(Olá. O conto dessa vez foi adaptado/reescrito, e o trabalho não foi só meu. Gente muito mais capacitada colaborou decisivamente. Curtam aí, que este é de uma espécie rara por aqui.)
***
A data era quinta-feira, 11 de junho de um ano muito lá atrás . Minha namorada tinha terminado comigo depois de sete meses, exatamente uma semana antes. Eu estava em um estado de tristeza constante e não conseguia entender por que ela terminaria comigo tão perto do Dia dos Namorados. Fui sozinho ao cinema para ver um filme que nem me lembro mais o título e, uma vez que acabou, não tive vontade de voltar para casa e encarar o meu apartamento vazio.
Eu dirigia sem rumo, e me deparei com um pequeno bar onde costumavam tocar blues e country. Decidi parar para uma bebida, eram 23:15, o suficiente para que eu pudesse entrar, beber e sair antes da meia-noite. Não tinha planos de ficar bêbado pois eu precisava trabalhar logo pela manhã, mas um par de doses não seria problema. Sentei-me e esperei pela garçonete. Pouco antes de ela chegar à minha mesa, notei uma jovem loira sentada umas quatro mesas adiante, e ela também estava sozinha.
— Oi, eu sou a Tina — disse a garçonete. — Boa noite, o que você vai querer, meu caro?
— Gim com limão. Ah, você sabe se aquela mulher está aqui com alguém?
— Acho que não, ela está aqui sozinha já faz quarenta minutos.
— O que ela está bebendo?
— Bourbon e Coca-Cola.
— Por favor, sirva mais outro por mim.
— Claro, querido.
Um homem e duas mulheres eram os outros únicos clientes no bar, sentados mais ao fundo. Eu os olhei por poucos segundos, então logo meus olhos estavam de volta para a loira. De onde eu a observava ela parecia nem ter dezoito anos, mas devia ter mais se ela estava tomando Bourbon. Usava uma blusa púrpura de mangas compridas, uma calça jeans azul escuro, e sapatos pretos de salto alto. Eu precisava preencher meu tempo, então, ficar reparando em sua roupa era uma coisa tão boa quanto qualquer outra.
Tina chegou e entregou a minha bebida, depois foi até à loira e entregou a bebida que eu oferecera. Ela apontou para mim, e depois foi atender os três outros clientes. A loira, em agradecimento, inclinou a cabeça enquanto levantava um pouco o copo, tomou um gole e… nada mais. Ela estava olhando para o copo vazio quando entrei no bar, e agora ela olhava para a nova dose. Não me virei em direção a ela. Achei que se ela quisesse falar, teria se esforçado para responder ao meu sinal óbvio.
Passados 15 minutos, ela finalmente veio até minha mesa, e quanto mais perto ela chegava , mais bonita ela ficava. Ela parou talvez a dois passos, e puxou seu cabelo para trás, deixando apenas sua franja na frente:
— Obrigada pela bebida — disse ela em um tom humilde — Isso foi legal da sua parte.
— Você gostaria de se juntar a mim?
Ela pareceu matutar sobre aquilo, então disse:
— É melhor não. Sem ofensa...
— Sem problema. Se você mudar de ideia...
— Obrigada — disse ela com um sorriso recatado.
Essa foi a primeira palavra que apareceu na minha mente. Recatado. Não me lembro de uma única vez de ter usado antes para descrever o sorriso de uma mulher, e não me lembro de ter feito novamente desde então, mas ali, naquele instante, era recatado, e era lindo.
Enquanto ela voltava para sua mesa, eu vi que seu cabelo loiro estava preso formando um rabo-de-cavalo e descia direto a parte baixa de suas costas. Também notei que ela preenchia aquele jeans muito bem...
Nunca fui muito fã de música country, mas havia algumas músicas que reconhecia e não me importei de ficar sentado ali enquanto bebia meu drink.
De repente, a loira voltou e perguntou se podia sentar. Eu me levantei e segurei uma cadeira para ela. Ela se sentou, e tomando um gole da bebida disse:
— A vida é louca, não é?
— Como assim?
— Somos vítimas do destino, ou falsificadores do destino? — Ela perguntou.
Não respondi, pois acreditava que a pergunta era simplesmente retórica. Ela finalmente acrescentou:
— Estou em uma posição onde se espera que eu faça a coisa certa, mas, é a coisa certa para agradar todos ao meu redor, ou para agradar a mim mesmo?
— Você não pode viver sua vida com base nas expectativas dos outros — disse a ela — Se você fizer isso, então você nunca vai ter um momento de verdadeira felicidade.
Ela suspirou.
— Eu sei, eu sei. Se eu fizesse o que todos querem, eu poderia ser feliz. Finalmente. É que.... Eu não sei. Eu sinto que eu estaria abrindo mão de muita coisa fazendo isso.
— Não quero me intrometer, mas sem eu saber do que você está falando, é um pouco difícil dar qualquer tipo de resposta coerente.
Ela olhou para o relógio.
— 11:55. Vem dançar comigo.
Ela agarrou minha mão e ficou de pé, mas eu fiquei sentado.
— Há algo errado? — Ela estranhou.
— Eu não sei dançar.
— É fácil. Vem. Eu ensino.
Havia já bebida suficiente e desejo suficiente dentro de mim para me fazer ficar de pé. Ela me levou para a pista de dança e foi dando instruções básicas: pé aqui, pé ali, mexa assim...
— Entendeu?
— Sim — eu disse com um sorriso inquieto.
Tocava "Seven Year Ache", de Roseanne Cash. Era lenta o suficiente para eu não me sentir pressionado, e deu tudo certo. Logo depois veio "Morning Angel" de Juice Newton. A loira e eu continuamos em nosso ritmo lento e fácil.
— Eu nem sei seu nome — eu disse.
— É Laura.
O DJ pegou o microfone e disse com zero de entusiasmo:
— É meia-noite, senhoras e senhores. Já é oficialmente Dia dos Namorados. Se você não está com quem você ama, então ame a pessoa com quem você está.
Eu inclinei meus 1,80m e me movi para beijar Laura. Ela inclinou a cabeça ligeiramente, mas assim que nossos lábios se tocaram, ela puxou a cabeça para trás.
— Não, eu não posso. Eu sinto muito...
Ela virou-se para ir embora, mas eu a segurei pelo pulso. Não fiz muito forte. Uma pequena pressão poderia tê-la liberado.
— Por favor, não vá — eu pedi. —Eu não vou fazer isso de novo. Prometo.
Ela se voltou para mim e colocou a cabeça contra o meu peito. Continuamos a dançar até a música acabar, então ela me conduziu de volta para a mesa. Nos sentamos. Ela bebeu o resto do drink, eu fiz o mesmo, então pedi mais um de cada e a conta.
Ficamos em silêncio até que os drinques chegaram. Laura tomou outro gole antes de dizer:
— Vou voar amanhã, bem, é hoje, para a Europa. Eu devo me casar.
— É isso que está em conflito na sua cabeça? — Perguntei.
— Ele tem dinheiro. Meu futuro está assegurado.
— Mas você não o ama — Rebati.
Ela riu.
— Nesse momento, tenho mais sentimentos por você do que por ele.
— Então não vá — Sugeri.
— Eu gostaria que fosse tão fácil — ela respondeu — mas não é.
— Laura, você falou mais cedo algo sobre destino versus destino. Tudo o que posso dizer sobre isso é que eu não acredito no destino. Acredito que todos controlamos o bem e o mal que nos cabem com base nas decisões que tomamos, e se você está baseando sua decisão de se casar com qualquer outra coisa que não seja amor, não vai durar. É isso, ou você vai se tornar uma daquelas esposas troféu que toma Valium com vinho o dia todo para amenizar sua dor por uma decisão tão terrível.
Ela começou a chorar.
— Estou com tanto medo. Eu venho do nada, e ele me deu tudo o que eu poderia esperar.
— Exceto amor — eu lembrei.
— Talvez a culpa seja minha, e não dele. Talvez eu tenha sido ferida tantas vezes que eu sou incapaz de coisas como gratidão verdadeira e amor puro.
Sinalizei chamando a garçonete. Para Laura eu disse:
— Gostaria de ter uma resposta fácil para você, Laura, mas eu não tenho. Esqueça o destino. Forje seu destino. Faça o que você acha que é certo para você.
Tina chegou na mesa, peguei a caneta dela emprestada e escrevi em um guardanapo. Passei o guardanapo para Laura:
— Este é o meu nome e número de telefone. Não vou trabalhar até as nove. Se você mudar de ideia e decidir ficar, ligue e me avise, porque eu realmente gostaria de vê-la novamente.
Ela olhou para o guardanapo e sorriu.
— Sean...
Eu virei minha bebida enquanto ela bebia a dela.
— Não posso prometer que eu ligo, mas obrigado pela alternativa.
Peguei a mão direita dela e beijei-a. Ela inclinou-se para a frente e beijou minha bochecha.
— Feliz Dia dos Namorados.
— Para você, também— eu respondi. — E seja o que for que você decidir, apenas certifique-se de que está fazendo isso por si mesma.
Eu lhe dei boa noite, e depois fui para casa.
Mais tarde naquela manhã eu fui acordado pelo toque do meu telefone. No relógio vi que eram cinco da manhã.
— Sim? — Eu disse sonolento.
— Ei, é o Dan. — o meu chefe. Eu trabalhava na divisão de Obras Públicas da cidade. — Se você quer algumas horas extras, pode trabalhar na estação de tratamento de água hoje, mas você precisa chegar lá imediatamente.
— Sim, sim — eu disse um pouco irritado.
— Esteja lá daqui a pouco, sem atrasos por favor. — Ele foi direto.
Entre me levantar, fazer a higiene, comer uma fruta e sair, mal se passaram 15 minutos.
Foi um dia infernal. Só cheguei em casa às 17h30, e estava cansado. Verifiquei as mensagens da minha secretária eletrônica e vi que eram três.
Apertei PLAY e ouvi a voz mecânica me dizer que a primeira chamada veio às 8:05 da manhã.
“Sean? É a Laura. Minhas malas estão prontas e estou no aeroporto. Mesmo assim, pensei muito no que me disse ontem à noite, e estou escolhendo o destino ao longo do destino. Sou gentil o suficiente para reconhecer tudo o que Mark fez por mim, mas simplesmente não o amo. Por favor, me ligue nesteÉ o número da cabine telefônica que estou usando. ”
A segunda mensagem veio às 8:15 da manhã:
"Sean, eu realmente espero que o que nós experimentamos ontem à noite não foi apenas o álcool e dois corações solitários encontrando um ao outro por acaso. Meu avião sai às 9:30, e eu realmente não quero tomá-lo por ser minha única opção. Por favor, me ligue. Ainda estou no"
A terceira mensagem veio às 8:45 da manhã:
“Eu não sei o que pode ter acontecido entre ontem à noite e hoje, mas me dói que você não tenha retornado minhas ligações. Estou prestes a checar minha bagagem. Por favor, Sean. Me ligue e diga que eu não tenho que fazer isso.
Eu estava sem chão. Chorei quando ouvi a última mensagem. Ela parecia tão magoada, tão derrotada, e de repente senti o mesmo.
Naquela noite, desarvorado, inconformado, tomei um porre suicida com toda a bebida que encontrei em casa. Depois, embalado pelos efeitos da bebedeira, da memória olfativa do perfume da Laura que ficara em minha camisa da noite anterior, recordando dos toques sutis de suas mãos em meus braços, tombei semiconsciente sobre minha cama e tive um sonho simplesmente arrebatador.
Nós dois passeávamos num enorme jardim relvado e deserto, e num determinado momento nos sentamos sobre uma esteira, nos abraçamos, trocamos beijos delirantes, e aos poucos eu a despia do vestido de seda azul sulferino que ela usava, revelando seu lindo corpo da cor de porcelana chinesa. Seios lindos, de aréolas de um castanho claro e suave, marcavam os mamilos túrgidos. Eu a beijava, beijava os seios, ela suspirava, gemia, ofegava, falava meu nome com paixão e entrega, “Sean, Sean”. Sem pressa, nos livramos de nossas roupas e nus, deitados sobre a esteira, trocávamos carícias cada vez mais intensas. Eu não resisti quando ela guiou minha cabeça, segurando em meus cabelos e me levou para beijar seu ventre, seu púbis, até meus lábios encontrarem a bocetinha rosada e perfeita, como se desenhada por um joalheiro do quilate de Louis Cartier. Minha língua foi automaticamente atraída por aquela perfeição e pude sentir o aroma e o gosto suave e amendoado daquela fruta do desejo...
Tinha sido um encontro casual. Era uma bebida, uma dança e um beijo. Era uma promessa de que poderíamos fazer do futuro o que quiséssemos que fosse. Lembrei-me das palavras que falei com ela naquela noite: "Eu não acredito no destino. Acredito que todos nós controlamos o que o bem e o mal que caem em nosso caminho com base nas decisões que tomamos."
Talvez houvesse uma pequena parte de mim que sabia que alguém como ela nunca estaria interessado em alguém como eu, então, naquele dia pela manhã, infelizmente decidi que queria as horas extras. Decidi ir trabalhar cedo, e ao fazê-lo me afastei do que poderia ter sido o amor da minha vida.
Eu jamais me esqueci de Laura ou daquela noite, mesmo depois de quase quarenta anos, e sim, há momentos que eu ainda choro sobre o que poderia ter sido.
Publico esta história na esperança de que um dia ela leia e entenda o que aconteceu. Embora não nos leve de volta.
***
(Thank you, Max e Leon)