Amigos,
O mínimo que merecem é uma explicação pelo meu repentino sumiço.
Navegando pela internet e lendo alguns contos, me deparei com um site (não vou citar o nome) que continha uma história muito, mas muito parecida com a que venho postando aqui. Os detalhes, eventos, períodos e evolução levaram a uma conclusão lógica: plágio.
Entrei em contato com o administrador do site e informei a questão. Por uma sugestão dele, exclui meu perfil para que as postagens lá também cessassem. Por incrível que pareça, funcionou. O plagiador estava copiando e adulterado em tempo real, e, sem material, parou de postar. Depois de uma rápida apuração, ficou constatado o plágio e ele foi deletado daquele site. Então, cá estou novamente e vou voltar as postagens da minha história com minha digníssima.
Além daquela, quero compartilhar com vocês uma nova história que vinha escrevendo, esta totalmente autoral, inédita e fictícia, é claro.
Espero que gostem.
Forte abraço,
Do Mark.
P.S.: Sim, a Nanda andou dando bons e vários palpites neste texto, mas ele é meu, viu, caipirinha abusada! 🤣
E com vocês:
"Clair de Lune"
Capítulo 1 - Vergonha Pouca é Bobagem!
Estava sendo um dia daqueles. Minha cabeça doía tanto que chegava a parecer que o ambiente rodava ao meu redor. Se eu tivesse participado de uma bebedeira homérica no dia anterior, estaria tudo explicado, mas eu, e somente eu, aliás, eu e mais uns poucos, sabia bem o que havia tornado a minha vida num inferno:
- Doutora Costa Brasil… Doutora! - Ouvi a voz da doutora Luíza, juíza que presidia a audiência, me trazendo de volta a realidade: - A senhora tem mais alguma pergunta para a testemunha?
Ainda assim a encarei atordoada e não sei se ela notou meus olhos levemente marejados, mas ela própria solicitou um breve recesso e isso para mim foi providencial, pois tentaria me equilibrar novamente. Ainda assim tentei parecer forte:
- Excelência, a defesa não tem mais perguntas para a testemunha, mas eu gostaria de ouvir as demais, por favor. - Pedi, sem a menor convicção de querer convencer.
- Um breve recesso, doutora. Estou precisando, também. - Rebateu a própria Promotora de Justiça, doutora Priscilla, que atuava naquela audiência, frisando bem o “também”, e se voltou para mim: - Doutora, tome uma água, um café quem sabe… Isso sempre ajuda.
- Ok, então. Encerre a ata, colha a assinatura da testemunha e ela estará dispensada. - Falou a juíza para a escrevente e se voltou para a testemunha: - A Justiça agradece sua colaboração, senhor Antônio. Tenha uma boa tarde.
Depois a própria juíza voltou a cochichar mais alguma coisa com a escrevente que não ouvi nem que eu quisesse, pois estava muito distraída nesse dia e decretou:
- Faremos um recesso de quinze minutos.
Fiz um esforço enorme para não chorar naquele momento, apertando bem forte meus olhos e respirando fundo. Depois me levantei e fui realmente procurar um bebedouro para tentar me acalmar, mesmo sabendo que de nada adiantaria. Fui até a sala da OAB no prédio e fiz um expresso duplo na máquina, tomando-o sem açúcar, sob o olhar assustado da menininha do xerox. Depois voltei para as proximidades da sala de audiência:
- Doutora! - Ouvi uma vozinha suave e, ao prestar atenção de onde vinha, vi a oficial de justiça a cargo da audiência de frente para mim: - A doutora Luíza quer falar com a senhora. Me acompanhe, por favor.
“Pronto! Lá vem uma comida de toco. Tudo o que eu precisava hoje.”, pensei enquanto a seguia com um trêmulo copinho de água nas mãos e os ombros arqueados por sentir todo o peso do mundo sobre eles. Entramos novamente na sala de audiência e de lá para o gabinete da juíza, onde estavam ela e a promotora sentadas, tomando um café e agora me olhando curiosas. A juíza, mais madura com seus cinquenta e poucos anos e conhecedora dos embates que eu sempre travava nas audiências, se mostrava preocupada:
- Marri, o que está acontecendo? Você está doente? Está passando bem? - Me perguntou.
- Estou… Desculpa! Eu vou me comportar. Eu… Eu vou. - Respondi, sem saber o que falar naquele momento.
A promotora, logo ela, se levantou e me colocou sentada junto delas, logo ela que eu havia chamado de “promotorzinha de carteirinha comprada” em nossa última audiência. Se sentou em seguida próxima de mim e perguntou:
- Marye!? Quem é Marye? Seu nome não é Anne?
- Annemarye, junto com dois enes e um ípsilon. - Respondi, tentando ser divertida: - Vocês no Fórum que dividiram meu nome e um tanto me chama de Anne e o restante de Marye.
Ela esboçou um sorriso e continuou:
- Então… Eu vim pronta para sair no braço com você, mas não vou bater em uma “cachorra magra”... - Ela própria se calou, colocando a mão sobre a boca, depois continuou: - Olha! Não estou te chamando de cadela, pelo amor de Deus! É que nem eu estou te reconhecendo.
A juíza riu de seu comentário e ela própria continuou:
- Doutora Luíza, eu vou solicitar o adiamento da audiência de hoje, “tive um imprevisto”, se é que me entende. A senhora concorda?
- Gente, eu faço. - Falei, quase chorando: - Só preciso tomar minha aguinha…
A juíza, sabendo que eu não tinha ninguém de minha família ali na capital e já imaginando que eu estivesse com um baita problemão, puxou sua cadeira para mais perto de mim e colocou sua mão sobre a minha:
- Marye… Annemarye, aliás! Eu não sei o que está acontecendo, mas algo está e é sério. Você é forte, dura igual uma pedra, mas hoje fraquejou. - Olhou para mim e depois para a promotora: - Somos mulheres antes de sermos autoridades e agora estamos preocupadas com você. Se for algo que a gente possa te ajudar, nos fale.
A promotora então colocou sua mão sobre meu ombro e, pela primeira vez desde que a conheci, vi que me olhava com uma preocupação genuína. Olhei para a juíza novamente que ainda me encarava preocupada e não aguentei mais, caindo num choro forte, sofrido, compulsivo na frente delas. Aliás, na frente delas só não: me debrucei na mesa e chorei o que estava represado há quase um mês dentro de mim.
Naturalmente, elas se assustaram e uma delas se levantou indo até a porta que separava aquela da sala de audiência. Chamou alguém, informando que a audiência estava adiada e que ela deveria remarcá-la para a próxima data liberada em sua agenda, informando, intimando e colhendo a assinatura dos demais.
Eu chorava copiosamente, sendo acariciada nas costas por alguém que não sabia o que fazer comigo e, pelo toque assustado, receoso, imaginei ser a promotora, aliás, nem seria de se esperar que soubesse, pois ela deveria ter minha idade ou menos. Então, experiência de vida ainda não era o seu forte. A juíza, por sua vez, pegou outro copo de água e me trouxe para beber:
- Toma. Vai te fazer bem. - Disse.
- Eu não quero… “Brigada”.
- Bebe, menina! Estou mandando. - Insistiu, investida na autoridade de uma mulher madura contra a quase infante e chorosa que vos escreve.
Acabei engolindo meu choro naquele momento, fortemente baseado na ordem dela e no constrangimento em que havia me envolvido. Tomei aquele copo de água e descobri que estava doce de amargar, me doendo fundo na alma porque nunca fui amante de nada doce. Depois de controlar uma óbvia careta decorrente daquele melaço, consegui encará-las novamente:
- Desculpa, gente. Ai, que vergonha… - Falei.
- O que está acontecendo, Annemarye. Brigou com o noivo, é isso? - Disse a promotora, provavelmente após ver que minha mão direita já não mais ostentava minha grossa aliança de noivado.
Nesse momento, num ato involuntário, cobri minha mão direita com a esquerda, mas ela já havia acertado em cheio: aquele era o motivo. Eu só não sabia se deveria abrir minha vida particular para duas pessoas do meu convívio profissional, naquele momento e naquele lugar. Ainda havia uma certa rixa entre mim e a promotora, o que me fez a olhar de soslaio, sendo o suficiente para que a juíza desse uma “indireta”, perguntando se ela não teria outra audiência para participar. Ela a olhou e a mim própria confusa, pois pensava estar ali também para ajudar e vi que até se chateou com a “indireta”. Talvez para não piorar ainda mais minha situação, concordou e ia se levantando, mas eu a segurei pela mão. Ela foi cordial comigo, eu não poderia pagá-la com descortesia:
- Não tenho mais noivo… - Falei ainda timidamente, tentando controlar minhas emoções enquanto buscava uma forma menos dolorosa de contar o que me afligia.
- Ele terminou com você? - Perguntou a promotora, agora segurando minha mão sobre a dela: - Mas vocês não iam casar no final do ano?
A juíza a repreendeu com um olhar e uma mordida de lábios que deixou claro que ela fora indelicada, mas eu não me incomodei:
- Não. Eu terminei. - Continuei, contando mais uma homeopática parte de meu martírio.
- O que aconteceu? Conte para a gente. Vai te fazer bem. - A juíza é quem agora insistia, tomado por um repentino instinto maternal.
Fechei meus olhos, buscando sei lá o que dentro de mim e respirei fundo. Depois abri minha boca, soltando rápido e sem pausa uma explicação que me sufocava no afã de não ter que falar mais nada depois:
- Pegueimeunoivocomminhadamadehonratransandononossoapartamento! - Parei para respirar fundo e as encarei, uma de cada vez, antes de continuar: - Na minha cama! No meu apartamento! No lar onde eu ia criar a minha família! A minha família… - E passei a chorar novamente.
Elas se entreolharam boquiabertas e surpresas com a revelação. Ninguém havia escutado nada daquilo nos corredores do Fórum e isso era mérito meu! Eu sempre fui bastante discreta e fiz de tudo para não vazar, até aquele momento:
- Meu Deus! Foi com a Denise? - A promotora perguntou e eu acenei positivamente com a cabeça.
A juíza a encarou sem saber de quem ela se referia e a promotora explicou quem era, fazendo com que ela se surpreendesse ainda mais, haja vista ser ela filha de um desembargador do Tribunal de Justiça. Denise não era uma mulher feia, bem bonita até, mas carecia de certos “atributos” que eu tinha de sobra. Ela era meio baixa e ainda magra de doer, com pouco seio e uma mísera bunda. Até tinha um rosto bonito, emoldurado por lindos - e isso eu concordo! - cabelos loiros até abaixo de seus ombros que reluziam como ouro. Seu rosto era “legalzinho”, não era um padrão brasileiro e como ela se vangloriava de dizer “vinha de seus pais alemães legítimos”, como se isso a fizesse melhor que alguém.
Eu, ao contrário, sou a típica brasileira cavalona. Sou alta, bem alta, tenho quase um metro e oitenta, de calcanhar no chão. Sou uma verdadeira “maionese” de raças, pois tenho ascendência italiana, portuguesa, negra e indígena, esta que me deu belos olhos amendoados e pretos como jabuticabinhas, como meu pai dizia. Some a isso uma pele alva como o leite, seios médios e empinados com bicos levemente “amarronzados”, uma bunda grande e firme presa numa fina cintura e cabelos lisos e negros como a noite até a altura da minha cintura.
Sim, essa sou eu: Annemarye Costa Brasil Bravo. Costa da minha mãe e eu achava justíssimo pois é dela que herdei minha bem servida bunda. Brasil de minha bisavó índia, de quem herdei meus cabelos e olhos. Bravo veio de meu pai, um genioso e genial descendente de italianos, ranzinza e realmente bravo, mas muito, muito, muiiiiito honesto e também acho que é dele que herdei meu jeito meio espalhafatoso de falar com as mãos. Annemarye não imagino de onde tiraram, nem eles nunca me explicaram direito e eu ODEIO: É grande, complicado, desajeitado e meus professores nunca escreveram direito! Acabei me acostumando com ele, pois daria muito trabalho mudá-lo:
- Não acredito que aquela menininha fez isso! - A juíza falou surpresa, chamando-me a atenção.
Eu só acenei positivamente a cabeça outra vez e ainda mostrei uma foto deles nus e surpresos na minha cama que consegui tirar no dia do flagra, para eventuais necessidades jurídicas, pois, como advogada, quando vi que aquilo estava acontecendo, ainda tive sangue frio para pensar que precisava de “uma boa prova!”. A juíza não sabia o que falar, nem a experiência lhe deu bons argumentos nesse momento. Ficamos as três ali, em silêncio, mas, confesso que, falar para alguém aquilo, me fez bem e até comecei a raciocinar direito depois disso. Eu já queria até fazer minha audiência:
- Excelência... Podemos fazer a audiência. Já estou melhor. - Pedi.
- Esquece! Já cancelei. - Falou enquanto procurava algo mais apropriado para dizer e soltou esta: - Pode parecer mesquinho o que vou falar, mas foi melhor assim. Ainda bem que você descobriu agora, antes do casamento, do que depois de casada. É um problema a menos na sua vida, Annemarye.
- Verdade! - Concordou a promotora: - Mete o pé nesse vagabundo e vai curtir a vida. Você é linda e logo, logo arruma um novo pretendente.
- Pretendente!? - Fechei a cara imediatamente e continuei: - Quero que vão todos para o inferno! Vou estudar, trabalhar e cuidar da minha vida. Não preciso de ninguém além do Torresmo e do Bacon.
- Quem? - A promotora perguntou.
Peguei meu celular novamente e busquei na galeria de imagens uma foto de meus dois porquinhos da índia, mostrando para elas:
- Ah… Torresmo e Bacon. Entendi… - Riram.
- Eu queria comprar mini porquinhos de verdade! Mas o condomínio tem regras rígidas quanto aos animais e acabei tendo de me conformar. - Falei, também rindo.
- Tá vendo, Annemarye. É assim que quero te ver: animada, sorridente e brigando com todo mundo. - Falou a juíza: - Bem… Eu preciso voltar à labuta. Vamos doutora Priscila?
- Vamos sim, Excelência. - Concordou, mas antes de sair se voltou para mim: - Vou me reunir com uns amigos hoje depois do expediente para um “happy hour”. Se estiver a fim de beber, conversar um pouco… Enfim…
- Desanuviar. - Acabei a interrompendo.
- Hein!? Ah. Sim. Isso. - Ela sorriu de meu jeito ainda caipira de falar: - Desanuviar! Me liga.
Pegou então meu celular e registrou seu contato como “Priscila Promotora Mais Inteligente que Você” e me devolveu o aparelho. Ao ler seu contato, ri e comentei:
- Vai sonhando, Priscila! Você só foi salva pelo gongo. Na próxima audiência, eu depeno você.
- Doutora Luíza, a abusada já voltou! Já está se achando no direito de brigar comigo. - Riu, aliás, riram: - E galinha é sua mãe! Desculpa, eu nem a conheço, mas você eu conheço bem, franguinha.
Rimos e me levantei para sair dali. Quando a encarei para me despedir, acabei ganhando um inesperado abraço. Aliás, delas duas e juntas, e como isso me fez bem naquele momento:
- “Brigada”, gente. Obrigada mesmo! Não imaginam como me fez bem conversar com alguém. Isso estava me sufocando há semanas.
- Devia ter contado para alguém, seus pais, amigos, parentes, alguém… Guardar isso só piora tudo. - Fui repreendida ainda pela juíza.
- Meus pais moram no interior de Minas, doutora. Se eu conto isso, eles viriam aqui e tentariam me levar embora de qualquer jeito, e não vou, não!
- Tá bom! Então, vai beber com a Priscila. Toma uma por mim. - Disse a juíza e sorriu novamente: - E se precisar conversar novamente, estarei de portas abertas. Só não venha no horário das audiências, por favor.
Nos despedimos e saí dali com a intenção de ir direto para o escritório em que trabalho. Não é que no caminho esbarrei, aliás, trombei como uma locomotiva sem freio numa pequena loirinha, jogando-a de encontro a uma parede. Eu a olhei para pedir desculpas, mas vi a Denise se levantando, brava. Ela quis reclamar comigo com voz alterada, mas quando viu que era eu e eu a encarava pronta para o embate, ela se encolheu como um pinto em meio ao inverno rigoroso. Sim, isso mesmo: um pinto de homem no frio. Já viram? Nem queiram, é de entristecer o coração: feio, miúdo e murcho!
Eu a olhava e certamente não estava com minha melhor cara. Ela baixou o rosto e continuou seu caminho. Então, continuei o meu até a porta do Fórum e de lá para meu carro:
- Caralho! Cadê minhas chaves? - Falei baixinho para mim mesma e logo me repreendi em voz alta: - Você veio de Uber, sua burra!
Pedi um Uber pelo aplicativo e trinta minutos depois chegava no prédio comercial em que estava instalado o imponente “Salva, Sinas e Lira - Advogados Associados”. Curiosamente, seu símbolo eram dois “S’” sobrepostos entre si e ainda por “L” e “I”, como se fossem dois cifrões sobrepostos. Dinheiro, pois é. Tudo parecia girar em torno disso em nossa sociedade capitalista e mais ainda na capital de São Paulo e, se assim era, por que não deixar isso bem claro para toda a sociedade então, dizia um de seus fundadores, Doutor George Sinas!?
Ele, inclusive, era nada demais e tudo de um pouco: não era velho, nem novo; nem alto, nem baixo; nem gordo, nem magro; nem bonito, nem feito; mas era careca e falava pra caramba! Ara, que homem falador! Aliás, falante e falador. Entretanto, me tratava como uma filha, já tendo até encrencado com seus sócios quando, em meu início no escritório, cometi um erro besta na contagem de um prazo e perdi o prazo para interposição do recurso de um cliente que ele, com um jeitinho - entendam “$$” - conseguiu protocolar no tribunal, sabe-se Deus lá como!
Seus sócios, doutor Gregório Grande Salva e doutora Liliandra Amanda Lira eram a antítese de tudo o que aprendi como ético no curso de direito.
O doutor Gregório, apesar do sobrenome Grande, não tinha mais que um metro e meio. Entretanto, o que lhe falta de altura, sobrava de atitude. Brigava de igual para igual com os maiores e melhores promotores e procuradores, e dele tomei o gosto pelo embate oral. Ele exagerava, é verdade, não tinha o menor medo de xingar toda a ascendência das autoridades nos júris para os quais era contratado, se achasse necessário. Só extrapolou uma vez quando xingou a descendência de uma promotora em vias de aposentadoria, o que lhe custou uma boa indenização por danos morais que pagou rindo, pois lhe custara menos de cinco por cento do que recebera do cliente. Sim, ele absolveu o cliente.
Já a doutora Liliandra, embora mulher, era mais rude que os dois sócios homens. Não falava com ninguém e quando falava era para dar bronca. Tive dois ou três grandes “arranca rabos” com ela, mas foi só no último, quando a chamei de “velha ga-gá” e “múmia travestida de gente” que vi, aliás, que todos viram, ela rir pela primeira vez no escritório e isso desde sua fundação. Desde então, quando cruzava comigo, passou a me chamar de “Jéssica Tatu” - fazendo uma alusão ao famoso “Jeca Tatu” e, claro, por eu ser de Minas Gerais - e eu respondia em alto e bom som, chamando-a de “velha ga-gá”, “múmia azeda”, dentre vários outros belos substantivos adjetivados impropriamente. Ela se acabava de rir alto com os meus “gracejos” e saía bradando “Bom dia!” ou “Boa tarde!” para todos no escritório.
Assim fui entrando, me ajeitando, conquistando meu lugar naquele antro de “cobras”, mas de uma cultura e conhecimento fora do comum. Inclusive, da doutora Liliandra formei meu gosto pelo aprofundamento nos estudos e, graças a ela, acreditem, cursei especialização, mestrado e agora fazia meu doutorado na área de Negócios, Fusões e Incorporações Empresariais. Acredito que eu devia estar indo muito bem, pois já tinha recebido convite de três dos maiores escritórios da capital que colheram um bom e sonoro “NÃO!” de minha parte, pois se tem algo que não sou é “traíra”. Aqueles três haviam me acolhido e direcionado, cada um a seu modo, e eu devia muito a eles por isso.
Naquela tarde, entrei quente no escritório, sem olhar para ninguém, coisa que surpreendeu a todos pois sou caipira, brincalhona e abusada. Fui direto para minha sala, quase passando por cima da doutora Liliandra no caminho:
- Calma aí, “Jéssica Tatu”. Onde é o incêndio? - Me interpelou, tentando colher uma brincadeira de volta.
Apesar de eu estar melhor, ainda estava mal e nada respondi, somente a encarando chateada com meus problemas. Entrei em minha sala e fechei a porta atrás de mim, jogando minhas coisas na mesa e me jogando no sofazinho de canto. “Agora eu sei porque o doutor Gregório tem Whisky em sua sala. Vou pôr um na minha também.”, pensei, enquanto tentava relaxar. Parecendo uma transfusão wi-fi de pensamento, ouço duas batidas e antes que eu possa negar a entrada a quem ousava me infernizar, a porta se abriu e a doutora Liliandra entrou com um copo de Whisky bem acima do meio e uma pedra de gelo somente:
- Pega, “ô da roça”. Hoje, estou vendo que você precisa de uma dose dupla. - Disse, me esticando o braço com o copo na mão: - A audiência foi tão ruim assim?
Expliquei tudo o que acontecera, ocultando naturalmente o afago que as doutoras Luíza e Priscila me deram e ela, com o senso materno de uma piranha de água doce, soltou uma de suas pérolas:
- Melhor assim, senão eu ia te xingar de verdade! - Eu a encarei brava, com sangue nos olhos e, mesmo assim, ainda levei: - Mas você é burra, hein!? Por que não me disse? Eu teria ido no seu lugar, menina! Nunca mais faça isso! Se não está bem, avise.
Acabei ficando surpresa com aquilo e ela, ao notar minha cara, ainda continuou:
- Eu sou uma cobra, mas não engulo as que estão no meu ninho. Vai pra casa, tira uns dias, descansa e depois volta. - Mas é claro que ela tinha que fechar com chave de ouro: - Depois eu desconto do seu salário.
- Como é que é!? Sua filha de uma…
- Estou brincando, “Jéssica Tatu”! - Me interrompeu e caiu numa risada gostosa, vindo depois e me dando três tapinhas na cabeça como se eu fosse sua cachorrinha: - Estou brincando, caipira. Vai pôr as ideias em ordem. Eu falo com o George e o Gregório.
Saiu da minha sala ainda rindo e, para variar, a ouvi dando uma bronca no estagiário que havia começado naquela semana:
- Puta que pariu! Mas você é muito burro, menino, nem um xerox sabe tirar direito! Dá essa bosta aqui e vem comigo que vou te ensinar!
Olhei para aquele copo em minhas mãos e tomei uma golada sem medo de ser feliz. Acabei sendo triste demais! Desceu queimando minha garganta e levando a alma junto para um bucho cheio de más lembranças:
- Puta que pariu! Essa bruxa quer me matar. - Falei pra mim mesma, mas mais alto do que eu poderia querer.
Olhei pela janela de minha sala, só para ver se alguém havia me escutado, mas ninguém parecia ter ouvido meu “elogio”. Olhei novamente para o copo e dei duas balançadas nele, fazendo o gelinho tilintar bonito. Aquilo me fez sorrir:
- Uai! É divertido, sô!
Tilintei o gelinho e sorri novamente. Gostei da brincadeira! Não sei se funcionava assim para eles, mas eu estava mais gostando do barulhinho do gelo no copo do que da bebida no bucho. Fiquei me distraindo com aquele sonzinho por não sei quanto tempo ainda e acho que só parei quando o gelo derreteu. Aliás, só aí me dei conta do horário e decidi ir embora. Organizei umas últimas petições a serem elaboradas e pedi à secretária da minha seção que encaminhasse à advogada novata para fazê-las. Por fim, voltei para minha sala, desliguei tudo, peguei minha bolsa e saí até a estação de metrô, próxima coisa de uns quinhentos metros do prédio. Lá peguei meu coletivo e, seis estações e duas linhas depois, chegava perto do meu prédio.
Assim que entrei, aquele arrepio, decorrente da má lembrança, me percorreu a espinha e eu tremi, mas não de frio e sim de dor. Ainda doía e muito saber que o homem que eu havia escolhido para ser meu marido, minha fortaleza, meu porto seguro, aliás, o pai de meus filhos, havia me traído com minha ex-melhor amiga. Ah, é! Esqueci de dizer que Denise e eu havíamos estudado, formado, vadiado e feito outras “cositas mas” juntas. Por isso, acabamos nos tornando grandes amigas, aliás, melhores, mas hoje ela é passado. Ela e ele são passado!
Desci de meus quase um metro e noventa e pouco , graças ao salto alto agulha, voltando a pôr o pé no chão, frio mais gostoso, real, receptivo. Ele não me derrubaria, jamais! Fui até minha geladeira e peguei um gelo para colocar num copinho com um pouco de refrigerante e voltei a tilintá-lo pela casa. “Uai! Gostei um tanto mesmo desse ‘negocin’!”, pensei, sorrindo para mim mesma em silêncio, enquanto me largava no sofá em frente à televisão para assistir um canal de música. Coincidentemente, um show do Iron Maiden aparecia para alegrar meu coração, tocando forte a introdução de “Hallowed be thy name” que acabei acompanhando, no embalo da música:
“The sands of time for me are running looooooooooooooooooooooooooooow /
Running looooooooooo-ooooooooooooo-oooow, yeah!”
Terminei num “head banger” libertador, libertino, libertário. Eu precisava agitar, sair daquela mesmice, bater cabeça mesmo e aquela música caiu como uma luva! Fiquei pulando sozinha e curtindo feito uma louca ali até a música acabar e só no último “yeah” tomei uma decisão que precisei falar em voz alta para me convencer:
- Vamos sair, Annemarye! Beber um tanto, dar um bocado, gozar muito e depois chutar bastante o “boy”. - E eu mesma respondi para mim: - Vamos então, sua biscate.
Lembrei da Priscila e pensei “porque não”. Liguei e ela não me atendeu. “Filha da puta! Só quis me atiçar”, pensei e ri, indo para meu quarto me trocar. Enquanto eu escolhia um vestido para me embalar “à vácuo”, sem calcinha e sutiã, meu celular tocou: era a Priscila me retornando:
- Alô! Quem? - Ouvi aquela voz da minha concorrente loira e azeda.
- Sou eu, Priscila. A Annemarye.
- Oi, colega. E aí, animou?
- Acho que tô precisando sair, sim.
- Joia! Vou te passar o endereço. Tô indo pra lá agora. - Recebi uma mensagem no meu WhatsApp no mesmo instante: - É só chegar e perguntar por mim.
- Doutora “promotorzinha de carteirinha comprada”!? Ok. Pode deixar!
- Vá tomar no cu, caipira invocada! Pra brincar você já tá boa, né?
- Priscila, desculpe a liberdade, mas hoje eu tô precisando tomar no cu, na boca e na buceta, e bem tomado ainda. - Falei e ri.
- Então, vai pra lá que já tô indo. Quem sabe não rola uma “rôla”, né? - Disse, também rindo.
Desligamos e achei o que eu queria, um vestido pretinho básico, curto, justo e com um decote generoso, mas não vulgar. Separei uma meia calça sete oitavos preta rendada, um sapato de salto alto preto e… Não! Sapato de salto alto, não. Revirei em busca de outra lembrança e achei uma botinha de salto alto preta. “Isso! Vai ficar show!”, pensei e sorri. Entrei para uma merecida ducha e saí rapidinho, já me maquiando, caprichando um tom terroso sobre os olhos e um vermelho biscate na boca. Prendi meu cabelo num rabo de cavalo alto, coloquei grandes brincos de argola dourados, uma pulseira também dourada e fui me vestir. A meia calça e o vestido caíram como uma luva e a botinha deu um “tchan” a mais. Me olhei no espelho e disse alto:
- Tu tá gostosa pra “carai”, mulher. Vai dar!
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.