CAPÍTULO III
**JOÃO MIGUEL**
Marcondes veio até mim perguntando o que tinha acontecido lá dentro, afinal Michael e eu agimos como um casal. Expliquei que tinha sido mais uma das artimanhas da Valentina. Prefiro ficar esperando pelo moreno aqui no estacionamento. Olhei novamente os ponteiros do meu relógio de pulso, e são quase meia noite.
Quase perdi a postura quando vi o deus caminhando em minha direção. Os cabelos nos ombros, balançavam suavemente conforme seus passos. Um verdadeiro deus brasileiro. Natural e lindo. Seu rosto é bem expressivo.
— Pensei que deixaria a conversa para outra hora. — Disse, vasculhando a mochila e pegando a chave do carro.
— Gosto de resolver as coisas no momento certo. E para mim esse momento é certo. — Pus a mão no bolso da calça, retirando a chave do meu carro que está logo atrás de mim. — Podemos conversar em um barzinho que tem na rua Otto Boehm. É pertinho daqui.
Uma viga se formou em sua testa, típico de quem está em dúvida. Eu realmente quero esclarecer a mentira que minha filha nos colocou e conhece-lo melhor. Automaticamente pairei sobre o seu anelar direito, parecia que do nada fiquei entalado. Seria muito desastroso ele ser comprometido, pois agiria como um homem disposto a conquistar a pessoa que ama. Lógico, que estou muito atraído por Michael, sentimentos não estão em jogo ainda. Entretanto, sempre entro em um relacionamento desejando o “mais”, não fico só na curtição.
— Tudo bem. Quanto mais cedo resolvermos o mal entendido mais cedo vamos terminar.
Acionou o alarme destravando o carro, e virou de costas. E porra, juro que tentei não olhar para sua bunda, mas Michael é uma maravilha. Sua bunda é enorme. E a tentação foi maior. Respirei fundo, entrando no meu carro.
Quinze minutos depois estávamos entrando no Clover Pub. Lugar bastante agradável, tem uma decoração europeia e chopes artesanais muito saborosos. Nos sentamos. Pedimos duas cervejas geladinhas.
— É melhor começar dizendo como conheceu minha filha.
Me peguei sorrindo, quando seus lábios se curvaram singelamente, parecia lembrar-se do dia que conheceu Valentina.
— Eu estava sentado na parte de fora de uma cafeteria. De repente ela se sentou e pediu minha ajuda para enganar a inspetora. Sei que agi errado, ajudando-a, mas ela fez uma carinha que…Não resisti. E hoje lá no restaurante aconteceu a mesma coisa.
A batata da Valentina tá assando.
— Ela disse o motivo de estar gazeteando aula?
— Deveria perguntar para sua filha. — Ele pausou, e voltou a defrontar. — Acho que eu já me envolvi demais nessa história. Aconselho você conversar passivamente com ela sem a pressão toda sabe. E tente manter os tios dela calados.
Fazendo uma expressão de surpresa, ele voltou a falar:
— Pelo o pouco que conversamos naquele dia, deu para notar que Valentina se sente…Acuada.
Fiquei um pouco desconfortável pela sua conclusão verídica. Se não fosse minha mãe, provavelmente minha menininha teria enlouquecido comigo, tios e avô no seu pé.
— Eu sei disso. — Fitou-me desconfiado, aposto que pensou que eu não admitiria o óbvio. — Ela tem apenas a avó paterna como referência feminina, e acabamos agindo de forma protetora.
Seus lábios carnudos entreabriram como se quisesse perguntar, e tenho certeza que seu questionamento seria sobre a mãe de minha filha. Todavia, se manteve calado. Ele abriu a mochila tirando sua carteira.
— Acho que já esclarecemos tudo.
— Sim. Eu pago, sem problemas. — Tirei, rapidamente meu cartão de crédito da minha carteira, entregando para o atendente. Depois de pagar, o guardei novamente. — Adoraria conhece-lo melhor, sei que faz pouco tempo que está na cidade. Aceitaria jantar comigo nesta sexta-feira?
Sabia que o moreno estava em uma luta interna forte, notava seu desalento. Então pensei que ele realmente fosse comprometido. Neste caso não teria problema, estaria disposto a lutar, conquistar.
— Não vamos levar as coisas por esse lado, João Miguel.
— É comprometido? — Indago curioso.
— Não. — Olhou para seu anelar direito com certa melancolia, e quase a abracei. — Eu só não estou procurando nenhum romance.
— Eu adoro romances. Mas o que eu desejo ter contigo é real, Michael.
— Você é ótimo com as respostas. — Ele diz jocoso. — Eu busco apenas uma coisa em um homem, João Miguel. E você merece mais que eu posso lhe oferecer.
— E o que seria?
— Sexo. Nada de encontros, mão dadas e tudo que leva duas pessoas se apaixonarem. — Concluiu deixando-me estático com a frieza que proferiu as palavras. — Boa noite.
***MICHAEL***
Cheguei dez minutos atrasado no trabalho. Depois da conversa que tive ontem com João Miguel, fui para casa e só consegui dormir quando tomei uma pílula de calmante. Como consequência acabei perdendo o horário, justo hoje que tinha combinado com Richard de fazermos alguns experimentos nas receitas, tentar diferenciar.
Depois de horas conseguimos mudar um pouco do cardápio, agora Marcondes cuidaria para os novos molhos entrarem na lista de pedidos dos clientes. Almocei na companhia de Sandrinha, que comentava sobre seus estudos. Ela cursa ciências sócias em uma faculdade a distância, é boa filha, irmã, tia e descobri agora que também é uma boa amiga.
Disquei o número de minha mãe, que logo atendeu. Hoje estava mais animada e conversadeira. Aproveitei que estava com tempo para perguntar:
— Por que a senhora estava indiferente ontem? E vou logo adiantando que quero saber o real motivo.
— Ah, meu filho, é que seu pai tinha me irritado. Sabe como ele é turrão.
— Mãe…Sei que não é isso.
Ouvi seu suspiro, e já até imaginei o que poderia ser.
— Adelayde esteve aqui ontem de manhã. Mesmo odiando ela por culpar você…Eu pude enxergar seu sofrimento nos seus olhos, na sua voz. Nem imagino e muito menos quero sentir a perda de um filho, mas ela está tão acabada. Esses anos só aumentaram o ressentimento dela.
— Eu também sinto falta do Jackson, mamãe. E relembrar aquele maldito dia torna minha vida pior do que já está. Dói, eu choro, mas a dor no peito não passa. Por isso me recuso a amar outro homem, nunca outro homem terá comigo o que Jackson teve.
— Mike, meu filhinho, isso não é saudável. — Ela pausou, e não consegui mais segurar o choro, a voz me entregava. — Você acha que ele gostaria de vê-lo agir assim? Sem vida, sem se permitir encontrar um novo amor, construir uma família, claro que não…Meu amor, eu sei o quanto Jackson te amava.
— Eu não posso. Não consigo.
— Consegue sim, meu amor. Deus não escreveu o destino de vocês assim, sem mais e sem menos. Tudo tem um motivo, e por mais que para nós pareça inexplicável e até injusto, um dia olharemos para o céu e vamos agradecer. Sei que ainda sente esse aperto no peito, a saudade é grande. Entretanto, você pode viver com ela e transformá-la em recordações boas. Michael, viva essa vida. Ficar preso nessa tristeza vai acabar com você. E eu não quero isso.
*********************
Após desligar o celular, me permiti refletir sobre o que minha mãe aconselhou. Dez anos pode parecer muito tempo para continuar vivendo de lembranças, e ainda por cima sofrer com a dor da perda. Mas não era. Só eu sei o que compartilhei com Jackson. Era amor puro. Aquele que faz os olhos encherem de lágrimas e sorrir como um bobo apaixonado.
Meu escape dessa solidão foi colocar o trabalho acima de tudo, e ter algumas horas de prazer com um profissional do sexo. Sim, eu poderia muito bem agir normalmente tendo um encontro casual, paquerar, beber uns drinks e depois ir para uma noite de sexo. Sem pagar por isso. No entanto, prefiro manter esse “ar” frio. Não deixarei ninguém ocupar o espaço do meu coração.
Nenhum homem conseguiria isso.
Aproveitei minha folga no sábado, e fui caminhar na vizinhança ouvindo we din´t have to take our clothes off da cantora Ella Eyre. Eu estava viciado nessa canção. Adorava sentir o suor, minha pele quente. Sinal que a corrida atingiu o efeito esperado. Parei na praça, para comprar uma água. Sentei no banco vazio de madeira, e fiquei ali admirando os pais brincando com seus filhos.
Não tinha nada mais adorável que gargalhada de bebê. Acabei rindo sozinho, assistindo a cena da mãe correndo atrás do seu filho, que no máximo deveria ter entre dois e três anos de idade.
Naquele acidente perdi o meu grande amor. Quando acordei no hospital e o doutor contou. O ar fugiu de meus pulmões…Queria gritar, para tentar conter a dor que estava tomando meu corpo por inteiro. Perdi meu amor.
— Bom dia! — Ouvi a voz calma, e me recompus. Encarei Valentina, e automaticamente soltei um suspiro. Essa menina ruiva nos meteria em encrenca novamente. — Tudo bem?
Qual é ruivinha, sei que está aprontando.
— Oi Valentina. Está aqui com seu pai? — Indaguei, estudando o local para ver se encontrava o moreno bonitão.
Não sei o porquê, mas aquele homem mexe de um jeito comigo.
— Não. Eu estou sozinha. Quis apenas espairecer sabe?
Ergui a sobrancelha, sabendo que tinha algo mais por trás.
— Você mora aqui neste bairro?
Ela mordeu os lábios, e desviou os olhos.
— Não. Moro no bairro Vila Boa.
Todos os cidadãos que são de classe alta em Joinville, moram no bairro Vila Boa. Conheci, apenas por curiosidade, e fiquei impressionado, pois também tem aspectos europeus. É muito lindo, calmo e seguro. Lógico, também há mansões incrivelmente lindas. Marcondes havia comentado por cima, que as famílias que residem nesta parte são tradicionais.
Encaixei as peças. João Miguel Fraser, com certeza era integrante da respeitável família Fraser. Escutei histórias de como a família Fraser transformou a indústria do vinho. Além, de terem vinícolas na Itália trouxeram para o Brasil as riquezas que construíram, e se instalaram aqui em Joinville, onde cresceram e estão no topo até os dias atuais.
— Aposto que a senhorita não avisou que sairia de casa.
Ela maneou a cabeça afirmando minha suspeita.
— Valentina, não pode sair sem avisar seu pai. Sua mentira foi descoberta recentemente, e eu ainda estava como entrosado. É melhor voltar para casa.
— Eu realmente não quero voltar para casa. — Bufou, colocando uma mexa do cabelo ruivo atrás da orelha. — Sabe, Michael, eu não tenho muitos amigos. E meu namoro foi para o ralo. Sinto falta de algo que não sei explicar...
— Do seu namorado? Acredite, você vai conhecer outros rapazes bacanas.
— Sei disso. Na verdade ele nem era tão legal assim. Era só eu falar do meu pai e ele faltava se borrar nas calças. — Juro que não queria rir, mas no fim acabamos gargalhando. — Podemos passar o dia juntos? Tem um parque na cidade. Vai estar funcionando o dia inteiro, então pensei...Por que não podemos ir juntos.
Ah, minha nossa! Eu estava correndo o risco de ser preso. Afinal, se João Miguel me encontrar com sua filha e não gostar, e por Valentina ser menor de idade. Seria fácil, fácil eu ver o sol nascer quadrado. Ele deve estar se remoendo, pois recusei todas as rosas e convites para jantares, que mandou entregar para mim lá no Típico. Todavia, não conseguiria recusar o convite dessa ruivinha. Sua carinha meiga esconde a verdadeira pimentinha que é.
— Ok. Eu aceito. — Ela abriu um sorriso, e continuei: — Mas vai ter que ligar para seu pai e avisar que passará o dia comigo. Não quero mais desentendimentos com ele.
— Tudo bem. Eu faço isso.
*** JOÃO MIGUEL***
Porra de homem carrasco. Ah, moh crhied, pode continuar negando… Eu sou insistente. Sinceramente, fiquei chocado no quanto Michael foi direto. Vi nos seus olhos tristeza, algo que mora ali a muito tempo. Não tenho certeza absoluta. Posso estar enganado. Essa semana toda enviei rosas colombianas com cartões que eu escrevi convidando-o para um jantar. O ingrato devolveu todas as vezes para o entregador.
Michael deve estar achando que sou um moleque querendo entrar no meio de sua bunda. Quero mais que isso. Antes de nos envolvermos fisicamente, anseio em conhece-lo como pessoa, como homem.
E ele não está facilitando.
Valentina tem fugido de mim. Até agora não tivemos a conversa. Sua batata já queimou. Ainda estou muito bravo por ela ter mentido. Pedi para João Pedro cuidar da empresa durante esta tarde de sexta-feira. Além de estar exausto preciso resolver as coisas com mia ragazza.
— Que bom que chegou, filha. Precisamos conversar.
Falei, assim que ela entrou na sala de estar. Como mau costume, pôs a mochila cheia de chaveiros ao lado da porta de entrada. Antes de sentar-se no sofá, desfez o nó da blusa de frio da cintura, largando-a.
— Padre, sinto muito. Muito mesmo. — Diz, a pequena atriz tentando me amolecer.
— Quero saber porque inventou tudo aquilo para senhora Carina. A verdade.
— Eu apenas… Estava me encontrando com um rapaz.
Abri e fechei a boca uma, duas, três, quatro… Sei lá quantas vezes. Simplesmente, não consegui dizer nada. Mia bambina, namorando? Oh, meu bom Deus. Talvez não seja tarde para coloca-la em um colégio de freiras.
— Continue. — Pedi tentando parecer sereno.
— Bem, eu estava me encontrando com meu namorado. Melhor atualizar as coisas. — Ela sorrir tensa. — Agora não estamos mais namorando. Por isso estava gazeteando as aulas do período da tarde. Michael estava no local certo na hora errada. Ele apenas me ajudou com a senhora Carina.
— Valentina, desde quando tornou-se mentirosa? Sabe como estou me sentido?
— Pai....
— Nem comece! Estou muito decepcionado. Você já aprontou tanto, que me falta opções de castigar você.
— Sem dramas, padre.
— Não teste minha paciência, menina. — Alterei o tom de voz, fazendo-a encolher os ombros. — Vá para seu quarto. Cortarei todas suas regalias. Está me entendendo?
— Sim senhor.
Vi seus olhos cheios de lágrimas e quase vacilei. Não sei o que está acontecendo com minha filha.
Tinha planejado um passeio com Valentina, pela cidade. No entanto, a mesma está de castigo. Eu quero que ela pense no que fez. O pior de tudo é que eu agi como um covarde, pois nem quis saber quem era o tal fulano que namorava minha filha. Seria capaz de caçá-lo e fazer besteira. Fiquei tranquilo por saber que ela não estar mais namorando. Menos mal.
— Com licença. — Paola entrou no escritório trazendo os dois contratos que eu havia pedido.
O expediente das industrias é semanal. Entretanto, como estamos prestes a lançar o novo catálogo, eu como dono me sinto na obrigação e dever de manter tudo em ordem para evitar qualquer problema. Por isso prefiro vir para empresa.
Agradeci, e peguei o contrato de suas mãos. Queria apenas me certificar que não faltava nenhuma clausura no contrato comercial. Pedi para Paola enviar as vias para os respectivos clientes, dentro de envelope e autenticado no cartório. Provavelmente só iriam na segunda.
— Hoje combinei com o pessoal para irmos ao pub do Matheus. Pensei que quisesse ir conosco.
Certo. Não esperava por isso. Respirei fundo, sentindo o clima ficar tenso de minha parte. Paola é belíssima, mas nunca cogitei a ideia de termos um relacionamento. E principalmente não a iludi em momento algum. Antes que pudesse responde-la, meu celular vibrou em cima da mesa, e no visor apareceu a foto de minha menininha. Sendo um pouco sem educação, atendi rapidamente o celular.
— Mia figlia parla.
— Oi pai. Só queria avisar que passarei o dia com Michael.
Se Valentina queria me irritar, conseguiu. A danada descumpriu mais uma vez minha ordem.
— Valentina, Valentina…Umas palmadas não seria má ideia. — Rosnei.
Jamais teria coragem de levantar a mão para minha filha, e nenhuma outra pessoa. Mas tem horas que essa menina…Valentina vale por dez meninos chorões.
— Por favor, papai. Prometo que depois cumpro o castigo. — Paola, chamou minha atenção e fiz um gesto para ela sair da sala. Percebi que não gostou, contudo, não me importei. — Michael, disse que seria ótimo o senhor passar o dia com a gente no parque de diversões.
Ok. Agora ela roubou toda minha atenção.
— Michael? Tem certeza?
Esse homem fode meu juízo. Ele recusou as rosas e os pedidos de jantar…E agora está me convidando para participar do passeio.
— Sim. Ele mesmo. Estaremos esperando o senhor na entrada.
Combinado?
Eu sentia que minha filha estava aprontando. Era óbvio que inventou essa última parte. Mas se ela queria me ajudar com Michael, mesmo sem eu admitir meu interesse pelo moreno, aceitaria numa boa. E o melhor. Desta vez Valentina não iria espantar meu futuro namorado.
— Combinado, minha filha