
- Essa angústia está me matando. - Ela disse.
- Infelizmente nossa Justiça é bastante lenta. Mas essas questões criminais costumam se resolver com certa agilidade. Se não hoje, nos próximos dias ele deve ser preso. - Falei.
- Mas e se os amigos dele vierem atrás da gente?
- Não há perigo, Nanda. Tenho um informante dentro do bar daquele animal que inclusive me falou que aqueles dois barbudos se envolveram num tiroteio e um deles já desceu o barranco e o outro está quase seguindo atrás. - Tomei um gole do meu café e continuei: - Além disso, estou fazendo tudo por baixo dos panos, sem envolver os nossos nomes. Para todos os efeitos, quem descobriu ele foi um investigador daqui, que me devia um favor e o coloquei na jogada.
- Você falou da gente? - Perguntou, claramente nervosa.
- Não. Não falei. Disse que uma cliente minha havia passado por toda aquela situação, mas que não queria denunciar pelos mesmos motivos que você me argumentou. Então, ele tomou as dores e está ajudando a pegar o cara.
- Gente. Isso parece enredo de novela…
- E não é?
Terminado nosso café, voltamos para o escritório. Perguntada, minha secretária disse que ninguém havia ligado. A ansiedade já estava me corroendo, então liguei na delegacia e soube que ele havia saído em uma diligência, mas não me deram detalhes. Já estava perdendo as esperanças de que alguma coisa fosse acontecer naquele dia.
No finalzinho da tarde, quando eu já estava desligando os equipamentos e fechando o escritório, recebo uma ligação. Na tela do meu celular surge a informação “Agenor - Cliente”. Atendi, ansioso:
- Alô!? Agenor?
- Fala, doutor? Tenho que te dar uma notícia que acho que vai gostar. O Brunão acabou de ser preso.
Fui correndo até a porta de minha sala e com a mão, gesticulando, chamei a Nanda para dentro, que veio correndo, e fechei a porta atrás de nós:
- Mas como que foi isso, Agenor? Não estou entendendo… - Simulei, já abrindo um imenso sorriso no rosto.
Nanda me encarava curiosa. Então, apoiei o telefone no ombro direito e fim uma espécie de “cerquilha” cruzando os dedos médios e indicadores de minhas mãos, indicando prisão. O interessante é que ela não sorriu num primeiro momento, parecendo, na verdade, ter ficado incomodada com a situação:
- Me explica melhor isso tudo, Agenor? - Perguntei.
- Então, doutor. A gente estava lá arrumando tudo para as atividades daquela noite, quando quatro viaturas da polícia pararam na frente do bar perguntando pelo Brunão. Quando dissemos que iríamos chamá-lo, nem deixaram a gente fazer mais nada. Reuniram a turma perto do barzinho e eu, como chefe da segurança, levei os “homi” até o escritório. Ele nem reagiu, também nem conseguiria quebrado do jeito que estava. Vi quando disseram que ele estava sendo preso por uns mandados de prisão em aberto.
- Cê tá brincando? Mas e a cara dele? Me fala… - Eu precisava de mais detalhes.
- Doutor, pior é que ele pareceu conformado. Não gostou, é claro. Mas não discutiu nem reagiu. O pior o senhor ainda não sabe: ele disse que tinha que pegar uns documentos pessoais numa gaveta para levar na delegacia e os policiais não deixaram, porque disseram que poderia ser uma arma. Então, o algemaram e colocaram sentados no sofá. Quando o policial foi abrir a gaveta para pegar o documento para ele, achou umas fotos das mulheres que ele “pegou”...
- Fotos? - O interrompi, gelando na hora. “E a Nanda estivesse lá!?”, pensei, enquanto a olhava, preocupado.
Nanda estranhou a mudança de meu semblante, mas por eu ter repetido a palavras “fotos” entendeu que eu podia ter cometido um erro:
- Pois é. O filho da puta, além de fazer o que fazia, tirava fotos das mulheres depois que “acabavam” com elas, todas peladas, arreganhas, gozadas. Vi por cima umas dez fotos, mas tinha muito mais, e, umas três ou quatro, eu reconheci daqui da cidade. Duas são filhas de vereadores e tem jeito de ser “de menor”... - Falou, riu e continuou: - E o bicho é tão burro que ele fazia questão de posar junto delas nas fotos.
- Que merda, hein!? - Respondi, agora claramente preocupado.
- Pois é… Mas não vi da sua amiga no meio dessas, não. Acho que ele só tirava depois que terminavam tudo.
- Entendi.
- Daí, sem querer, uma policial que estava lá junto “esbarrou” no rosto dele, mas foi sem querer, nas cinco vezes… - Disse, gargalhando e após se recompor, continuou: - Então, levaram ele, fecharam tudo, lacrando com corrente e cadeado, e disseram que o bar só poderia ser reaberto com autorização judicial.
- Bom, Agenor, eu sinto muito por vocês. Sei que precisam do emprego, mas ele merecia.
- Fica tranquilo, doutor. Eu já tinha feito um “acerto” aqui.
- Que bom, Agenor. Se souber de mais alguma coisa, me avisa depois.
- Falo sim, doutor. Até mais.
- Até.
Quando desliguei, Nanda me olhava com cara de curiosidade, mesclada com tônicas de preocupação. Resumi toda a conversa que tive e falei das fotos:
- Ai, Mark. Olha a merda em que você nos meteu? - Começou a choramingar.
- Fica tranquila. O Agenor me disse que você não estava no meio das fotos. Aparentemente ele só as tirava depois que “acabavam” com as mulheres. Acho que era um tipo de troféu. E ele é tão burro, mas tão burro, que tirava a foto junto das mulheres. Agora é que ele vai se ferrar de verde e amarelo.
- Ah, meu Deus. E se tiver foto minha lá? - Insistiu.
- Não tem! Esqueceu que eu parei o estupro antes dele terminar? Ele nem teve chance de pensar em tirar foto sua. - Falei, colocando minha mão sobre as dela e continuei: - Mas se eles tivessem terminado com você, certamente teria uma fotinha sua lá, pelada, arregaçada, gozada e com a carinha daquele filho da puta.
- Mas que filho da puta! - Falou agora rangendo os dentes: - Espero que apodreça na cadeia!
Na verdade, pela minha experiência, eu sabia que ninguém apodrece na cadeia no Brasil. No máximo, naquela época, ele poderia ficar preso por uns trinta anos e depois sairia, mas, na verdade, com os imensos benefícios de nossa legislação, dificilmente ficaria tanto tempo. O problema é o que ele passaria na prisão, já que estupradores são visto como lixo pelos outros presos e, ou são mortos, ou viram “mulherzinha” de toda a galera. De uma forma, ou de outra, ele iria pagar:
- Também se tiver uma foto minha, ninguém me conhece, sou de outra cidade e nunca estivemos lá antes. Acho que ninguém vai conseguir me achar, não é? - Ela própria completou.
- É isso aí. Risco inexistente. - Respondi, torcendo para estarmos certos.
Curiosamente, naquela noite uma calmaria, uma paz, uma leveza se instaurou em nossa casa. Depois de sairmos do escritório, passamos na escola para pegar as meninas e depois de banho tomado, decidimos sair para comemorar as “boas novas”. Estávamos os dois mais felizes e tranquilos, e essa tranquilidade foi repassada inconscientemente para nossas filhas que eram só sorrisos. Brincamos, nos divertimos muito naquela noite. Faltava apenas dar tempo ao tempo para realizar os exames restantes e termos certeza de que Nanda não havia sido infectada com nenhuma doença, e essa verdade chegaria em breve.