Capítulo 39
Angela entrou na livraria bufando. Andou às pressas até o balcão, onde pôs a bolsa e disse ofegante:
_ Você não sabe o que o seu pai aprontou! Leandro, dessa vez ele passou dos limites!
Leandro a olhava confuso, esperando ela dizer o que estava acontecendo.
_ Sinceramente, a minha vontade é matar aquele desgraçado.
_ O que aconteceu, mãe?
_ Você acredita que aquele velho imbecil comprou uma casa no litoral? E não é qualquer casa não! É um casarão, com direito a piscina e sauna.
_ Por um lado isso pode ser vantajoso pra você. Pode ser incluído na partilha de bens no processo de divórcio.
Angela o olhou séria, como se tivesse algo surpreendente a dizer.
_ Segundo a sua tia, o seu pai comprou a casa no nome da vagabunda!
Leandro arregalou os olhos, assustado.
_ Caramba, mãe! Eu nem sei o que dizer.
_ Mas eu sei...tomara que aquela piranha leve o seu pai a falência!
Leandro fez de tudo para tentar acalmar a mãe. Mas Angela estava com tanto ódio que nada adiantou. Foi embora da livraria do mesmo jeito que entrou.
Leandro chegou em casa no início da noite. Havia passado no supermercado assim que saiu da livraria, para abastecer a dispensa. Precisava comprar o iogurte favorito de Vanessa. Assim que pôs os pés em casa o celular tocou. Pousou as sacolas na pia da cozinha e foi atender a ligação na sala. Queria sentar no sofá e descansar o dia cansativo.
Ao ver a palavra "pai" escrita na tela do smartphone, revirou os olhos para cima. Imaginou que a mãe, ao chegar em casa, ligou para Genaro e os dois discutiram.
_ Oi, pai.
_ Fala, meu filho. Como você está?_ a voz de Genaro soava tranquila, o que fez Leandro descartar a possibilidade de brigas.
_Estou bem, pai. E o senhor?
_ Estou ótimo. Eu comprei uma casa no litoral. Você tem que ver que belezura.
_ Nossa! Que bom, pai!
_ Eu estou pensando em comemorar o dia dos pais lá. Vou fazer um churrasco. Você vai, né?
_ Oh, pai, eu sinto muito, mas não vai dar. Estou planejando passar o dia com a Vanessa.
_ É um absurdo um pai comemorar o dia dos pais sem o único filho. Isso não é desculpa. É só levar a menina, ora!
_ Por mim tudo bem, pai. O problema é que a Vanessa não se dar muito bem com a Lorena. E o senhor sabe como ela é... não tem papas na língua.
_ Leandro, ela tem 16 anos. Você pode botar freios nela. Antes a sua desculpa era que o Júlio te atrapalhava. E agora?
_ Tudo bem. Eu vou conversar com o Júlio. Vou propor para dividirmos o dia. Eu fico com ela na parte da manhã e ele a noite. Aí vamos á sua casa.
_ É isso aí. Tô te esperando e não vou perdoar furos.
_ Preciso levar alguma coisa, pai?
_ Não. Eu dou conta de tudo. Só quero que esteja lá com a minha neta. Eu vou te passar o endereço por mensagem. Tchau, filho.
_ Ok. Tchau, pai. Mande lembranças a Lorena.
Leandro estacionou o carro próximo ao prédio onde Vanessa mora. Mandou uma mensagem para a filha dizendo que estava a sua espera.
Vanessa respondia sentada no sofá. Júlio e Luciano estavam ao seu lado assistindo TV.
Era um dia frio e chuvoso. Vanessa passou a tarde enrolada no edredom, usando um pijama e o cabelo desgrenhado, preso num rabo de cavalo frouxo. Sentia muita preguiça, por isso enrolou o máximo que podia para se arrumar.
_ Pai, o meu pai Leandro está perguntando se pode subir. Ele quer falar com você.
Júlio a olhou surpreso.
_ O que ele quer falar comigo?
_ Eu sei lá. Ele pode subir ou não?
_ Tem algum problema pra você, amor?_ Júlio perguntou a Luciano, acariciando o seu rosto.
_ É isso mesmo? Agora é essa Maria biscateira quem decide se o meu pai, o SEU MARIDO, pode ou não entrar na nossa casa?_ Vanessa perguntou irritada.
_ Vanessa, pelo amor de deus...
_ Ah, pai era só o que faltava, o Luciano decidir quem entra ou sai daqui. Se continuar assim ele vai se sentir dono da casa. É só pagar o programa dele, transar e dispensar, não precisa iludir.
_ Vanessa, o que você tem contra mim, hein? Eu não te fiz nada!
_ Aaaah, além de puta é sonsa.
_ Vanessa! Já chega! Respeite o meu namorado!
Vanessa pegou o telefone e ligou para Leandro.
_ Pai, você pode subir. O meu pai Julio autorizou.
Luciano a olhou franzindo o cenho e girou a cabeça negativamente.
Assim que encerrou a ligação, Vanessa olhou para Luciano sorrindo, debochada.
_ Acho melhor você ir lá pra dentro. Vai que fique ofendido com a presença do meu pai? Afinal, ele é um príncipe!
_ Leandro não é melhor do que eu!
Vanessa caiu na gargalhada. Ria tanto, que colocava a mão na barriga, devido a dor.
_ Cresce, garota!_ Luciano disse indignado.
_ Para com isso, Vanessa! Que papel ridículo!_ Júlio advertiu._Pare de palhaçada e vá logo tomar banho e se arrumar para ir pra casa do seu pai.
Vanessa saiu gargalhando.
A cada passo que Leandro se aproximava da porta principal da cobertura, sentia o corpo gelar. Ele detestava aquele lugar. Detestava mais ainda ter contado com Júlio. Lamentava muito ter que dividir a paternidade de Vanessa com ele, já que isso o impedia de cortar de uma vez por todas laços com o ex marido.
Com a mão trêmula tocou na campainha. Tentou ao máximo manter a compostura para não transparecer a sua tensão.
Júlio atendeu a porta numa expressão indiferente. Pediu que entrasse.
_ Boa tarde. Com licença.
Leandro entrou segurando as mãos para esconder o tremor. Cumprimentou Luciano desejando boa tarde e balançando a cabeça.
_ Quer sentar, Leandro?_ Júlio perguntou, voltando a se sentar do lado de Luciano e envolvendo o braço no ombro do namorado._ Acho melhor sentar. Vanessa acabou de ir se arrumar e você sabe como ela demora fazendo isso.
_ Tudo bem. Obrigado._ disse Leandro, sentando no sofá em frente.
_ A Vanessa me disse que você quer falar comigo.
_ Sim. É sobre o dia dos pais. Eu estava pensando em dividirmos o dia. Eu fico com ela durante o dia e você a noite.
_ Por mim tudo bem.
Leandro respirou aliviado, pois, antes de começar a falar, imaginava que Júlio colocaria algum empecilho.
_ Só te peço o favor de não comentar nada com a Vanessa sobre isso. Estou pensando em fazer uma surpresa para ela.
_ Tudo bem, Júlio.
_ Você também pretende fazer algo especial para comemorar?
_ Eu vou levar a Vanessa para almoçar com o meu pai.
_ Que ótimo! Assim já aproveita e todos comemoram juntos.
Por mais que Júlio dissesse tudo aquilo com muita gentileza, Leandro não se sentiu a vontade para confiar no ex marido. Estranhava essa atitude amistosa de Júlio.
Um silêncio incomodo pesava no ar. Tenso, Leandro torcia em silêncio para que Vanessa descesse o mais rápido possível.
Luciano não emitia nenhum som. Mantinha o olhar fixo na TV. Estava desconfortável diante do ex marido de Júlio. Em sua mente ecoava a voz de Vanessa dizendo o quanto Leandro era melhor do que ele, o que o deixava incomodado.
Júlio deitou a cabeça sobre o seu ombro de Luciano e entrelaçou os dedos entre os do jovem, o deixando um pouco aliviado.
Vanessa desceu alguns minutos depois.
_ Até que enfim!_ exclamou Leandro.
_ Eu nem demorei tanto assim, pai.
Vanessa se despediu de Júlio com um beijo no rosto. Pensou em fazer algum comentário ofensivo para Luciano, mas optou por ficar em silêncio. Temeu levar um sermão de Leandro.
....
Aquela manhã ensolarada de agosto era o primeiro dia de aula de Vanessa na nova escola escolhida por Luciano. Era um prédio muito antigo e cinzento, cercado por árvores altas e densas, que dificultavam a penetração da luz solar, deixando o ambiente um pouco sombrio.
Ainda dentro do carro, Vanessa olha para a fachada do prédio com desdém.
_ Tenha um bom primeiro dia de aula, Vanessa._desejou Maria, a motorista.
_ Nesse inferno? Impossível.
_ Ah deixa de exagero. Você nem entrou ainda.
_ Se acha que sou exagerada, deveria você entrar no meu lugar.
Maria sorriu, balançando a cabeça.
Marcinha a aguardava no portão. Ao ver Vanessa acenou sorrindo. As jovens se abraçaram.
_ Que cara de cu é essa, miga?
_ Você ainda pergunta, Marcinha? Olha o uniforme horroroso que estamos vestindo.
O uniforme era composto por uma saia azul marinho xadrez, que media até um abaixo do joelho, blusa social branca com gravata de laço azul.
_ Estou parecendo uma palhaça!
_ Ah não é tão feio assim! Vamos fingir que estamos naquela série Elite.
_Si tuviera un trofeo en mis manos, te juro que le rompería a Luciano en la cabeza.
Marcinha gargalhou tão alto que todos a olharam.
_ O ruim é aqui só tem meninas né, amiga.
_ É a forma imbecil que o meu pai encontrou de controlar o meu fogo._ Vanessa disse entre os dentes.
Antes de entrar em sala de aula, todas as meninas foram convocadas para formarem uma fila e cantarem o hino nacional, enquanto olhava a bandeira do Brasil subir no mastro.
_ Amiga, me socorre!_Marcinha sussurrou ao pé do ouvido de Vanessa.
_ O que foi, mulher?
_ Eu não sei cantar o hino nacional.
_ Faça igual as jogadores de futebol, ponha a mão no peito e bata boca fingindo que está cantando.
Poucos minutos depois, as meninas estavam próximas a sala de aula. Na porta, a inspetora recolhia os celulares, pondo numa caixa de madeira.
_ Nem pensar._ respondeu Vanessa com arrogância.
_ Ou você entrega agora, vou vai tomar a primeira suspensão. Eu não sei de onde você veio, mocinha, mas aqui nesta escola há regras a serem cumpridas.
_ Vocês vão me devolver?
_ No final das aulas.
_ Entrega logo, amiga. Não vamos arrumar treta no primeiro dia de aula._aconcelhou Marcinha, entregando o próprio smartphone.
Vanessa fez o mesmo bufando e revirando os olhos para cima.
Assim que entrou, ouviu a inspetora sussurrar:
_ Não sei por que foram admitir esse tipo de garota aqui no meio de tantas decentes.
Vanessa deu uns passos para trás, com a intenção de tirar satisfações, mas Marcinha a deteve.
Marcinha e Vanessa escolheram as carteiras do fundo da sala para sentarem, ficando uma ao lado da outra.
Vanessa reparou que todas as meninas a olhava e cochichavam.
_ O que essas putas estão falando de mim?
_ Na certa devem estar nos elogiando. Aqui só tem barangas. É a primeira vez que vêem duas princesas gostosas._ respondeu Marcinha, fazendo Vanessa sorrir.
Uma menina branca de cabelos lisos, longos e castanhos claros se aproximou das carteiras delas. Era muito magra e segurava um crucifixo que trazia pendurado no pescoço.
_ Bom dia, meninas. Eu me chamo Débora Palhares Albuquerque e sou a representante de turma.
Débora esticou a mão para cumprimentar Vanessa, mas a menina a ignorou. Sem jeito, Débora desviou a mão para Marcinha, que a retribuiu no cumprimento.
_ Eu me chamo Márcia Felitti Alves e essa é a minha amiga Vanessa Medeiros Toledo.
_ Eu ouvi dizer sobre você, Vanessa. E sinto muito por tudo o que você passa. Sei que não deve ser fácil não ter mãe.
Vanessa arregalou os olhos para Débora como se fosse mastiga-la. Marcinha pigarrou.
_ Mas se precisar de qualquer coisa, estou aqui. Você tem todo o meu apoio.
_ Enfia o seu apoio no cu!
Débora a olhou sorrindo.
_ Você tá me tirando de coitadinha? Ah se enxerga, garota.
_ Eu só quis ser gentil. Eu pesquisei muito sobre pessoas que vivem em lares desajustados, por isso compreendo o seu vocabulário tão baixo.
Vanessa levantou num rompante.
_ Como assim lar desajustado?! O que você quer dizer com isso?
_ Ora...um lar sem uma mãe e com dois pais. Vamos combinar que isso não é normal.
_ O que seria normal para a "donzela"?
_ Um lar com uma família tradicional ora! Um homem e uma mulher, como Deus fez para ser.
_ Você sabe que homofobia é crime não é?_ perguntou Marcinha.
_ Não é homofobia. Eu respeito a escolha de cada um, só não concordo, porque tenho os meus princípios.
_Olha aqui, garota, volta para o seu lugar e aguarde receber a sua intimação de processo.
_ Processada, eu?! Só porque que emiti a minha opinião?! O que é isso? A ditadura gayzista?!
_ Eu não vou ficar batendo boca com quem não tem neurônios. Eu vou te processar, o meu tempo é precioso demais para perder com gentinha da sua laia.
_ Ah, é? Estou "morrendo de medo" da pequena órfã.
Débora retornou para as amigas sorrindo.
_ Que desgraçada! Odeio gente homofóbica!_ exclamou Marcinha.
Vanessa não disse nada, apenas olhava com ódio para Débora.
Na hora da saída, Vanessa e Marcinha aguardavam Maria no portão da escola.
Marcinha sempre ia e voltava do colégio num táxi, mas naquele dia, pediu uma carona a amiga.
_ Maria vai demorar muito, amiga?
_ Não sei. Ela já era para estar aqui.
Marcinha pôs a mão no ombro da amiga, num gesto de solidaridade, já que Vanessa passou a manhã inteira em silêncio.
_ Olha, aquele não é o carro do Rubens?_ perguntou Vanessa, apontando para um Ford maverick prateado.
Rubens estacionou em frente ao portão do colégio, abaixou o vidro e acenou para as meninas.
Quando elas se aproximaram, ele pediu para que entrassem. Vanessa sentou no banco ao lado de Rubens e Marcinha atrás.
_ Cadê a Maria?
_ Hoje ela foi dispensada, abelha rainha.
_ Por quê?
_ Porque o seu pai me pediu para que te conduzisse até um lugar especial. Ele quer fazer uma surpresa.
_ Sério?! O que seria?
_ Se eu disser, deixa de ser surpresa, meu anjo.
_ Ah, por favor, Rubens. Estou morrendo de curiosidade!
Rubens passou os dedos sobre a boca, simulando um gesto de fechar um zíper.
_ Amiga, pelo amor de Deus! Assim que você souber que surpresa é essa você me ligaaaa! Eu não vou conseguir dormir de tanta curiosidade!
_ Como foi o primeiro dia de aula das bonitas?
_ Uma merda!_ respondeu Vanessa.
_ Como assim, abelha rainha?
_ Rubens, olha bem para esse uniforme pavoroso! Eu preciso dizer mais alguma coisa?
_ Esse uniforme é horrível mesmo. Mas o do outro colégio que você queria estudar também era um horror! Aliás, por que toda escola tradicional tem xadrez no uniforme? Isso é tão cafona!
_ Lá pelo menos tinha um professor gato. Aqui só tem feiosos._ respondeu Marcinha.
_ Será mesmo que ele é tão gato assim? Do jeito que vocês exageram.
_ Eu vou te provar o quão gato ele é.
Marcinha mostrou a Rubens a foto do professor. Rubens arregalou os olhos e pousou a mão no peito.
_ Cristo pai! Mas isso aí não é homem! É uma obra de arte esculpida por mãos divinas!
Vanessa estava tão irritada, que interrompeu a conversa com a seguinte pergunta:
_ Rubens, você sabe quem é a minha mãe?
O silêncio pairou no ar no mesmo instante. Rubens respirou fundo, um pouco assustado.
_ Por que eu saberia, meu bem?
_ Você é o melhor amigo do meu pai Júlio. Ele deve ter te contado.
_ Ele não me contou nada, meu anjo. E você nunca teve curiosidade sobre isso. Por que agora?
_ É por causa de uma bacaca lá da nossa sala. Desencana, Vanessa.
_ Eu só fiquei curiosa.
Antes de partir para o seu destino, Rubens deixou Marcinha na porta do condomínio.
Vanessa passou todo o caminho interrogando aonde iriam. Ficou espantada ao ver que se aproximavam do aeroporto.
Na entrada, avistou Júlio segurando duas bagagens de carrinho. Ele sorria e acenava para ela.
_ Eu não acredito!_ Vanessa exclamou sorridente, saindo do carro.
Correu em direção ao pai e o abraçou.
_ O que tá acontecendo, pai?
_ Vamos viajar para comemorar o dia dos pais.
_ Sério?!_ Vanessa irradiava felicidade, tampando a boca com duas mãos._ E para aonde vamos?
_ Portugal e de primeira classe.
_ Aaaaaah!_ Vanessa gritou dando pulinhos e batendo palmas. Em seguida, encheu o rosto de Júlio com beijos.
_ Mas pai, eu nem arrumei as minhas malas.
_ Não se preocupe, a empregada arrumou.
_ Mas se tiver faltando alguma coisa?
_ Nós compramos lá.
Despediram-se de Rubens antes de embarcar.
Dentro do avião, Vanessa retirou o celular da bolsa e tirou uma selfie com a cabeça apoiada no ombro de Júlio. Ambos sorriam.
_ Eu queria muito que o meu pai Leandro estivesse aqui. Seria legal se comemorassemos o dia dos pais nós três juntos, como fazíamos todos os anos.
_ Eu também gostaria, meu amor. Mas creio que Leandro não aceitaria.
Vanessa decidiu postar a foto no seu perfil do Instagram com a seguinte legenda "Indo para Portugal com o melhor pai do mundo. Sou tão "infeliz" com a minha família disfuncional." Ironizou.
Alguns minutos depois, Leandro visualizou a foto, que já contava com mais de trezentas curtidas e diversos comentários.
_ Porraaaa! Que merda!_ Leandro gritou, socando o balcão da livraria.
_ O que houve, Lê?_ Patrícia perguntou assustada.
_ Aquele desgraçado do Júlio..._ Leandro estava trêmulo e vermelho, sentia o corpo tremer por inteiro, devido ao ódio._ Eu sabia que ele estava aprontando alguma coisa! Ele estava muito bonzinho para ser verdadeiro! Que merda! Isso é golpe baixo! Ele não tinha o direito de fazer isso! Não tinha, porra! Eu também sou o pai dela!
_ O que aconteceu, Leandro? Você está me assustando!
_ O Júlio levou a Vanessa para viajar sem me consultar! E fez de propósito. Eu tinha combinado com ele que passaria o dia dos pais com ela. Nós íamos dividir o dia! _ as lágrimas se formavam nos olhos de Leandro.
_ Que safadeza! Júlio é tão cretino!
_ Eu não vou permitir que o Júlio use a minha filha para me atingir. Eu vou arrasà-lo.
_ Não! Se acalme, homem! Se você fizer barraco, o Júlio vai dar um jeito de você sair como um louco. Ele ainda vai pôr a Vanessa contra você, e você vai sair como estraga prazeres. Júlio sempre tenta te desequilibrar emocionalmente, essa é a forma que ele te manipula. Você não pode entrar no jogo dele.
_ O que eu vou fazer, Patrícia?! Ela também é a minha filha! Eu tenho o direito de passar o dia dos pais com ela! Isso não é justo!
_ Você vai para o escritório chorar até se sentir mais leve. Não recomendo que faça isso aqui, vai que entra um cliente. Mais tarde, quando você estiver mais calmo, vai ligar para a Vanessa com toda gentileza do mundo e perguntar como ela está e desejar uma boa viagem. Depois você pensar em algo para fazer com ela num fim de semana...Um parque aquático, por exemplo, Vanessa adora. Nada de cair no golpe do Júlio...quebre as expectativas dele.
_ Isso é muito injusto! Muito injusto mesmo!
Patrícia o abraçou, apoiando a cabeça de Leandro no seu ombro, que chorava de nervoso.
Leandro aguentou a agonia durante o dia inteiro. Trabalhou cabisbaixo controlando a vontade de chorar.
Ao retornar para casa, no início da noite. Seguiu o conselho de Vanessa e a ligou. A menina havia acabado de chegar no hotel. Dividiria com Júlio a suíte presidencial.
_ É o Leandro, filha._ Júlio gritou na porta do banheiro, segurando o celular de Vanessa.
Ela saiu do banheiro vestindo um roupão azul, com uma toalha enrolada na cabeça. Assim que pegou o smartphone, deitou de bruços na cama, cruzando os pés para cima.
_ Oi, paizinho! Você não vai acreditar onde eu estou!_ disse Vanessa com voz de empolgação.
_ Eu vi pelo Instagram, meu amorzinho. Fico feliz que esteja se divertindo.
Leandro simulava o máximo para não transparecer a tristeza. Lamentava por saber que nunca teria condições financeiras para proporcionar a filha uma viagem como aquela.
_ Estamos na Vila medieval de Sortelha. Amanhã mesmo vamos visitar um castelo! Ah, como o país é pequeno, depois de amanhã vamos á casa de Fernando Pessoa, em Lisboa. É um dos seus poetas favoritos não é?
_ É sim, meu amor.
_ Só foi estranho quando o carregador de malas me chamou de rapariga._ Vanessa disse gargalhando._ Ele levou um susto, quando eu expliquei o que essa palavra significa no Brasil. Ah, pai, eu vou levar uma lembrancinha pra você. Lembra, pai, da última vez que estivemos aqui? Você me levou a tantos lugares históricos e me explicou tantas coisas. Fomos a museu do Saramago. Foi tão bom! Eu queria muito que você estivesse aqui.
_ Não estrague a sua viagem se lamentando por isso. Quero que aproveite o máximo.
_ Eu vou aproveitar. Estou muito feliz. E o melhor é que o meu pai não cometeu a loucura de trazer o Luciano.
_ Filha, temos que ir jantar._ disse Julio, com a intenção de interromper a ligação.
_ Pai, tenho que ir. Estou morrendo de fome.
_ Tudo bem, meu amor. Boa viagem e juízo. Beijos e eu te amo muito.
_ Eu também te amo, pai. Tchau.
Vanessa encerrou a ligação sorrindo.
_ Como o seu pai estava?
_ Como assim?
_ A voz dele...estava tranquilo?
_ Sim. Por quê?
_ Nada. É que eu temi que ele estivesse chateado. Com essa correria toda, esqueci de avisar a ele sobre a nossa viagem.
_ Ele ficou de boa.
Vanessa retornou ao banheiro para se arrumar, deixando Júlio só no quarto. Assim que a menina se ausentou, ele deixou a sua raiva transparecer. Tinha a intenção de irritar Leandro, mas ao saber que o ex marido estava tranquilo sentiu raiva devido a frustração.
Vanessa saboreava a alheira, fechando os olhos e gemendo. Sentia um prazer intenso ao apreciar cada pedacinho. Acompanhava no mesmo prato uma generosa porção de batatas fritas. Júlio pediu o mesmo que a filha.
_ Isto aqui está muito bom! Lembra que comemos alheira da última vez que viemos a Portugal?
_ Claro que lembro. Você torceu a cara, achando que seria ruim, mas o Leandro te convenceu e você acabou gostando.
_ Ele tá fazendo falta nas nossas vidas. Com vocês dois juntos eu nunca senti falta de ter uma mãe. Aliás, pai, quem é ela?
Júlio a olhou espantado. Jamais imaginou que Vanessa lhe faria essa pergunta.
_ Por que você está me perguntando isso?
_ Não sei. Curiosidade. Não que eu sinta falta, mas é um pedaço da minha história que eu desconheço. Sabe, eu tenho uma vaga lembrança dela. Não é nítida... é como se fosse um borrão. Eu lembro que morria de medo dela e me escondia dentro de um guarda-roupa. Eu também me lembro de um homem que se vestia muito bem... não lembro o rosto e nem a voz...mas ela me disse que era o meu pai.
_ Eu não sei. Te adotei num orfanato. Eles não me deram nenhuma informação sobre ela e eu não tive interesse em perguntar. Mas não acho que esse seja o momento ideal para conversarmos sobre isso.
_ Tudo bem. Você tem razão. Eu não devo me preocupar com essa mulher. Se ela me rejeitou, devo fazer o mesmo com ela.
_ Essa é a minha garota.
Leandro estava se preparando para dormir, quando o interfone tocou. O porteiro anunciou que era Patrícia e ele autorizou a entrada da amiga.
_ Uau! Que gata!_ Leandro exclamou batendo palmas ao ver Patrícia vestida com um vestido justo vermelho, saltos altos e maquiada como ele quase não via: lábios pintados de rosé, olhos contornados de preto, longos cílios postiços e as pálpebras esfumaçadas de tons cinzentos. Os cabelos soltos, com cachos nas pontas.
_ Aonde você vai assim toda fêmea fatal?
_ Nós vamos ao forró, lá na feira nordestina de São Cristóvão.
_ Nós?!
_ Sim. E não aceito não como resposta. Vamos cair na noite. Eu não vou deixar que você fique triste enquanto aquele demônio se diverte em Portugal.
_ Ah não sei, amiga. Eu não tô com pique.
_ Bora, eu já liguei pra Val e ela está nos esperando lá. Se você não aparecer, ela vai vir aqui te buscar. Você sabe como ela é.
_ Isso é golpe baixo. Me ajude a escolher uma roupa.
_ Lê, é só usar o mais informal possível. É a feira de São Cristóvão! Não é nada metido a besta. Coisa de povão mesmo.
_ Mesmo assim, me ajude. Você sabe que sou indeciso.
Leandro puxou Patrícia pelo braço, a levando até o quarto. Abriu o guarda-roupas e mostrou as opções de camisas disponíveis penduradas nos cabides.
_ Qual devo usar?
_ Usa a blusa azul com a bermuda branca. Vem cá, você ligou pra Vanessa?
_Liguei. Mulher do céu, ainda bem que segui o seu conselho. A menina tava tão felizinha com a viagem, que se eu demonstrasse insatisfação, ela iria se aborrecer comigo. Eu ia sair de "Malévola" e Júlio de "Aurora".
_ Eu não te disse? Eu trabalhei há anos para vocês. Conheço bem aquele safado.
_ Se Deus quiser tudo há de dar certo nesse evento, que vou conseguir uma boa grana e marcar um programa legal para fazer com a minha filha._ Leandro ficou em silêncio por alguns segundos, olhando para Patrícia, como se recordasse de algo._ Escute aqui, você não tá aprontando nada não né?
_ Aprontando? Como assim?
_ Não venha me dizer que do "nada" o Abner vai aparecer lá na feira de São Cristóvão?
_ Ah, claro que não! Nem me passou isso pela cabeça.
_ Acho bom mesmo. Você sabe muito bem que eu não posso me aproximar do Abner. Não quero confusão pro meu lado.
_ Tá com medo da Lurdes?
_ Não. Você sabe de quem eu tenho medo.
_ Seja sincero comigo._ Patrícia sorriu._ Você gosta do Abner?
_ Que pergunta!
_ Gosta ou não? Imagina que o Júlio, do nada, deixe de existir, você daria uma chance ao Abner?
Leandro a olha inexpressivo por alguns segundos. Quando pensa em abrir a boca para responder o celular de Patrícia notifica uma mensagem.
_ Ih é a Val! Ela já chegou e mandou uma foto. Meu deus! Valéria tá uma delícia com esse decote! Os seios dela são pequenos, mas devem ser deliciosos. Cabem todinhos na boca._ Patrícia focava na foto, mordendo o lábio inferior.
Leandro a olhava espantado, como se acabasse de fazer uma grande descoberta.
_ Pati, você é lésbica?!
_ Não.
_ Mas você tá falando na Valéria como se tivesse com tesão nela.
_ E estou. Eu tenho crush na Val.
_ Então você é lésbica?
_ Não. Eu sou pansexual.
_ Ah, tá. Mas sinto muito te decepcionar, a Valéria é hétero.
_ Eu sei. E tô de boa com isso.
_ Que bom.
_ Agora se apresse homem!
_ Ok! Ok! ApressadinhaLorena sempre frequentou a casa de Leandro, quando esse ainda vivia ao lado de Júlio. No entanto, Leandro não via nela a mesma mulher dócil e gentil que costumava ser outrora.
A mulher trocou a postura tímida e agradável por um ar autoritário. Dava ordens aos empregados quase como uma "Sinhá", nariz empinado e expressão séria.
Assim que chegou na casa de Genaro, no dia dos pais, Leandro percebeu que Lorena obtinha todos os caprichos satisfeitos pelo seu pai. Ele não economizava um centavo para agradar a mulher.
A casa era opulenta. Dois andares, de decoração moderna, paredes de vidro, decorada por um profissional e rodeada de um belo jardim e chão de tapete de gramas saudáveis.
O que lhe causou espanto foi ver a ex empregada da sua mãe trabalhando na casa. Leandro sabia que Angela sempre foi uma péssima patroa e chegou a pensar que isso teria motivado a profissional a se aliar a Lorena.
Ao chegar, foi recebido pela madrasta com um sorriso e braços abertos.
_ Fique a vontade, querido. E a Vanessa?
_ Obrigado, Lorena. A Vanessa não veio porque viajar com o Júlio. Está em Portugal. Ela postou muitas fotos no Instagram. Pensei que tivesse visto.
_ Como poderia? Ela me bloqueou.
_ Sinto muito. Mas eu garanto que com o tempo, a Vanessa vai mudar o comportamento dela e aceitar a sua união com o meu pai.
_ Espero que sim. O jeito vai ser Vanessa aprender que nem tudo gira em torno do umbigo dela.
Leandro não gostou do comentário de Lorena, mas preferiu ficar em silêncio. A mulher o mostrou um dos dedos, que tinha uma aliança de noivado. Anunciou que em breve se tornaria a nova senhora Toledo.
_ É só a Angela assinar os papéis do divórcio e nós marcaremos a data.
Leandro se sentiu muito incomodado com a notícia. Sabia que a intenção de Lorena ao se casar com o Genaro era se tornar herdeira de 50% dos bens dele.
No entanto, nada poderia fazer para impedir. Estava mais preocupado em cuidar da sua própria vida. Parabenizou Lorena com um abraço.
Genaro chegou alguns minutos depois e o abraçou. Perguntou por Vanessa e não gostou da resposta que obteve.
_ Isso é um absurdo! Aquele crápula tinha o ano inteiro para viajar com ela e foi justo agora! Você fez uma péssima escolha de marido, Leandro.
_ Não se preocupe, pai. Está semana mesmo vou resolver isso. A audiência do divórcio está marcada para quinta-feira. Mas eu não vim aqui para ser julgado por minhas escolhas que sei que foram equivocadas.
_ Ah, sim. Me desculpe, meu filho. O bom é que logo você estará livre daquele demônio.
_ Você é um homem muito bonito, Leandro. É inteligente, culto, gentil e agradável. Espero que em meio a tantas opções que tem a seu dispor, saiba fazer uma boa escolha da próxima vez. Eu me permito dizer que fique bem longe do Abner.
_ Por que você se importa tanto com a possibilidade de eu ter algo com o Abner, Lorena?
_ Você é meu enteado. Só quero o melhor pra você._ apesar de Lorena estar sorrindo, o seu ódio é perceptivo em seu olhar direcionado a Leandro.
_ Eu agradeço a sua preocupação, Lorena. Fico muito lisonjeado mesmo. Mas a dispenso. Não posso permitir que se incomode com os meus problemas. Visto que você tem um lindo a bebê a caminho e um futuro casamento para se preocupar.
Genaro percebeu o clima tenso entre os dois disfarçado de trocas de sorrisos. Para finalizar aquela situação, os conduziu a piscina.
Os convidados chegaram uma hora depois da chegada de Leandro. Margarida, sua tia, fez questão de comentar sobre o fim do seu casamento.
_ Como os tempos são outros não é? A família não é mais a mesma. Tudo está se desmoronando. Casamentos se desfazendo. Senhoras sendo trocadas por prostitutas.
_ No caso a prostituta seria eu, Margarida?_ Lorena perguntou irritada.
Leandro se viu tenso diante das duas. Temia uma discussão.
_ De jeito nenhum, querida. Me refiro a muitos casos que vejo por aí. Você é uma lady. Uma dama ...quase uma donzela.
Lorena permaneceu olhando com ódio para a cunhada, que sorria debochada.
_ Mas voltando ao assunto, Leandro, você tem certeza mesmo que quer se separar do Júlio? Vocês se davam tão bem! Aquele rapaz, o Abner foi uma praga, destruidora de lares, mas vocês dois têm uma filha juntos. Deveriam pensar na Vanessinha.
_ Tia, com todo respeito e amor que tenho pela senhora, eu gostaria muito de não falar sobre isso.
_ Tudo bem, meu filho. Se é assim que você quer, então que seja. Até porque eu soube que o Júlio está namorando. E é um belo rapazinho... não tão bonito quanto você, é claro.
_ Sim. O Luciano é muito bonito. Mas eu não me preocupo que ele seja elogiado, não estou disputando com ele.
_ Ah, sabe quem está na cidade? O André! Lembra dele? Vocês se davam tão bem e a sua mãe fazia gosto de vocês dois juntos. Pena que não deu certo.
_ Mas nunca é tarde para o amor, não é Leandro. Agora você tá solteiro. Quem sabe rola com esse tal de André?_ Lorena sugeriu feliz com a possibilidade de Leandro deixar Abner livre.
Margarida acenou para a filha, a chamando para se juntar a eles.
_ Beatriz, eu estava falando para o Leandro que o André está na cidade.
_ Ah sim! Ele está passando as férias aqui, mas pretende voltar para Nova York, está morando lá agora. Eu estive com ele semana passada. Fomos a um bar. Ele perguntou por você e pela Val. Eu falei da livraria e do evento literário e ele disse que vai dar uma passadinha por lá.
_ Ah que bom._ disse Leandro com indiferença.
_Olha que interessante, Leandro. Caso você fique com o André, pode morar em Nova York, ou seja bem longe do Júlio._ Lorena sugeriu.
_ Com licença, preciso ir ao banheiro._ Leandro disse para sair daquela conversa irritante.
Para descansar um pouco dos comentários inoportunos de todos, Leandro decidiu se refugiar atrás da casa. Sentou num banco de madeira e ficou parado olhando para uma goiabeira. Sentiu uma mão masculina no seu ombro.
_ Posso me sentar ao seu lado, Leandro?
_ Claro, Martins.
O homem sentou e retirou a carteira de cigarros do bolso.
_ Espero que eu não te incomode com o meu cigarro. Este é lugar mais sossegado para fumar.
_De jeito nenhum. Fique a vontade.
_ Eu sinto muito por tudo.
_ Por quê?
_ Eu sempre gostei de você. Sempre foi um bom patrão e sei que é uma boa pessoa. Mas a minha família não tem te tratado com o respeito que merece. Apesar de eu não fazer oposições, eu não concordo com a união da Lorena com o seu pai. Ele é um bom homem e ela uma boa moça, mas as diferenças entre eles é gritante, principalmente a de idade. Sem contar que isso desfez o casamento dos seus pais, sinto muito por isso.
"Abner foi o pior de todos, além de se envolver com o seu Júlio te enganou. Foi desonesto. Eu gosto muito daquele menino, como se fosse o meu filho, mas tudo o que ele fez me mata de vergonha.
"E a minha esposa? Não gostei nada de ela ter ido até a livraria e te dito aquelas coisas. Mas eu gostaria que a perdoasse. Ela é só uma mãe preocupada com o filho inconsequente."
_ Eu entendo. Eu sou pai e também teria medo se a minha filha se envolvesse que com alguém que colocaria em risco a vida dela. Eu juro que não tenho a intenção de prejudicar o Abner. A única relação que temos é profissional.
_ Eu sei disso. Abner me contou. E eu conheço você. Sei que é ajuizado. Você me perdoa por tudo que a minha família te causou?
_ Não há do que perdoar, Martins. Você não tem nada a ver com isso. Não podemos nos responsabilizar pelos erros dos outros.
_ Engraçado...o Abner vive dizendo isso.
_ Foi com ele que eu aprendi.
Ambos sorriam um para o outro, tranquilos, sentindo a leveza predominar em seus corações.
Leandro sentiu o celular vibrar. O aparelho notificava uma mensagem de Vanessa. Era um texto lindo sobre o dia dos pais, o que o deixou muito feliz.
...
A raiva de Leandro era visível na sua expressão facial. Segurava o celular na orelha, bufando.
_ Como assim você ainda não voltou ao Brasil, Vanessa?! Hoje é segunda-feira! Você não pode perder aulas.
_ Deixa de ser chato, pai! O meu pai Júlio só quer passar mais tempo comigo. E a viagem está ótima. Estamos pensando em até dar uma passadinha na Espanha, precisamente em Toledo, terra citada no livro Don Quijote de la Macha. Vamos visitar os pontos turísticos referentes ao livro.
_ De jeito nenhum! As suas notas já estão baixas, se perder mais aulas será pior.
_ Ah, para de Chatice!
_ Passa o telefone pro Júlio agora!
_ Pai!
_ Agora, Vanessa!_ Leandro ordenou gritando.
_ Ele quer falar com você._ Vanessa disse a Júlio entregando o celular.
_ Diga.
_ Júlio, que história é essa de prolongar a viagem?! Você sabe muito bem que a Vanessa não pode perder mais aulas. Sem contar que você já viajou com ela sem me consultar, passando por cima do nosso acordo. Agora mais essa?!
_ Eu não preciso da sua autorização para viajar com a minha filha.
_ Nossa filha! Eu não sou um qualquer, eu também sou o pai dela! E outra, você sabe muito bem que a audiência do divórcio está marcada para quinta-feira. Você não pode prolongar a viagem!
_ Não se preocupe. Antes da quinta-feira, estaremos aí. Agora tenho que desligar. O nosso avião para Toledo sairá daqui a uma hora. Precisamos ir ao aeroporto.
_ Júlio, deixe de ser inconsequente! Pense na educação da menina.
_ Mas eu estou pensando, coração. Em Toledo ela poderá praticar o espanhol que você a ensinou e visitar os pontos turísticos daquele livro chato que você a fez ler. Agora tenho que desligar. Beijos.
_ Júlio... Júlio!
Leandro deu um grito de revolta quando percebeu que Júlio havia encerrado a ligação e desligado o celular.
Valéria entrou na sala sonolenta, ainda vestindo uma camisola de seda rosa. Havia dormido na casa de Leandro na noite anterior.
_ O que aconteceu? Por que está gritando, Bijuzinho?
_ Você acredita que o Júlio não vai voltar ao Brasil hoje? Decidiu brincar de turista na Espanha, justo na semana da audiência do divórcio! Que merda!
_ Eu te avisei que Júlio não aceitaria esse divórcio de bom grado. Ele inventou essa viagem com má intenção.
_ Eu não acredito que ele vai dar pra trás! Não quero acreditar!
_ Mas vai dar. Aquele lá só morrendo para te deixar em paz.
_ Ele disse que vai estar de volta antes de quinta-feira.
_ E você acreditou, Veado?
_ Não.
Leandro se jogou no sofá, descansando a cabeça nas costas do assento. Respirou fundo. Estava exausto emocionalmente.
_ Eu só quero paz. Só isso.
Valéria esfregou a mão em seu ombro em sinal de solidariedade.
_ Eu vou preparar um cafezinho. Não muda nada, mas ajuda a começar o dia. E caso o Júlio não vá, você pode entrar com o litigioso. Não precisa se desesperar.
_ Eu sei, amiga. Mas eu queria resolver logo isso. Me livrar desse peso o mais rápido possível.
A cada dia da semana que avançava, a agonia de Leandro aumentava ainda mais. Júlio sempre adiava o retorno e Vanessa detestava a cobrança de Leandro. Por instrução de Júlio, não estava mais atendendo as ligações de Leandro, o que o deixava ainda mais angustiado.
Finalmente, na tarde de quarta-feira, Vanessa ligou dizendo que eles retornariam ao Brasil naquela noite.
_ Passe o telefone para o Júlio.
A menina obedeceu e Júlio atendeu tranquilo.
_ Fala, querido ex marido.
_ Guarde o seu deboche para os seus clientes tão desonestos quanto você. Eu vou cobrar esse fim de semana que seria os meus dias com a Vanessa. Quero que ela fique quatro dias comigo.
_ Sim, senhor.
O deboche de Júlio o deixava ainda mais furioso.
_ A audiencia é amanhã, as dez da manhã. Espero que esteja lá.
_ Estarei. Mais alguma coisa?
Desta vez foi Leandro quem desligou na cara de Júlio. Não estava com paciência para prolongar aquela desagradável conversa.
Do seu quarto Leandro ouviu o som da buzina do carro de Valéria. Ele estava terminando de se arrumar, quando a amiga chegou e buzinava em frente ao seu prédio. Leandro foi até a janela e acenou para Valéria. Em gestos, disse que já estava descendo.
Valéria se ofereceu para estar com Leandro no dia da audiência. Ela sabia que Júlio aprontaria alguma coisa e queria estar por perto para aconselhar o amigo.
Chegaram por volta de nove horas e aguardaram no corredor do fórum. A doutora Jaqueline chegou em seguida.
_ Eu estou tão ansioso.
_ E o doutor Júlio?_ perguntou a advogada.
_ Ele chegou ontem a noite ao Brasil. Me mandou uma foto que estava em casa com a nossa filha. Confirmou que estaria aqui.
O tempo passava e nada de Júlio chegar. Leandro decidiu ligar, mas não foi atendido.
_ Que merda! Ele não atende.
_ Eu vou ligar para o escritório._ disse Valéria, indo para o lado externo do fórum.
Retornou com uma expressão desanimadora.
_ Eles disseram que Júlio ainda não chegou. Ligue pra Vanessa.
_ Eu já liguei e está na caixa postal. A essa hora ela está no colégio e lá eles não deixam que as alunas fiquem com os celulares durantes as aulas.
Os nomes de Leandro e Júlio foram convocados para se dirigirem a sala do juiz. Mas Júlio não havia chegado.
_ Calma, Leandro. Hoje mesmo vou começar a providenciar a entrada do divórcio pelo litigioso._ a doutora Jaqueline dizia com calma. Queria aconselhar Leandro que estava furioso.
Ele chorava de ódio, estava trêmulo e vermelho. Não se importava que chamava a atenção de todos no corredor do fórum.
_ Eu não aguento mais aquele homem me fazendo de palhaço! Não aguento!
_ Calma, meu amor._ Valéria o abraçava.
Leandro se afastou dela e pegou o celular. Ligou para o telefone fixo da cobertura e ninguém atendeu. Deu um grito de ódio.
Alguns segundos depois, Júlio retornou a ligação.
_ Seu demônio maldito! Por que você não apareceu?! Tá pensando que essa atitude ridícula vai me manter casado contigo?! Eu vou me separar de você! Você querendo ou não, Porraaaaa!
_ Leandro, pare de gritar! Cadê aquela pose de lord que você e a sua família falida gostam de ostentar? Ontem eu cheguei cansado da viagem. Acabei perdendo a hora de tanto dormir. É só marcar para outro dia que eu vou.
_ Eu não vou marcar pra dia nenhum. Eu vou me livrar de você sem a sua ajuda! A partir de hoje acabou conversinha contigo. Só admito que fale comigo sobre a Vanessa. E não vou mais até a sua casa buscar a menina, vou buscá-la no portão do colégio. Eu não vou mais te entregar no domingo a noite. Você vai buscá-la na escola as segundas. Acabou qualquer tipo de contato contigo, Júlio. Eu não quero mais te ver.
Leandro encerrou a ligação.
_ Ele não vai me vencer. Júlio quer me levar a loucura.
Abraçou Valéria chorando, buscando consoloO despertador deu sinal de vida as cinco e meia da manhã. Leandro mal havia dormido direito. Estava ansioso demais para o evento literário no dia seguinte.
Combinou com Patrícia e Nicolau para que chegassem mais cedo, para que pudessem preparar tudo.
Assim que chegou na livraria, os dois funcionários já haviam chegado. E já estavam começando a organizar tudo.
_ Vocês são os melhores amigos que alguém pode ter na vida. Muito obrigado por me ajudar.
_ Eu acabei de passar um cafezinho, Lê. Trouxe bolo de laranja também.
_ E está uma delícia, Leandro. A Patrícia arrasa no bolo._elogiou o jovem Nicolau.
Abner chegou um pouco depois, acompanhado dos funcionários, já pondo a mão na massa.
...
Todos estavam a mil. Agilizavam-se para deixar a livraria pronta para o grande evento literário, que aconteceria dali a algumas horas, o que seria um momento inoportuno para o telefone fixo da livraria tocar.
Atarefado, Leandro pediu a pessoa mais próxima a ele para fazer o favor de atender. Não se importou em passar por cima do seu orgulho, já que essa pessoa era Abner.
_ Livraria das roseiras. Em que posso ajudar?
Do outro lado da linha, Júlio sentiu o ódio arder em seu peito. Respirou fundo três vezes antes de dizer:
_ Passe o telefone para o meu marido agora.
Abner sorriu ao reconhecer a voz de Júlio.
_ Só um momento...amor, é o palhaço do seu ex marido...Ih, ele não quer te atender._ Abner não havia falado com Leandro, apenas simulou para irritar Júlio.
_ Pare de palhaçada, seu cretino! Chame o meu marido agoraaaaa! Porra! Eu exijo!_ gritou Júlio.
_ Aqui você não exige nada. E mais, vou desligar, pois estamos muito ocupados. E nem pense em vir aqui fazer barraco. Ou vai voltar a ver o sol nascer quadrado.
Abner desligou antes que Júlio pudesse dizer algo. Tampava a boca para rir.
...
Leandro estava distraido arrumando os livros em forma de árvore, quando sentiu uma mão leve suave cobrindo os seus olhos.
Ele retirou as mãos dos olhos e deu a volta olhando para trás.
_ Surpresaaaaa!_ Vanessa gritou o abraçando.
_ Oh, meu amor! Que bom que você veio! Mas chegou um pouco adiantada.
_ Tô nada. Cheguei mais cedo pra tá te dar uma força.
_ Ah que fofa! Obrigado, meu anjo.
_O que tem para eu fazer?
_ Há umas bandeirinhas naquelas caixas de papelão. Hoje será o dia da literatura LGBTQIA+, vamos ornamentar tudo com as bandeiras de cada sigla.
_ Ok.
Abner se aproximou chamando por Leandro.
_ Leandro, venha ver como ficou a mesa do Drácula. Ficou ótima.
Leandro se afastou com Abner. Aparentava estar empolgado, o que incomodou Vanessa.
Ver o pai próximo a Abner a deixava com muito ódio. Não se conformava em ver o homem que destruiu a sua família ao lado de uma das pessoas que ela mais amava.
Aproveitou o momento em que Abner se afastou, indo para o cômodo da casa que funcionava como estoque. Foi atrás dele sem que ninguém percebesse.
Ao entrar, encostou a porta, ficando de costa para ela.
_ Fiquei longe do meu pai!_ Vanessa ordenou erguendo o nariz, encarando Abner nos olhos.
_ Como você é petulante, garota! Até parece que tem o sangue do Júlio. Você tá acostumada com todo mundo fazendo as suas vontades, mas eu não sou como os outros. Comigo você não se cria.
_ Eu sou capaz de fazer qualquer coisa para proteger o meu pai de você.
_ É mesmo? E a patricinha pretende fazer o quê?_ perguntou Abner em tom de deboche.
Vanessa se aproximou de Abner erguendo uma das mãos.
_ Não ousa!
Ao se aproximar dele, Vanessa sorriu, arqueando a sombrancelha. Desviou a mão, indo em direção ao próprio rosto, onde estalou uma bofetada.
_ Você me bateu! Socorroooo!_ Vanessa gritava dissimulando desespero. Abner a olhava assustado, não crendo no que via.
Esboçando um sorriso maquiavélico, com a mão ainda no rosto, Vanessa gritou:
_ Paaai, socorro! Pai!
_ Não precisa gritar, Vanessa. Eu já vi tudo.
Vanessa olhou para trás assustada. Leandro a olhava com desaprovação, cruzando os braços e balançando a cabeça.
_ De tudo o que você aprontou, essa, com certeza, foi a que mais me deixou decepcionado.