Por volta das 23h, noite fechada, todos haviam se recolhido aos quartos. No saguão do hotel os funcionários terminavam a arrumação do grande refeitório. Sentei-me numa das poltronas folheando o jornal da manhã; a convenção com seus debates acalorados havia-me impossibilitado saber as manchetes do dia. Percebo que sentada junto a uma das sacadas com vista para o grande lago alguém fala ao telefone. De costas para mim, ela não percebe minha presença no recinto. Já a havia notado, durante o dia, entre os convencionais vindos de Brasília. Quem é imune ao tabu sedutor do perfume Chanel nº 5? Com ele a mulher exala o que tem de mais feminino. Para os homens um perigo. Faz-nos transpirar desejos, respirar excitação.
Durante o jantar alguém a havia chamado pelo nome: Joana. Vice-reitora de Mestrado, uma coisa assim.
-“Fazer sexo faz bem para a saúde”-.
Ouço a frase involuntariamente e estico os ouvidos interessado no que está dizendo.
-“Quando estou estressada, eu faço sexo. Não há nada que me faça ficar mais zen: nem palavras poéticas, nem peças de teatro, nem uma refeição em boa companhia. Nada. Sexo é a melhor coisa da vida”-.
Agito-me, inquieto, na poltrona e debruço-me sobre o jornal tentando ouvir melhor. O teor da conversa me excita. Com quem estará falando? Homem ou mulher? Esta conversa de tema quente, começa a provocar meu desejo. Os homens fingem que lidam tranquilamente com sexo, mas na real, -em sua maioria esmagadora- são eternos adolescentes.
-“Uma foda bem dada! Nada como sentir aquela descarga descendo por toda a medula, chegando ao cóccix, voltando pela espinha até chegar à nuca. Ver o gozo estampado na cara. Uma foda bem dado é o melhor remédio, cura qualquer neura”...-
Santo Cristo! Que sensação, que tesão, que pressão eu sinto! Ela volta-se para o salão e nossos olhares se encontram. Estamos frente a frente. Inclino a cabeça num aceno. Ela, ruborizada, percebe que estava ouvindo a conversa e tartamudeia despedida com beijinhos um tanto ofegantes, evidentemente sentindo-se lesada. Caminha em minha direção, sua bolsa estava (depois percebi) na mesinha de centro do salão junto aos jornais. Ela dirige o olhar para o meu crachá como que constatando que não sou um simples hóspede do hotel, sou como ela, participante da semana de estudos sobre formação em psicanálise.
Aparentando a tranqüilidade que não sinto, dirijo-lhe a palavra:
-Nossa convenção iniciou quase tumultuada. Não lhe parece melhor ter deixado mais para o final o tema angústia?
-Ela sorri e me estende a mão. Prazer...Joana. E como se fossemos conhecidos continua: são coisas da psicanálise.
- Digo-lhe meu nome e de onde venho, acrescentando: essa psicanálise que nos coloca de frente com questões que, para um ser humano “normal” (sorrio olhando-a nos olhos), melhor nem conhecer. Será sobre a angústia a minha fala.
Foi o mesmo que ter acendido um estopim. Imediatamente ela se interessa pela conversa e começa a vasculhar a etimologia da palavra angústia.
-“Quero a raiz das coisas, se posso falar assim”.
- Que tal irmos até o bar pra continuarmos o assunto? Ela aceita e pedimos um gin. tônica com limão. A conversa rola, transitória, sobre Nietzsche, Kant, Sartre, a língua coçando de prazer diante da atenção dela.
-“Você ainda não disse a etimologia da palavra angústia”...
- Vem do latim, angor, como você deve saber. Significa apertar, afogar, estreitar. Particularmente, prefiro estreitamento. É dele que vou partir para falar da nossa angústia de cada dia. Quem na vida nunca disse: “Que angústia apertando meu peito!”, “Meu coração está tão apertado, chega a me sufocar.”?
Ela sorri tomada de malícia: “É esse estreitamento que vai afunilando, esmagando nosso ser, não é mesmo?”
-Sim. A tal ponto que leva à idéia da morte como um alívio.
“Então, agora, você entende porque eu disse que fazer sexo é o melhor meio de aplacar esse insuportável estreitamento no peito”.
Apenas olhei-a intensamente e demorei meu olhar nos seus olhos, criando um universo só nosso, sem palavras ganhando afinidades.
Ainda falamos alguma coisa sobre a cidade, nossas atividades profissionais, o relacionamento se desenvolvendo em pura empatia.
-Somos só eu e você, melhor subirmos.
- Prático e eficiente você... ela falou deixando a frase em suspenso...
- Ao inferno com as convenções, pensei dando-lhe minha mão: Vem!
Naquela noite, aquela minha colega alta com os cabelos escuros compridos, perguntou-me se eu estava interessado em colaborar com ela num trabalho dissertativo
-Preparado?
Sentou-se no sofá e fez subir o vestido, deixando visível a lingerie negra. O cheiro do seu perfume, forte e intenso invadiu a suíte. Senti sua respiração no meu rosto, minhas mãos passearam pelo seu corpo, sua boca aproximou-se da minha com desejo, com carinho, com calor, sem palavras, apenas gestos. Nada mais era necessário, o instinto de um compreendendo o do outro. As mãos se desentrelaçam desabotoando botões, lançando as roupas no chão. Bocas respirando uma na outra exalando o que sentem, transpirando desejos, respirando tesão, sussurrando gemidos dando início ao ritual. Sua nudez me deslumbra. Livre para agir suas mãos buscam mais longe, sua boca molhada, voraz, me suga chupando-me como a um sorvete gostoso; no meu corpo o prazer contemplado, em explosão, querendo ir ao fundo da sua garganta, entregue ao desejo de sentir sua língua quente saciando-me na madrugada. Reposiciono resolutos nossos corpos no sofá e vou deslizando meus lábios nas dobras brancas da sua pele, passando a língua pelos seus caminhos, descobrindo seus sabores para sugar seu mel. Abocanhado, saboreio-a, deixando-a louca. Nossas bocas salivantes em desejo consumidas, nossos corpos que tremem molhados de desejo. Ela para por um instante, extremamente excitada para fazer de mim seu alazão. Oferecendo-me seus seios em essência de feminilidade, segura firme em minhas mãos, senta-se de cócoras sobre mim penetrando-se, mexendo os quadris em círculos desenfreada e desinibidamente. Crava em meu peitos suas unhas, ensandecida, quando minhas mãos acariciam seu clitóris. Escorrendo mel coxas abaixo desaba sobre mim sem diminuir o movimento dos quadris. Num esforço quase insano contenho a ejaculação. Amante, quero que goze mais (“uma foda bem dada”, não me sai do pensamento). Amoldando os bicos dos seus seios em minha boca, recostado nas almofadas da cama, num abraço estreito lentamente vou sentando-a no leito, penetrado em sua vagina. Ela geme ronronante como uma gata no cio. Face a face, interrompo o vai e vem da penetração e permanecemos sem saber precisar o tempo, nos contemplando: misto de admiração, de carinho, de querer um ao outro. Nossas línguas passeiam pelo céu da boca reiniciando em puro frenesi a mais erótica e intensa sensação de amor e tesão. Coloco suas pernas por cima dos meus ombros, seus pés roçando em meu rosto, em minha boca. Ele sussurra quase inaudível: “mete fundo, entra até no fundo!” A penetração feita com força arranca-lhe gemidos de olhos arregalados. Embate de quadris que se embutem. O orgasmo explode intenso, socado, transbordante. Deitamos-nos de lado ela passando a perna sobre a minha cintura e esperamos o dia em oferta de carícias, olhares e beijos. Deixamos a ciência para o plenário da convenção. Angústia, do latim angor, sem precisar mais de explicações ou teses filosóficas. “Nada como um foda bem dada”e gozar horrores , para acabar com ela.