Seria cômico se eu não estivesse cagado de medo. O Arthur e eu, sem cueca, descendo as escadarias da mansão. Estava na frente guiando o caminho, já com uma flecha preparada para qualquer ameaça. O meu maior problema é controlar a respiração, isso para um arqueiro é fundamental, porém, nós não fazemos ideia do que nos espera.
Eu não tinha reparado na magnitude do local. Alguns quadros na parede chamaram a minha atenção, a maioria estava estragado pelo tempo, outros eram apenas feios demais. Os móveis pareciam velhos e sujos. O Arthur apontou para o chão. Uma enorme mancha de sangue, que, com certeza, era recente.
Algumas pegadas indicavam o local para onde o zumbi seguiu, a cozinha. Com todo o cuidado, o Arthur desviou do sangue e fechou a porta, dessa vez, trancando para não sermos pegos de surpresa. Respirei fundo e segui para o outro cômodo, uma espécie de sala de jantar. A mesa estava posta. Será que os donos fizeram uma festa no último dia?
"Parabéns, Kamille", dizia algumas letras pregadas na parede com um barbante. Sob a mesa, um bolo de aniversário, ou o que sobrou de um, mostrava que a Kamille completou 9 anos. Tadinha. Espero que tenha conseguido sobreviver a epidemia. Hoje, ela seria uma mulher adulta. Uma pena.
Uma barulho vindo da cozinha quase me fez gritar, sério, tive que segurar o grito. Seguimos o som. O Arthur pede para que eu fique em posição de ataque, enquanto, ele abre a porta. Para a nossa surpresa, um homem está se transformando em zumbi. Puta que pariu. Eu odeio os atletas. A transformação demora alguns segundos, o suficiente para que eu lance uma flecha bem no meio da cabeça dele.
Não temos nem tempo de comemorar, uma mulher aparece gritando e ataca o Arthur, que cai no chão buscando uma maneira de se defender. Outra atleta, mas essa consegue continua falando, mas coisas completamente desconexas.
— As bruxas vão dominar o mundo! — grita a zumbi, antes de vomitar uma massa vermelha em cima de Arthur.
— Filha de uma puta! — grita Arthur, socando a mulher que cai desmaiada. — Leprosa. — pegando um machado e arrancando a cabeça dela.
— Você está bem? — questionei fazendo cara de nojo.
— Já tive dias melhores. A vadia quase vomitou na minha cara. — reclamou Arthur, limpando a massa vermelha do peito.
— Acho melhor você se limpar na chuva. Eu vou verificar se todas as saídas estão trancadas. Esses dois acabaram de se transformar. Devem ter outros pela região. — sugeri, pegando outra flecha e me preparando para verificar o perímetro.
Eu continuo a missão sozinho. Porque esse lugar tem tantas janelas? Fecho todas as 20 cortinas e bloqueio todas as portas. A chuva continua a cair forte e não existe possibilidade de deixar a casa. Eu já deveria ter me acostumado com os zumbis, né? Porém, eles me deixam em pânico. Precisa ter um controle emocional enorme para não dar um tiro na própria cabeça devido a esses horrores.
O local possui uma biblioteca gigantesca, que me deixa atônico. Boa parte dos livros são de um autor chamado Bernardo Serafim. São histórias de fantasia e magia. Eu roubo um dos livros para a minha coleção. Eu sei que não devo carregar coisas além da conta, mas o título me chamou a atenção.
— Em busca do tesouro perdido? Deve ser interessante. — comenta Arthur chamando a minha atenção.
O Arthur está parado, encostado em uma das estantes da biblioteca. Ele está molhado. Graças a Deus tirou o vômito vermelho de seu corpo. Sabe o que me chama a atenção? Sua cueca branca, que mostra toda a formosura de seu pênis. É possível ficar excitado depois de matar dois zumbis? Bem, a resposta é sim.
Passamos o dia transando. Ok. Devemos estar quebrando alguma regra militar, mas é inevitável não transar com o Arthur. Parece que ele tem um poder enorme sobre mim. As minhas pernas tremem só de ficar perto dele. O meu coração parece uma bomba nuclear pronta a explodir.
Fazemos sexo em todas as partes da casa. Parecemos dois malucos. O Arthur é implacável. Ele não se cansa. É como se fosse um touro no cio. Eu, claro, aproveito toda essa tensão sexual que existe entre nós. Se alguma coisa der errado na missão, pode ter certeza que aproveitamos até o final.
Aos poucos, a tempestade vai acalmando e, até mesmo, os pássaros passaram a cantar do lado de fora. Colocamos as nossas roupas em uma varanda no segundo andar. Espero que tudo fique seco e a chuva não caia mais. Não tenho psicológico para andar com as botas molhadas.
Damos uma última checada na mansão. Pegamos tudo o que pode ser útil para a missão. Só não contei para o Arthur sobre o livro que roubei da biblioteca. Espero ter a oportunidade de lê-lo depois que a missão acabar. Literatura é uma das últimas formas de expressão artística que sobrou da sociedade antiga, por isso acho tão precioso.
O caminho agora é diferente. Sai o cenário paradisíaco e entra a floresta. No percurso ouvimos alguns barulhos estranhos, mas ignoramos. Não podemos dar mole, seja para algum infectado ou animal selvagem. De acordo com as coordenadas, faltam pouco para alcançarmos a torre. Estou nervoso, uma vez que não sabemos os perigos que nos aguardam. Principalmente, com a nova forma dos zumbis. Eles estão inteligentes. Que merda.
O Arthur faz um sinal com a mão. De repente, alguma coisa corre a nossa frente. Pego o arco e preparo uma das flechas. Uso o silêncio ao meu favor. Escuto as folhas secas quebrando, mas não tenho ideia do que seja. Enquanto uso a concentração, o Arthur segura um facão em modo de ataque.
Fecho os olhos para me concentrar nas pegadas e solto a flecha. Só escuto um grunhido baixo. Nos aproximamos, ainda em posição de defesa, mas, logo relaxa quando percebo que é um coelho. Caramba, esse bichinho quase me fez ter um ataque do coração. Pelo bem ou pelo mal, no fim das contas, garanti uma janta diferente para nós.
Aproveitamos um córrego que desagua no mar para esfolar o coelho e separar a carne. Usamos um saco plástico para preservar a carne, mas não podemos demorar muito, pois pode apodrecer. Essas são as desvantagens de morar em um mundo pós-apocaliptico.
— Você acha que vamos conseguir ligar a torre? — questionei, andando um pouco atrás de Arthur, que usa o facão para cortar algumas plantas.
— Espero que sim. A Beatriz explicou que um grupo de zumbis está seguindo para o porto. Daqui dois dias, o navio vai ancorar e uma desgraça pode acontecer. — revelou Arthur.
— Essa informação eu não sabia. — soltei, talvez, ficando mais chateado do que deveria ficar. — Temos que evitar esse massacre.
— Uma equipe da IBDT está seguindo o navio. Outra equipe está atrás de nós. — Arthur contou.
— Tem reforço vindo? — questionei, limpando o suor do meu rosto.
— Sim. Só que eles estão em outra rota.
— Ou seja, somos a isca? — perguntei, mas o Arthur não respondeu. — Arthur, — o chamei. — nós somos a isca?
— Somos, Cristian. Somos a isca. — Arthur respondeu de maneira ríspida.
— Você está chateado? Eu fiz algo?
— Você não reparou? — ele perguntou, agora, olhando para os lados.
— O quê? — eu quis saber, confuso e olhando em volta também, mas só vendo mato.
— Desde o córrego estamos sendo seguidos. — alertou Arthur, que ficou em posição de defesa, quando um homem saiu correndo do meio da mata e nos atacou.
— Arthur! — gritei, mas senti alguém tocando no meu ombro.
— Atrás de ti, seu imbecil. — me socando.
Um soco foi o suficiente para me derrubar. Ainda conseguia ouvir a voz do Arthur. Ele gritava o meu nome, mas não tinha forças para levantar. Aos poucos, eu apaguei. "Não", grito ao acordar. Eu não entendi direito o que aconteceu, só que estou preocupado com o Arthur. Estou pendurado de cabeça para baixo e as pernas estão presas em um gancho.
A minha visão está turva, entretanto, sei que estou dentro de uma caverna. O local tem um cheiro forte e pouca iluminação. Tento mover o meu corpo, mas nada acontece. Respiro fundo e busco uma maneira de me soltar. A minha visão se acostuma com a baixa luminosidade e consigo enxergar alguns objetos próximos a mim.
Os mosquitos estavam fazendo festa com o meu corpo. Eu queria sair mais pelas picadas do que outra coisa. A minha frente havia uma mesa cheia de ferramentas, a maioria com sangue. Quem são essas pessoas? Canibais? Meu Deus, o que aconteceu com o Arthur? São muitas perguntas e poucas informações.
Uso o meu corpo como um pendulo. Estico as mãos, que também estão presas, na intenção de alcançar alguma das ferramentas. O barulho do gancho mexendo me deu agonia, entretanto, eu não poderia desistir. Acho que coloquei muita força, pois acabo caindo no chão e bato a cabeça forte.
Dou um grito abafado. Nunca senti tanta dor na vida. Levo alguns bons segundos para recuperar o folego e levanto com dificuldade. Aparentemente, o gancho não aguentou o meu peso. Pego uma faca e a utilizo para liberar minhas mãos. Em seguida, corto as cordas que prendem os meus pés.
— Droga, onde estão as minhas armas? — pensei, ficando de joelhos no chão. — Arthur, cadê você?
De repente, dois homens entraram na caverna. Eles seguravam uma mulher, que lutava para fugir. Ligeiro, eu corri para trás de uma mesa e orei para não ser encontrado. Os dois brutamontes riam do desespero da moça, que gritava e implorava pela sua vida. Eu tinha que ajuda-la, mas os homens tinham o dobro do meu tamanho. Eu precisava do Arthur. Eu me sentia tão indefeso sem o Arthur.
— Coloca ela na mesa. — pediu um dos homens, que caminho até próximo de mim e pegou um machado.
— Não! — gritou a mulher aos prantos. — Não! Eu imploro. Não.
— Cala a boca, porra! — esbravejou o homem, cortando o braço da mulher com o machado.
— Não. — sussurrei, tapando a minha boca com as mãos. — Não. — pensei, fechando os olhos e querendo desaparecer dali.
Os barulhos do metal cortando a pele, carne e ossos daquela mulher ficaram ecoando dentro da minha cabeça. Eles não tiveram pena. Os homens cortaram os braços e pernas da moça. Depois, jogaram os membros dentro de um carrinho de mão e saíram da caverna. Não pensei duas vezes e andei em direção a saída, porém, fui impedido por uma voz feminina.
— Me ajude. — pediu a mulher, que continuava viva.
— Moça, eu...
A cena não podia ser mais chocante e perturbadora. A mulher estava pelada e uma quantidade absurda de sangue saia de seus membros decepados. Sua pele parecia mais branca que o normal e a boca com uma coloração roxa. As minhas pernas começaram a tremer e lágrimas escorriam pelo meu rosto.
— Me mata. — ela pediu com uma voz fraca. — Pega essa faca e me mata.
— Moça, a gente precisa achar o Arthur. — falei em choque, me aproximando.
— Eu não aguento mais. Eu só quero morrer. Pega a faca, por favor. Pelo amor de Deus. — a mulher parecia certa da decisão.
— Eu. Eu. — não sabia o que dizer, então peguei a faca, mas não encontrava forças para matá-la.— Eu sinto muito. Sinto muito. — disse, correndo em direção a porta, mas esbarrando em um dos homens.
— Que porra é essa? — questionou o psicopata me pegando pelo pescoço e apertando forte. — Você vai dar trabalho igual ao outro. — me lançando contra uma pedra.
— Para! — gritei.
— Porra, até essa vagabunda aguentou mais que tu. Eu vou te esfolar vivo, caralho! — ele partiu para cima de mim. Novamente, pegou em meu pescoço e apertou forte. Ele era tão forte que me ergueu contra a parede.
— Me solta. — pedi com dificuldade. O ar estava faltando em meu pulmão. Eu não tive outra escolha. — Aaaaah! — furei a cabeça do homem com a faca, então, ele me soltou.
O homem cambaleou e caiu no chão. Ele fez menção de levantar, mas acabei pegando a faca e desferindo vários golpes contra seu corpo. Eu não fazia ideia do que estava fazendo, apenas o ataquei. Perdi a conta de quantas facadas desferi. O sangue jorrou em meu rosto e meio que sai do meu corpo.
Andei em direção a mulher, que chorava copiosamente. Ela implorou para ser morta. Ela desejava aquilo. Peguei o machado, segurei e, apesar das mãos tremulas, tirei o sofrimento da moça. Cai de joelhos no chão e chorei. Em menos de 20 minutos matei duas pessoas.
— Que porra é essa? — gritou o segundo homem.
Com a machado em mãos, levantei e andei na direção dele. Não estava com medo. Estava com ódio. Ele tentou usar as mãos para se defender, mas fui implacável. A mão esquerda dela voou longe, em seguida, decepei a direita. O homem ficou se debatendo no chão. "O que me tornei? Quem sou eu?", pensei, antes de cortar a cabeça dele fora.