NARRAÇÃO: CRISTIAN
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Neste mundo qualquer mudança pode representar um tipo de perigo. O Arthur caminha lentamente para perto da Van. O veículo é enorme. Ele é preto com detalhes amarelos nas laterais, uma espécie de losango. Tenho uma flecha preparada para qualquer situação.
Na verdade, a minha cabeça ainda está uma bagunça devido aos acontecimentos da caverna. Eu não acredito que matei pessoas a sangue frio. E, infelizmente, não pude evitar a morte da mulher. Fico pensando na história dela. Quais fatores a levaram para aquela morte horrível.
Não contei para o Arthur, mas a escuto gritar. É um grito triste e desesperador. Ontem de madrugada, acordei ofegante, pois tive um pesadelo com a mulher. Eu só não posso me desestabilizar agora. Existem pessoas que contam com essa missão, principalmente, o meu namorado.
Volto a atenção ao automóvel. O Arthur avança e constata que não tem ninguém. Isso me faz relaxar um pouco mais, só que continuo com o arco em riste. A minha mão está firme e a pontaria preparada.
— Tudo limpo, bebê. — Arthur anuncia, colocando o facão no coldre. — De quem será esse caminhão. Ele é novo. Eu pensei que a gasolina estivesse extinta. — tentando abrir a porta, mas sem sucesso.
— Realmente, a van se destaque entre os carros antigos. Será que a pessoa não conseguiu seguir? — questionei, baixando o arco, mas ainda em posição de ataque.
— Bem. Só tem um jeito de descobrir. — disse Arthur, tirando um arame do bolso e se posicionando do lado da porta do motorista. — Saudades de arrombar portas. — dando uma risada.
— Olha só, o meu namorado ficou cheio de segredos depois que recobrou a memória. — brinquei, porque sabia que o Arthur estava preocupado comigo e queria passar o máximo de segurança pra ele.
— Você vai me conhecer melhor, bebê. Eu prometo. — ele garantiu, voltando a atenção para a fechadura.
Que habilidade. Eu nunca teria condições de fazer tal coisa. O legal de observar o Arthur é notar sua paciência e destreza para finalizar qualquer tarefa. Uma gota de suor escorre pelo seu rosto, mas ele se mantém focado no serviço. A primeira tentativa não dá muito certo, entretanto, o Arthur não desiste e consegue abrir a porta da van.
A pessoa que estava dirigindo o veículo não deixou muita coisa para trás. Apesar de abrir a porta, ainda havia uma espécie de grade nos separando da parte interna da van. Assobiando, o Arthur saiu e seguiu para a traseira do automóvel. Ele se agachou, pegou o arame e voltou a seu passatempo favorito: arrombar portas.
Dessa vez, o Arthur conseguiu de primeira e ficamos surpresos com o material que encontramos.
— Isso são armas? — perguntou Arthur de maneira confusa. — Armas não são fabricadas há anos. Como assim? — segurando uma pistola na mão.
— Cacete. — pegando uma besta, a versão melhora do arco e flecha. — Olha essas flechas, Arthur. — apontei para uma caixa com dezenas de flechas diferentes.
— Elas têm efeito? — segurando uma flecha com um símbolo de fogo na ponta. — Deve ser explosiva. Cris, isso pode ser de suma importância para nós. Precisamos manter essas armas em segurança. Assim que acionarmos a comunicação avisamos a equipe da IBDT.
— Podemos esconder em um dos carros abandonados. — sugeri, pegando uma das caixas e levando para um carro cinza, que estava tomado por vinhas e cipós.
Levou um bom tempo para esconder todas as caixas. O Arthur parecia uma criança no parque de diversões. Ele escolheu uma escopeta, metralhadora e munição para ambas. Eu, por outro lado, fiquei com a besta e três variações de flechas (explosiva, elétrica e expansiva). Trancamos a van e seguimos viagem.
Quase cinco quilômetros depois, chegamos a uma estrada de terra. Para piorar, o frio voltou a incomodar, mas não havia tempo a perder. Quando dobramos uma curva, o Arthur parou, eu quase o "atropelei", mas consegui parar a tempo e cambaleei para o lado.
— Lá está ela. — Arthur apontou para frente.
Ca-ce-te! A torre era enorme. Tão grande que a ponta estava encoberta pelas nuvens. Eu não fazia ideia de que ela seria tão alta. Eu olhei para o Arthur, que consente com a cabeça e seguimos em direção a missão. Resolvemos subir um morro para observar a região, apesar de estar com armas novas, ainda não sabíamos a quantidade de inimigos.
— O que o Q.G passou foi que a maioria dos novos zumbis estavam seguindo para um porto. A ideia deles é infectar os passageiros do Nova Amsterdam. — explicou Arthur, pegando os binóculos e verificando a entrada da torre.
Realmente. A gente contou 14 pessoas ou zumbis, sei lá. Eles agiam normalmente. Conversavam entre si, riam e até dançavam, mas os seus rostos estavam horríveis. Haviam bolhas e secreções escorrendo de todos os lugares.
— A melhor coisa é agir furtivamente, amor. Precisamos pegá-los separados. — sugeriu Arthur, colocando os binóculos na mochila.
— Você que manda.
— Vamos imobilizar os guardas do portão. Em seguida, você ataca o restante com flechas elétricas. São 14. Vamos dar conta. — ele assegurou, logo, eu também acreditei.
Seguimos cada um de um lado e usamos os arbustos como camuflagem. Os guardas conversavam sobre uma rebelião. Eu queria ouvir mais, só que o Arthur se posicionou e deu um sinal de positivo. Peguei a faca e sem qualquer cerimônia enfiei na cabeça do guarda, enquanto o outro era estrangulado pelo Arthur.
Peguei o corpo dele e levei para a área de arbusto. O odor que vinha do defunto era nauseante. Eles já estavam mortos? Sou trazido dos devaneios com um assobio do Arthur. Aquilo indicava a parte dois do plano, ou seja, matar o resto dos zumbis/humanos. Pego o meu novo brinquedinho e coloco uma flecha elétrica.
Eu havia treinado antes e, cara, eu amei a eficácia da arma. O papai sempre dizia que a arma é apenas uma extensão da coordenação de seu dono. Nem preciso dizer que sou habilidoso com o arco e flecha, por esse motivo, peguei as nuances da besta em questão de horas.
— É o seguinte, você me cobre, beleza? — avisou Arthur, engatilhando a escopeta e dando um chute no portão, que caiu e chamou a atenção dos outros zumbis.
Por causa do clima chuvoso, os zumbis passam por cima de algumas poças de água. Aproveito o descuido para lançar uma flecha elétrica que paralisa os monstros. O Arthur aproveita para explodir algumas cabeças. Troco para a flecha explosiva e faço um estrago em dois zumbis. Eles somem em uma nuvem rosa de sangue e tripas. Olho para o Arthur incrédulo com o poder destrutivo da pequena flecha.
Com a arma carregada, Arthur segue na frente e destrói mais monstros. Estamos a poucos metros da torre. Falta pouco para a missão ser concluída. Quer dizer, um homem enorme aparece segurando duas espadas. Sério, que tipo de pessoa usa espada? O corpo dele é cheio de furúnculos e pus, com certeza é um dos novos zumbis.
— O que vocês querem? — o homem questiona, passando uma espada na outra. O atrito entre as lâminas causa uma pequena faísca.
— Arthur? — questiono em pânico.
— Fica atrás de mim. — ele pediu, sacando a arma e apontando na direção do monstro.
De maneira ágil para o seu tamanho, o homem nos ataca. Por sorte, eu consigo desviar da primeira investida. Ele fica ofegante e dá um grito. A atitude dele desperta alguma coisa dentro de mim, lembro da mulher que foi morta na cabeça. Pego uma flecha expansiva, pois dois zumbis se aproximam por trás de nós.
Corro e atinjo o primeiro. É questão de segundos para a ponta da flecha abrir e expandir dentro da cabeça dele. A massa encefálica voa para todas as direções. Um zumbi me derruba no chão e a besta cai da minha mão. Luto com o morto-vivo, que profere diversos palavrões para mim. Seu cheiro, assim como o dos outros, faz o meu estômago revirar.
O coitado do Arthur está lutando para salvar a própria vida. Aparentemente, a pele do monstro era indestrutível. Eu não podia distraí-lo. Teria que resolver o meu próprio problema. Lembro da faca no meu coldre. Uso um braço para impedir o zumbi de chegar perto. Em um ato rápido, pego a faca e furo a sua cabeça. O homem cai, finalmente, morto em cima de mim.
Com os pés, o empurro para longe de mim. Rastejando no chão alcanço a besta e uso uma flecha normal para matar o zumbi que quase acerta o Arthur com uma faca. Ele saca a metralhadora, porém, nada parece surtir efeito contra o monstro. Olho em volta buscando uma opção para mobilizar a fera.
Não muito longe dali, havia um guindaste que segurava algumas vigas de metal. Chamei a atenção do Arthur e apontei para o grande guindaste amarelo. Rezo para que o meu namorado tenha entendido o recado, mas não tenho tempo para enrolar mais e corro na direção do equipamento.
Aos trancos e barrancos, Arthur atrai a atenção do monstro, que utiliza as espadas com muita habilidade. Miro na base do guindaste, enquanto o Arthur direciona o zumbi gigante para um ponto mais acessível. Só que uma das espadas perfura a mochila dele e com a força da investida o Arthur é lançado contra a parede do guindaste.
— Agora! — ele grita, colocando a mão sob a cabeça.
— Atrás de ti, imbecil! — gritei chamando a atenção do bicho e atiro contra a base do guindaste.
A flecha atinge em cheio o alvo e a explosão faz com que as vigas de ferro caiam em cima do monstro, que tenta se defender, porém, não consegue desviar de todos. Um de seus braços é decepado e a espada cai no chão. No meio da confusão, eu não vejo o Arthur. O meu coração começa a acelerar mais forte.
Uma nuvem de poeira se levanta e não consigo uma visão clara da área. Tenho medo de me aproximar e ser atacado pelo monstro. Eu começo a chamar pelo Arthur, que não responde e o meu coração se transforma em um tambor.
— Arthur! — o chamo com medo de perdê-lo. — Arthur, não brinca comigo, por favor. — a minha voz fica embargada.
Aos poucos, a poeira vai baixando e vejo o meu namorado com o corpo encostado contra o guindaste e uma viga bem próximo dele, questão de centímetros. Corro em sua direção, aliviado, afinal, eu não saberia como continuar a missão.
— Amor, que susto. — reclamo, olhando para o monstro que está com a boca aberta e respira com dificuldade. — Vamos sair daqui.
— Caralho, bebê. Que pontaria perfeita. — ele pega na minha mão e leva em direção da ponte.
— Espera. — coloco mais uma flecha explosiva e miro na cabeça do monstro e atiro. — É melhor do que ele ficar sofrendo. — digo, sem ter coragem de olhar para o Arthur.
— Ei. — o meu namorado se aproxima e toca no meu rosto. — Tá tudo bem, amor. É nós ou eles. Isso não significa que somos os caras ruins, longe disso. Estamos com um propósito nobre. O destino das pessoas está nas mãos de dois caras gays e que se amam. Eu não poderia ter escolhido um parceiro melhor. — sou surpreendido com um beijo.
— Obrigado, Arthur. Obrigado por mais que eu sou capaz de coisas surpreendentes. — o beijo.
— Bem, agora respira fundo que temos uma subida no mínimo interessante. — o Arthur vira o meu rosto na direção da torre.
— Que venha a próxima fase. — digo, olhando para o nosso destino final.