Almas de Estorninhos(3)

Um conto erótico de L. Amaral
Categoria: Gay
Contém 2780 palavras
Data: 02/10/2022 10:36:17

Capítulo 3: Estorninhos

Fiz macarrão para o jantar mas, por minha garganta estar dolorida, comi um pouco e depois fui assistir TV. Quando cheguei à sala, vi o colchão da cama do Wade ainda lá. Decidi levá-lo de volta. Era pesado e, com o meu corpo machucado, era difícil chegar até o quarto.

Terminei de arrumar a cama cobrindo-a com um cobertor verde alface, em seguida me sentei nela e observei ao redor.

Quando entrei voando para pegar o colchão, no outro dia, mal prestei atenção à decoração. Nas paredes azuis tinham alguns pôsteres de filmes dos anos 90 e 2000 — Godzilla, Halloween, Jason —, e um do cantor Thom Yorke (jovem).

Num canto, ao lado da escrivaninha com um computador, uma estante cheia de pertences. Livros, revistinhas e algumas miniaturas dos personagens, como: Wolverine, Constantine, o Justiceiro, Blade, Deadpool (o xará do Wade) — eu ri. Também uma luva, um taco e uma bola de beisebol, e troféus esportivos.

Suspirei em lágrimas. Como uma música grudada à mente, eu não parava de pensar no Wade. Já eram oito da noite quando ele enfim retornou.

Eu estava na sala, logo me levantei do sofá.

— Wade, aonde você estava?

Ele não respondeu. Trancou a porta e seguiu para a escada.

— Ei, espera, não foge de mim — Agarrei no moletom azul dele.

Nesse instante Wade se virou bruscamente e acabou me derrubando no chão. Isso me fez tremer e ficar sem fôlego.

— Por favor, vamos conversar — pedi. Me ergui do assoalho e continuei: — Eu quero resolver as coisas. Eu não quis fazer aquilo.

Ele apenas ficou parado me olhando, pensativo. Não parecia enfurecido, só cansado, entediado.

Meus olhos estavam lacrimejantes ao prosseguir:

— Eu realmente sinto muito eu... — Parei e limpei a garganta. — Por favor acredite em mim. Wade, me desculpa.

Estendi a mão para tocá-lo outra vez, porém, ele abaixou o olhar e virou as costas para mim.

— Wade, não faça isso. Por favor, volta aqui. Wade!

Fui atrás dele mas parei no meio da escadaria, ao ouvir a porta do quarto bater. Sentei nos degraus e, com as mãos agarradas ao corrimão, deixei minhas lágrimas caírem. E foi quando me veio uma dor de cabeça nauseante.

Procurei um analgésico e o tomei com um gole de rum, depois subi para o quarto. Tirei meu suéter e minhas calças, vesti um short de moletom e uma camiseta. Apesar das dores no corpo e na cabeça, logo consegui dormir.

A luz do meu quarto estava ligada quando acordei de repente. De pé, parado ao pé da cama, Wade me olhava. O corpo suado, peito e ombros subiam e desciam rapidamente.

— Wade?

Ele só usava uma cueca preta, nela, escondia o seu membro duro. Sorriu e arrancou o cobertor do meu corpo, em seguida engatinhou até mim.

Não me movi, fiquei apenas observando-o. Agarrou a minha perna e a mordiscou, depois apalpou o meu short — querendo arrancá-lo. A todo momento me olhava cheio de tesão.

— Oooh, Wade — eu gemia, sentindo os lábios dele subir pelo meu abdômen. O seu hálito quente arrepiou toda a minha pele. Afaguei seu cabelo curtinho, arrepiado e úmido.

Wade parecia um animal feroz, um felino copulando. Seus dedos deslizavam pelo meu peito e pescoço, chupando minha pele. Acariciava a sua presa.

Sem fôlego e de olhos cerrados, eu estremecia aos toques daquele homem.

— Wad...

E num instante as mãos dele apertaram o meu pescoço. Os olhos estavam vermelhos, como o sangue que escorria entre a faca cravada no seu ombro esquerdo. E quanto mais eu debatia, maior era a força usada para me estrangular.

A minha visão escureceu-se, enquanto eu ouvia o meu coração gritar. Só conseguia enxergar a cara raivosa do Wade. Dessa vez ele não ia me soltar, dessa vez me mataria.

Foi quando realmente acordei, agitado e tossindo. Acendi a luz do abajur para me certificar de que estava sozinho no quarto. Felizmente. Ouvia apenas o som do vento soprando por uma fresta na janela, a cortina balançava de leve.

Ao me acalmar, um enjôo e uma grande dor no estômago vieram. Remédio e rum? Qual o meu problema?

Foi difícil dormir novamente, por isso acordei tarde no dia seguinte.

Sexta-feira. Agora o meu pescoço tinha hematomas roxos, ainda conseguia falar. Roxo também o meu olho esquerdo, e vermelho — parecia muito mais sensível por conta da íris azul. O meu pé torcido estava mais dolorido, porém também conseguia andar, mancando é claro.

Desci para o andar de baixo. Comi cereal e depois de lavar a tigela, olhei pela janela à minha frente. No meio do quintal tinha um balanço. Fui vê-lo de perto.

A propriedade dos Mason era enorme. A casa ficava no centro de uma planície rodeada de coníferas, com algumas outras árvores espalhadas pelo campo. No quintal tinha um belo jardim de margaridas, cheio de borboletas-monarca, e mais a frente o balanço de madeira.

Andei pela relva e me sentei num dos assentos do brinquedo (eram dois). Ao longe avistei o Wade, com os braços e um pé apoiados na cerca que rodeava o pasto dos cavalos. Tinha um homem com ele, talvez um amigo ou alguém da fazenda.

Eu estava sem coragem para tentar falar com o Wade, então decidi ir até o lago para ver se conseguia me animar. Percorri a trilha verdejante entre as árvores e cheguei até o cais. Tirei a roupa e mergulhei. O lago já se encontrava no seu nível normal, pelo menos do mesmo jeito quando o vi pela primeira vez.

Boiei sobre a água agradável e fitei a lentidão das poucas nuvens. Tudo muito calmo. Eu deveria estar a mais de vinte metros do cais. Fechei os olhos e respirei fundo. Me permiti relaxar e desprender de todos os problemas e dores. Foi como se eu tivesse me misturado ao lago e, assim como os peixes e plantas aquáticas, se tornado apenas um dos elementos naquele ambiente.

Junto ao singelo som da água e da minha respiração abafada, passei a ouvir outro som familiar e impaciente. Parei de boiar e olhei na direção de onde ele vinha.

— Ethan!

Wade me chamou, talvez pela quinta vez. Ele estava de pé à margem do lago, a uns metros do lado direito do cais. O encarei confuso por um tempo.

Ele usava uma regata vermelha e uma bermuda branca. Parecia bem, porém deveria estar descansando e não andando por aí. Mas fiquei feliz por ele estar ali me vigiando. Ao me ver bem, se sentou numa pedra ali perto e passou a usar seu celular. De qualquer forma aquele gesto com certeza foi de preocupação, e isso me alegrou.

Nadei por mais um tempo, então saí do lago. Vesti minhas roupas e, enquanto percorria a plataforma de madeira, olhei para o Wade e pude ver o seu estado de desânimo. Olhando para baixo, fitava o lago apertando os olhos, por causa do reflexo do sol sobre a água. Ele não se virou para me olhar. Continuei meu caminho pela trilha, de volta para a casa.

Desci para a cozinha e encontrei o Wade lá. Nos encaramos por uns dez segundos, enquanto eu estava parado na entrada do cômodo e ele à mesa. Mancando e com o rosto corado, fui à geladeira no canto.

— Tem... tem sanduíche aqui — Wade me surpreendeu ao dizer.

De costas para ele, peguei uma latinha de coca e fechei a geladeira. Me sentei num lado da mesa. Wade não olhava para mim, estava à minha frente vendo alguns papéis numa pasta. Abri o refrigerante e peguei um sanduíche.

O pão desceu rasgando minha garganta e eu fiz um barulho ao engolir, isso deixava o momento mais tenso. Wade parecia desconfortável e não me olhava.

Limpei a garganta e falei:

— Você não vai comer?

— Já comi.

— Você que fez? — eu gaguejei ao perguntar dos sanduíches, feitos para mim também.

Wade me fitou e disse:

— Sim. Algum problema? — Ele não foi ríspido, mas atencioso.

— Não, não. Está ótimo — Dei um sorriso tímido.

Wade assentiu com o rosto suado e vermelho. Parecia só nervoso, mas perguntei:

— Você está se sentindo bem?

Ele disse que sim e voltou para a papelada.

Tomei um grande gole de refrigerante e passei a comer olhando para o lado, sentindo os olhares do Wade sobre mim. Eu não sabia mais o que dizer, agora só cabia a ele decidir como seriam as coisas.

Eu estava no meu segundo sanduíche quando o ouvi em uma ligação.

— Oi, Stacey. Como anda a academia? Os novos tatames já foram organizados? — Ele se levantou e saiu pela porta da cozinha.

Tomei o último gole de coca, então fui para a sala.

Passei o resto da tarde assistindo TV, enquanto Wade estava no andar de cima. Ainda ressentido comigo, porém, parecia muito melhor. Fiquei feliz com a chance das coisas se resolverem logo. Afinal, até quando aquilo iria durar?

Decidi preparar o jantar.

Wade precisava ver que eu não era horrível. Eu só lhe mostrei o meu lado ruim, agora eu não precisava ser mais assim. Estava cansado de fingir ser daquele jeito.

Cozinhei legumes, refoguei alguns cogumelos e fiz bife acebolado. Em seguida fui até o quarto do Wade. O encontrei vestindo uma camisa. Parecia ter acabado de sair do banho.

— Eu fiz o jantar — falei, segurando a porta. Meu coração saía pela boca.

Ele logo se virou para mim, sorriu e disse:

— Eu já vou descer.

Nos entreolhamos por alguns segundos. Engoli em seco e fechei a porta.

Fui lá fora tomar um ar fresco e, sentado no banco da varanda, vi o sol ir embora. E então, de repente, ouvi um barulho de uma nuvem de pássaros brotar do campo.

Um enxame de estorninhos dançava como um cardume de peixes sobre o crepúsculo. Eu podia ouvi-los cantar e também o som das milhares de asas batendo — parecia uma árvore numa ventania.

Abracei minhas pernas e chorei. Não demorou para eu ouvir a porta mosquiteira ser aberta.

Wade caminhou até a ponta da varanda e colou as costas numa das colunas de madeira. Com a frente do corpo virado para mim, ora ele olhava para mim, ora para a revoada de pássaros.

— Incrível, não é? — comentou.

— É, é sim — respondi, secando os olhos na manga do meu suéter.

— Um bando daqueles já devastaram algumas lavouras da região. São uma praga. Mas, com certeza fazem um belo espetáculo no céu.

— Sim, são muito bonitos e também um pouco assustadores — Dei uma risada fraca e acrescentei: — Causam um mal enorme?

— A natureza é assim. Bela, assustadora mas... não má.

Ao terminar de falar ele olhou para mim e viu a tristeza nos meus olhos. Abaixei a cabeça e escondi meus lábios, tentando conter as lágrimas.

E nesse momento, Wade se sentou comigo. Pôs a mão no meu ombro e ficou quieto, olhando para a nuvem de estorninhos. Então o vi fungar, em seguida dizer:

— Me desculpa. Desculpa por ter te machucado.

Ele chorava.

— Wade, é você quem precisa me perdoar.

— Eu quase te matei, Ethan — Ele soluçou. — Me desculpa, eu perdi a cabeça.

— Eu também... Eu...

Não falei mais, apenas me lancei sobre o Wade. Ficamos ali chorando, no calor de nossos corpos. Ouvindo o som dos pássaros e dos nossos corações, até nos acalmarmos.

— Wade, a gente pode recomeçar? — falei baixinho, com o rosto no peito dele.

Ele acariciava a minha cabeça. E concordou:

— É claro. Vamos recomeçar.

Sorri aliviado. Agora ia ficar tudo bem.

Antes do jantar, Wade tomou um comprimido.

— Antibiótico? — perguntei.

Ele assentiu. Arrastou uma cadeira e se sentou ao meu lado.

— Ontem fui ao hospital, em Greenville. Eles trocaram o curativo, me deram soro e o doutor me receitou o antibiótico.

— O que você disse a ele sobre o ferimento?

Wade deu uma risadinha e respondeu:

— Que me machuquei com um pedaço de madeira, enquanto fazia um concerto na cerca dos cavalos — ele riu outra vez antes de prosseguir: — "Que madeira afiada em?" O médico comentou isso, depois de ter me dado uma bronca por não ter ido vê-lo antes. Ele perguntou quem tinha feito o curativo. O Johnny, eu falei. O Johnny trabalha aqui na fazenda.

— Aquele que estava com você hoje no campo?

— Sim. Falei que ele tinha me ajudado com a ferida, mas piorou.

— Wade, você está bem mesmo?

— Sim — Ele sorriu, em seguida ficou sério. — Mas eu ainda estou um pouco confuso com tudo isso. Você sempre me tratou mal e agora está conversando comigo de um jeito... Eu sabia que as coisas seriam diferentes depois de tudo, mas ainda não consigo te entender — Ele levou uma garfada à boca e acrescentou: — Eu só queria saber a razão de você não gostar de mim, Ethan.

Baixei os olhos, cortando a carne no prato. Wade continuou:

— A sua mãe me contou o que vocês passaram com o Brian. Mas, você não quer alguém ocupando o lugar dele ou realmente não gosta de mim?

— Não é nada disso.

— Então me conta.

Fiquei quieto, lembrando do meu pai. Quando ele perdeu o emprego, o seu jeito em casa piorou. Bebia e brigava ainda mais com a minha mãe. Por ela quase não parar em casa, foi a justificativa usada por ele ao traí-la com outra mulher. E quando mamãe mostrou-lhe os documentos do divórcio, bêbado, o meu pai a agrediu. Tentei intervir mas ele também me bateu.

Os vizinhos nos ajudaram e a polícia logo levou o meu pai. Desde então ele está preso, prestes a concluir sua pena.

Wade limpou a garganta e disse:

— Quando brigamos naquela noite, eu disse que te entendia porque... Bom, eu já tive problemas com bebidas. Sei como deve ter sido difícil conviver com o seu pai. Acredite, já magoei as pessoas que mais amo.

Ergui as sobrancelhas.

— Problemas com bebida? Você? — indaguei, curioso. Wade parece ser tão certinho.

— Dizer isso não vai me dar nenhum crédito com você, pelo contrário, mas sim... — Ele suspirou antes de completar: — Eu já fui um alcoólatra.

O olhar dele mostrava tristeza e receio.

— Eu não queria que você soubesse disso — ele prosseguiu —, mas talvez assim possa ser mais fácil nos entendermos melhor. Se confiarmos um no outro, sabe? Além disso, eu não tenho mais problemas com bebidas. Eles me trouxeram muitas consequências e encontrar a sua mãe foi... Ela é muito importante pra mim, Ethan.

— Wade, tudo bem. Agora eu só quero ficar em paz com você — Acariciei o ombro dele.

— Eu também, mas o que aconteceu foi muito sério. Você poderia ter me matado, entende?

Abaixei os olhos.

— Ei, olha pra mim. Vamos deixar isso só entre a gente, ok?

Respirei fundo e assenti.

— Eu não quero te deixar mal falando em como tudo poderia ter sido pior — Wade acrescentou. — Mas precisamos resolver as coisas. E pra isso você precisa me contar o que está acontecendo.

Funguei, empurrei o meu prato sobre a mesa e disse:

— Você não vai querer saber.

— É claro que vou.

Roçando meus dedos um no outro, eu evitava olhar para o Wade. Passei as mãos na minha calça, limpando as palmas suadas.

— Ethan, seja o que for pode me contar.

— Eu não posso — insisti.

— Por que não? Confia em mim. Olha, o que a sua mãe e eu estamos vivendo é muito bonito. E acredite, quero você fazendo parte disso. Quero cuidar de você.

— Cuidar de mim? — indaguei, levemente.

Engoli em seco, o sangue ferveu atrás do meu pescoço. Por que o Wade era daquele jeito, por que ele tinha que ser logo o namorado da minha mãe?

— É claro que quero cuidar de você — Ele sorriu e deu uma palmada no meu ombro.

— É, isso seria legal — falei. Tentei parecer contente.

— Então, vamos nos resolver.

— Mas é complicado, Wade.

— Pra você três meses deve ser pouco tempo para confiar em mim ou criar afinidade, mas afinal, não é por isso que viemos aqui?

Assenti.

— Vai, me conta por que você me odeia — Ele repousou sua mão em minha coxa esquerda e a apertou levemente.

— Eu não te odeio, Wade.

— Você me acha um intruso?

Fiz que não com a cabeça.

— Então diz.

— Eu não posso — Desviei o olhar.

Wade riu e suspirou.

— Você é difícil, Ethan Joy. Como não pode me contar? Olha, eu não sou o cara mais perfeito do mundo, mas seja o que for eu posso tentar mudar.

— Não é nada disso — Eu ri e acrescentei: — É sério que você nem desconfia?

— Como assim? Vai, me conta logo.

— Tem certeza? — o adverti.

— Por favor.

Pensei por quase um minuto, então falei:

— Sendo assim, então está bem.

Me levantei e sorri contente para o Wade, em seguida coloquei minhas mãos atrás da cabeça dele. Ele me olhou já se dando conta do que eu ia fazer, porém, não impediu o meu beijo.

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Comentários

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Adorando o conto e sua riqueza de detalhes. Parabéns. Essas suas paradas é que matam a gente de curiosidade e ansiedade. Obrigado.

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