Sem querer, quebrei um vaso da Mirella. E, sem tempo para limpar a bagunça, precisei sair apressadamente em direção à sala. No entanto, fui surpreendido por uma voz que, em tom autoritário, ordenou que eu parasse. Obedeci imediatamente: interrompi meus passos e me virei, temendo quem estava falando comigo daquela forma.
O susto foi ainda maior quando vi um homem, mais alto que eu, apontando uma arma na minha direção. Era possível sentir a fúria em seu olhar, enquanto segurava a arma com firmeza. Naquele instante, senti um calafrio que percorreu toda a minha espinha. Contudo, aquele rosto não me era completamente estranho… Lembrei que, durante um flashback que tive mais cedo, vi uma figura semelhante carregando-me nos braços.
— Quem é você? E o que está fazendo na minha casa? — perguntou ele, com a arma apontada para mim e expressão ameaçadora.
— Ca… calma! Meu nome é Kevin — respondi, levantando os braços, quase sem conseguir articular as palavras. — Trabalho para sua mãe e estou aqui a pedido dela — completei, visivelmente nervoso.
— Espera aí… você é aquele rapaz que estava completamente fora de si ontem, na festa, não é? — disse ele, sem desviar os olhos de mim. — Cara, ontem você me deu um baita trabalho. Não queria colaborar de jeito nenhum. — Ele então abaixou a arma.
Apesar da pressão, confesso que corei de vergonha. Será que me comportei de forma tão vexatória assim? Juro que nunca mais bebo. Rsrs.
E o que ele quis dizer com “não queria colaborar”? Será que ultrapassei algum limite e cometi atos vergonhosos? Voltei do meu devaneio e decidi questioná-lo.
— Eu não queria… colaborar por quê? — perguntei, temendo que a resposta confirmasse minhas suspeitas.
— Sério que você não se lembra? Poxa, cara, até pra te pegar no colo você fez birra — disse ele, coçando a nuca e ajustando o boné de aba reta para trás. (Aliás, esse detalhe o deixava ainda mais bonito.)
Fiquei espantado com a maneira como ele falava. Será que ele se aproveitou de mim na noite anterior, antes de eu passar aquela vergonha? Tantas dúvidas surgiram na minha mente que não havia tempo para buscar todas as respostas, principalmente porque eu precisava entregar os documentos da Mirella com urgência.
— Bom… se não se importa, preciso ir — falei, tentando caminhar em direção à porta principal com o máximo de calma possível.
— Espere! — ordenou ele. — Preciso saber o que exatamente você veio fazer aqui a pedido da minha mãe, e o que pretende fazer com essa bolsa — disse, apontando para a bolsa da Mirella que eu segurava.
Fui então obrigado a explicar toda a situação, do início ao fim, em detalhes. O que, sinceramente, achei extremamente enfadonho.
— Será que agora posso ir, Marlon? — perguntei em tom irônico, arqueando uma sobrancelha.
— Como você sabe o meu nome? — questionou ele, visivelmente surpreso.
Mesmo após toda a tensão vivida naquela sala, percebi que ele tinha um jeito de querer se impor. (Algo que particularmente me desagrada em homens.) Senti-me confiante o suficiente para responder de forma nada cordial — e foi exatamente o que fiz.
— Como eu sei o seu nome? — franzi a testa. — Desculpa, mas você trabalha para a CIA? FBI? INTERPOL? Ou para alguma empresa chamada “Idiota”? — falei com toda a liberdade que a situação me permitia. — Você é filho da minha patroa, certo? — perguntei de maneira retórica, cruzando os braços. — Então, como eu não saberia seu nome? Em que mundo você vive? Sério mesmo! Porque, no Planeta Terra, certamente não é. — Nem eu acreditava no que acabara de dizer.
Sei que não deveria ter dito tudo aquilo, mas quem, em meu lugar, não se sentiria constrangido com a situação? Tudo bem que, no lugar dele, talvez eu tivesse feito o mesmo ao encontrar um desconhecido dentro da minha casa. Mas, poxa, expliquei o motivo da minha presença ali, me identifiquei — algo que ele poderia facilmente confirmar com a própria mãe. Sem contar com as câmeras de segurança espalhadas por aquele condomínio luxuoso.
— Calma aí, pô! Só tô perguntando, mano — disse ele, ainda com ares de autoridade. — Todo estressadinho você, hein? Deixa pra lá, então — completou, ajustando o relógio de pulso. Era um Rolex.
— Aff! Que bom. Pelo menos agora posso ir — finalizei, saindo sem olhar para trás.
Passei pelo jardim, entrei no carro e dei a partida. Durante o trajeto, ri sem motivo aparente. Relembrava tudo o que havia acontecido na casa da Mirella e dava gargalhadas como um bobo. Por um lado, até senti pena dele. Mas, sinceramente? Detesto interrogatórios. Sempre odiei. Me sinto como se estivessem tentando exercer controle absoluto sobre minha vida.
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Narrado pelo autor…
Não muito distante dali, a poucas quadras, Ravel estava em sua residência. Ele morava em um bairro próximo ao de Kevin. Sua casa era linda — pintada em vermelho e cercada por flores ao redor. Na fachada, havia duas janelas de vidro escuro com cortinas cinza por dentro. A porta de entrada principal situava-se ao lado.
Ao entrar, via-se uma sala com um sofá de canto cinza, uma mesinha de centro e, à frente, uma televisão fixada na parede. Atrás da sala, encontrava-se a cozinha americana com balcão, toda mobiliada. A casa era aconchegante.
Ravel morava sozinho. Preferia manter distância dos pais, já que, desde criança, sonhava em ter um espaço próprio — um lar onde eles não pudessem interferir em sua vida. Ele nunca trabalhou de forma convencional. Não sabe o que é batalhar diariamente para garantir seu sustento. Sempre teve uma vida confortável realizando atividades pouco honrosas. A prostituição foi o caminho que encontrou para sobreviver. E, até hoje, essa tem sido sua realidade.
Fim do Capítulo 4