A última coisa que me lembrava era que eu havia lutado com o espectro do “Reizinho” e, ao tentar voltar para meu corpo, vi Déa chorando, com Seu Francisco rezando ao seu lado.
Não sei o que aconteceu logo em seguida, porque senti que era transportado em uma velocidade incrível, envolto em luzes de diferentes cores.
Em seguida, eu estava no que parecia ser uma praça, com um chafariz bem no meio, e flores ao redor. Pareceu-me ser algum lugar muito antigo, mas eu estava muito espantado para reparar em detalhes. Então, vi uma figura se aproximando. Era um homem grisalho, de terno azul claro, com uma gravata prateada, pelo menos foi o que me pareceu. Olhei para ele, eu não estava entendendo nada.
- Acho que você esperava alguma outra coisa. Um guru oriental, talvez?
- Não... acho que não. Onde estou?
- Você desencarnou de uma maneira inusitada. Já fazia muito tempo que ninguém usava a “palavra secreta” de nossa Ordem.
- Foi um último recurso, eu precisava proteger Déa.
- Ah, as coisas que se faz por amor...
- Eu só quero saber se ela vai estar bem. Não me importo comigo.
- Sabe, meu amigo, a situação ficou complicada.
- Como assim, complicada?
- Você pode não acreditar, mas existe um Plano Cósmico para a mulher que você ama. Ela iria desempenhar um papel importante no futuro da sua Humanidade.
- “Iria”? Por que “Iria”?
- Porque você seria essencial para que ela tivesse o equilíbrio emocional necessário nos anos futuros.
- Então, ao me sacrificar para salvá-la do “Reizinho”, acabei estragando tudo?
- Não é bem assim. Vamos ter que improvisar um pouco.
- De que jeito? Vão me ressuscitar?
- Não é mais possível, seu corpo já foi para doação de órgãos, como você havia deixado escrito em sua mesa de cabeceira.
- Mas e agora, então?
- Espere um pouco.
O homem fechou os olhos por alguns segundos, parecia estar se comunicando mentalmente com alguém mais. Quando tornou a abri-los, disse:
- Existe um corpo cuja alma acabou de fazer a transição para um outro nível. Precisamos ser rápidos.
- Se não, pode acontecer o que ocorreu comigo?
- Exato.
Ele fez uma espécie de “imposição de mãos” sobre minha cabeça, e tudo escureceu.
Acordei em uma cama de Hotel. Vi o rosto de um homem, com os olhos arregalados:
- Minha Nossa Senhora!! Virgem Santíssima!!!
- Hã... O que foi que aconteceu?
- Milagre!!! Ele voltou!!!
- Olha...desculpe...mas eu ...
- Ele tava morto!! Mortinho!!! E voltou!!
- Não...eu não estou morto não...
- Credo em Cruz!!! Tá falando Português!!
- E como eu deveria estar falando, homem?
Para encurtar a história: Eu estava em um quarto de Hotel em Itapuã, Bahia. O Hotel havia sido construído ao redor de uma das casas onde o poeta Vinícius de Moraes havia vivido. E o corpo em que eu havia “Transmigrado” ( conforme aprendi depois) era de um homem inglês que havia sofrido uma overdose de algum tipo de droga. Já havia sido dado como morto por um médico que estava hospedado no mesmo andar, e uma ambulância estava a caminho.
- Ahn...gente...podem dispensar a ambulância, como podem ver eu estou muito vivo.
- Mas você antes só falava Inglês, como é que de repente está falando nossa língua?
Vi que o cara não ia sossegar enquanto eu não explicasse, então procurei caprichar no meu sotaque britânico, falando em Inglês que eu havia aprendido alguma coisa, mas me sentia inseguro para falar. Quando me recuperei do “porre”, fiquei meio que delirando.
- Ah... sei...
Ele não ficou muito convencido. Estando em um lugar onde os espíritos incorporam regularmente nos terreiros, talvez eu pudesse blefar de outro jeito. Usei uma voz mais grossa, como se fosse um espírito incorporado, e murmurei:
- Talvez você queira trocar de lugar comigo.
Ele me olhou meio assustado, e disse que ia cancelar a ambulância.
- Saravá, meu irmão.
Ele fez umas mesuras, meio atrapalhado, e saiu do quarto. Então eu notei...havia vomitado, e meu pijama estava sujo com urina e fezes. O cara tinha realmente morrido. Mas o homem ( ou entidade) lá do outro lado havia dito que a alma dele já estava em outro nível. Mais baixo ou mais alto? Isso não importava agora.
Eu precisava saber urgente quem ele era, já que teria que usar sua identidade para chegar até Déa. Felizmente, a carteira e os documentos dele estavam todos ali, passaporte inclusive.
Tomei um banho caprichado, escovei bem os dentes, tomei um refrigerante do frigobar, e fui pesquisar sobre a pessoa na qual eu havia incorporado.
O cara era um “Influencer” da Internet, pelo jeito com muito dinheiro. Pelos seus perfis em diversos sites, como Instagram, YouTube e Twitter, pude ter mais informações a respeito do que ele fazia. Porém, na verdade, a imagem que ele apresentava publicamente não representava o seu “eu real”. Ele era um empresário que havia criado um personagem, e havia investido de forma segura seus rendimentos. Exceto por uma coisa: seu vício em drogas acabou por levá-lo cedo. Tinha apenas 28 anos de idade. Era filho único, e havia sido criado por seus avós, já falecidos. Os pais haviam falecido em um acidente, quando ele era pequeno.
Parecia algo bom demais para ser verdade. Mas continuei a pesquisar, e não achei nada de ruim. Exceto, claro, que uma hora o “fornecedor” das drogas iria procurá-lo. E eu não tinha a mínima intenção de continuar o vício dele.
Então, dos meus 48 anos, voltei a ter 28, apenas dez a mais que Déa. Fui olhar no espelho, eu ainda estava pelado depois do banho.
Meu novo corpo era o de um cara que praticava natação regularmente, talvez um surfista. Confirmei isso nas fotos da Web. E dava para dizer que era o tipo “bonitão”, lembrava um ator de cinema conhecido dos anos 60, quando jovem.
Havia todo um roteiro estabelecido para o que o “Influencer” iria fazer até o final daquele ano. Claro que eu não pretendia seguir nada daquilo, eu tinha mesmo é que retornar para a minha amada o mais rápido possível. Apenas seis dias haviam passado desde a minha “morte”.
Peguei o telefone e liguei imediatamente para o número dela. Ela atendeu. Na emoção do momento, eu falei:
- Déa, eu voltei!
Como não era a minha voz original, ela se assustou e gritou:
- Ai Meu Deus! É o “Reizinho”!
Ela desligou imediatamente. Fiquei apavorado. Como é que eu iria fazer? Como provar a ela que era eu mesmo?
Ao mesmo tempo, eu precisava me firmar na nova identidade, tentar me comportar como o Inglês fazia. Assisti aos vídeos dele, tentei imitar sua entonação de voz, seu jeito de olhar, até mesmo um sorriso meio torto que ele costumava fazer, ou uma piscada de olho meio “démodé”.
Estava perto da hora do almoço, e arrisquei dar umas voltas no Hotel, depois na beira da praia. Itapuã não tinha mais o charme da época de Vinícius, mas valia pelo aspecto histórico.
Algumas moças ficavam me olhando, reconhecendo o cara da Internet. Mas procurei ficar o mais reservado possível. Depois, descobri que ele era mesmo arredio com fãs e “paparazzi”.
Almocei, e retornei ao quarto, embora o roteiro de Robert ( esse era o nome dele, Robert Fender, não confundir com o astrofísico) tivesse um passeio por Salvador. Eu precisava arrumar uma desculpa...e a overdose dele me deu uma ideia que me pareceu excelente!
Robert iria assumir publicamente o seu problema com drogas, e declarar que precisaria uma pausa prolongada para se recuperar. Isso me daria tempo suficiente para depois organizar minha vida.
Mais fácil falar que fazer. Comecei a passar mal. Senti alguns tremores, náuseas, e um mal- estar, que associei à falta da droga. Mas eu não iria, de jeito nenhum, usar aquela coisa. Aliás, eu precisava ver se o Inglês não tinha nada escondido no seu quarto, ou pior ainda, em sua bagagem, imagine se eu estivesse no aeroporto, quase chegando para ver Déa, e fosse preso com essa porcaria em uma das malas.
Não deu outra: Ele havia escondido pacotinhos de plástico com o pó branco no forro de duas malas. Olhei aquilo, me deu uma sensação muito estranha, como se meu corpo pedisse por aquilo, mas não tive dúvidas: joguei no vaso sanitário e puxei a descarga.
No entanto, o enjôo era grande. Não consegui jantar, suei muito à noite, tive pesadelos com a luta que havia me levado à morte. Para piorar, recebi um telefonema do “Fornecedor”, que estava propondo me encontrar para entregar mais.
Procurei ser bem educado, falando em Inglês, dizendo que havia conversado com uma pessoa religiosa e havia decidido parar, que não precisaria mais daquilo. Ele apenas respondeu que “todos diziam o mesmo, mas acabavam voltando”.
Assim que desligou, bloqueei aquele número.
Achei que seria fácil retornar no dia seguinte, mas precisei ficar mais, primeiro para me recuperar, depois para continuar a me inteirar da minha nova profissão e identidade.
Por precaução, comprei apenas duas malas novas, onde coloquei o que achei necessário. Roupas muito espalhafatosas e coisas desnecessárias, doei aos funcionários do Hotel, que não acharam estranho, já que o Inglês tinha muita grana mesmo.
Depois que o mal-estar diminuiu, resolvi ligar para o Inspetor Guará, talvez ele conseguisse acreditar em mim. Liguei para ele do quarto do Hotel.
- Boa Tarde, Inspetor Guará.
- Boa Tarde...mas quem é? Não lembro de conhecer ninguém na Bahia.
- O senhor está sentado? Porque o que eu vou contar certamente fará parte dos seus “Arquivos Ocultos”.
- Agora você me deixou curioso. Pouquíssima gente sabe da minha nova função. Isto quer dizer que eu conheço você.
- Conhece sim. O senhor esteve no meu apartamento há alguns anos. E viu a foto de minha falecida namorada.
- Espere aí! Como é?
- O senhor depois me visitou novamente, em nossa casa...eu e Déa.
- Mas... impossível!
- Sou eu mesmo, Inspetor.
- Mas eu vi seu corpo! Déa me chamou naquele dia!
- Ainda bem que ela chamou o senhor. Agradeço pelo apoio que deve ter dado...não vi o que ocorreu depois que vi meu corpo lá embaixo, porque fui transportado para o “outro lado”.
- E agora você está...do “outro lado”? Comunicando-se por telefone?
- Não, não... foi mais ou menos o que aconteceu com Déa, só que eu “encarnei” em um corpo adulto!
- Mas isto é inacreditável! Transmigração?
- Inspetor...eu vou retornar hoje à noite. Posso depois pegar um táxi e ir encontrá-lo? Isto se for possível, é claro.
- Nem pense nisso! Vou buscá-lo no aeroporto! Mas você já falou com Déa?
- Esse é o problema, Inspetor Guará. Eu liguei e ela pensou que era o “Reizinho”, desligou na minha cara!
- É uma situação difícil. Mas deixe comigo. Vou conversar com Déa. Acho que ela confia em mim.
- Tenho certeza disso, afinal o senhor evitou que ela fosse submetida às sessões de eletrochoque, lembra?
- Agora tenho certeza mesmo que é você. Só você poderia lembrar disso.
- Seu Francisco também... aliás, como ele está?
- Ele ficou com ela depois do que aconteceu, Déa está muito deprimida. Esperou tanto para que vocês ficassem juntos, e aconteceu aquilo.
- Mas o “Reizinho” já era, pode ter certeza. Só espero que Déa me aceite como estou agora.
- Ela ama você. E, tendo passado pelo que passou, certamente entenderá. Mas como você está ?
- Bem diferente. O senhor vai ver no aeroporto... e agradeço por sua ajuda.
Essa parte estava resolvida. Eu ainda não estava bem, mas minha mente jamais aceitaria usar aquela coisa, ainda mais com Déa daquele jeito, devia ter chorado muito.
O vôo durou pouco mais de três horas. Cheguei ao aeroporto, peguei as malas e fui até o saguão. Obviamente, o Inspetor não me reconheceu. Aproximei-me dele e falei:
- Boa noite, Inspetor. O senhor não mudou nada, mas eu, como pode ver...
- Pela Madrugada!!! Não pode ser!!
- Sou eu mesmo. Aquele que esperou dezoito anos por Déa. Em carne e osso...de novo.
O Inspetor demorou um tempo para se recuperar do choque. Depois, respirou fundo e finalmente falou:
- Sabe, isso me deu o que pensar. Será que já não era um “Plano Cósmico” para que você também retornasse com uma idade mais próxima dela?
- Parece coisa de filme ou série de tevê, não?
- Coisa de louco. Mas espere... você é um cara conhecido. Já vi você na Internet. O tal “Felino Estelar”! Você encarnou nele! Mas como?
Contei rapidamente a história. E completei:
- O “Influenciador” está em vias de se aposentar. Porque eu não tenho a menor intenção de ficar longe de Déa.
- Hum...
- “Hum” o que? Tem alguma coisa que o senhor quer me contar?
- Melhor que ela mesma conte a você.
- Mas eu nem sei ainda se ela vai querer falar comigo!
Nisso, senti que duas mãos tampavam meus olhos. Eu as reconheci imediatamente, duas mãozinhas delicadas.
- DÉA!!!!
- Meu amor!!! Mas não... não pode ser!
Eu a segurei pelos ombros. O Inspetor havia conversado com ela, e contado mais ou menos o que poderia ter acontecido.
- Sou eu mesmo, querida! Só que voltei de outra maneira...
Ela me olhou de cima a baixo.
- Aiii meu amor!!! Eu quero acreditar...mas como pode?
- Eu lembro de tudo, Déa! Lembro de cada linha que escrevi naqueles cadernos, de como sofri amargamente esperando que você não sofresse até que pudéssemos nos encontrar...e daquele dia, no Shopping...
- Você lembra mesmo!
Déa chorava , entra confusa e alegre.
O Inspetor se aproximou de nós e falou:
- Vamos sair daqui. Vou levá-los até sua casa.
Déa ainda estava desconfiada, talvez fosse o “Reizinho” tentando se passar por mim, então me encheu de perguntas, e eu contei coisas que apenas nós dois poderíamos saber. Quando chegamos em casa, ela já estava convencida.
Seu Francisco ficou emocionado quando me viu. Tudo o que ele havia estudado, sobre reencarnação e mesmo transmigração, havia sido comprovado. Após algumas horas de conversa, tanto ele como o Inspetor Guará decidiram nos deixar a sós.
- Então, Déa, minha querida, espero que finalmente possamos ter uma vida juntos, e que possamos envelhecer sem ter mais problemas.
- Ah meu amor! Eu chorei tanto, tanto! Mas agora eu quero você!
Ela me beijou apaixonadamente.
- Você ainda beija do mesmo jeito.
- Claro, sou eu mesmo.
Tiramos nossas roupas. Ela riu.
- Hum...é a versão dois ponto zero, hehe. Olha o tamanho desse troço!
Realmente, o meu cacete era maior do que eu tinha no outro corpo. Ela se ajoelhou e começou a chupar e a lamber, desde as bolas até o mastro. Quando ficou bem duro, eu a deitei na beira da cama. Chupei sua bucetinha e o clitóris até ela gozar, depois a penetrei pela frente, por trás, ficamos fazendo amor a noite inteira e por boa parte da manhã.
Com o dinheiro que eu tinha aplicado, podíamos viver tranquilamente. Fizemos viagens, passeamos muito, e conseguimos recuperar todo o tempo perdido.
O Inspetor Guará fez toda uma pesquisa para os seus “Arquivos Ocultos”, mantendo no entanto o sigilo necessário para nos preservar. Seu Francisco encontrou uma nova companheira, e vive tranquilamente em sua casa, costumamos visitá-lo com certa frequência.
Déa resolveu continuar seus estudos e fez Faculdade de Medicina. Eu dei todo o apoio, principalmente quando ela decidiu ir para o campo da pesquisa científica. Foi então que me lembrei do que o homem grisalho do “outro lado” havia dito, que “ela iria desempenhar um papel importante no futuro da Humanidade”. Eu não fazia ideia do que seria, mas com toda a certeza tinha a ver com essa escolha.
Mas isto é uma outra história.
FIM