[...]
Ficamos papeando mais um pouco e Nanda me lembrou que precisávamos levar as meninas para a escola, com o que concordei. Já havíamos terminado de almoçar e levei Denise de volta ao meu escritório, pois seu carro estava estacionado perto e nos despedimos dela. Fomos até a casa de minha sogra, ou ex, e Nanda estava calada. Pegamos as meninas e, em casa, elas foram se aprontar. Enquanto isso, me servi de um café na ilha da cozinha e Nanda continuava calada, me encarando. Sem qualquer aviso, ela pegou seu celular e discou para alguém:
- Alô. Denise? - Ela falou ao aparelho: - Só queria te avisar que não vou desistir do meu marido sem lutar.
Aquilo me surpreendeu e a fiquei encarando sem saber o que fazer ou falar. Pouco depois, ela voltou a falar:
- Não tente se fazer de inocente. Você sabe muito bem do que estou falando. Ele é meu marido e, embora estejamos passando por um momento difícil, nós nos amamos e vamos nos acertar. Gentilmente, eu queria te pedir para sumir de nossas vidas!
- Nanda! O que é isso, mulher? Você está louca!? - Falei para ela, chamando sua atenção.
Ela simplesmente acenou para mim, pedindo que eu esperasse e continuou:
- Não quero saber! Você já teve o prazer de ficar com ele. Agora acabou! Segue seu caminho e nos deixe em paz.
Após isso, desligou o telefone. Eu a encarava, perplexo, e ela tremia com o aparelho celular na mão. Empurrei a xícara de café para ela e, com algum custo, ela conseguiu tomar um gole:
- Nanda… O que foi isso? - Insisti na pergunta.
- O óbvio, Mark... Essa periguete veio aqui atrás de você. Só deixei bem claro que não será tão fácil assim! - Tomou mais um gole e me encarou brava: - Você contou para ela que a gente brigou?
- Não! Eu já te expliquei o que ela veio fazer aqui.
- Tá! E você acreditou nisso!? - Falava, inconformada: - Não duvido da sua capacidade… Mas ela vir de São Paulo, supostamente a mando do pai, para você assumir a direção de um escritório regional ou a área trabalhista nacional, é muito, muito, muiiiiiito suspeito. Não me convence mesmo!...
- Mas eu não contei nada para ela. Aliás, quem acabou contando agora foi você!
Ela ficou em silêncio me encarando por um segundo, como que tentando apurar os fatos e o erro que cometeu. Então, mordeu o próprio dedo, irada consigo mesma e voltou a falar:
- Isso agora não importa! Só espero que ela tenha o mínimo de dignidade para ir embora e não acabar com nossa família.
Antes que eu pudesse falar alguma coisa, as meninas chegaram e tive que interromper nossa conversa, dizendo que conversaríamos melhor outra hora. Ela concordou e, na saída de casa, deu um beijo em cada um dos três. Deixei as meninas na escola e voltei para o escritório. Mal sentei em minha mesa e Denise me ligou:
- Alô, Mark?
- Oi, Denise. Diga.
- A Nanda me ligou agora há pouco me acusando de estar tentando te conquistar, e que não vai desistir tão fácil de você, além de mais um monte de coisas.
- É. Já estou sabendo…
- Também me disse que estão brigados…
- Pois é. Mais ou menos isso…
- Eu não vim fazer isso. Você sabe, né!?
- Sei e já expliquei para ela. Fica tranquila. A gente só tá passando por um momento estranho. Daqui a pouco as coisas se acertam…
- Então, tá! Bom… A gente vai se falando.
- Ok.
- Tchau, Mark. Beijo.
- Tchau, Denise.
- E o meu beijo? - Ela insistiu, claro.
- Beijo, Denise.
Desligamos e tentei me concentrar no trabalho. O dia transcorreu sem nenhuma novidade. Peguei minhas filhas na escola no final de seu turno e as levei para casa. Depois fui para minha kitnet, curtir minha “vida de solteiro” e ousei sem medo: assisti um jogo de futebol qualquer, comendo uma porção de amendoim japonês e salame, acompanhado de uma cervejinha na minha própria cama, coisa que a Nanda nunca me deixou fazer. “Eu sou o cara! Longe dela…”, brinquei comigo mesmo com um sorriso na face.
Os dias se seguiram sem novidades, a não ser que almocei mais duas vezes com a Nanda e as meninas em restaurantes porque elas diziam querer minha companhia e variar a comida, e uma última, na quinta-feira, somente com a Nanda. Curiosamente, minha digníssima não me pediu para reatarmos. Apenas agiu como se fosse uma grande amiga interessada em mim e no meu dia a dia. Em nosso último almoço, entretanto, uma parte da conversa me surpreendeu:
- Mor, lembra do Edison, aquela minha antiga paquera? Aquele de quem você me roubou?
- Lembro. O safado que te bolinou antes de mim… O que tem ele?
- Para, seu bobo! Então… Encontrei com ele no supermercado…
- E daí?
- Daí, nada! Só conversamos um pouco, mesmo porque eu não queria virar fofoca na boca do povo, mas ele me convidou para tomar um café depois e acabei topando para não parecer indelicada.
- Indelicada!? - Frisei - E?
- E nada! Somente conversamos assuntos sem maior importância, somente amenidades mesmo. Eu só queria que você soubesse antes que alguém pudesse inventar alguma história para você.
- Tá bom. Se você não está me escondendo nada, sem problemas.
- Ah, Mark. Para… - Resmungou com a indireta.
- Desculpa, Nanda. Escapou sem querer. Sei que você não faria nada. Desculpa mesmo.
- Tá. Acho que mereci. - Respirou fundo e me encarou: - Agora, eu queria te pedir um favor. Estou querendo fazer uma reciclagem e atualização do meu curso de administração para voltar ao mercado de trabalho e queria saber se você poderia ficar com as meninas?
- Mas curso, onde? Quanto tempo? Explica direito essa história, Nanda.
- É um curso ministrado em uma faculdade de São Paulo. A maior parte será virtual, que farei em casa, e os últimos dez dias presenciais lá.
- Joia! Acho isso legal. E as despesas?
- Praticamente nenhuma! Para o curso, já está tudo certo: fiz uma prova e consegui uma bolsa integral…
- Integral!? - A interrompi, sorrindo orgulhoso dela e não me contive em abraçá-la: - Muito bem, Nanda! Não esperava menos de você.
Seus olhos se encheram de lágrimas e estranhei aquilo. Então perguntei:
- O que foi? Porque ficou triste?
- Triste!? Estou muito, mas muito feliz mesmo! Nem me lembro a última vez que vi uma felicidade como essa em seus olhos.
- Mas claro que eu fiquei. Me lembrou a Nanda da época da faculdade que queria pegar o leão pela juba. - Brinquei e ri gostoso.
Aliás, rimos os dois. Então, ela, se controlando pouco depois, continuou:
- Então… O problema é que vou precisar ficar lá no final do curso. Vai ter as despesas de estadia, transporte, alimentação, etc. Você não poderia me ajudar? Depois te pago quando estiver trabalhando.
- Claro que te ajudo, Nanda. Que pergunta… E não tem que me pagar nada. Fico muito feliz vendo você correr atrás de seus sonhos novamente. Me passa os valores ou, melhor ainda, você leva algum dinheiro e um dos cartões de crédito. Daí você vai acertando tudo por lá, conforme for precisando.
- Obrigada, Mor. Vou ver as datas direitinho e te passo. Inclusive, se possível, eu queria pedir para você ficar com as meninas em casa. Assim, não tira elas muito da rotina.
- Fica tranquila. A gente combina depois. - Agora a encarei sério: - Posso te fazer uma pergunta?
- Claro. - Respondeu, sorrindo feliz.
- Foi o tal Edson que te arrumou esse curso, não foi?
Ela engasgou com o refrigerante na hora e, após tossir e recobrar a respiração, me encarou mais branca que o normal:
- Não. Claro que não. - Respondeu, mas não convenceu.
- Então, porque você me falou dele antes, como que abrindo um parênteses para a conversa seguinte.
- Ele não me arrumou o curso, mas foi ele que me indicou a faculdade. A aprovação e a bolsa foram méritos meus.
Ela agora me encarava com um sorriso de satisfação no rosto e não se aguentou:
- Ciúmes de mim, Mor?
- Não. Nenhum! Eu já tinha te liberado há muito tempo. Você sabe que esse não foi o nosso problema, mas sim a sua mentira. - Acabei deixando escapar novo cruzado de direita e ainda tentei dissimular meu descontentamento pela aproximação com seu ex namorado: - E, além disso, nem estamos juntos mesmo para eu te cobrar nada.
Seu sorriso se transformou num bico de descontentamento e inconformidade. Fechou mesmo o semblante para mim, mas não me enfrentou ou discutiu, porque ainda estávamos estremecidos e separados, e qualquer movimento em falso causaria mais prejuízo que benefícios para ambos. Depois disso nos despedimos e ela, ao contrário das outras vezes, não me deu um selinho, sequer um beijo na face.
[...]
Na segunda-feira, pouco depois de eu expulsar o Mark da minha cama e me arrepender depois, precisei ir até o supermercado repor alguns produtos de consumo imediato em casa e, aproveitando que as meninas estavam na escola, fui sozinha. Nem me produzi porque a ocasião não exigia. Vestia apenas com um vestidinho florido pouco acima do joelho com uma saia meio rodada e um discreto decote, um tamanquinho de meio salto, batonzinho pouco mais escuro que meus lábios e uma tiarinha na cabeça. Maquiagem e unhas ficaram por desejar. Eu estava o “ó do borogodó”.
Estava lá distraída comparando os preços quando ouço alguém falar “Vejam se não é a minha Nan-Má!”. Um arrepio me percorreu a espinha e eu gelei, pois somente uma pessoa me chamou daquela forma em toda a minha vida. Me voltei na direção de onde aquela voz me chamou e dou de cara com Edinho, meu antigo paquera de quem o Mark me “roubou”. Ele sorria de uma forma que me deixou feliz e acabei sorrindo de volta. Me abraçou forte e deu dois beijinhos nas bochechas:
- Nan-Má, Nan-Má, Nan-Má!... Há quanto tempo a gente não se vê? Cinco, dez anos? - Me perguntou e ainda sorrindo elogiou: - Você está linda! Aliás, muito mais que antes.
- O-o-obrigada, Edinho! Edson, desculpe… - Me corrigi, claramente sem jeito: - Linda, onde? Estou toda descabelada, mal arrumada…
- Que é isso, Nan-Má!? Pode me chamar de Edinho. Você eu deixo. - Disse sempre com um sorriso no rosto: - E você é linda de qualquer jeito, bem vestida, mal vestida, pelada…
Eu o encarei constrangida por um momento, mas sabia que ele não fazia por mal. Era o jeito dele ser excessivamente simpático. Essa nunca foi exatamente uma qualidade do Mark. Meu marido sempre foi um homem mais sério, concentrado, compenetrado, tirar um sorriso dele era quase uma batalha, mas quando sorria, valia por uma vida. Já o Edinho sorria até para as paredes e era um brincalhão. Ele foi o meu “quase homem”, porque foi o que primeiro me tocou intimamente e o primeiro pau que eu conheci de fato, apesar de ter sido somente uma leve punhetinha. Seu rosto e sorriso continuavam os mesmos, mas seu corpinho havia se transformado num corpão. Agora, ele impunha uma boa barriguinha que ousava sempre chegar em primeiro lugar. Acho que me perdi em pensamentos ou pelo susto do momento e fiquei muda, fazendo com que ele tivesse que tomar uma iniciativa:
- Nan-Má!? Tá tudo bem?
- Oi! Tá sim, desculpa, Edinho. É que tenho tanta coisa para resolver que acabei me perdendo em meus lembretes. - Respondi, sem jeito.
- Lembretes ou lembranças? - Ele insinuou, suavemente.
Fiquei muda novamente e certamente ruborizei, porque ele em seguida me pediu desculpas e tentou mudar de assunto, querendo saber de minha vida, trabalho. Eu não queria que ninguém interpretasse mal nossa conversa e tentei cortá-lo, dizendo que tinha algumas compras para fazer e já tomando meu rumo, mas ele não se deu por vencido e me acompanhou por alguns corredores:
- Edinho, desculpe, mas você conhece nossa cidade. Daqui a pouco vão começar a falar mal de mim. - Pedi, constrangida: - Tudo o que eu não preciso é de fofoca chegando no ouvido do Mark.
- Desculpa, Nan-Má! Não foi minha intenção… - E sempre com um sorriso no rosto: - Que tal, então, a gente se encontrar numa cafeteria? Aquela perto do trevo da entrada da cidade. Lá é tranquilo e a gente pode conversar numa boa…
- Ah, Edinho, não dá! Olha só, sou casada e o povo daqui fala demais…
- É só um café, Nan-Má! Talvez um pão de queijo… - Insistiu, agora quase implorando: - Por favor! A gente não vai fazer nada de mais. Aliás, a gente nunca fez nada de mais.
- Eu… Eu vou pensar, Edinho. Posso te responder depois?
- Claro! Me passa seu telefone?
- Melhor não! Me passa o seu e prometo que vou te responder, nem que seja para negar.
- Você não vai negar o pedido de um amigo. Tenho certeza!
Ele me passou o número de seu celular, adiantando que também era WhatsApp e nos despedimos com beijinhos na face novamente. Ele seguiu por um corredor e eu fiz a volta pelo caminho contrário. Peguei minha lista e voltei a fazer minhas compras, mas cruzei com ele mais três vezes dentro do supermercado, sempre com ele mexendo, brincando comigo sobre a resposta que ainda pendia. Na última das vezes em que nos encontramos, já de saco cheio, falei:
- Tá bom! Tá bom. Só um café. Nada mais…
- Nem um pão de queijo?
- Talvez…
- Eu te ajudo com as compras…
- Não! - Falei até que meio brava, mas me corrigi depois: - Desculpa. Não precisa. Pode deixar que dou um jeito.
- E como a gente faz. Te pego na sua casa?
- Claro que não, Edinho. Cê tá louco!? Vou no meu carro e a gente se encontra lá no café.
- 15:00?
- Pode ser.
- Combinado, então, Nan-Má. Te espero lá.
Agora vi que ele se encaminhou para a região dos caixas e fiquei mais tranquila para terminar minhas compras. Aliás, nem entendi direito porque eu me incomodei tanto com ele, afinal fora um namorico bobo do passado, umas ficadas na verdade. Acho que estava mais preocupada com a boca do povo que com ele, mas enfim… Terminei minhas compras, paguei e voltei para casa. Era por volta das 14:00 e decidi, pelo menos, me arrumar um pouco para aquele “café”, fazendo apenas uma leve maquiagem com um batom um pouco mais marcante e um penteado mais caprichado, com um pouco de gel para deixá-lo com ares de úmido. Uma pulseira, brinquinho e estava pronta.
Eram 14:30 e me bateu um arrependimento de ter aceitado o convite. “Nanda, o que você tá fazendo, menina!?”, me questionava a todo o momento. Liguei para Bia e ela sutilmente me “comeu o fígado”:
- Nanda, Nanda, Nanda! Você está louca, sua filha da puta!? Teu marido saiu de casa, você não está conseguindo trazê-lo de volta e já tá pensando em biscatear com um ex namorado!? Puta que pariu! E eu que achava que era a biscate da nossa turma de escola…
- Bia, o que é isso? Ele só me convidou para um café.
- Com certeza ele deve estar querendo coar um café na sua calcinha, mas pode ficar tranquila que o leite ele leva!
- Credo, Bia!
- Credo o caralho! Se o Mark descobre ou alguém conta para ele, você se fode de vez.
- É! Acho que você está certa. Eu vou ligar para ele.
- Faz isso e vê se põe essa cabeça no lugar, menina.
- Tá bom, Bia. Beijo.
- Beijo. Juízo, hein!?
Peguei o telefone para ligar para ele, mas eu também não achava correto me trancar dentro de casa. O Mark havia saído e eu o queria de volta na minha vida, sem dúvida alguma, mas não poderia viver enclausurada ou dependente de sua concordância para tudo. Além disso, seria somente um café entre amigos e num local público. Talvez até servisse para despertar um ciuminho no Mark. Desisti de ligar e fui ao encontro do Edinho.
Dez minutos depois cheguei na cafeteria e estacionei mais afastada da visão de eventuais curiosos. Entrei e ele ainda não havia chegado. Olhei em meu celular e eu havia me adiantado dez minutos. Fiquei olhando as lembrancinhas e me distraí do mundo nesse momento. Não sei quanto tempo depois, senti um toque em minha cintura e quase tive um treco. Olhei assustada para trás e Edinho me olhava com um sorriso e também uma expressão de surpresa pelo susto que eu tomei:
- Desculpa, Nan-Má! Não queria te assustar.
- Edinho! Seu filho de uma… - Me interrompi antes de completar o “elogio”: - Você me mata do coração assim. Caramba!
Ele começou a gargalhar e acabei rindo de mim mesma. Nos sentamos e ele pediu dois cafés e alguns pãezinhos de queijo para degustarmos:
- Mas e aí, me conta de você, Nan-Má? Ainda casada? - Me perguntou.
- Ainda… - Respondi meio desanimada e ele sacou na hora.
- Problemas em casa?
- Não quero falar sobre isso, não, Edinho. - Respondi, chateada com o momento que passava com o Mark.
- Tá. Desculpa. - Tomou uma boa golada de café: - E trabalho?
- Então… Depois que terminei a faculdade, trabalhei um tempo num banco, mas agora estou focada nas artes domésticas. - Falei e ri, constrangida.
- Uma administradora focada em casa!? - Ele me encarou: - Escolha ou imposição?
- Escolha, claro! Tenho duas filhas e não conseguiria dar conta delas, da casa e de um trabalho também. - Agora eu é que tomei um gole de café: - Mas sabe que agora, com elas já mais crescidinhas, até penso em voltar a trabalhar. Acho que até seria legal.
- Ah, tá! Pensei que o maridão fosse meio controlador.
- O Mark? De forma alguma. Ele sempre me deu o maior apoio para eu trabalhar fora. A decisão de dar uma parada foi minha.
- Joia! E pensa em trabalhar com o quê?
- Não sei. Até estava pensando em fazer uma reciclagem para voltar ao mercado de trabalho com tudo.
- E porque não faz?
- Aqui, Edinho!? - Ri de sua pergunta, respondendo o óbvio.
- Verdade! - Riu também: - Eu estou fazendo mestrado em uma faculdade de São Paulo que tem alguns cursos de atualização e reciclagem. Se quiser, posso tentar arranjar algo para você.
- Arranjar?
- É. Tenho meus contatos lá dentro.
- Eu agradeço, mas assim não quero. Você me conhece o suficiente para saber que não gosto de dever favores para ninguém.
- O que é isso, Nan-Má!? Sou seu amigo.
- Não! Assim não, mas se puder ver para mim o curso, preço, todas informações, eu fico grata.
- Tá bom. Vou me informar e te passo. - Comeu um pãozinho de queijo enquanto me encarava: - E se quiser pode ficar na minha casa.
- Ah, táááá! Eu, casada, ficando na casa de um solteirão. Vai cair super bem. - Ri sarcasticamente de sua proposta.
- Sou seu amigo, Nan-Má! - Tomou outro gole de café: - E em São Paulo ninguém vai saber nada sobre a gente.
- Edinho, acho que você esqueceu com quem está falando… - Falei mordendo raivosamente um pãozinho de queijo: - E se formos continuar nesse tipo de assunto é melhor encerrarmos por aqui.
- Calma, mulher! Não quero te causar problema algum. É só um convite, sem quaisquer “terceiras intenções”. Eu vou verificar o curso e, enquanto isso, você pensa melhor.
Eu tinha a resposta pronta, mas ele não quis ouvi-la. Depois desse pequeno “estranhamento”, ficamos conversando mais um tempinho, mas nada de relevante ou que desse a entender alguma indireta ou terceira intenção. Acho que ele entendeu com quem estava falando. Nos despedimos na saída e seu abraço foi mais carinhoso do que eu esperava, mas ainda assim não o refutei para não parecer indelicada.
Voltei para minha casa e, no final daquele mesmo dia, recebi uma mensagem dele no WhatsApp:
Ele - “Oi, Nan-Má! Está podendo falar?”
Eu - “Edinho!? Como você conseguiu meu número?”
Ele - “Uma amiga em comum, mas não vou dizer quem é. Nem pergunte!”
Ele - “Entrei em contato com a faculdade e eles tem algumas opções dentro da área de administração para você. Vou te passar os informes e você analisa a melhor opção.”
Eu - “Ok.”
Nisso recebi três documentos pelo WhatsApp, mas nem tive tempo de ler e ele continuou:
Ele - “Me informei lá e descobri que tem um sistema de bolsa de até 100% do valor do investimento. Basta fazer uma prova, ser aprovada e os primeiros colocados conseguem essas bolsas. Dá uma olhada. Acho que pode ser interessante.”
Eu - “Vou sim. Obrigada.”
Ele - “Imagina. Qualquer dúvida, você pode entrar em contato direto com eles, ou me passa aqui que eu me informo com o meu ‘contato’.”
Eu - “Tá bom. Obrigada novamente.”
Ele - “Tranquilo. Beijo.”
Eu - “Beijo. Tchau.”
Passei a ler os informes e, dos três, apenas um me interessou a princípio, pois era como uma atualização geral de vários aspectos do curso de administração de empresas e de instrumentos mais modernos que poderiam ser utilizados. Os outros dois já eram mais voltados para áreas específicas de RH e logística que, a princípio, não seriam muito bem aproveitadas na minha cidade. A grande vantagem é que esse curso poderia ser feito a maior parte à distância e somente no final haveria algumas aulas e avaliações presenciais. A questão das bolsas seria realmente muito bem-vinda, porque o valor do investimento pelo curso não era pequeno e eu não queria pedir dinheiro para o Mark. Sei que ele não me negaria, mas eu não queria favores. Pensei até em pedir a ajuda do Edinho, mas poderia não cair muito bem se o Mark descobrisse. Então parti para o tudo ou nada. Fiz minha inscrição e já poderia fazer a prova à distância no dia seguinte durante a manhã.
Apesar de não ter muitas esperanças, mesmo porque estava afastada há um bom tempo e sem material atualizado para consulta, fiz a prova. Das vinte questões, consegui responder dezenove e, destas, dez eu tinha certeza estarem corretas. Após o envio do gabarito da prova, restava aguardar o resultado. Cuidei de minhas obrigações habituais e no final da tarde recebo um retorno da faculdade me informando que fora aprovada com a nota máxima, e isso foi uma imensa surpresa para mim. Contei para minhas filhas minha aprovação e elas quiseram ligar para o pai trazer uma pizza para comemorarmos. Tentaram contato com ele, mas o telefone dele só dava fora de área ou desligado. Então, pedi uma pizza e comemoramos somente nós três.
[...]
Na sexta-feira, logo pela manhã, recebi a visita da Denise em meu escritório. Veio cobrar uma resposta para seu pai. A recebi com toda a consideração, mas recusei a proposta feita, por não querer me desfazer do trabalho de toda uma vida, bem como porque não queria correr riscos desnecessários à essa altura do campeonato. Ela lamentou imensamente e tentou de todas as formas me convencer do contrário, em vão. Perdemos a noção do tempo e, quando dei por mim, já era quase hora do almoço. A convidei novamente para almoçar comigo, que aceitou, e liguei para também convidar a Nanda, já que nossos almoços juntos estavam virando rotina:
- Obrigada, Mor, mas hoje não estou a fim. - Respondeu, friamente.
- A Denise está aqui e faz questão de sua companhia também. - Disse, imaginando que seu ciúme a faria mudar de ideia.
- Não. Hoje não. Manda um beijo para ela.
- Oi!? Acho que não entendi?
- Um beijo. Manda um beijo para ela.
- Certeza?
- Tenho.
- Então, tá, Nanda. Beijo.
- Tchau.
Estranhei a forma como ela me falou e quando olhei para Denise, vi até uma satisfação em seu semblante por ter um momento a sós comigo. Saímos para almoçar e a levei em um restaurante menos “original” que o anterior. Ela curtiu uma massa italiana ao molho branco, enquanto eu fiquei no basicão arroz, feijão, bife e batata frita mesmo. Foi um momento legal. Conversamos sobre vários assuntos e ela jogava seu charme sempre de uma forma sutil e provocadora para cima de mim. Depois, retornamos ao meu escritório, ela se despediu de mim com um selinho que eu repreendi imediatamente, pois alguém poderia ver e viraria um escândalo em nossa cidade. Ela riu e se foi.
Eu tentava me concentrar novamente no trabalho quando, cerca de quinze minutos depois, recebo uma ligação da Denise:
- Mark, preciso da sua ajuda.
- Aconteceu alguma coisa?
- Meu carro parou e não quer funcionar.
Pedi que me enviasse sua localização atual para meu WhatsApp e, identificada sua localização, saí em seu socorro. Lá chegando tentei dar a partida no veículo dela e nem sinal. Parecia uma pane elétrica, coisa relativamente natural nesses carros modernos. Ela ligou para sua seguradora e ficamos aguardando o guincho. Restava ainda o problema do carro reserva que teria que vir de fora, ou ela ir buscá-lo numa locadora numa cidade próxima. Infelizmente eu não poderia levá-la naquela tarde porque já tinha audiência designada e ela pediu se poderia assistir a sessão, na condição de “estagiária”. Não vi problema algum e assim que o guincho chegou e rebocou o carro, voltamos para meu escritório.
A apresentei ao meu cliente como uma advogada colaboradora de fora e o preparei para a audiência. No fórum, era difícil ficar indiferente àquela loira estonteante ao meu lado. Ela se transformou automaticamente no alvo de todos os comentários de todos os presentes e eu, por consequência, também. Naquele momento, me arrependi de tê-la levado, pois certamente algum boato surgiria dali. Apesar disso, a audiência, uma oitiva de testemunhas num processo cível, transcorreu sem nenhum fato inesperado. Voltamos para o escritório e, devido ao adiantado da hora, seu carro não conseguiria ser entregue, nem eu conseguiria levá-la até a locadora para recebê-lo:
- Bom, Denise, vou te levar para um hotel e amanhã de manhã te levo na cidade para você pegar o carro reserva na locadora. - Falei.
- Poxa, Mark. Pensei que fosse me convidar para pernoitar na sua casa. - Retrucou, franzindo a testa: - Nem estou falando de safadeza, porque sei que estão meio brigados e têm filhas, só para dormir mesmo.
Ela ainda não sabia de nossa separação e eu queria até não contar, mas depois daquela direta dela, eu precisava explicar o porquê de eu não poder recebê-la em casa:
- Denise, eu não estou só brigado com a Nanda; eu saí de casa. - Falei, constrangido.
Ela me olhou surpresa, boquiaberta mesmo, mas se controlou logo em seguida, tentando ocultar um sorrisinho e tentou se mostrar como “amiga desinteressada”, perguntando:
- Mark, eu não sabia! O que aconteceu?
- Desculpe, mas não quero falar sobre isso. Ah, e eu só não te convido para ficar comigo, porque estou numa kitnet bem básica até encontrar um lugar melhor.
- Eu não tenho luxo algum. Posso dormir até no sofá… - Falou, já com a mão em meu ombro: - E acho que agora, você precisa de uma amiga para conversar.
- Denise…
- Estou sendo sincera, Mark.
Como um flash, a solução surgiu em minha frente:
- Denise, mas tem outra questão: hoje é sexta-feira e minhas filhas dormem comigo nos finais de semana. Então, realmente não tenho como recebê-la.
Ela ficou contrariada, mas não se opôs. A levei até um hotel e me despedi dela, indo para a escola buscar as meninas. Cumprida toda a rotina de malas, brinquedos, etc., voltamos para minha kitnet. Entrei para um merecido banho e logo ouvi meu celular tocando e depois minhas filhas conversando com alguém. “Nanda, fazendo sua marcação.”, pensei. Saí e fui até as meninas para cumprimentar minha digníssima, mas dei de cara com a Denise na chamada, rindo à beça com elas:
- Mark, suas filhas são umas figuras. - Já falou.
- É, né!? - Respondi, sem saber o que falar.
- Pai, essa moça é muito legal. Sabe cada piada. - Falou Mirian, sendo complementada pela Maryeva: - E é sonserina, pai! Deve ser uma mulher muito guerreira.
- Sonserina, é? - Falei, olhando para o celular.
- Sou mesmo! Uma fã de carteirinha de Harry Potter. - Disse e fuçou numa bolsa para tirar um molho de chaves com um chaveiro da casa fundada por Salazar Slytherin.
- Olha lá, pai! - Disse Maryeva correndo para fuçar em sua mochila e trazer seu molho de chaves com o mesmo chaveiro: - Igualzinho o meu.
Elas começaram a rir, Denise de lá e as meninas de cá:
- Cadê o teu chaveiro, pai? - Me perguntou Mirian.
- No carro.
- Chaveiro, porque? - Perguntou Denise.
- Meu pai é lufano, Denise.
- Eu sou grifinória. - Já gritou a Miriam.
- Gente! gente… A prova está boa, mas já está tarde. Denise quer descansar e eu ainda tenho que tratar de vocês duas. - Tentei cortar a conversa.
- Eu também não jantei. - Disse Denise: - Por que a gente não sai e come uma pizza?
Elas se alvoroçaram e eu fechei a cara para a Denise. Sei que ela notou, porque seu semblante mudou quando me viu. Eu gostava de sua companhia, mas senti ali que ela estava tentando forçar uma aproximação, talvez tentando ocupar o lugar da Nanda. Concordei com a ideia de sairmos para comer uma pizza e mandei que elas fossem se arrumar no quarto. Então peguei o celular e saí para fora da kitnet para conversar com a Denise:
- Denise, não force amizade com minhas filhas. Você nunca, e entenda bem o que estou dizendo, nunca irá ocupar o lugar da mãe delas. Estamos entendidos? - Falei bem objetivamente.
- Nossa, Mark. O que foi que eu fiz?
- Só quero ser claro com você. Se você acha que eu defendo a Nanda, não me viu ainda defendendo minhas filhas. Por elas, eu passo por cima de qualquer um, ou uma.
- Ainda não sei o que foi que eu fiz?
- Está forçando uma aproximação e não adianta negar: se tem uma coisa que eu conheço é uma mulher manobrando…
- Eu só liguei para conversar com você e sua caçula me atendeu. Daí ficamos conversando. Só isso. Poxa…
- Tá bom. Você vai me desculpar, mas vou inventar uma história para minhas filhas de que você teve um imprevisto e não vai poder ir. Não quero fofoca na minha vida para me atrapalhar ainda mais com a Nanda.
- Caramba! Vocês estão separados e, do jeito que você fala, parece que a culpa foi minha!
- Nossa separação não teve nada a ver com você. Fica tranquila quanto a isso. Mas se há uma chance da gente voltar, não será comigo saindo com outra mulher e ainda mais na presença das minhas filhas. Entende?
- Tá, entendo. Desculpa, então.
- Tudo bem. A gente se fala outra hora.
- Tá bom. Beijo, Mark.
- Tchau, Denise.
Desliguei e voltei para dentro da kitnet, onde informei minhas filhas que ela não poderia ir conosco. Troquei de roupa e fomos a uma pizzaria não muito longe da kitnet em que estava. Antes de entrarmos, resolvi mudar nosso trajeto e fui até nossa casa, convidar a Nanda para vir conosco. Ela nos atendeu, surpresa pelo horário, mas logo ficou feliz em nos ver todos bem. A convidei para vir conosco e, depois de relutar um pouco, concordou. Saímos os quatro e fomos para a pizzaria. Lá sentados e já servidos de bebidas, minha caçula soltou uma pérola:
- Mãe, uma loira bonita ligou pro pai hoje.
- Ah, foi é!? - Nanda me encarou, nada satisfeita.
- Ficamos conversando um tempão. Ela sabe cada piada… - Mirian insistia em me foder sem lubrificante.
- E ela é sonserina igualzinha a mim, até o mesmo chaveiro ela tem. - Veio Maryeva para completar meu calvário.
- Eu estava no banho quando ela ligou… - Tentei me defender.
- Mas depois ficou conversando com a gente. - Mirian queria mesmo me quebrar.
Nanda, que havia pedido um refrigerante, virou meu chope de uma vez e pediu mais dois para o garçom. Enquanto esperava ser servida, me fuzilou com o olhar enquanto as meninas debatiam alguma coisa sobre um personagem do Harry Potter. Quando foi servida, me entregou um e tomou uma golada do outro:
- Ela até viria comer pizza com a gente, mas teve um imprevisto. - Maryeva já começava a jogar uma pá de cal sobre minha cova.
- Que pena, né!? - Nanda respondeu sem tirar os olhos de sangue de mim.
Vi quando ela pegou seu celular e digitou alguma coisa e senti meu celular vibrar na mesma hora. Era uma mensagem dela:
Ela - “Palhaçada, dessa biscate loira!”
Eu - “Eu também achei uma forçada de barra.”
Eu - “Não foi imprevisto algum. Isso foi uma desculpa que eu inventei.”
Eu - “Eu dei uma catracada nela e pedi que não forçasse aproximação com as meninas.”
Ela se surpreendeu com essa última parte e me encarou, curiosa. Então, confirmei com um olhar o que havia escrito e ela continuou:
Ela - “E por que foi atrás de mim hoje? Não é o seu dia com as meninas?”
Eu - “Porque você é a mãe delas e ninguém, nunca, irá te substituir.”
Ela me olhou, esboçando um sorrisinho ainda contido pela raiva e guardou seu aparelho celular. Começou então a conversar com as meninas e logo mudou o rumo do assunto. Comemos nossa pizza, conversamos numa boa, bebemos mais um pouco e depois fui deixá-la em casa:
- Por que vocês não dormem aqui hoje? Todos vocês! - Propôs, Nanda.
As meninas se alvoroçaram novamente e quiseram de toda forma me convencer a ficar. Neguei veementemente e elas aceitaram. Nanda começou a se despedir delas, mas antes que as beijasse, liguei o carro e arranquei. Ela me olhou surpresa e nenhuma delas entendeu o que eu estava fazendo. Rumei até minha kitnet e logo estacionava na minha vaga:
- Já que vocês querem dormir juntos, hoje sua mãe dormirá aqui com a gente. - Falei.
Elas vibraram e Nanda sorriu com a surpresa, afinal ainda não conhecia meu atual ninho. Subimos os quatro e ao entrar elas foram mostrar “todo” o local para Nanda. Quando ela voltou para perto de mim seu semblante estava triste, mas não entendi o porquê:
- Mas não tem espaço pra mim. - Nanda falou.
- Tem sim! As meninas ficarão na minha cama e eu abrirei o sofá. Ela é um sofá cama.
- Então, tá bom. - Se resignou, ainda insatisfeita com algo.
Depois de colocarmos as meninas para dormir, e deu trabalho fazê-las sossegar, abri o sofá cama e nos deitamos lado a lado. Nanda estava quieta, triste, e quando as meninas se silenciaram, ela começou a falar:
- Ah, Mark. Olha onde você tá morando! O canil de casa é maior que isso aqui.
- É só temporário, Nanda. Daqui a pouco acho um apartamento e me mudo.
- Você não quer mesmo voltar para casa, né?
Fiquei em silêncio porque realmente eu não sabia o que falar e qualquer resposta que eu desse, poderia ofendê-la. Ela própria quebrou o silêncio:
- Você quer ficar com a Denise, não quer, Mark?
- Não, Nanda. Eu só quero ficar comigo mesmo. Colocar a cabeça no lugar.
- Porque ela quer ficar com você! Tá na cara isso…
- Quando um não quer, dois não ficam.
- Verdade! - Falou como que lamentando: - Eu acho que o Edinho também quer ficar comigo.
- E você, Nanda, quer ficar com ele? - Perguntei já esperando uma óbvia resposta negativa.
- Eu... - Ela suspirou fundo e, olhando para lugar nenhum, disse: - Sinceramente? Eu acho que sim…