Eu fui jogado dentro de casa como se fosse um psicopata indo a julgamento popular. Meu pai foi rápido, já avançou em cima de mim com um cabo de vassoura na mão, dizendo que não fez filho pra virar viado. Apanhando com o cabo de vassoura eu tentava me desviar e aparar ou pegar o cabo, foi quando recebi uma lapeada de cipó por trás. Era meu irmão mais velho. À medida que curvei a coluna de dor e olhei pra trás, recebi o cabo da vassoura nas costas e outra lapeada pela frente. Então comecei chorar alto e descontrolado, recebendo surra dos dois lados, pedindo ajuda pra minha mãe pra mandar eles pararem, ela não demonstrou um pingo de piedade; na cara do meu irmão mais novo estava um semblante de alegria, vibrando em me ver apanhando; e meu irmão com a idade acima da minha, estava sentando no sofá, com um pé em cima dela, mexendo no celular, com o semblante frio, de quem não estava nem aí por eu estar sendo castigado. Eu estava apanhando, mas não esqueço seus semblantes. Durante todo ato eu ouvia palavras horríveis, homofóbicas, a pior de todas foi que eu era uma vergonha pra família.
Chorando comecei gritar para alguém na rua me acudir, gritando que eles iam me matar, mas não recebi qualquer tipo de apoio ou ajuda, ninguém estava lá por mim. Essa dor doeu mais forte, então, ao me tentar ficar desviando minhas pernas e meus braços da surra, eu me deitei no chão e engoli o choro. Eu já não estava mais sentindo dor na verdade minha pele parecia entrar em estado de anestesia, encarei o teto e senti um vazio profundo, eu não me importava mais com nada, e deixei eles me baterem, o que não durou tanto porque eles queriam que me ver sofrer, não me entregar aquela violência e me calar.
Continuei no chão até eles pararem de falar também ninguém perguntou se eu estava bem. Assim que eu senti que poderia, me levantei, fui para minha cama, me deitei olhando para o teto, e só via o vazio. Eu estava todo marcado. Pouco tempo depois fui arrancado do vazio e trazido à terra, porque as marcas começaram arder; tempos depois comecei ter calafrios fortes, mas resisti ali calado. Ali deitado eu vi a noite chegar, também naquele dia ninguém falou mais comigo, nem pra me mandar comprar pão. Adormeci quando chegou a hora, mas acordei a noite toda por causa da dor no corpo, principalmente quando me virava espontaneamente durante o sono.
No sábado também não me mandaram comprar pão. Quando levantei ia dar 9 horas, talvez pela noite mal dormida, e ninguém me mandou levantar. Em casa só estava meu irmão mais novo assitindo, o restante havia ido trabalhar. Passei pela sala, não olhei pra ele, fui pra cozinha, o pão já havia acabado, não tinha biscoitos, nem dinheiro pra ir comprar. Tomei café puro, voltei pra cama, meu irmão passou o olhar em mim, não olhei pra ele novamente, e fiquei lá até a hora do almoço.
No domingo me obrigaram ir pra igreja. Sem resistência, sem palavras, sem esboçar reação ou sentimento, fui com eles. Saí pela rua de cabeça baixa, todo marcado, chamando atenção, principalmente dos meninos que entregaram minha cabeça. Alguns deles que estavam ali circulando/brincando de bicicleta, quando passei eles pararam e ficaram me olhando, não ouvi piada, ouvi apenas um "porra cara, olha pra isso"; e não passou desse comentário.
Na igreja tive de ouvir o pastor com seu sermão dizendo o quão abominável era ser homossexual, que deus castiga os homossexuais, que manda para as larvas do inferno, que lá irão sofrer eternamente, etc, etc, etc, ele queria dizer na verdade que era nojento ser homossexual. Mas eu já não estava mais nem aí pra nada. A humilhação pior acho que passei em minha própria casa.
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(Quero deixar claro que meu problema não é com deus, sim com as pessoas que usam o nome dele pra disseminar ódio, discórdia, desunião e preconceito; e usam supostas passagens das escrituras para justificar suas mentes doentes, intolerantes e demoníacas. E ao invés de pregar um deus bondoso, compassivo e misericordioso, pregam um deus cruel que manda pro inferno pessoas que vieram ao mundo sem pedir, e sem escolher ser gay, bi ou hétero. Acredito que as escrituras tenham sido mudadas no passar dos séculos, a grande prova é que a bíblia a partir de Martinho Lutero foi diminuída 7 livros em relação à bíblia católica, ou seja, foi modificada para mais ou para menos, mas foi modificada pelo homem. Não dá pra acreditar que deus não sabe que ser homo não é escolha nossa, sim do nosso genes... está na carne, no sangue, nos hormônios, no DNA. Não somos ladrões, estupradores, psicopatas, assassinos - pecados por opção ou por distúrbios -, somos apenas gays, sem opção, sem escolha, viemos ao mundo assim).
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Na segunda-feira sim fui acordado pra ir comprar pão e pra me arrumar para o colégio. Tive que lidar com as pessoas na rua e na padaria. Tinha pessoas que até passavam pela padaria, voltavam e me olhavam, uns diziam: "ah, foi esse menino?" (quem mora em interior pequeno sabe como é).
Naquele dia no colégio, por mais que eu fosse o assunto do momento, ninguém me avacalhou, talvez pelo estado que se encontrava minha pele e meu rosto.
A surpresa veio dia seguinte.
Saí de casa e fui pro ponto pegar o ônibus escolar sozinho porque meu irmão não ia mais junto comigo, esperava eu sair primeiro ou ele saía antes de mim. Eu atravessando a rua fui surpreendido por trás, pegaram na gola da minha camisa, me virei no susto e já comecei levar tabefe, era a mulher do vizinho, que começou gritou:
- Eu tava com sede de te pegar, seu viadinho.
Eu já andava com os nervos a flor da pele. Eu fui obrigado apanhar de meu pai e do meu irmão, mas quando ela deu na minha cara eu surtei, agarrei ela também, a gente se escorregou no paralelepípedo e caímos. A queda me ajudou e montei em cima dela igual um animal selvagem. Rapidinho a rua encheu, ninguém separou a gente, só uma vizinha que começou gritar pra separar a gente, e meu irmão mais velho me tirou de cima dela. Essa mulher também armou um barraco, me deixou mais baixo que o chão, e eu tenho um problema, eu quando estou com muita raiva minha boca não abre, minha voz some, eu não consigo falar um "A".
Mas em meios aos berros dela eu colhi informações que eu desconhecia. Primeiro, eu não sabia que minha mãe tinha ido na porta dela fazer barraco; talvez foi quando eu estava na praça paralisado, pois eu não vi isso. Segundo, que ele tinha sumido mundo afora. Quando soube disso fiquei arrasado. Terceiro, ela gritou alto e em bom tom que o marido dela não gosta de viado, e que ele só me pegou porque eu quem dei em cima dele e dei dinheiro pra ele me comer. (Acho que não rolou queixa porque nunca vi polícia ir lá). Nisso, quando ouvi ela falar sobre o suposto dinheiro que dei ao marido dela, eu fiquei muito triste com ele, a voz saiu, e perguntei:
- Ele te disse isso?
Ela ao invés de responder continuou me xingando.
Quando ouviu isso, meu irmão me levou de volta pra casa e me deu outra surra, achando que realmente eu dei dinheiro ao vizinho. E depois dessa briga eu fiquei muito mal falado na rua, levei a culpa de tudo, fiquei mal visto levando fama de pegar marido de vizinha, e a pior parte foi o assédio e gente me abordando escondido pra me pedir dinheiro pra me comer.
As surras não se encerraram por aí. Meu irmão mais velho só me batia vez ou outra, mas meu pai, quando não tinha motivo pra me dar uma surra, ele arranjava.
De surra em surra o tempo foi passando, eu virei um gay introvertido, calado, sozinho já que eu não tinha amigos nem amigas; héteros não queriam amizade com gays, meus pais não deixaram eu andar com meninas porque isso é coisa de viado, e eu jamais poderia ter amizade com gays por motivos óbvios. Ah, e eu não tinha permissão de ter celular.
Um detalhe: eu nunca mais falei com ninguém dentro de casa. Eles também não me diziam nada que precisasse eu falar algo, me evitavam o quanto podiam, a não ser quando fosse pra me bater, e nem me perguntavam nada, apenas me mandavam fazer as coisas.
Quanto o vizinho, mesmo sabendo que ele me deixou levar toda culpa, eu tinha saudades dele. Eu sonhava toda noite ele indo me buscar, me tirar da casa dos meus pais pra me levar embora pra onde ele estava, e vivermos como um casal feliz. Não passou de sonho. Eu não sabia por onde ele andava, e a mulher não dizia a ninguém, só via ela viajar finais de semana, até que meses depois ela vendeu a casa e foi embora.
Naquele ano eu tive uma queda brusca nas minas notas, estava com depressão profunda. Eu fiquei em 9 recuperações, e quando as fiz, minha maior nota foi 6, e a mínima foi 1. Eu repeti o ano.
De todas as dores que passei, a pior foi minha mãe fazer pouco caso do meu sofrimento; e meu irmão mais novo que... uma vez consegui escapar das mãos do meu irmão mais velho que estava me batendo na cozinha, quando passei correndo pela sala, meu irmão mais novo colocou o pé na eu caí, e virei presa fácil nas mãos do meu irmão mais velho que me espancou só porque na cozinha apertada eu passei e minha bunda ralou de leve na bunda dele. Ele achou que foi de propósito, que me insinuei pra ele.
Além das surras, eu era vigiado o tempo todo pelo meu irmão mais novo. A gente ficava em casa sozinho para os irmãos mais velhos e meus pais trabalharem, e qualquer coisa ele contava a meus pais e era surra pra nunca mais acabar. Eu não podia sair sozinho, falar com homem, ter amizades, até banho se fosse demorado eles brigavam achando talvez que eu estava socando coisa na bunda.
Em meio à depressão me dei conta que minha saída era sumir de casa ou estudar muito. Como eu era muito medroso, sair de casa sem conhecer ninguém e sem ter pra onde ir eu não ia conseguir, a não ser que eu fosse expulso, então resolvi estudar muito e depois que me formasse, arrumar qualquer emprego pra sair de casa.
Continuo.