Depois passou a explicar todo o procedimento de colocação dos “stents” e do pós-operatório, deixando-nos mais tranquilos. A cirurgia foi feita naquela mesma noite e no dia seguinte, uma segunda, minha mãe já estava acordada e bem disposta. Entretanto, ficaria em observação, internada por mais alguns dias. Nos organizamos de modo que pudéssemos revezar nos cuidados com ela. Novamente, a Márcia se mostrou muito prestimosa e fez questão de ficar comigo durante todo o momento. Minha mãe mostrou-se grata, mas confusa comigo e eu também fiquei, não nego. Dessa forma, Márcia foi ficando novamente cada vez mais presente na minha vida e ficando... ficando… ficando…
[...]
Capítulo 10 - Vida que segue
Marcos ainda era uma gostosa lembrança e uma incerteza agonizante. Aliás, estranhamente, ele parecia querer ficar somente como uma lembrança, pois não me procurou, não ligou, nada! Se isso não fosse ruim o suficiente, nem ele, nem a dona Eugênia, que eu já tinha como uma grande e querida amiga, e isso me magoou demais. Então, eu ativei a minha parte analítica e concluí que não era para ter sido. Vida que segue…
Depois de alguns dias, decidi que já era hora de sair da rotina, passear um pouco, reencontrar velhas amigas, talvez beber um pouco, que nunca acabava sendo “um pouco” quando eu me encontrava com elas, mas, enfim… Meus pais protestaram! Aliás, meu pai devia pensar que eu tinha regredido em idade e tive que brigar com ele, lembrando-o de que eu já era dona de mim há um bom tempo.
Nesse meio tempo, meus pais também tentaram todo o bendito dia me convencer a voltar para minha cidade natal e esquecer a ideia de viver na cidade grande e eu repetia todo santo dia que minha área de atuação era extremamente excepcional e eu passaria fome ali, o que não era mentira, mas uma inverdade. Passaria nada! Eu poderia trabalhar em várias outras áreas, mas se eu dissesse isso, eles não me deixariam em paz mesmo, nunca mais!
Assim, num final de tarde, fazendo uma caminhada num lago público da minha cidade, tratando dos patos com migalhas de pão, algo que eu adorava fazer quando criança, encontrei Vanessa, uma antiga colega de colégio que ficou radiante em me ver. Combinamos uma pizza e ela se encarregou de chamar nossa “patotinha” do colégio. À noite, me produzi para ir encontrá-las, mas nada muito chamativo. Coloquei um vestido floral, à altura dos joelhos, um sapato de meio salto e amarrei os cabelos num rabo de cavalo alto. Uma maquiagem leve e um batom quase no tom de meus lábios finalizaram o “make”. Eu queria aparecer, mas não causar. Estava cansada de relacionamentos frustrados e queria só beber e rir um pouco com minhas amigas. Meu pai fez questão de me levar e disse que me buscaria quando eu quisesse. Avisei que iria embora de Uber e ele quase teve um “treco”. Combinamos que eu ligaria quando estivesse para sair, mas acho que eu e ele sabíamos que alguma colega minha me levaria, então preferimos manter o dito pelo não dito.
Foi uma noite deliciosa! Muita conversa fiada, risadas, brincadeiras, acompanhada de uma leve bebedeira. Chegamos a comer uma pizza, mas a bebida foi quem ditou o rumo da prosa. Estávamos em cinco moças na mesa, mulheres na verdade: eu, Vanessa, Priscila, Kátia e Dadá! Cada uma tinha uma beleza específica e um jeito próprio de ser. Eu era a “CDF” da turma, a típica “nerd” de óculos, roupas largas, cabelo comprido escondendo o rosto que teimava em criar espinhas. Depois de formada, fiquei mais “notável” pelas roupas que passei a usar e pelo porte que adotei como estilo de vida, complementado ainda por um “shape” cultivado numa academia próxima ao meu apartamento. Enfim, o tempo, roupa e um pouco de vontade foram generosos comigo e melhorei muito!
Vanessa era o equilíbrio em pessoa. De boa altura e um corpo invejável, sua bondade era sua maior marca. Ajudava todos que precisassem e até quem não precisasse de ajuda. Era até chata, às vezes, mas eu a adorava! Uma vez, tentando ajudar alguns moradores de rua, quase foi violentada. Só não chegaram aos finalmentes porque eu havia combinado de buscá-la e coloquei quatro deles para correr. Agradeci na hora ao meu pai pela matrícula na capoeira e ele me xingou uma semana inteira por eu ter me defendido e a minha amiga. Vai entender…
Priscila era a magrelinha da turma. Nunca chamou a atenção fisicamente, mas em termos de inteligência era a minha maior rival. Nós nos pegávamos para ver quem tirava as maiores notas da sala. Tinha um futuro promissor, havia passado na faculdade de Medicina da USP, mas, se apaixonou perdidamente pelo primeiro pau que a traçou com um pouco mais de vontade na faculdade. Ela pirou na batatinha pelo cara, engravidou e depois teve que abandonar a faculdade para criar o filho sozinha porque o “namorado” nunca assumiu o filho ou ela. Uma judiação! Aliás, nunca, não! Depois que me formei, fiz questão de obrigá-lo a assumir a paternidade e o “playboyzinho” agora paga uma pomposa pensão alimentícia para o filho. Ela disse que tentaria novamente o vestibular e, inteligente como é, tenho certeza que conseguirá ser aprovada. Quem sabe, eu não possa ajudá-la agora que moro em São Paulo.
Kátia era a baixinha roliça e peituda. E bota peituda nisso! Seus seios literalmente despontavam antes de qualquer coisa quando ela chegava num ambiente. Os meninos, então, ficavam loucos quando ela colocava um decote maior. Diziam as más línguas que ela passava de ano sem estudar, apenas fazendo alguns favores para certos professores. Sei lá que favores ela prestava, apesar de eu imaginá-los muito bem, ou se isso era mentira, mas nunca duvidei.
E Dadá, bem… Dadá, como indica o apelido, era a “dadeira” da turma, a biscatinha, a mais saidinha e safada. Beijou primeiro, chupou primeiro, deu primeiro e ensinou todas as outras como fazer igual e, dizem, que umas ficaram até melhor! Eu nunca reconheci, ela é quem dizia. Nunca foi a mais bonita, mas tinha atitude e sempre ficava com quem queria. Graças a ela, eu beijei dois na minha primeira vez, escandalizando toda a escola e alguns professores, pois eu era a tímida, quietinha e aplicada aluna exemplo. Tomei uma coça do meu pai quando ele soube, mas no dia seguinte beijei três e fiquei boa nisso! A partir daí, não parei mais, só aprendi a dosar, trocando quantidade por qualidade. Se bem que, com o Gustavo, errei feio e parece que, com o Marcos, também…
A noite seguia e a bebedeira também. As canecas de chope só não se empilhavam porque os garçons eram bons de serviço. À certa altura, Dadá fez aquele “Olhar Quarenta e Três” para alguém atrás de mim e eu já cutuquei a Vanessa:
- Olha lá. A Dadá já vai atacar… - Disse e ri.
Vanessa deu uma olhada discreta para trás e depois para mim, com um sorriso maroto, disfarçando-o ao beber um pouco de chope. Estranhei e também olhei por sobre meus ombros e vi o Ricardo, um antigo paquera de meus tempos de colégio. Estava mais maduro, um pouco fortinho, mas ainda bem bonito e não tirava os olhos da nossa mesa:
- Vai lá, Anne, mostra pra gente como se faz na capital. - Dadá me provocou.
- Sem essa! Quero paz e sossego. Estou cansada de dar com a cara na parede.
- Ah, qual é, amiga? Qual o problema de dar uma engraxada na buceta!? - Falou em uma altura que chamou a atenção de todos ao nosso redor, pois seria impossível só ao pedestre da calçada do outro lado da rua não ouvi-la.
- Dadá! Caralho, fala baixo. - Kátia pediu.
- Ah, vá à merda você também, Mimosa. - Dadá brincou com ela e voltou a me provocar: - Ou você dá pra ele, ou eu dou!
- Vai lá! Fica à vontade… - Falei e bebi uma caneca inteira de chope na sua frente, para “desabusá-la”.
Ela se levantou, ajeitou a sainha e foi mesmo! Conhecendo ela como eu conhecia, as chances dela abater o Ricardo eram grandes. Voltamos a conversar e brincar entre nós, mas logo Dadá voltou emburrada e se sentou em sua cadeira:
- Uai! Perdeu o jeito? - Brinquei com ela.
- Tomá no teu cu! - Respondeu e me entregou um bilhete: - O viado pediu para eu te entregar.
Começamos a rir dela e eu abri o bilhetinho que continha um número de celular e uma mensagem:
“Que tal nós dois, numa banheira de espuma!?
Brincadeira! Eu e você, um chope só! Topa?”
- Credo, gente! Isso ainda funciona aqui!? - Perguntei e ri, amassando o bilhete sem nem deixá-las lerem.
Alguns minutos depois, sinto alguém arrastando uma cadeira para o meu lado. Era ele:
- Quem cala, consente! - Falou.
- Mas eu não falei nada!
- Isso! Não negou meu chope. - Disse e pediu dois ao garçom: - Tudo bem, Anne?
- Tudo, Ricardo. E você?
- Melhor agora.
Me entregou um chope e começamos a conversar. Em minutos, minha mesa ficou vazia, pois as meninas fugiram correndo para os quatro cantos como nos tempos de colégio, me deixando sozinha com meu paquera. “Filhas da puta!”, pensei e sorri. Ele sorriu também, imaginando que fosse para ele. Ficamos conversando e ele tentando jogar aquele clima de azaração para cima de mim, mas eu estava vacinada contra “paquerite”, pois essa inflamação de coração ainda doía fundo em mim: primeiro, pela “filhadaputice” do Gustavo, meu ex-noivo e, depois, pela quase “filhadaputice” do Marcos, quase me pegando enquanto namorava e depois me deixando a ver navios.
Ricardo tentou me cercar de todas as formas, mas o máximo que conseguiu foi me pagar um sorvete na pracinha próxima, a um quarteirão de distância. Dali até a casa de meus pais eram aproximadamente dois quarteirões e ele me acompanhou andando, porque neguei aceitar sua carona por estar perto. No final das contas, ele foi muito gentil e cavalheiro, mas nem por isso ganhou um beijo quando nos despedimos na porta da casa de meus pais. Entrei distraída e meus pais estavam acordados e me encararam como se eu fosse uma adolescente:
- O quê? - Perguntei, mas eu mesma critiquei: - Ara! Dá um tempo, né!? Já sou bem grandinha.
Eles começaram a rir e foram dormir. Eu fui em seguida, apagando rápido em virtude das várias e várias canecas de chope que tomei. Acordei no meio da noite com um afago gostoso na cabeça, seguido de um beijo no rosto e depois outro na boca que correspondi com vontade. Ao abrir meus olhos, vejo o Marcos me encarando com uma ternura sem igual:
- Achou que ia fugir de mim, né, caipirinha? - E riu.
- Você tem namorada, nem deveria estar aqui. - Respondi, chateada.
- Mas eu não estou aqui. Estou aqui! - Disse e apontou para o meio dos meus seios, indicando o coração.
- Ah, vê se te enxerga, Marcos. Convencido do caralho! - Comecei a discutir e abri meus olhos sentada na minha cama.
“Ô, saco!”, falei alto para mim mesma, depois de me localizar obviamente sozinha no meu quarto e brinquei comigo mesma: “Será o benedito?”. Logo, ouvi minha mãe gritar do quarto ao lado:
- Tá tudo bem aí, Anne? Tá precisando de alguma coisa?
- Não, mãe! Tá tudo bem. O que a senhora tá fazendo acordada ainda?
- Tô namorando teu pai. Ele não quer me deixar dormir hoje! - E riu, debochada.
- Ai, credo, mãe! - Falei e escondi minha cabeça embaixo do travesseiro, afinal, ouvir meus pais transando era algo que eu realmente não precisava presenciar.
Os dias passaram “voando”. Alternava minha vida entre a casa dos meus pais, nossa chácara, meus “filhinhos de pelo”, noitadas com as amigas e até uns jantares com o Ricardo. Sim! Ele me venceu pelo cansaço e aceitei sair com ele algumas vezes, mas não passamos de uns beijos no carro, a não ser no último dia que ele ganhou um simpático boquete da minha pessoa. Simpático foi uma forma gentil de dizer, porque eu o fiz gemer na minha mão e boca! Achei que ele gostaria de ficar com essa lembrança, mas deixei bem claro que não haveria nada mais sério entre a gente. Ele pareceu aceitar e insistiu em me dar um banho de língua na buceta para também deixar uma boa lembrança de minha estadia na minha cidade natal. Aceitei e gozei gostoso na língua daquele safado.
Convencer meus pais de que minha folga tinha acabado e eu precisava voltar se mostrou uma tarefa quase hercúlea. Tive que brigar com eles para entenderem que eu não queria voltar a morar ali. Tentaram de toda a forma me convencer do contrário e até uma proposta de emprego, para eu dar aulas numa faculdade local, conseguiram para mim. Ouviram um sonoro NÃO! Resignados, aceitaram me levar novamente para São Paulo e ficaram comigo naquele final de semana. Depois voltaram para suas vidas. Na verdade, eu tive que praticamente expulsá-los, pois queriam ficar comigo para me ajudar na minha “readaptação” e não achei justo com eles próprios.
Na segunda-feira de manhã fui para o escritório como sempre fazia. Coube a doutora Liliana me dar a mais efusiva das boas vindas:
- “Jéssica Tatu”, sua filha de uma puta! Como que você não me conta o que fizeram com você, desgraça de mulher. Cachorra, miserável… Eu te odeio, praga do Egito! - Gritava, chamando a atenção de todos, mas logo começou a chorar e me abraçou em seguida: - Peste! Você está bem? Te machucaram muito, meu anjo?
Comecei a rir dela e a trouxe para minha sala, para acalmá-la. Expliquei todo o ocorrido e ela, mesmo irada com o cafajeste que me bateu, pareceu aceitar, mas sempre balançando negativamente a cabeça. Logo, a notícia do meu retorno se espalhou, e os doutores George e Gregório vieram me ver. Conversamos bastante naquele dia, almoçamos juntos e trabalhamos quase nada. Eu até tentei, mas fui enxotada para casa, porque, para eles, eu ainda precisava descansar.
No dia seguinte, cheguei cedo, como sempre e fui quietinha para minha sala, tentando desviar da louca da doutora Liliandra. Não consegui! A praga já estava em minha sala, conversando com o doutor George:
- Ora, bom dia, flor do dia. - Ela me disse: - Precisamos conversar com você.
- Ô, caramba! O que foi agora? - Perguntei, já imaginando o pior.
- É o seguinte, menina. - Doutor George assumiu: - Queremos que tire férias.
- Férias!? Mas eu acabei de voltar de uma licença. Já tô cansada de descansar. Eu preciso trabalhar, produzir, esfolar algumas contrapartes... - Insisti.
- Nós já decidimos, os três. - Ele insistiu: - Você nunca tirou férias desde que começou a trabalhar. Agora vai!
- Poxa…
- Corta essa, “Jéssica Tatu”. Vai descansar um pouco. Dá umas trepadas e volta feliz. É bom pra pele.
Eu estava chateada, injuriada, irada e queria discutir, mas eles não me davam brecha:
- Porra! Não tô acreditando nisso! - Falei, claramente incomodada com a imposição.
- Eu te faço uma contraproposta. - Doutor George começou, coçando o cavanhaque, chamando a atenção da própria Liliandra: - Acho que você vai gostar.
Dei de ombros e o fiquei encarando enquanto ele continuava:
- Estou fazendo o inventário de um bom cliente, um amigo que morreu há coisa de menos de mês, e ele tem alguns imóveis em Maceió. Te mando pra lá, você resolve o ITCMD, eventuais pendências e depois aproveita o resto do período para descansar. Que tal?
- Quero hotel cinco estrelas! Quatro, no mínimo. - Impus, sorrindo cinicamente.
- Bisca de mulher interesseira! É só dar a mão que ela puxa o braço, George. - Liliandra começou e perguntou para ele: - É o do Juarez?
- É. - Ele confirmou e me encarou: - E aí? É isso ou casa?
- Só vou ficar uma semana, no máximo. - Retruquei.
- Ok. Fica quinze dias lá e depois mais quinze na sua casa ou onde quiser. - Ele insistiu.
- Parar um mês? Eu quero trabalhar!
- Um mês, é o mínimo. Eu tinha falado em dois… - A Liliandra emendou.
Eu já os conhecia bem, o suficiente para saber que não estavam brincando. Apesar de contrariada, resolvi concordar, mas me convenci mentalmente que depois dos quinze dias daria um jeito de convencê-los a me deixarem voltar ao trabalho:
- Tá bom! Eu vou… - Resmunguei: - Me passa a pasta dele e peçam para a Maria organizar tudo e me informar.
- Joia, “Jéssica”! Agora vai para casa arrumar suas coisas. - Liliandra mandou: - Aqui tá tudo controlado. Só volta bronzeada ou não deixo você entrar no escritório, ok?
Doutor George deu uma gostosa risada e se levantou, vindo me dar um beijo no rosto:
- É para o seu bem, Anne. Você precisa dar uma espairecida, relaxar… Nossa profissão é muito pesada e sabemos que você está num momento meio complicado na sua vida. Então, não queremos ser um fardo para você carregar. - Ele falava me olhando de uma forma paternal: - Descanse e volte depois que seu lugar está garantido.
- Nem eu teria falado melhor. - Emendou Liliandra.
- Eu sei que não. Falta capacidade. - Falei, a encarando.
- George, dá um jeito nessa abusada! - Ela resmungou e caiu numa gostosa risada: - Rábula de quinta categoria.
- Múmia embalada à vácuo… - Retruquei e ela veio me dar um abraço: - Vou sentir sua falta, Anne.
- Eu sei que vai, querida. Eu sou gostosa mesmo… - Zombei e ela riu novamente, saindo da minha sala com os olhos marejados, tentando se fazer de forte.
- Até hoje, não entendo como você conseguiu dobrar a Lili… - Falou o doutor George indo em direção a porta da minha sala: - Vou falar para a Maria trazer a pasta e organizar sua viagem. Até a volta.
- Fazer o quê, né!? - Resmunguei, sorrindo cinicamente.
Preparei uma xícara de café expresso em minha máquina de cápsulas e fiquei matutando em minha mesa, tentando me convencer de que aquilo até seria bom. Meia hora depois, Maria me enviou a pasta virtual com os documentos e informações relacionados ao inventário e uma lista de hotéis e horários de voos. Escolhi um hotel intermediário, bem localizado, mas pé na areia e um voo para dois dias.
Fui para minha casa e organizei uma mala de viagem. Dois dias depois, decolava para Maceió. O hotel era muito bom e pé na areia mesmo. Se eu caísse da sacada, praticamente mergulharia no mar! Isso facilitaria bastante meu descanso forçado, porque eu não tinha muito o que resolver no inventário em questão. Todos os formulários estavam prontos, preenchidos e já haviam sido protocolados à distância. Mesmo as certidões poderiam ter sido encomendadas. Enfim, em menos de dois dias resolvi duas pequenas pendências relacionadas a dívidas de IPTU e agora só me restava curtir. Foi o que fiz!
No dia seguinte, decidi aportar na praia de Pajuçara por ser mais calma, com piscinas naturais e corais. Passei o dia lá, aproveitando o sol e o mar calmo. Havia poucos banhistas e isso foi ótimo pois eu poderia realmente aproveitar para relaxar. Como minha intenção não era “causar”, apostei num biquíni asa delta monocromático, bem básico mesmo. No final da tarde, fiquei passeando por uma feirinha de artesanato local, mas, pessoalmente, não curto muito e não comprei nada. Pego uma cor muito fácil e, à noite em meu apartamento, não aprovei as marquinhas. Achei que tinham ficado grandes demais.
Decidi sair para conhecer a vida noturna da cidade. Havia vários bares e me indicaram um chamado Kanoa. Lugarzinho legal, mas muito baladinha para minha “vibe” atual. Estava cheio de jovens paqueradores vorazes atrás de vítimas incautas. Não era o meu caso! Fiquei de canto, sentada numa mesa, assistindo um músico desenvolver seu show e tomando um drink. Apesar de eu não querer nada com ninguém, não pude evitar o assédio de alguns interessados, recusando todos educadamente. À certa altura da noite, quando eu já me preparava para ir embora, fui surpreendida por um novo drink:
- Moço, eu não pedi. Já até paguei minha conta. - Falei para o garçom.
- É daquele moço no balcão. - Disse e me indicou um rapaz, moreno, bronzeado, com pinta de surfista, tinha uma baita tatuagem no braço esquerdo e provavelmente minha idade. Ele me encarava curioso, interessado e me cumprimentou à distância com um meneio de cabeça e um aceno de mão.
Apesar de eu não pretender beber mais, o drink de lá era bem gostoso e fraquinho, mas, capricorniana desconfiada que sou, decidi não beber algo oferecido por um estranho. Me levantei e peguei o drink, indo até ele:
- Moço, eu agradeço, mas não bebo nada vindo de um estranho.
- Sou Geraldo, morena. Gêra para os amigos. - Ele começou: - Já não somos estranhos.
Eu o encarei com uma expressão de “Sério!? Acha que isso me convence?” e ele se tocou no mesmo instante, pegando o copo e tomando uma boa golada do drink na minha frente:
- Está vendo? Se estiver envenenado, morro antes de você. - E sorriu para mim, empurrando o drink em minha direção.
Eu o encarei, sorri maliciosamente, e empurrei o copo em sua direção novamente:
- Bebe mais um pouco. - Pedi e ele o fez, quase até a metade do copo. Então me desencostei do balcão: - Agora aproveite a noite, Gêra. Eu já estava mesmo de saí…
- Não. Fica! - Disse, segurando o meu braço.
Eu encarei sua mão e depois olhei feio para ele, já me preparando para fazer um escarcéu ali, quando ele próprio se tocou do erro cometido:
- Desculpa! Por favor, me desculpe. Não tenho esse direito. É que… É… Olha! Eu te vi ali sozinha, curtindo um sonzinho e pensei que poderia curtir com você. Sei lá… Só conversar, bater papo mesmo, sem nenhum outro interesse.
Eu o encarei e pensei seriamente que até poderia aceitar o convite, mas já era tarde, eu já havia bebido e não estava afim de criar laços, não ali, não agora:
- Gêra, realmente eu te agradeço, mas já estava de saída. Quem sabe a gente não se encontra outro dia, não é?
- Praia!? Amanhã, que tal?
- Então, mas é que…
- Prometo que não vou ser chato, mas é sempre bom ter uma companhia, nem que seja para ficarmos vigiando nossas coisas. Tem malandro pra todo lado, cê sabe, né?
- Sei… - Respondi e pensei comigo “Errado ele não tá!”: - Vamos fazer o seguinte, você me dá seu número e se eu me julgar uma boa companhia amanhã, te ligo, pode ser?
- Cedinho? - Perguntou, já tirando uma caneta para anotar num guardanapo a informação pedida.
- Até umas oito… - Disse e peguei o guardanapo: - Se eu não te ligar, é porque ainda vou estar meio “jururu”.
- Combinado, então! - Disse e segurou minha mão entre as dele: - Você não me disse o seu nome…
- Annemarye. - Respondi e lhe dei um beijo no rosto: - Tchau, Gêra. Boa noite.
- Boa noite, Anne. Durma bem.
Saí, pedi um Uber e fui direto para o hotel, desmaiando na cama. No dia seguinte, acordei por volta das sete e fui tomar um merecido café da manhã. O Gêra parecia ser um carinha legal e pensei mesmo em ligar para ele, mas não fiz. Decidi que aquele momento ali em Maceió seria meu comigo mesma!
Fiquei na praia de Ponta Verde, a mesma onde fica o Kanoa. Coloquei um biquíni fio dental para diminuir as marcas, peguei meu bronzeador, algumas tralhas e fui para a praia. Me aninhei próxima ao guarda-sol de um quiosque e passei a aproveitar o sol da manhã, estendida numa esteira. Naquele calor, embaixo daquele sol, eu já havia rolado umas duas vezes na esteira feito um bife na frigideira, quando senti, uma sombra ocultando meu sol:
- Não me ligou, né, dona Annemarye! - E uma risada ecoou.
Abri meus olhos e encarei o Gêra, parado ao meu lado com dois amigos. Suspirei fundo para não ser indelicada e inventei uma desculpa:
- Acredita que perdi seu número!? Devo ter deixado no Uber ontem à noite.
- Sei… Então, não se incomoda se ficarmos aqui com você, né?
- Gêra, a praia é pública. - Respondi me sentando na esteira: - Mas, tenho que ser sincera com você: não estou num momento de ser a melhor das companhias.
- Quem sabe então eu não te animo um pouco!
Suspirei fundo novamente, ainda o encarando e me dei por vencida:
- Tá bom, Gêra. Tá bom! O risco é seu. Depois não diga que não te avisei.
- Joia, Anne! Esse aqui é o Bernardo. - Disse apontando para um negro mais baixo que eu, mas duas vezes mais largo: - E esse aqui é o Zé. - Apontou para um loiro, magrelo, com pinta de “bicho grilo”.
Eles se abaixaram para me cumprimentar com um beijo no rosto e depois disseram que iriam dar um “rolê”, deixando-nos a sós. Ele perguntou se podia se sentar na esteira ao meu lado e eu permiti. Peguei meu bronzeador e me levantei, começando a me besuntar na sua frente:
- Se quiser ajuda, é só falar. - Ele se prontificou.
- É, né!? - Respondi rindo: - Homem é tudo igual!
Ele começou a rir também. Passei em todas as partes que eu alcancei, mas o meio das costas não estava sendo fácil:
- Passa nas minhas costas, então. Por favor.
Ele fez e foi realmente bastante respeitador, espalhando o produto apenas de meu ombro até minha cintura, justamente onde eu não consegui. Achei bonitinho! Ponto pra ele. Pedi uma caipirinha e ele duas cervejas. Passamos a conversar sobre diversos assuntos, ele contando sobre ele, eu sobre mim e o tempo foi passando, passando, passando… E só nos demos conta disso, quando os amigos dele voltaram com um outro casal e nos convidaram para um churrasco na casa deles:
- Vamos, Anne. Vai ser legal… - Gêra falou, tentando me animar.
- Ara, gente, eu não sei. Eu estava só a fim de descansar e pegar uma corzinha mesmo.
- Deixa disso, mineirinha. Vamos nessa. Você tem que comer, não tem. Então… - Ele insistiu.
- Vai ter mais gente lá, Anne. - Dizia agora a moça que os acompanhava: - E é tudo “bonna gente”. Pode ficar tranquila.
- Oh! Parli italiano? (Ah! Você fala italiano?) - Perguntei, surpresa.
- Oi!? - Traduzi minha pergunta e ela riu, completando: - Não. Oxi! Só estou brincando com você. Eu mal falo o baianês, porque o português já desisti faz tempo. Mas e aí, vamos?
- Ah, gente…
- Faz o seguinte… - Ela se ajoelhou na minha frente e voltou a insistir: - Se decidir, segue nessa direção e procura um prédio de quatro andares, meio amarelo, número... - Parou para pensar e se voltou para os amigos: - Alguém lembra o número?
Ninguém se lembrava e ela continuou:
- Não tem erro! Quatro andares, meio amarelo e tem uma Kombi branca e vermelha arriada na frente, literalmente, arriada, os quatro pneus estão murchos. - Falou e riu.
- Só vou encher quando eu for embora. - Falou o Zé, rindo.
- A Kombi é o cafofo do Zé. - Ela disse e riu: - Vamos estar na cobertura. É uma turminha bem bacana. Se animar, vem curtir com a gente. Fala que a Lívia é sua amiga e autorizou a sua entrada.
- Tá, eu… Eu vou pensar.
- Joia! - Ela respondeu, se levantando.
- Eu vou ficar aqui mais um pouquinho e sigo vocês. - O Gêra falou: - Vou tentar convencer essa mineirinha desconfiada.
- Gêra, não precisa… - Falei, mas ele insistiu e eu acabei aceitando o convite para não ser a chata da vez: - Tá bom, gente. Tá bom. Eu vou. Querem que eu leve alguma coisa pra lá?
- Claro! Você, né. - Lívia respondeu, sorrindo e me dando a mão para levantar.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.