NARRAÇÃO: CRISTIAN
**********
— Cristian, acorda. — pediu Arthur.
— Oi? — despertei assustado.
— Acorda, amor. Você vai se atrasar para o trabalho. — ele alertou.
— Trabalho?
Abri os olhos. E estava em um quarto que nunca vi antes. As paredes eram brancas e haviam alguns móveis espalhados pelo cômodo. Levantei, meio desconfiado, mas atento a tudo o que estava ao meu redor. O Arthur não se encontrava mais no quarto. Levanto e ando até a janela.
Uma lágrima escorre pelo meu rosto. Do lado de fora, a vida segue normalmente. Carros passam pela rua, pessoas transitam de um lado para o outro. Uma rotina longe da minha verdadeira realidade. O que está acontecendo? Eu limpo às lágrimas que insistem em sair.
— Arthur! — grito, após me sentir um pouco zonzo.
— O que foi amor? — ele questiona aparecendo só de toalha.
Arthur? Ele está diferente. Os cabelos estão grandes e uma barba bem feita desenha o seu rosto. O seu corpo está livre das marcas. Ele está lindo, mas de uma maneira diferente. Os músculos continuam no mesmo lugar, só que não existem mais as cicatrizes tão características dele. Nós nos olhamos por um tempo, eu não consigo enxergar o meu Arthur.
— Eu sei que vai parecer estranho, mas eu acho que vim parar na realidade errada. — comentei, esperando uma reação do Arthur, mas ele só riu de mim. Tive que esperar um tempo para poder comentar. — Estou falando sério.
— Ok. — Arthur limpou às lágrimas e respirou fundo. — E de qual realidade você vem?
— De uma realidade onde os zumbis invadiram a terra e vivemos em pequenas aldeias. — expliquei, cruzando os braços e me escorando na parede. — Eu não sei o que está acontecendo. — fico perdido pensando no que de fato está acontecendo comigo.
— Amor, pode ter sido um pesadelo. Calma. — Arthur me tranquiliza com um abraço. — Vai se arrumar. Vamos tomar café nos seus pais, esqueceu?
— Meus pais? — a informação caiu como uma bomba no meu colo, quase as pernas fraquejaram. — A minha mãe está viva?
— Claro. Ela é uma das cozinheiras mais aptas do Sul. Vamos, eu detesto mingau frio. — Arthur foi em direção ao banheiro e me deixou perplexo.
A minha mãe está viva. Eu, finalmente, vou conhecê-la de verdade? Depois de tantos anos olhando para uma fotografia, vou conhecer a minha mãe. Ainda nervoso abro o guarda-roupas e escolho as roupas que usarei em um dos momentos mais importantes da minha vida. Pego uma calça jeans azul, uma camiseta e um moletom branco. Coloco as peças com uma pressa ímpar e vou para a cozinha.
Que lugar é esse? Acho que somos ricos. A casa é ampla. Nada lembra a minha casa na Vila de São Jorge. Porém, a sensação que eu tenho é de não pertencimento. O Arthur transita pelos cômodos e não percebe que estou perdido. Apenas finjo costume e sento no sofá no aguardo dele.
Cara, e que sofá. Eu afundo no tecido cinza. Parece que estou recebendo um abraço dos deuses. A sala é um espetáculo à parte. As paredes eram brancas e cintilantes. Quadros com fotos em preto e branco davam um tom diferenciado ao ambiente. A televisão pegava quase toda a parede e haviam vários objetos eletrônicos que nunca vi antes.
De repente, uma espécie de esfera passa quase em cima dos meus pés. Sorte que eu consigo desviar e suspendo minhas pernas. O objeto passa duas vezes no mesmo lugar e segue caminho. Que merda?
— Vamos? — pergunta Arthur, pegando um molho de chaves em cima da mesa.
— Por favor. — digo, ficando em pé e desviando da esfera. — Os meus pais moram longe?
— Não, amor. Uns quinze minutos. — andando em direção a porta e saindo de casa.
A luz do sol me deixa desnorteado por alguns segundos. Há dois carros parados em frente a casa. Olho em volta e a vizinhança aparenta ser tranquila, algumas crianças correndo nas calçadas e poucos carros transitando. Essa é a sociedade antiga? Assim que as pessoas viviam antes da pandemia? Isso é maravilhoso.
No caminho, o Arthur conta algumas novidades do trabalho. Nesta realidade, ele trabalha como corretor de imóveis e conseguiu fechar um negócio gigantesco. Eu pergunto sobre o meu trabalho, e de acordo com o Arthur, que na verdade é meu marido, eu sou chefe em uma loja de departamento.
Loja de departamento? Nossa. Eu nem imagino comandando uma equipe de vendas, mas o "eu" desta realidade consegue. Seguimos por uma estrada movimentada. De repente, uma explosão enorme chama a atenção. Vários atletas (zumbis recém infectados) invadem a pista e o Arthur quase perde o controle do carro.
— Puta que pariu! — eu grito, segurando na alça do carro. — Desvia, Arthur. — peço.
— O que está acontecendo? —ele pergunta ofegante, mas prestando atenção na estrada, que está um completo caos.
— Lembra dos zumbis? Bem, isso não é uma coisa da minha cabeça. Precisamos sair daqui. Em grandes números, eles ficam incontroláveis. — peço e ele obedece ao pegar um desvio.
Várias explosões. Helicópteros. Pessoas desesperadas. O trajeto é recheado de adrenalina. O coitado do Arthur está surtando. Se fosse o Arthur da minha realidade, a situação já estaria sob controle. Chegamos a uma espécie de condomínio. De início, os seguranças não nos deixam passar, mas a cabine deles é atacada por uma horda.
O Arthur aproveita a distração para entrar. As pessoas estão desesperadas e recebendo ataques de todos os lados. Ele estaciona o carro em frente a uma casa branca de dois pisos. Assim que saímos do veículo somos atacados por um atleta. Sem tempo a perder, eu pego uma vassoura, quebro no meio e enfio na cabeça do morto-vivo, sem qualquer tipo de cerimônia.
Nem preciso dizer que o Arthur fica chocado com a minha atitude. Em seguida, outro aparece e o derrubo no chão com um chute. Faço o mesmo movimento e me livro do zumbi ao enfiar o cabo da vassoura em sua cabeça.
— Você precisa acertar a cabeça. — digo, olhando para o Arthur e mostrando a estaca suja de sangue. — Precisamos de armas. Armas de verdade.
— Ok. Vamos entrar. A rua está perigosa. — ele pediu com uma pressa na voz, dando uma olhada em volta.
Nem pensei duas vezes. A casa dos meus pais era tão grande quanto a minha. Na sala encontro várias fotografias da família, incluindo uma com o Arthur e meus pais. Ouvimos um barulho vindo da cozinha e fiquei em posição de ataque. Piso em um prato quebrado o que me deixa ainda mais preocupado.
Para chegar à cozinha passamos por um corredor. Ao entrar percebo um corpo jogado no chão e muito sangue. Porra, deve ter acontecido uma luta corporal aqui. Onde estão os meus pais?
— Mãe? Pai? — questiono, segurando a estaca de madeira, enquanto o Arthur segue os meus passos.
— Cristian, por favor, me ajude! — grita o meu pai da cozinha.
Encontro o Coronel Afonso em cima da minha mãe. Ela está transformada em zumbi. Ele luta para segurá-la, mas já vejo algumas mordidas em seus braços. Eu não acredito. Lágrimas escorrem pelo meu rosto. Estou em choque. Assim como eu, o Arthur fica sem reação.
— Calma, Afonso. — pede Arthur, pegando uma toalha e amarrando na boca da minha mãe, que está irreconhecível.
Lembro da vez que o Arthur tirou o sofrimento do cara da vila. Ele fez com tanta calma e respeito. Eu não deixaria a minha própria mãe vagar sem rumo durante a eternidade, ou pelo menos, até alguém atirar em sua cabeça. Pedi licença ao meu esposo, sento atrás de mamãe e aplico a técnica que aprendi com o Arthur.
Rápido e sem dor. Uma morte respeitável para mamãe. Pela segunda vez, eu não tive a chance de conhecê-la. Eu começo a chorar, porque aquela não é a minha realidade. Aquele não é o mundo que eu conhecia. Eu queria o meu Arthur. Eu queria o meu pai. Eu queria a realidade escrota e distópica. Eu só queria ir para casa.
Eu não tenho tempo nem de pensar, quando o meu pai começa a convulsionar. É o momento. Me posiciono atrás dele. E digo várias vezes: "Está tudo bem, eu amo o senhor. Vá ser feliz com a mamãe". A transformação acontece aos poucos, ele tenta se soltar, mas sou forte e quebro o seu pescoço.
Tenho uma crise de choro diante ao corpo dos meus pais. Eles nem tiveram chance. O Arthur me abraça, mas eu não me sinto acolhido. Que brincadeira de mal gosto é essa? Eu morri. Só pode ser isso. Eu morri e vim parar no meu inferno pessoal.
— Nós, nós temos que sair daqui. — Arthur diz com a voz trêmula e me levanta. — É perigoso.
— Arthur, eu não sei quem vocês são. — digo.
— Eu sei. — ele fala colocando a cabeça contra a minha. — Mas eu não sei o que fazer se te perder.
— Em uma outra realidade, o Arthur está me esperando. Eu sinto isso. — afirmo, ouvindo o Arthur chamar por mim.
Os zumbis começam a invadir a casa dos meus pais. Eles quebram as portas e janelas. São milhares de mortos-vivos atrás de cérebro e sangue fresco. O Arthur segura as minhas mãos e começamos a subir as escadas para o segundo piso. Atravessamos outro corredor enorme e o Arthur olha para mim de uma maneira diferente.
— É o fim da linha para mim. Eu não posso entrar. — ele avisa tocando no meu rosto. — Eu sei que você vai me encontrar. Por favor, nunca me deixe sozinho.
— Arthur, eu...
Ele me beija. É possível ouvir os zumbis quebrando tudo no andar de baixo. Porém, a boca do Arthur não vacila. É um beijo apaixonado. Ele me encosta na parede. Abre a porta e olha de maneira profunda para mim.
— Apenas vai meu amor. Eu te amo demais. Nunca se esqueça disso. — Arthur se declara e me empurra para dentro da sala escura. — Me encontra. — fechando a porta.
— Espera! — grito.
Está tudo escuro. Eu não tenho mais ninguém na vida. Estou só. Eu sempre fui o fraco da vila. A bichinha que ninguém ia amar. Esse é o fim que eu mereço. A solidão.
— Acorda, Cristian! — escuto Arthur me chamar, mas a sua voz está distante. — Não me deixa aqui, por favor.
Eu começo a andar. Eu procuro. Não posso deixar que o sacrifício do Arthur seja em vão. Ele nunca teve amor, assim como eu. Nós precisamos ficar juntos. Aproveitar mais um tempo como casal. Os passos vão ganhando pressa. Corro na direção da voz do Arthur. De repente, uma luz branca surge e me deixa desnorteado, entretanto, eu não paro de correr.
Revejo vários momentos da nossa história. O dia em que o encontrei na floresta. Dos beijos e juras de amor que trocamos. Realmente, eu preciso encontrá-lo. O ar vai ficando cada vez mais pesado, só que eu não vou desistir. Sinto uma fisgada no meu peito e acordo sem ar.
— Ele está bem! — avisa a enfermeira Lidiane, que está toda molhada.
— Graças a Deus. — meu pai diz aliviado e chorando.
— Amor. — Arthur se aproxima e beija a minha testa.
— O que aconteceu? — questiono, ainda confuso por tudo o que eu vivi.
— Quase te perdi, por favor, não me assusta mais. — implorou Arthur, que estava com o rosto todo machucado.
— Eu prometo. — disse ofegante e abraçando meu namorado.
— E agora, Coronel? — questiona a enfermeira Lidiane, guardando alguns suprimentos em uma maleta.
— Vamos voltar para a Vila de São Jorge. — afirma meu pai pegando na minha cabeça e bagunçando meus cabelos. — E quem sabe não fazemos um cruzeiro? — piscando para mim.
****
PESSOAL, O PRÓXIMO CAPÍTULO É O ÚLTIMO. EU ESPERO QUE TODOS TENHAM GOSTADO DESSA HISTÓRIA E, POR FAVOR, FIQUEM LIGADINHOS QUE EM BREVE TEREI OUTRAS HISTÓRIAS PARA POSTAR. DESDE JÁ AGRADEÇO A TODOS OS LEITORES, PRINCIPALMENTE, AQUELES QUE DÃO UMA FORÇA EM MEU TRABALHO. EU ESCREVO POR SIMPLES E PURO PRAZER.