Capítulo 37
Leandro caminhava por aquela rua estranha e pouco iluminada por postes decadentes. Apesar de estar muito bem agasalhado, sentia as mãos geladas. Para esquenta-las, as pôs nos bolsos da jaqueta preta. Sentia tanto frio que podia ver a fumaça que saia da sua boca enquanto respirava com o auxílio dela.
O silêncio pairava no local. Sentia-se tenso por não haver ninguém ao seu redor.
O prédio em que Abner morava não ficava muito longe de onde estacionou o carro. Era um prédio antigo, pequeno e cinzento, com apenas três andares, desses que não havia elevadores.
Leandro temia ter o carro roubado, mas Abner o garantiu que a rua era segura.
Algumas horas atrás, mas precisamente na manhã daquele dia, quando estava trabalhando na cozinha da sua confeitaria, Martins o avisou que Leandro o aguardava no salão. A reação de Abner não poderia ser outra, sorriu como um menino e os olhos brilharam de empolgação.
_ Eu não tenho nada contra o Leandro. Até gosto dele. Sempre foi muito gentil conosco quando eu e a sua mãe trabalhávamos no sítio, mas acho muito perigoso você se envolver com ele novamente. Você quase morreu por causa disso, Abner. Sorte que a sua mãe não está aqui. Ela não ia gostar nada disso.
Abner ignorou o padrasto e foi correndo até Leandro. Recebeu-o com um abraço apertado, que Leandro não teve tempo de desviar.
_ É tão bom te ver! Como você está, meu neném?
_ Por favor, não me chame assim.
_ Sinto muito, mas vou ter que te negar esse pedido. Você é tão lindo._ Abner aproximou a boca do ouvido de Leandro e sussurou_ e mama tão bem, que nem tem como eu te chamar de outra forma.
Leandro sentiu a face arder envergonhado, avermelhou-se no mesmo instante. Um arrepio dominou todos os pelos do seu corpo, e uma pulsação rolava entre as suas pernas.
_ Mantenha a compostura, Abner!_ ordenou aparentando braveza._ Eu vim até aqui para falar sobre trabalho e não para ouvir as suas saliências!
_ Você tem toda razão. Não é certo que você ouça essas coisas aqui. Vamos lá no meu escritório para que eu possa te dizer mais saliências com mais privacidade.
O sorriso sacana de Abner deixou Leandro ainda mais desconcertado. Começou a esfregar os braços para tentar aliviar a tensão.
_ Pare com isso, tarado! Bom, nós precisamos resolver algumas coisas sobre o evento. Eu estive uns dias ausente, mas não se preocupe, que hora vou me dedicar de corpo e alma. Quando podemos marcar uma próxima reunião?
_ Bom, agora estou um pouco ocupado. Mas podemos nos vermos mais tarde no meu apartamento.
_ Eu não acho apropriado.
_ Por que não? Eu não posso conversar com você durante o expediente.
_ O seu apartamento é um lugar muito íntimo e não quero esse tipo de intimidade.
_ Ah para, neném. Por muitas vezes, já te vi peladinho, gemendo gostosinho enquanto eu estava dentro de ti. Passar no meu apartamento vai ser fichinha perto dessas intimidades tão profundas que tivemos.
Leandro respirou fundo.
_ Você não tem jeito mesmo né?
_ Não mesmo. Eu sou menino muito malvado. Você me punir?_ Abner mordeu os lábios e fez biquinho em seguida._ Olha, só vamos falar de trabalho. No meu apartamento é mais seguro e sossegado. Ninguém vai nos atrapalhar. E apesar de você ser uma delícia, eu prometo que não vou te morder. Ah não ser que você queira.
_ Não se atreva que arrebento a sua cara.
_ Uiu!
_ Tudo bem. Eu vou. Mas se comporte.
_ Tá bom, meu neném. Eu vou te passar o endereço.
_ Que horas?
_ Umas oito horas tá bom pra você?
_ Tá sim.
Abner abriu a porta com empolgação para receber Leandro. Sorriu de um jeito gentil, que fez Leandro se recordar do Dimitri por quem se apaixonou.
_ Entre! É tão bom te receber aqui! Só não repare a bagunça. O meu dia hoje foi corrido e nem tive tempo para organizar nada.
Leandro percebeu que o atual apartamento era muito mais modesto que o anterior, muito menor e com pouca mobília. Apesar de haver algumas coisas fora do lugar, o apartamento não estava sujo e nem nenhum caos.
_ Aaaah que fofura!_ Leandro exclamou ao ver uma linda gatinha preta deitada no sofá.
A bichinha se aproximou de Leandro, esfregando a cabeça em sua perna para receber carinho. Leandro a tomou nos braços, sentando no sofá, enquanto a acariciava.
_ Pelo jeito a Eleven gostou de você.
_ Eleven?!
_ Em homenagem a personagem de Stranger things.
_ Ah tá._ Leandro disse sorrindo._ Eu não imaginava que você gostava de animais.
_ Sim. Eu a encontrei ferida nas ruas. Resolvi cuidar dela e hoje é a minha fiel companheira.
Abner observava Leandro distraído admirando e acariciando a gatinha. O cozinheiro sentia o coração preenchido de tanta ternura, que se conteve para não expressa-la em forma de abraço.
_ Como os últimos dias têm sido agitados, não tive tempo para preparar um menu a sua altura. Mas fiz o meu melhor. Espero que goste de cachorro -quente.
_ Não precisava se incomodar, Abner. Eu não vim aqui para comer.
_Ir á casa de um cozinheiro e sair com o estômago vazio é um crime federal. Venha. Me ajude a monta-los.
Leandro o acompanhou até a cozinha, onde teve as narinas invadidas pelo delicioso aroma do molho de salchichas que borbulhava no fogão. Era espesso e brilhante. Somente pelo seu cheiro sedutor despertava apetites até então inexistentes.
Sobre a mesa da cozinha havia pães, uma pequena tigela com purê de batatas amarelinho e um outro com batatas palhas. Ao lado de tudo isso, estava um livro fino entre aberto, intitulado como A hora da estrela, da autora Clarice Lispector.
Abner, orgulhoso, retira a tampa da panela e exibe a sua obra prima sorrindo.
_ Eis aqui o cachorro-quente da Macabéa.
Leandro sentiu algo tão bom vindo do coração, que teve os olhos umedecidos por lágrimas emotivas.
_ Eu não acredito que você fez isso!_ exclamou Leandro com um sorriso radiante que estava em perfeita sintonia com o brilho dos seus olhos.
Abner gostou muito da reação do amado. Mas não compreendia o porquê de tamanha emoção vinda de Leandro.
_ Bom, eu amo um homem culto. E pensei em ler um dos seus livros favoritos. Quero saber tudo sobre você, me tornar especialista em cada coisa que te faz feliz, para te oferecer o melhor. Passei a tarde debruçado neste livro...e vou ser sincero que não entendi bulufas. Mas pelo menos, tive ideia de preparar cachorro-quente.
_ A minha avó! Ela...bom...eu nem sei como dizer. A vovó era apaixonada por literatura e gastronomia. Então, sempre trazia á mesa pratos que eram citados em alguns livros que lia.
Ela era uma grande admiradora da literatura de Clarice Lispector. Então, todas às vezes que eu e os meus primos íamos visitá-la no sítio, ela preparava cachorro-quente e os nomeou de cachorro-quente da Macabéa.
_ Sério?! Caramba! Eu juro que não sabia disso.
_ Era sempre o mesmo cachorro-quente, preparado do mesmo modo. Mas não enjoava. De tanto repetir a receita, ela chegou à perfeição. Um dia, eu perguntei quem era essa tal de Macabéa e ela me levou até a biblioteca da casa e me emprestou o livro. Lembro que não consegui parar de ler. Fui arrebatado por essa história tão potente e pelas palavras tão intensas da Clarice, que passei dias absorvido pelo livro.
_ Tá explicado de onde vem a sua inteligência. Pois para entender o que essa mulher escrevia, tem que ser muito crânio mesmo.
_ Segundo a minha avó, as palavras de Clarice Lispector não são para entender e sim para senti-las. Eu nem sei explicar... só sei que sinto.
_ Você é incrível!
_ Não se aproveite da situação para me cantar.
_ Não é uma cantada. É admiração mesmo. Eu fico impressionado com o movimento dos seus belos lábios, tão gentis e sentimentais para dizer coisas tão bonitas. E o incrível é que não é forçado ou presunçoso... é natural. Você é incrível!
Leandro abaixou o olhar envergonhado pelo elogio sincero que recebeu, sentindo uma alegria, que não sentia há tempos.
Foi convidado por Abner a sentar á mesa, onde recheou o pão com todos os alimentos disponíveis e mordeu com gosto, fechando os olhos e gemendo.
_ Huuuum! Que gosto bom! Gosto de saudade e de infância! Me transportou para os tempos em que a minha avó gritava, chamando por mim e por meus primos para lancharmos num fim de tarde de verão. Largavamos as brincadeiras e íamos correndo às pressas. Ela colocava tanto amor em tudo que preparava para nós. Como sinto a sua falta!
_ O amor é melhor tempero a ser posto em qualquer prato.
Leandro concordou com um sorriso, semi cerrando os olhos, animado como um menino.
_ Eu tive uma ideia. Sei que um dos livros do catálago é sobre as poesias de Cora Coralina, que por sinal é uma das suas poetisas favoritas.
Leandro concordou com a cabeça e permaneceu em silêncio, esperando que Abner prosseguisse.
_ Eu criei umas receitas baseadas em algumas das poesias dela.
_ Sério?! Que legal, Abner! Você registrou? Posso ver?_ Leandro perguntou com empolgação.
_ Sim. Eu registrei no meu caderno de receitas de criação. No entanto, não pretendo te mostrar agora. Quero te convidar para uma noite de degustação. Quero que conheça as receitas na prática, tanto você quanto a Patrícia.
_ Isso é muito interessante. Estou muito curioso.
_ Lembrando que a Cora Coralina era doceira. Por isso, além das minhas receitas, vou reproduzir um dos doces dela.
_ Que fantástico, Abner!
Abner ficou feliz ao ver o brilho nos olhos de Leandro.
_ As poesias da Cora Coralina são reconfortantes. Imagino que deva ter criado receitas maravilhosas! Não vejo a hora de exprimenta- las. A propósito, há muitos livros com a temática LGBTQIA+ no catálogo. Então, pensei em dedicarmos um dia exclusivo para a exposição e divulgação desses livros, com os palestrantes e autores. A Patrícia teve a ideia de decoramos com, além da bandeira LGBTQIA+, as bandeiras de cada sexualidade e identidade de gênero e fazermos cartazes explicando cada uma delas.
_ As ideias são ótimas!
_ Sim. Afinal a comunidade é diversificada e mesmo assim muitos de nós não conhecemos todos os significados de todas as siglas. Por exemplo, há gays cis que não compreendem o que são pessoas não -binárias. E com essa falta de informação, pode gerar preconceito dentro da própria comunidade. Acho importante expandir esse tipo de conhecimento.
_ Eu sei bem como é. Sei o que é sofrer preconceito dentro e fora da comunidade.
_ Uh, é! Por quê?
_ Porque sou bissexual. Para os héteros sou indeciso ou sem vergonha, para muitos da comunidade sou hétero curioso, ou indeciso, ou uma bicha enrustida.
_ Que horror!
_ É a verdade. Se digo que não sou gay, ainda sou taxado de homofóbico. Como se eu não tivesse direito a ter orgulho da minha bissexualidade.
_ Que situação chata. O ruim é que já sofremos tanto preconceito fora da comunidade, que dentro dela deveríamos um acolher o outro.
_ Mas infelizmente nem todos pensam assim.
_ É uma situação muito chata. Sinto muito.
_ Não sinta. Eu não me importo com que pensam de mim.
_ Bom...eu vou te confessar uma coisa. Também já cheguei a duvidar da sua bissexualidade. Não por não acreditar que a bissexualidade não existe... não sou um tolo. Mas por achar que devido a sua profissão, você transava com mulheres por dinheiro. Confesso que mandei mal.
_ A minha ex-profissão. Hoje, sou só um cozinheiro.
_ Você deixou a prostituição?_ Leandro se arrependeu no mesmo instante de ter feito aquela pergunta._ Me desculpe pela indiscrição. Eu não tenho nada a ver isso.
_ Ah, para a gente já se viu nus, já fodemos muito... Já somos bem mais que íntimos. Eu não sou mais garoto de programa. O Dimitri morreu. Agora sou livre para ser o Abner. Meu trabalho é a gastronomia e o meu corpo é só seu.
Leandro não resistiu e caiu na gargalhada.
_ É sério. Do que está rindo?_ Abner perguntou sorrindo.
_ Você? Safado do jeito que é, solteiro... dúvido que a cada dia não entra e sai alguém diferente deste apartamento.
_ Juro pela vida minha mãe que não.
_ Não precisa me jurar nada. Não tenho nenhum compromisso contigo e nem pretendo ter. Faça da sua vida o que bem entender.
_ Eu não sou promíscuo. Era o meu trabalho. Mas quando amo de verdade, posso ser fiel como um cão. E é a você que eu amo. Eu comprei uma cama de casal assim que me mudei pra cá. O seu lado da cama ninguém dorme. Ele tá lá, a sua espera. Até o dia que você se tocar que também me ama e abrir mão desse orgulho bobo.
_ Acho melhor concentrarmos no trabalho.
Leandro parou por instante e olhou para Abner com tristeza.
_Eu preciso te fazer uma pergunta desagradável. Por favor, preciso que me responda e com sinceridade.
_ O que você quiser saber.
_ Você amou o Júlio?
Abner respirou fundo, pondo o cachorro-quente no prato. Olhou no fundo nos olhos de Leandro e disse:
_ Eu prometi a mim mesmo que nunca mais mentiria para você. Eu confesso que não gosto de falar sobre este assunto, já que tenho muito ódio por aquele homem. Não só pelo que ele fez comigo. Creio que mereci muito, mas por todo mal que ele te causou. Porque você sim, não merecia e não merece nenhuma das sacanagens que aquele pilantra te fez. Mas você merece ter todas as respostas que deseja ter. Por mais que me envergonhe dizer, tenho que ser sincero. Sim, eu o amei...mas não chegava a um milímetro perto do amor que sinto por você.
Leandro permaneceu em silêncio. Não conseguia sentir raiva de Abner, mas um incômodo consigo mesmo.
_ Eu não consigo me perdoar por isso.
_ Você não teve culpa de nada. Ele era o adúltero e eu o safado por ter me envolvido com um homem casado.
_ Você não foi o único. Houveram muitos outros. Eu sabia, sempre soube, mas mesmo assim ficava. Me apegava a sei lá o que...a uma burrice de acreditar que um dia ele ia mudar, que a porra da culpa era minha por não ter sido bom o suficiente pra ele. Que merda! Por que eu não saí antes?! Por que deixei que a minha vida chegasse aonde chegou?
_ Se perdoe por não saber ontem o que você sabe hoje. Você não merece sofrer pelas vezes que aceitou aquilo que não merecia. Lembre-se que você foi induzido a agir daquela forma, tanto por ele quanto por pessoas da sua família, que deveriam te dar apoio, mas preferiram pensar no próprio bolso. Júlio agiu da forma mais covarde e cruel que um ser humano pode agir com o outro. Ele cometeu abuso psicológico e te fez acreditar que era culpado por isso.
"Mas você é uma pessoa incrível! Mesmo ele te ferindo por anos, não conseguiu te destruir. Você está vencendo a cada dia sem precisar sujar as mãos. E olha onde você está. Olha onde ele está. Você é amado e admirado. Ele está preso e só. Então, nunca mais se torture ou se culpe pelo que ele fez com você. A culpa é só dele."
Leandro respirou fundo, decidido que não choraria. Ergueu a cabeça.
_ Você tem razão. A culpa é toda dele, ele que carregue o peso e não eu.
_ É assim que se fala.
_ Então, vamos trabalhar?
_ Claro.
Passaram a noite dedicando a conversarem sobre o evento, tomando decisões importantes para a ocasião, o que foi muito produtivo para ambos.
Conforme as horas iam avançando, os assuntos foram se tornando mais agradáveis, provocando nos dois boas risadas.
A hora da despedida foi a para Abner como a mais insuportável das inimigas. Queria prolongar o tempo em que estava com Leandro, se fosse possível eterniza-la.
Abner o acompanhou até onde Leandro havia estacionado o carro. Zelava por sua segurança e almejava passar algum resto de tempo com o amado.
_ Eu fico feliz que estamos conseguindo trabalhar juntos isso está sendo muito importante pra mim.
_ É...somos bons profissionais. Até passamos por cima das nossas diferenças._ Leandro disse sorrindo.
_ E quando o evento acabar? Eu não quero ser o seu inimigo. Não quero ser um alguém que você despreza ou odeie.
_ Eu não te odeio. E nem tem como te desprezar, porque você sabe ser impertinente o suficiente para não ter a presença despercebida.
_ Posso ser pelo menos o seu amigo?
_ É...talvez...vai depender de muita coisa...
_ De quê?
_ Eu não te conheço direito. Quem sabe com o tempo e te conhecendo melhor, pode ser que sejamos amigos... não amigos íntimos como sou da Val e da Patrícia...mas uma amizade de boa convivência.
_ Prometo fazer de tudo pra merecer isso.
Ambos trocaram sorrisos ao se despedirem.
Abner permaneceu parado, observando o carro de Leandro partir.
_ Aaaaaah como eu amo esse homem, meu deus! Como eu amooooo!_ Abner exclamou tomado por uma alegria que transbordava em seu coração.
...
_ Porraaaaa! Que merdaaaaa!
Era possível ouvir os gritos de Júlio pelos corredores da delegacia. O motivo da sua indignação foi ouvir de Rubens que o pedido de trocar a pena de prisão por outra tipo de penalidade foi negado pelo juiz responsável pelo caso.
_ Se controla, Júlio._ Rubens pediu calmo e sério, sentado na cadeira da sala de visitas da delegacia.
_ Me controlar é o cacete. Eu não pago um bom salário pra vocês para que façam um serviço de merda!
_ Júlio, nós estamos fazendo o melhor que podemos.
_ Eu sei que é possível converter a pena em fiança. É simples assim, porra!
_ Não no seu caso. Primeiro você foi acusado pelo Abner por tentativa de assassinato. Na época, nós conseguimos um habeas corpus para que você possa aguardar o julgamento em liberdade. Aí o Abner entrou com um pedido de medida protetiva, era só você cumprir. Mas não, você tinha que se atracar com a bicha. E para piorar, Abner levou o caso á impresa. Nós estamos sendo procurados com frequência por jornalistas, e a maioria sensacionalistas.
_ Não vai me dizer que vocês cometeram a burrice de dar entrevistas?
_ Claro que não! Mas o Abner resolveu pôr a boca no mundo. Ele participou de uma coletiva de imprensa. E concedeu uma entrevista ao JC repórter. O que é ruim para nós, já que esse é o programa de maior audiência do Brasil. Eles vão dedicar um programa inteiro sobre o caso.
_ Que merda! Por que esses holofotes todos em cima de mim? Por que essas porras não falam sobre alguma celebridade?
_ Júlio, você é um dos melhores advogados do país e homossexual assumido. Você sabe que a comunidade LGBTQA+ sempre usou a sua relação com o Leandro como modelo. E você explorou muito isso, mesmo a contra gosto do Leandro. Você sempre gostou de se exibir como o homem que tem um casamento perfeito e a vida perfeita. Esse é o motivo de você está em evidência.
"Para piorar ainda mais a sua situação, estamos perdendo clientes por conta disso. Nem todos os nossos clientes fazem parte dos nossos esquemas. Nós sempre ocultamos isso dos clientes honestos. Agora muitos deles estão querendo cortar vínculo profissional com a firma, porque não querem estar ligados a um advogado que descumpre a lei.
"Tava tudo tão bem, quando os seus problemas com o Abner não foram levados a público. Mas você tinha que se deixar levar pelo seu ciúme.
"Ainda tem mais, você não sabe quem é a equipe jurídica do Abner... É a GVC advocacia, o duende verde do seu Homem-Aranha. Como a sua principal concorrente, pra a empresa é um prato cheio sujar a sua imagem em público, vão cair matando em cima dos clientes que estamos perdendo."
_ Mas o Abner é um fodido. Ele tem grana para pagar a GVC!
_ E garanto que não está pagando um real. Segundo o meu informante, eles ofereceram assistência jurídica para o Abner de graça. Tudo pra ferrar a concorrência...que no caso somos nós.
_ Que merda!_ Júlio gritou, socando a mesa._ A perda de clientes está sendo muito grande?
_ Nada devastador. Mas sabe que dinheiro nunca é demais. O pior é que com esse escândalo, dificulta as coisas com o Juiz.
_ Quem é o Juiz?
_ Nelson Martínez.
_ Eu sabia! Esse filho da puta vai se candidatar a governador e fica com o lema de que é contra a impunidade. É óbvio que ele vai querer pagar de correto diante da imprensa. Filho da puta! Eu conheço esse desgraçado. Já cansou de aliviar a barra pra muita gente que molhou a mão dele.
_ O pior é que estamos em ano de eleição e o seu nome tá em evidência. O Nelson não vai querer ficar mal na fita porque autorizou a sua liberdade, por ser rico.
_ Tá. E por quanto tempo vou ficar aqui?
_ Nós vamos fazer o possível pra que não seja por muito tempo. Mas creio que pelo menos uns quinze dias a um mês.
Júlio arregalou os olhos furioso.
_ "Quinze dias a um mês?!" Você tá maluco, Rubens?! Eu não posso ficar esse tempo todo aqui.
_ A sua pena de prisão preventiva foi de três meses. Você já tentou matar o Abner e agora foi denunciado por agressão. Se não fosse quem fosse, seria transferido para um presídio e ficaria lá até o julgamento. Então, sossega o facho, homem! Mas eu vou tentar dar o meu melhor!
_ Caralho! Eu não posso ficar preso, enquanto o Leandro fica por aí se esfregando com o Abner!
_ Júlio, você tá se escutando? Você está preso, perdeu clientes e a sua preocupação é com a vida sexual do Leandro?! Bicha, para! Você tá doente! Júlio, pelo amor de deus, veado! Olha onde você está por causa dessa história! Esqueça o Leandro de uma vez por todas!
_ Esquecer?! É por culpa dele que estou aqui! Eu não vou deixar isso barato! O Abner vai me pagar...ah se vai! Vai me pagar muito caro! E o Leandro tá se achando, crente que tá livre de mim. Mas aí que ele se engana. Só está preso numa coleira, na hora certa, eu vou puxa-la e a minha cadelinha vai comer de novo na minha mão. E dessa vez vai ser pior. Eu vou marcar em cima mesmo. Não deixar uma brecha pra que me traia de novo.
_ Sinceramente, eu não sei mais o que fazer por você a não ser te recomendar um psiquiatra.
_ Guarde as suas recomendações onde o sol não bate e faça a porra do seu trabalho de me tirar daqui o quanto antes. E mais, se o lado de lá vai usar a imprensa para me atacar, vocês vão trabalhar com uma assessoria de imprensa para me defender.
_ Nós não temos uma assessoria de imprensa! Você nunca achou necessário ter.
_ Claro que nunca achei necessário! Nunca precisei de uma! Agora contrate, porra! E quero me manter informado de tudo. Trouxe o meu notebook e smartphone?
Rúbens confirmou com a cabeça. Retirou os objetos da maleta e entregou ao patrão.
_ Perfeito. Todas as nossas reuniões serão via chamada de vídeo.
Assim que saiu da delegacia, Rubens foi direto para a casa de Vanessa. A menina o aguardava acompanhada de dona Dirce. Ambas estavam aflitas a espera de noticias sobre Julio.
_ Está tudo bem com ele. Como o Júlio tem diploma de curso superior, ele está numa cela especial. E também consegui que ele tenha conforto lá dentro. That if you have money, everything gets easier! (se tiver dinheiro tudo é mais fácil ").
_ Mas ele vai ficar bem mesmo, Rubens? Vocês levaram roupas e produtos de higiene pessoal?
_ Sim, dona Dirce. Ontem mesmo, uma de nossas funcionárias providenciou tudo isso. Hoje eu só levei o notebook e o smartphone.
_ E isso pode?
_ No Brasil até um fodido tem isso na cadeia, vovó. Não seria o meu pai que não teria._ respondeu Vanessa.
_ Eu não sei onde Júlio está com a cabeça! Esse menino perdeu completamente o juízo! Pra que foi se meter numa confusão dessas? Ele deve aceitar que o casamento acabou. Meu deus, eu morro de medo que isso termine em tragédia! E sem contar que estou com muita pena do Leandro. Coitado!
_ A culpa é toda do Abner, vovó. Ele além de ter arrumado toda essa confusão. Está expondo tudo na imprensa. Até pra mim sobrou. O meu pai Leandro me mandou desativar as redes sociais. Eu perdi o meu Tik Tok!
_ Isso não é o fim do mundo, Vanessa. Até que Leandro fez muito bem. Com toda essa exposição, na certa você receberia muitos comentários homofóbicos de gente maldosa só por se filha de um casal gay. O Leandro só está preocupado com a sua integridade._ observou Rubens, que recebeu a concordância de dona Dirce.
Leandro recebeu a notícia da prisão de Júlio no mesmo dia através da ligação da filha.
De primeira, ficou preocupado com o estado emocional da filha. Em seguida, sentiu-se aliviado, uma sensação de justiça sendo feita.
_ Aquele homem me fez tanto mal que, sinceramente, eu fico muito feliz por saber que ele está preso._ Leandro comentou com Valéria, que abriu uma garrafa de vinho para comemorar.
_ Você não deveria sentir outra coisa a não ser isso.
Leandro pegou a taça de vinho da mão da amiga e sorriu.
_ E a Vanessa? Creio que você deva querer ficar com ela.
_ Sim. Quero muito. Mas ela me disse que vai passar o dia com a dona Dirce, para acalma-la um pouco. Mas vou buscar a minha filha amanhã_ O que você está fazendo aqui?_ Vanessa perguntou com raiva ao ver Luciano sentado no sofá da sua casa.
Ela observou que ele não vestia as roupas formais que usava no escritório. Trajava uma bermuda jeans de cor preta, uma camisa branca de algodão e chinelos.
_ Vou ficar aqui com você até o seu pai voltar.
Debochada, Vanessa arqueou a sobrancelha e bateu os pés.
_ E quem iludiu a senhora?
_ O seu pai me mandou ficar aqui e te vigiar, já que você está de castigo. Pelo que mesmo? Ah, lembrei. Por ser o que me acusa, uma garotinha promíscua, uma putinha.
_ Hum! Eu gosto dessa palavra: putinha! Ainda mais quando o cara diz "Venha, minha putinha". Mas pode tirando a vassoura da chuva e voltando pro seu galinheiro, porque o meu pai Leandro tá vindo me buscar.
Nesse momento, o som da campainha tocou. Vanessa atendeu empolgada.
_ Paaaai!_ ela disse abraçando Leandro.
_ Então, vamos, meu amor?
_ Entre, eu só vou lá pegar as minhas coisas.
Ao entrar e perceber a presença de Luciano, Leandro o cumprimentou com um aperto de mão. Vanessa subiu correndo as escadas para o quarto. E retornou muito rápido, portando uma mochila nas costas.
_ Vamos._ Vanessa disse, dando aos mãos ao pai.
_ Sinto muito, Leandro, mas recebi ordens do Júlio para não deixar que Vanessa saia de casa.
Leandro o olhou confuso. Não gostou nada do que ouvia.
_ Como assim? Você tá me dizendo que não posso levar a minha filha para a minha casa?_Leandro perguntou indignado.
_ Não. O Júlio me disse que você só tem permissão para pegá-la aos fins de semana e hoje ainda é quarta-feira.
_ Muito luta pra você, gata. Beijos e não me ligue._ debochou Vanessa, antes de sair de mãos dadas com Leandro, esse também saiu sorrindo.
_ Vanessa, volte aqui! Vanessa! Eu vou contar tudo pro seu pai! Garota insuportável!
Luciano andou em passos largos. Tinha a intenção de impedi-los de chegarem até o elevador. Foi mais ágil ao se por de frente a eles, bloqueando a saída, quando encostou as costas do elevador.
_ Leandro, eu sinto muito, mas eu sou funcionário do Júlio e devo cumprir ordens. Ele me disse que a Vanessa não tem permissão para ir com você durante os dias que são dele.
_ Saia da frente, palhaço!_ Vanessa gritou batendo os pés.
Leandro o fitou no fundo dos olhos. Penetrou o seu olhar sério de um jeito tão intenso, que fez Luciano sentir um pouco de medo.
_ Olha aqui, eu vou levar a minha filha comigo sim. Estou pouco me fodendo se você recebeu ordens ou não. Eu e Júlio dividimos a guarda da Vanessa, e no momento, ele está ausente. Logo, é meu direito levar a minha filha. Ou você saia da minha frente agora, ou...
_ "Ou" o quê?_ Luciano perguntou com a cabeça erguida com um tom desafiador.
_ Ou você vai ter que encarar a ira de um pai que não está disposto a deixar a filha dele com um estranho. Está disposto a isso?
Os dois se encararam por uns segundos. Leandro não tinha a intenção de abrir mão da filha, chegando até a cogitar usar os pulsos, caso fosse necessário.
Luciano não gostou nada de ser desafiado por Leandro. Mas não queria começar uma briga.
_ Leandro, não é nada pessoal, mas eu tenho que prestar contas com o Júlio.
_ Disso cuido eu. Agora saia da minha frente.
Luciano se afastou, abrindo caminho para que eles pudessem entrar no elevador, que acabara de chegar. Sorrindo, Vanessa mostrou o dedo do meio antes que as portas se fechassem.
_ Bom...pelo menos não vou ter que pagar de babá para aquela insuportável_Amiga, eu me segurei pra não meter a mão na cara dele!_ Leandro disse bufando.
Estava sentado ao lado de Valéria, no banco do passageiro, enquanto ela dirigia ouvindo o seu relato.
Após deixar Vanessa em casa, Leandro e Valéria se dirigiram até a livraria. Mesmo com todo aqueles caos, Leandro não poderia se dar ao luxo de suprir a sua vontade de ficar em casa. O evento estava se aproximando e precisava trabalhar duro para que tudo desse certo.
_ Você deveria ter batido. Cara abusado! Tá se achando só porque tá fodendo com o Júlio. Esse tal de Luciano fica com essa marra toda, mal sabe que logo vai ser descartado. Dúvido que Júlio vai levar ele a sério.
Leandro quis dar continuidade ao assunto. Mas a sua narrativa foi interrompida pela mensagem de texto que recebeu de Patrícia, notificando que havia vários repórteres na porta da livraria. Eles desejavam muito que Leandro concedesse uma entrevista.
_ Mais essa agora.
_ O que houve?
Leandro explicou a amiga o que os esperavam na porta da livraria e o quanto odiava toda aquela exposição.
O carro estava mais próximo do destino, quando Valéria estacionou.
_ Amiga, não quero dar entrevista nenhuma! Porra, essa é a minha vida pessoal! Isso tudo é muito invasivo!
_ Fique aqui! Eu vou lá resolver isso._ Valéria ordenou, saindo do carro, deixando Leandro sem entender o que estava acontecendo.
_ Val! Val! Volta aqui, mulher!_ Valéria seguiu andando, ignorando os chamados de Leandro._O que será que essa louca vai aprontar?
Valéria se aproximou dos repórteres com seu andar rebolativo, sobre os saltos das suas botas de cano alto.
_ E aí, negada? Posso saber que Chacrinha é essa aqui na porta da livraria do meu amigo?
Uma das jornalistas mirou o microfone para Valéria e perguntou:
_ A senhora conhece o casal? É íntima?
_ Sim. Conheço o casal. Mas sou só amiga do Leandro.
Todos os outros jornalistas miraram os microfones e as lentes das câmeras para Valéria, fazendo inúmeras perguntas.
_ Eeeeeee! Eu não vou responder pergunta nenhuma. Só vou dar algumas declarações!
_ A senhora se importa de falar ao vivo?_ perguntou um dos repórteres.
_ De jeito nenhum. Melhor ainda.
_ Como é o nome e a profissão da senhora?
_ Valéria Andrade e sou empresária.
_ Estamos ao vivo aqui em frente a Livraria das roseiras, ao lado da empresária e melhor amiga de Leandro Toledo, Valéria Andrade. Valéria, o que a senhora tem a dizer a respeito do ocorrido entre o advogado Júlio Medeiros, o livreiro Leandro Toledo e o seu amante, empresário Abner Marques?
_ Em primeiro lugar, Abner Marques não é amante do Bijuzinho e sim ex amante do Júlio.
_ No caso o Bijuzinho é o Leandro Toledo?_ perguntou uma das jornalistas.
_ Os estafermos do Abner e do Júlio é que não são, né querida.
_ Mas o doutor Júlio disse que foi traído pelo esposo, afirmando que Leandro Toledo teve um caso extraconjugal com Abner.
_ Mentira. Se tem algum safado, infiel e cretino nessa história é o Júlio.
_ A senhora...
_ Me dá esse microfone aqui, querida._ ao tomar o microfone da reporte, Valéria prosseguiu._ Eu não vou responder mais nada
Só tenho a dizer que Leandro não quer dar entrevistas sobre esse assunto, Júlio é um safado que deve apodrecer na cadeia e que na primeira semana de agosto ocorrerá nesta livraria um grande evento literário organizado pela Livraria das roseiras em parceria com a editora Novo mundo. Teremos as presenças de autores ilustres, tradutores, professores renomados e ilustradores. Todas as informações podem ser encontradas no perfil da @livraria_ das_ roseiras no Instagram. Aproveitem e seguem o perfil para não perderem as ofertas do dia e todo o catálogo da programação. Um abraço a todos e é só isso.
Valéria entregou o microfone a repórter e entrou na livraria, fechando a porta, deixando os repórteres curiosos para saber mais a respeito das brigas conjugais do casal.
Leandro aproveitou a distração dos jornalistas e entrou pela porta dos fundos. Orientou Patricia para que abrisse a livraria somente quando os repórteres fossem embora.
Para a sua surpresa, recebeu uma ligação de Alberto.
_ Leandro do céu, quem é aquela diva que deu entrevista na TV? Aquela rainha aproveitou os holofotes para divulgar o nosso evento.
Leandro ouvia abismado as palavras de Alberto. Apesar de não gostar nada de toda a exposição que estava vivendo, ele conseguiu sorrir com as atitudes da amiga.
O efeito de tudo aquilo foi inesperado para Leandro. Devido a entrevista de Valéria, o número de seguidores no perfil do Instagram da livraria aumentou em grande escala, junto com a chegada de novos clientes também.
Uns muito educados não perguntavam nada sobre a vida pessoal de Leandro, apenas desfrutavam do ambiente e o elogiando, e outros curiosos não resistiram em perguntar, mas Leandro, gentilmente, deixava claro que não falaria sobre a sua vida pessoal.
...
Era uma manhã ensolarada quando uma bela jovem de cachos dourados entrou na livraria. Seu sorriso era de uma simpatia acolhedora, daqueles que transmitem paz e aconchego. Vestia um casaco de lã rosa claro e uma calça jeans justa ao corpo, a jovem trazia em mãos uma pasta e uma mochila de pano nas costas, aparentando ser uma estudante universitária.
Foi recebida pela mesma cordialidade que Leandro e Patrícia recebiam todos os clientes. Ela respondeu do mesmo tom.
A jovem percorreu a livraria encantada com tudo que via ao seu redor. Parou rente ao piano e o contemplou com admiração. Pegou um exemplar de A garota que não se calou, da autora Abi Daré e perguntou a Leandro se o livro era recomendável.
Leandro a convidou para sentar no sofá, sentando ao seu lado. Estava empolgado demais para falar de um dos livros que mais amou ler na vida.
_ Trata-se de uma obra nigeriana, que conta a história de Aduni, uma jovem de quatorze anos que luta contra as situações deploráveis que vive para poder estudar e obter sua voz através da educação e poder ajudar outras meninas iguais a ela.
"A narrativa é simplesmente fantástica! É em primeira pessoa, e a personagem, por não saber inglês corretamente, narra de um jeito coloquial. Mas á medida em que a protagonista evolui nos estudos, sua escrita melhora na mesma proporção."
_Que interessante!_ exclamou a moça com sinceridade.
Leandro também explica que o enredo é empolgante e o quanto se identificou com a personagem por amar e ser grata aos livros. Acrescentou que também havia na história informações importantes sobre a Nigéria que foram enriquecedoras na leitura.
Além de A garota que não se calou, Leandro indicou outros livros com tanta paixão, que foi inevitável que a mulher não comprasse todos os exemplares indicados.
Ao final das compras, a mulher se apresentou como Paloma Britto, informando que possuía um canal no YouTube e que gostaria que Leandro cedesse a ela uma entrevista.
A princípio Leandro negou. Temeu que fosse uma repórter disfarçada de booktuber para entrevista-lo sobre o caso de Júlio.
_ Eu confesso que cheguei até aqui por causa da entrevista da sua amiga. Ela indicou a livraria e eu fiquei encantada. Por esse motivo resolvi vir visitar o local.
_ Eu fico honrado pelo convite. Agradeço de verdade. Mas não me sinto a vontade para aparecer em público enquanto tudo isso está em evidência.
_ Eu compreendo. Mas posso te deixar o meu cartão de visitas, caso mude de ideia?
_ Claro.
A moça retirou da mochila e o entregou sorrindo, apesar de lamentar por ter sua entrevista negada. Ela saiu em seguida, cruzando com Vanessa na porta.
Vanessa ficou parada, olhando admirada Paloma se afastar e entrar no carro.
_ Puta que pariu! Puta que pariu!
_ O que foi, garota?!_ Patrícia perguntou confusa.
_ Patrícia, era a Paloma Britto! Ela é simplesmente uma das maiores booktubers do Brasil! Caralhoooo!
Patrícia e Leandro olharam confusos para Vanessa.
_ Você não sabia, pai?
_ Soube depois que ela se apresentou.
_ Que tipo de livreiro é você que não conhece Paloma Britto?! Pai, ela é a primeira booktuber brasileira! O canal dela bomba muito! Tudo que essa mulher indica do mercado editorial vende como água no deserto.
Patrícia deu um leve tapinha no braço de Leandro.
_ Homem do céu! Você se negou a dar entrevista pra ela!
_ Como assim?! Eu ouvi direito? Paloma Britto quis entrevistar o meu pai e ele se negou?! Fico maluco, cara?!
_ Eu pensei que ela fosse uma repórter como os abutres que me procuram para saber do Júlio. Pra mim, ela só estava usando a história do canal de livros para conseguir uma entrevista.
_ Sorte que ela deixou um cartão de visitas, caso o Leandro mude de ideia.
_ Ah mas você vai ligar pra ela agora.
Devido as insistências da filha e da amiga, no mesmo Leandro ligou para Paloma Britto marcando a entrevista para o dia seguinte.
O encontro aconteceu na livraria.
Além de responder as preguntas, em video Leandro mostrou a livraria em detalhes desde o jardim até a parte interna.
Vanessa também esteve presente e pediu para tirar uma foto com a booktuber. Tinha a intenção de postar, assim que Leandro a autorizasse a reativar as suas redes sociais.
Paloma se despediu depois de lanchar com todos ali presente. Prometeu que o vídeo iria ao ar na sexta-feira daquela semana.
Vanessa era a mais empolgada com tudo. Convocou a todos os amigos, parentes e conhecidos para assistirem ao vídeo da Paloma sobre a livraria do pai. Enviou para todos o link do vídeo e pediu que o compartilhassem.
Devido a indicação da booktuber, o número dos clientes aumentaram ainda mais que na semana anterior, o que foi satisfatório para a conta bancária da livraria.
...
Ao ver Vanessa depois de dias, Júlio sentiu o coração pesar de saudades e a abraçou com muita força, tentando conter o choro.
Para Vanessa também era doloroso ver o pai preso. Sentia-se muito triste por isso.
A visita ocorreu numa tarde de domingo. Ela foi acompanhada por dona Dirce, que aguardava a sua vez na sala de espera.
_ Como você está, pai?
_ Estou bem. E você, minha vida?
_ Bem na medida do possível. As minhas férias estão acabando e...que merda! Eu não tô bem porra nenhuma! Não queria te ver aqui neste lugar! Não acho justo! Você precisa sair daqui!
_ Não se preocupe com isso! Eu vou sair o mais rápido possível. E como está o seu pai? Acredita que até hoje ele nunca veio me visitar? Ele não tem nenhuma consideração por mim. Ignora o fato que vivemos juntos por anos. Creio que não vem para não contrariar o amante.
_ O meu pai não tem nada com Abner.
_ É o que ele te diz.
_ É verdade. O meu pai Leandro trabalha muito. Quase não tem tempo pra nada! A livraria é um sucesso!_ Vanessa disse orgulhosa, com um brilho nos olhos._ Ele até contratou um funcionário novo para ajudar! O meu pai é tão bom no que faz! Todo mundo que entra naquela livraria e conversa cinco minutos com ele sai de lá encantado e compra tudo que ele indica! Também o meu pai fala de livros com tanta paixão, que ele transmite esse sentimento através das palavras!
_ Leandro sempre gostou de brincar de leitor apaixonado! É só um passa tempo._desdenhou Júlio.
_ Aí que você se engana, pai. O meu pai Leandro está vendendo muito! É verdade! E olha que ainda nem rolou o evento! Ele tá até pensando em me levar para viajar em janeiro! E o do jeito que ele é competente, não duvido nada que vai expandir a livraria e abrir muitas filiais. Ele é um máximo.
Júlio ouvia sem dizer uma palavra. Sentia a raiva devorar o seu coração. O sucesso do seu ex marido o ofendia profundamente.
Júlio fingiu um sorriso para que a filha não percebesse o seu descontentamento.
_Ah que bom! Fico tão feliz por isso! Apesar de tudo que ele me fez, só o desejo o bem._Julio mentiu, dissimulado.
Júlio aproveitou mais um pouco a visita da filha, em seguida a da tia até ser notificado que uma terceira pessoa aguardava para vê-lo. Pensou se tratar de Rubens. Mas se surpreendeu ao ver Irene entrando altiva na sala.
_ O que você tá fazendo aqui, vaca?!_ Júlio perguntou com raiva.
_ Eu vim ver o meu amado genro._ Irene respondeu com ironia.
_ Saia daqui!
_ Não sem antes te dizer uma coisa.
_ Eu não tenho o menor interesse em te ouvir. Fora!
_ Eu sei quem é a mulher misteriosa que apareceu no aniversário da sua filha.
Júlio arregalou os olhos de espanto.
_ Então, vamos falar de negócios?_ perguntou Irene, sentando e cruzando as pernas.