Na hora em que Rodolfo empurrou a arma para mim, minha primeira reação foi segurá-la e tirar a munição. Eu nunca quis ter uma, mas cheguei a aprender a carregar e a descarregar, pois meu avô, ainda nos tempos do armazém, com medo de assaltos, tinha um 38 que ás vezes deixava comigo. Tão logo peguei as balas, Leila arrancou a arma da minha mão, talvez por precaução.
Todos estavam tensos e Rodolfo continuou a falar cada vez mais cambaleante e com voz pastosa:
-Tem coragem de estragar um casamento, mas não de me matar. Proponho então que seja homem e vamos trocar umas porradas ali no quintal, mas sem mulher no meio para encher o sacooooooooo.
Eis que Leila resolve jogar mais gasolina na fogueira:
-A culpa não é toda do André, fui eu quem o incentivei a transar com a sua esposa, Rodolfo.
Todos olharam boquiabertos para ela, fiz um cara como quem diz: “Cala a boca, cretina, vai foder ainda mais com tudo!”.
-A Jane me contou que você tinha dito que ela poderia transar com outro durante suas longas ausências de casa e pelo fato do André e eu sermos um casal liberal, achei que seria interessante aproximar os dois, mas imaginei que seria só sexo e não que a songa monga aí iria se apaixonar ao ponto de escrever até diário dizendo que ama o MEU marido.
Rodolfo ficou ainda mais confuso:
-Vocês? Liberais? Como assim? O André além de comer a mulher dos outros também gosta de ser corno e de dar a bunda? Bem que eu sempre achei que ele tinha cara de quem gosta de dar a bunda.
-Claro que não! Palhaço! Apenas temos um acordo de que ele pode sair com outras e eu com outros. –Disse Leila.
-Ah! Então vocês são adeptos da putaria e queriam botar minha mulher no meio.
Jane tomou a palavra e me olhou ainda mais desesperada:
-Não acredito que você teve coragem de se aproximar de mim a mando da Leila, sua própria esposa! Que tipo de gente vocês são? Agora, imagino que os dois devem ter dado muito risada da minha cara e até comentado detalhes do que fazíamos na cama.
-Peraí, Jane, essa parte de sermos liberais, você sabia por alto, pois te contei e acho que a Leila também, só omiti que ela me falou que você estava carente de sexo e liberada pelo Rodolfo para transar com outro, mas me aproximei porque me senti atraído pela sua beleza e não para obedecer à minha mulher ou muito menos zombar de você. Sobre o que fazíamos, nunca contei nada a ninguém.
A discussão seguia tensa, mas rodando sem sair do lugar. O resumo da ópera era que Rodolfo dizia que iria se separar de Jane, que por sua vez, repetia que não conseguia entender como pôde se enganar tanto em relação a mim, já Leila complicava mais ainda ao fazer questão de dizer que se Jane não se afastasse de mim, iria tomar uma surra de perder o rumo, e eu me sentia o maior dos cafajestes, ainda que minha intenção nunca fosse de fazer a amiga da esposa se apaixonar por mim e muito menos estragar um casamento.
Jane acabou pegando um Uber e indo para casa dos pais. Rodolfo apagou bêbado no sofá. Fiquei com sua arma para evitar algo ainda pior. No caminho para casa, quando Leila ameaçou abrir a boca para falar mais alguma merda, berrei:
-Não fala mais nada! Nós fodemos a vida de duas pessoas por culpa da merda que está nosso casamento e você ainda quis sambar na cara da coitada. Hoje, aliás, hoje não, por muitos dias, não quero ouvir a porra da tua voz. Quer me ameaçar? Vá em frente! Entrega o que sabe à Justiça ou então monta um fila de homens para te comer, estou cansado de tudo, já não me reconheço mais.
Ela ainda tentou falar, mas gritei socando o volante várias vezes:
-Ca-la a bo-caaaaaaaaaaaaaa! Caralhoooo!!! Ca-la a bo-caaaaaaaaaaaaaa! Caralhoooo!!! Ca-la a bo-caaaaaaaaaaaaaa! Caralhoooo!!!
Leila se assustou, ficou branca e não disse mais nada. Em casa, não consegui dormir, fui para o quintal com uma garrafa de vinho e fiquei sentado tentando digerir aquela que foi a noite mais tensa de minha vida. Poderia ter acabado na minha morte, na de Jane e até na do próprio Rodolfo. Preocupei-me muito com o que seria dos dois, tinham uma filha, moravam em países diferentes, isso daria uma merda danada na questão da guarda da menina. Entornei aquela garrafa e parti para outra.
Passei a pensar nos encontros com Jane e as coisas foram ficando cada vez mais claras. O jeito de sorrir e me beijar quando me via chegando, as histórias que contava sobre seu dia a dia, a maneira atenciosa de querer saber sobre a minha vida e até de me dar conselhos sobre problemas no trabalho. Os abraços após o sexo, Claro! Era paixão! E não só vontade de dar uma trepada. Com as garotas que conheci pelo aplicativo não tinha nada disso, era só cordialidade antes, umas boas fodas na hora H e um tchau-tchau depois.
Jane não era de falar mal do marido, mas num dos encontros, lembro-me que contou que o sexo com ele era bom, mas não ótimo, pois lhe faltava criatividade e pique para fazer mais vezes, mesmo sendo jovem. Minha ex-amante ainda revelou que não imaginava que com meu jeito todo sério e elegante, eu fosse tão sem limites na cama.
Foi um final de ano péssimo, entrei numa deprê danada e nem mesmo uma viagem em família para o litoral de Santa Catarina, em janeiro, foi suficiente para me fazer melhorar. Sequer transei com Leila durante a viagem que, certo dia, ao me ver desolado num canto do resort, talvez com a 5ª ou 6ª batida, decidiu perguntar:
-Vai ficar nesse bode para sempre? Só fico me perguntando, se eu tivesse te deixado quando descobri teu caso com a funcionária se você sofreria desse jeito.
-Não tem nada a ver uma coisa com a outra, claro que ficaria chateado pelo que te fiz ainda mais se ao invés de sair dando para meio mundo e me chantageando, você ficasse arrasada, eu ficaria mal sim e se não desse para consertar o casamento, te daria tudo que tem direito para seguir em frente, agora o caso da Jane foi uma puta sacanagem, a gente não tinha que ter ser metido nisso.
-Ninguém poderia prever que a songa monga iria gamar tão rápido, foram três meses de casinho, tudo bem que muitas vezes basta um encontro para alguém se apaixonar, ninguém teve culpa, não foi traição dela, pois o marido a tinha liberado, não foi sua, pois eu sabia e te dei a dica, não foi minha porque não te obriguei, agora chega dessa coisa de ficar com remorso, a não ser que... (Leila fez uma pausa gigantesca, me olhou assustada e balançou a cabeça incrédula, de boca aberta).
-Puta que pariu! Essa não!
-O que foi agora?
-É isso! É isso! Você está mal assim há uns vinte dias porque também se apaixonou por ela!
-Não seja ridícula! Você bem sabe que eu mesmo tinha sugerido que Jane se envolvesse com outros e foi aí que ela ficou fula da vida comigo.
Com a mão na boca, depois na testa e caminhando em giros, Leila parecia estar procurando algo no chão, aflita.
-Mais claro! Depois daquela noite que o Rodolfo armou toda aquela cena, ao ver Jane se desmanchando em lágrimas porque seu segredo fora revelado, a ficha deve ter caído e aí foi você que se deu conta de que estava apaixonado por ela. O que você está sentindo, André, não é remorso, é amor pela songa monga.
Achei aquilo tão absurdo que procurei encurtar a conversa:
-Ainda bem que só eu estou bebendo, porque se de cara limpa, você consegue criar cada tese absurda, imagine bêbada. Me dá licença que vou dar uma volta pela praia.
Sai sem rumo, Leila costumava enxergar bem as coisas, mas essa não tinha sentido, mesmo tendo saído com várias mulheres desde que meu caso foi descoberto, para mim sempre foi só sexo, porém não posso negar que havia algo diferente nos meus encontros com Jane, mas daí a dizer que me apaixonei seria loucura, estava sim, me sentindo mal pelo desfecho traumático.
Quando voltamos para São Paulo, percebi que não parava de pensar em Jane e no que tinha ocorrido após o rolo todo. Foi aí que comecei a achar que o remorso tivesse mesmo dado lugar a uma paixão maluca, pois eu não parava mais de pensar na cena dela chorando escondendo o rosto e do nada, fantasiava que a abraçava forte e a tirava dali. Pronto! Leila tinha razão, provavelmente naquela noite do escândalo, alguma coisa mudou em mim e demorei a entender que não era remorso ou pena, eu estava gostando de Jane, talvez amando.
Refleti com calma, há um ano e dois meses, minha vida estava bagunçada, mas queria coloca-la nos eixos novamente e para isso, ao menos tentaria ter uma conversa com Jane e contar que estava apaixonado por ela, estava pouco me fodendo para as chantagens de Leila.
Descobri que a casa de Jane e Rodolfo tinha sido colocada à venda e estava vazia, o que era um péssimo sinal, porém, graças a algumas informações com vizinhos, descobri que ela ainda estava no Brasil com a filha, mas arrumando os passaportes e outros detalhes para irem morar com Rodolfo nos Emirados Árabes, provavelmente, tentariam pôr uma pedra no assunto e recomeçarem.
Tentei de todas as maneiras descobrir onde moravam os pais ou algum irmão, irmã de Jane, mas nada. Até que pedi ajuda ao deputado Celso que em poucos dias me arrumou o endereço de uma irmã.
Fui até lá no mesmo dia, mas para minha tristeza, Jane já tinha ido embora para os Emirados Árabes e só voltaria no meio do ano ou quem sabe só em dezembro.
Arrasado, voltei para minha rotina de vida. A essa altura, Leila já havia largado Jarbas e passou a transar duas vezes por semana com Nilson, um negro um pouco mais jovem que ela e que segundo a própria dizia, era o máximo na cama.
Fiquei um tempo sem transar com ninguém nem com Leila, mas aos poucos voltei a sair com mulheres que conhecia pelo aplicativo e também fui a algumas festinhas arranjadas pelo deputado Celso.
Mas eu tinha meus momentos de profunda tristeza e grande parte deles era por causa de Jane, se tivesse descoberto antes o que sentia, talvez pudéssemos estar juntos. Fiquei muitas noites até altas horas bebendo sozinho no quintal de casa.
Notando que nosso casamento não dava mais certo e que a história de sermos liberais tinha feito um baita estrago principalmente em mim. Leila me surpreendeu uma noite. Em posse de todas as provas que tinha que poderiam foder a mim e ao deputado, ela se aproximou de onde eu estava sentado na varanda, entornando uma garrafa de vinho e jogou em meu colo uma pasta grossa:
-Taí, tua carta de alforria! Tá livre para se separar de mim. Esses são os originais, fique tranquilo não há cópias.
Olhei espantado para aquilo e antes que perguntasse, ela própria explicou:
-O meu ódio por você ter me traído já passou faz tempo e o meu desejo de tê-lo como um corno manso que aceita que eu tenha meus casos até que foi uma ideia promissora e poderia ter dado certo, mas perdeu totalmente o sentido, desde que você se apaixonou pela songa monga que agora está do outro lado do mundo. Por isso, pode ir em frente com o divórcio ou se quiser apenas nos separamos e fazemos um acordo sobre quanto receberei mensalmente, ainda que por linhas tortas, você pagou um preço bem alto pelo que fez. Vá viver sua vida com seus encontros de uma única vez ou nas tais festas do teu deputado e eu vou aproveitar para dar muito, mais do que já estou, já passamos dos 30, André, temos que curtir, foi bom enquanto durou, mas é melhor seguirmos em frente.
Achei que pudesse ter alguma armação ali:
-Quem me garante que você não tem cópias do caixa dois e vai me entregar depois?
-Se eu quiser fazer isso, não preciso pedir o divórcio, entrego e vejo você se foder e até sair da cadeia, fico com tudo, mas não quero isso, você me fez mal, eu te fiz mal, quero que sigamos em frente pelo bem dos nossos filhos.
-Tá apaixonada, é isso?
-Imagina! Nesse ponto não sou um Jane da vida nem um André, quero mais é curtir homens diferentes, tô pensando até em umas coisas doidas, tipo fazer com dois ao mesmo tempo, suruba...
Balancei a cabeça negativamente.
Quem assistiu ao filme Efeito Borboleta deve se lembrar que um simples ato feito em qualquer momento da vida, muda todo nosso futuro depois, pois esse é o momento dramático que mudaria toda a minha vida. Leila disse que se eu topasse, ao invés de partimos logo para o divórcio, poderíamos nos separar apenas fisicamente, continuaríamos casados no papel, desde que mensalmente, eu lhe pagasse uma gorda quantia para os seus gastos e a deixasse ficar na casa. Futuramente, poderíamos partir para o divórcio no papel. A outra alternativa serianos divorciarmos naquele exato momento, e minha esposa ficaria com 50% de tudo, porém, como não sabia administrar nada, esse seria um problema sério, já que eu não teria condições de pagar pela parte dela. É aqui, meus amigos, nesse exato momento da história que se minha decisão tivesse sido outra, muitas coisas teriam sido evitadas: pessoas importantes não teriam sido apunhaladas, a família não seria destruída e até um assassinato teria sido evitado. Escolhi que nos separássemos apenas fisicamente, mas daria quase tudo para voltar a esse momento e feito a outra escolha.
Acertei um valor mensal que repassaria a Leila e abandonei a casa, minha intenção era juntar mais dinheiro e o quanto antes comprar a parte dela para que seguisse sendo administrada por quem conhecia todos os meandros. Antes, tivemos uma conversa com nossos filhos, a essa altura Natalie já estava prestes a completar 16 e Luquinha 10. Explicamos que daríamos um tempo, mas que eu sempre estaria na casa e eles iriam ao apartamento que eu alugara.
Outro detalhe que fiz questão de deixar bem claro, Leila estava livre para seguir dando para quantos caras quisesse, mas nunca em nossa casa, ali, ela deveria respeitar nossos filhos.
Esperei ansioso pela chegada de Jane, ainda que tivesse se acertado com o marido, eu queria dizer que descobri que a amava e que a decisão era dela, pois se aceitasse, ficaríamos juntos imediatamente. Infelizmente, ela não veio no meio do ano, como a irmã me contou.
Passei os meses seguintes numa esbórnia danada. Transava várias vezes na semana, em minhas horas de folga, se não estivesse com meus filhos, estava trepando com alguma mulher que no dia seguinte eu já não sabia mais o nome.
Em dezembro, recebo a notícia de que Jane estava no Brasil. Inacreditável que mesmo se passando um ano, veio aquele frio na barriga, era a hora da verdade. Pedi à irmã dela, que dissesse que eu queria conversar com ela. A resposta foi um enfático: não!
Mas eu não desistiria tão fácil, montei uma campana na porta da casa dos seus pais e após horas aguardando-a, a vi sair sozinha. Desci do carro e a chamei. Jane ficou branca, colocou a mão na testa e olhou preocupada para os lados. Eu me aproximei ofegante:
-Jane, me deixa conversar cinco minutos com você?
-Você está maluco, André? Não ouviu a resposta que mandei pela minha irmã? Aquilo tudo foi um erro do começo ou fim e uma grande vigarice sua e da Leila, mas agora eu me acertei com o Rodolfo e estamos bem, por favor, vá embora.
Sou um homem bem articulado, mas vendo a chance de ser feliz escorrer pelos meus dedos numa velocidade tão grande, atrapalhei-me com as palavras, demonstrei certa aflição.
-Jane, só preciso de cinco minutos. Eu te amo e estou desde janeiro atrás de você, mas quando descobri o endereço da tua irmã, você tinha ido embora. Te esperei no meio do ano. Eu quero ficar com você, larguei da Leila, te amo, vamos conversar?
Olhando-me como se eu fosse um maluco, Jane respondeu:
-Você está usando algum tipo de droga, André? Ou será que é mais uma armação para me levar para a cama e depois aprontar alguma cafajestada para junto com a Leila, rirem de mim.
-Não fala isso, Jane! Demorei para entender, mas após aquela noite que quase acabou mal em sua casa, as coisas mudaram e só aí fui me dar conta de que você não era só uma transa. Como eu queria ter te abraçado aquela noite e protegido de toda a dor daquele momento, você não imagina quantas vezes isso vem à minha mente todo santo dia.
Jane ficou sem graça abaixou a cabeça, provavelmente, aquela cena devia deixá-la envergonhada toda vez que se lembrava.
-Não acredito em nada do que você fala, André. Para mim, você e tua mulher são dois sádicos, que curtem ferrar com outras pessoas, me fizeram sofrer e também o Rodolfo, coitado.
-Me dê meia-hora para te explicar com calma, vamos num lugar mais discreto.
-Já disse, não!
-Bem, então ficarei aqui plantado até o dia de você ir embora se aparecer o Rodolfo e tiver que rolar briga, vai rolar, mas eu só saio daqui após essa conversa.
Jane se desesperou, mas acabou aceitando marcar um encontro no Parque da Independência, no dia seguinte e para mostrar que não estava apenas me enrolando, me deu seu novo número de celular.
Aquele encontro era a minha chance de ficar com Jane, as probabilidades não pareciam ser grandes pelo modo que me tratou, mas não iria entregar os pontos. Enquanto isso, minha filha, que já tinha 16 e estava prestes a completar 17 anos, começava a se interessar por namoros e logo um certo carinha viria para tumultuar a vida de todos.